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História Constelação - Dores


Escrita por: PatyNinde

Capítulo 5 - Dores


E se eu tivesse seu coração

E se você usasse minhas cicatrizes

Como iríamos terminar?E se você fosse eu 

(What If - Five For Fighting)  

 

Hermione despertou com a mesma sensação de quando se dorme fora de casa e pela manhã o cérebro leva alguns segundos para reconhecer o local.  Piscou algumas vezes, e jogou o frasco vazio de poção do sono sem sonhos dentro da pequena mala que trouxera de casa.   Pôs-se de pé e deu uma olhada no quarto com mais calma. Na noite anterior apenas entrara apressada no local com a cabeça latejando e uma vontade incontrolável de vomitar. Hermione atribuiu os sintomas ao feitiço estuporante do qual fora vítima pela manhã, precisava anotar aquelas informações de ordem prática para um estudo de caso posterior. 

 "Precisa relaxar, Mione. Para você tudo sempre termina em estudar"   

Era o que Rony diria se estivesse ali. Aquela era sua frase favorita e, se houvesse um concurso para as sentenças mais repetidas por Ronald Weasley, haveria uma disputa acirrada entre: "Precisa relaxar", “Estou com fome” e "Você é a pessoa mais inteligente que conheço." Ter o ego constantemente inflado pelo namorado e gostar de ser exaltada por suas qualidade era aquele tipo de tacanhez e arrogância que ela se dava o luxo de possuir vez ou outra. Rony sabia fazê-la se sentir muito sábia e importante. Estar com ele era como se houvesse um culto e Hermione fosse a divindade venerada. Quando percebia a namorada muito tensa ele entregava seus louvores e preces em forma de massagens altamente vigorosas, energizantes, e eróticas. Por vezes terminavam de relaxar na cama, no chão, no chuveiro, ou em qualquer outro lugar que apoiasse os corpos ávidos por satisfazerem os seus desejos.  

Sentindo a necessidade de um banho morno para desfazer alguns nós musculares, Hermione seguiu até o pequeno anexo ao lado do dormitório, onde um banheiro muito pequeno e simplório fora construído às pressas, considerando a aparência dos azulejos mal diagramados.   O banho resolveria apenas trinta por cento do problema. Sem Rony por perto relaxar parecia uma tarefa complexa demais; sem as mãos calosas de dedos curtos e grossos alisando cada pedaço de carne exposta pela nudez que antecedia a chuveirada, tudo parecia mais difícil.  

Quando tocou na água do chuveiro sentiu-a fria ao primeiro contato com suas coxas. Afastou-se e esperou que o feitiço aquecedor começasse a fazer efeito. O corpo recebeu a dose generosa de uma chuva morna e reconfortante, mas ainda faltava a figura ruiva e quente prensando-a na parede enquanto a água corria livremente no, quase inexistente, espaço entre os corpos.  

Decididamente Hermione reconheceu estar em seu período fértil. Tantas sensações e lembranças eram perfeitamente justificáveis quando o calendário apontava para tal época. Nesses dias, mais do que nos demais, sentia falta de ser tocada por mãos masculinas, sedentas e ébrias de desejo, assim como ela.   

Ela jamais revelaria isso a alguém, nem mesmo para Gina, mas por meses dormira agarrada a uma das camisas do Chudley Cannons que Rony sempre vestia nos finais de semana. À noite, sonhava com ele, possuindo-a de todas as formas imagináveis. Pela manhã acordava perdida, carente, e com medo de enlouquecer, tamanha a saudade e solidão que sentia.   As poções de sono sem sonhos ajudavam-na a evitar tais fantasias noturnas, pois, em determinado momento, elas se transformaram num vício. Era o escape perfeito para todos os sentimentos que dominavam seu corpo e a faziam sentir-se como uma caixa de pandora, prestes a explodir e contaminar o universo com seus defeitos e perdições.

Quando notou que havia algo de errado, escondeu a camisa de Rony e tudo que a fazia se lembrar dele. Pouco a pouco os sonhos diminuíram — não cessaram. Contudo, aprendera a lidar com eles e, na maioria das vezes, os afastava.

 O banho terminou e o dia estava prestes a começar de fato. De acordo com as fichas que lhe haviam sido entregues conversaria com o jovem Travis. O garoto tinha um passado terrível, Hermione analisou, enquanto prendia o fecho do sutiã e lia as informações sobre ele constantes na ficha, que ela espalhara cuidadosamente na cama para poder se arrumar com mais rapidez.  Viu a própria mãe ser morta e dormira na companhia de seu cadáver por cerca de dez dias. Estava preso como refém na residência de um bruxo que se autodenominava "Unificador do mundo mágico" e, quando conseguiu escapar, assassinou o homem e forçou a filha dele a ficar no local por cinco dias, obrigando-a a beber sua própria urina e se alimentar dos ratos que corriam no porão onde estava presa.  Ele foi preso alguns dias depois, quando a garota conseguiu contato com um homem que passava pela casa e viu as mãos dela pela saída de ar do porão. A versão dos fatos foi confirmada pela garota e pelo seu benfeitor, que a adotou e a registrou como filha. E agora, o caso fora designado para Hermione, porque algo mais suspeito colocava Travis dentro de uma complexa investigação.    

—x—

  As constantes dores na perna começaram para valer em qualquer mês frio de qualquer dia do ano, que ele já não sabia mais qual. Estar na prisão embaralhava algumas das noções de tempo e espaço; Draco só sabia que era natal porque vez ou outra, quando ele não xingava algum funcionário, quando ele comia sem reclamar, ou era cooperativo na limpeza de sua cela,  alguém aparecia, geralmente Anthony Feggis, e lhe permitia o desfrute da festa mais feliz do ano. Ele nunca se comportava bem, logo, apenas duas vezes lhe permitiram descer em um dos salões inferiores de Azkaban para comemorar junto com os outros presos. 

Ninguém ousava ficar feliz nestas comemorações e Draco não entendia o porquê da existência de uma festa ali; as decorações de natal destoavam no ambiente obscuro e perturbador. Os presos sempre lançavam olhares furtivos na direção da porta, gradeada. Alguns dementadores ficavam ali, só para o caso de algum engraçadinho bancar o inteligente e tentar matar um desafeto na prisão, ou mesmo tirar a vida de algum Medibruxo e demais diretores do local, os quais passavam, sabia-se lá o motivo, o natal naquela podridão chamada Azkaban. 

Draco tinha alguns desafetos e poderia com toda certeza se declarar inimigo capital de boa parte deles. Havia feito muitas coisas em seu período como comensal, buscando tanto o favorecimento próprio, como a proteção de sua família; nesse interim desagradara muitos servos do Lorde em suas empreitadas. Dentre as maiores burradas estava no topo da lista fingir não reconhecer Harry Potter quando ele e seus amigos foram capturados e levados para sua casa. Na época, quando descobriram tudo, quiseram “dar uma lição à um comensal insubordinado”, mas nunca conseguiram completar o serviço, o Lorde tinha outros planos. No primeiro natal que passou encarcerado, experimentou um traço do ódio de seus ex-colegas de trabalho. Feggis o deixara sair de sua cela, como um prêmio de consolação, pelo fato de ser Malfoy tão jovem e já estar experimentando as agruras de uma prisão bruxa, ou na opção mais provável, porque Feggis simpatizava com ele, gratuitamente. Sua situação de jovem órfão poderia ter alguma influência, Draco suspeitava. 

Naquele natal, todos os presos se reuniram num salão de audiências. Boatos corriam entre os cochichos dos bruxos mais experientes em termos de Azkaban, que aquele era o local onde se decidia sobre a aplicação do beijo do Dementador. O clima estava longe de ser feliz, mas os monstros sugadores de almas ficavam a uma distância razoável, então, eles conseguiriam comer e “festejar” sem serem atormentados com imagens, sons e lembranças. Draco estava sentado no ponto mais distante do salão, próximo a uma estátua de bronze, de formato duvidoso, algo como um leão com cabeça de águia; cutucava displicentemente uma lasca da parede em que estava apoiado, alheio a toda aquela farsa que era o natal dentro de uma prisão de segurança máxima para os Bruxos mais perigosos da Inglaterra.  

— Ei, princesinha loira!— Uma voz grossa e muito conhecida gritou da outra ponta do salão. Draco sabia quem era, por isso evitou olhá-lo. Thorfinn Rowle. Ele estivera na batalha da Torre de Astronomia. Um loiro grandalhão e metido a valente, que perto do Lorde se transformava num gatinho de estimação.

Draco se lembrava bem do porquê da implicância de Rowle. Ele não era sangue puro e o garoto o delatara para Lorde Voldemort para cair nas graças de seu senhor. Thorfinn Rowle foi torturado por uma semana, e jogado aos aurores pelos próprios amigos.  

—Não me ignore, garotinho Malfoy. Estava esperando ansiosamente o dia em que você viria para este inferno. Esperei seu pai, mas ele não conseguiu, digamos, chegar muito longe.— Uma risada assustadoramente alta, seguida de um acesso violento de uma tosse sanguinolenta, chamou a atenção de todos no salão, que dirigiam seus olhares a Draco e Rowle como se acompanhassem uma partida de quadribol muito acirrada.

—Aparentemente, Rowle, seus modos não mudaram muito, não é mesmo? Sempre a mesma falta de classe dos sangues ruins— Draco falou, enquanto se aproximava e chegava próximo o suficiente para rosnar baixinho. —Espero que tenha recebido cruciatus o suficiente para limpar esse seu sangue imundo. Claro que depois de ver a cabeça de sua mãe presa numa estaca, imagino que sua lealdade tenha fraquejado um pouco. Suponho que ter de vê-la naquela situação vexatória não deva ter sido muito agradável. Todos gostaríamos de saber quem foi o culpado, não é mesmo?!— Draco agora sustentava um sorriso cínico e carregado de crueldade, sabia que Thorfinn não poderia fazer nada com ele enquanto os dementadores estivessem por ali, distantes, mas presentes em algum lugar.

Mas, talvez, o loiro tivesse se precipitado. Sem a companhia de alguém que cobrisse suas costas, não deveria ter xingado a mãe de um ex- comensal tão furioso, e com o dobro de seu tamanho. Draco percebeu isto um pouco tarde demais. Rowle não hesitou e segurou Draco pelo pescoço com um brilho assassino nos olhos. Em fração de segundos, Malfoy estava no chão com um brutamonte pressionando sua garganta. Quando sentiu sua perna estralar e alguns ossos se partirem deu-se conta de que Rowle havia sentado sobre o seu corpo, imobilizando-o por completo; com a força das próprias mãos torcera a perna esquerda do preso indefeso, causando uma série de fraturas, Draco pôde perceber, não só pelo barulho horrível, mas pela dor excruciante que logo foi seguida por um grito sôfrego.  O barulho fez com que os organizadores da “festa feliz de natal” se dirigissem ao local, procurando os culpados pela balbúrdia, bem como os administradores da prisão vieram correndo, tentando acalmar a fúria dos prisioneiros que começaram uma briga coletiva. — Saiam daqui, miseráveis! Não conseguem se comportar nem mesmo em noite de natal...Animais! Delavick chegou, caminhando em passos tão largos quanto suas pernas permitiam, fazendo um sinal com a varinha que destrancou as portas e chamou os dementadores para o salão. A agitação foi geral, com direito a gritos, súplicas e gemidos. Aparentemente alguns presos se deixaram iludir pelas fracas luzes natalinas e permitiram que as lembranças felizes atravessassem os portões de Azkaban. Draco se perguntou, enquanto agonizava de dor, se a festa não era planejada para dar aos dementadores o que comer, mas suas digressões não duraram muito tempo, pois quando tentou se distanciar do alvoroço de presos desesperados, sua visão ficou embaçada e ele perdeu os sentidos, tendo acordado dois dias depois, na ala de enfermos da prisão. O Medibruxo responsável pela chefia da área médica, tão suja quanto um banheiro de Pub, chegou enxugando as mãos no jaleco. O homem tinha a pele lisa e amarelada, o uniforme estava encardido, e os cabelos eram penteados com alguma pomada oleosa — de modo a segurar o excesso de fios na parte de trás — deu a Draco uma sensação de mal estar. Sempre fora cuidado pelos melhores Medibruxos, e agora estava nas mãos de um homem de aspecto sujo e descuidado.  

— Senhor...Hum, Malfoy? — O homem titubeou, conferindo a ficha do paciente. — Sua perna já sofreu uma fratura, pelo que pude perceber. Por uma infeliz coincidência, o senhor Rowle conseguiu quebrar os mesmos ossos. Isso, aliado ao fato de que não conseguimos atendê-lo a tempo, e um desconhecido descontrole em sua magia, fez com que os ossos se calcificassem muito depressa. Sinto muito, mas o senhor terá dificuldades para caminhar por um longo período, ou mesmo para sempre.

Draco permaneceu estático, digerindo as informações que o Medibruxo lhe trouxera. Sentiu-se um lixo, um verdadeiro dejeto de elfo doméstico. Como era possível que ninguém o tivesse atendido a tempo? Ele fora o primeiro a ser ferido, os demais poderiam esperar. Ele já tinha um histórico de fratura, estava em sua ficha. Não se cansava de pensar o quanto aquilo era um absurdo. Ele era um Malfoy, merecia mais respeito. 

—Escute, hã, doutor...? — Apesar da situação de dependência e sujeição, foi um olhar de ojeriza, profundamente nauseado, que Draco dirigiu ao medibruxo.

— Dixon, Leon Dixon. — O homem não se mostrou ofendido. Fechou os olhos e respirou fundo, como se já houvesse visto o mesmo olhar uma centena de vezes.

— Certo. Escute, Dixon. O senhor sabe com quem está falando?

Os olhos negros e mórbidos de Leon fitaram Draco com uma pitada de surpresa, não o suficiente para transformar sua máscara de indiferença.  

— Hum, deixe-me ver. — Dixon começou, lendo a ficha com um ar de forçada subserviência. — Senhor Draco Malfoy, prisioneiro de número 106.789. Sem marcas de nascença, apenas uma, criada por magia. Ora, veja só, a marca negra de um lorde mestiço, que, ironicamente, defendia a pureza de sangue e foi morto, é claro, por um garoto mestiço.

O tom sarcástico e ousado fez o sangue de Draco ferver, entrar em ebulição e explodir dentro de todas as camadas de sua epiderme. Quando fez menção de abrir a boca para protestar e destilar uma porção de seu veneno Malfoy, o Medibruxo o interrompeu, com a cartada final, a cereja do bolo de sua humilhação. 

—Aqui, você não é ninguém. Não passa de um número, e suas origens são nada mais do que um monte de excremento. Não me venha com exigências. O senhorzinho não é o primeiro a chegar em minha ala hospitalar clamando por direitos que deixou de possuir quando colocou esta marca estúpida no braço. Ora essa... “você sabe quem eu sou.” — Dixon bufou exasperado.

Na época, Draco estava com dor demais para retrucar, e sem forças para colocar o Medibruxo insolente em seu lugar. Apenas fechou os olhos e virou de costas para o homem nojento. A vingança viria na hora certa, ele sabia. Quando saísse daquele lugar, e ele sabia que sairia, daria um jeito em Leon Dixon. Se seu pai, Lucius Malfoy, estivesse vivo, ele ficaria a par da situação, mas, como estava sozinho no mundo, usaria de sua pouca influência no mundo Bruxo para providenciar a morte lenta e bastante dolorosa de Leon Dixon; se ele tivesse família, poderia sequestrar seus entes queridos e torturá-los na frente dele.Com estes pensamentos dormiu, sabendo que no dia seguinte seria levado para sua cela, e ali, no frio e na solidão, ficaria pelo tempo que a justiça bruxa achasse necessário, ou, pelo tempo que Kayla O’Boyle resolvesse colocar seu plano misterioso em prática. 

x

Diga quais ingredientes usas e eu direi que pocionista tu és.

A frase brilhava na parede de Kayla O'Boyle. Piscavam, mudando de cor e fonte a cada dezessete segundos. Draco contara.

Viver numa prisão conferira a ele uma porção de habilidades inúteis, tais como fazer barcos de papel e dobraduras engraçadas com os pedaços de jornal velho que recebia de Feggis; desenhar pequenos dragões na parede e conseguir, apesar de não saber definir as datas com precisão, contabilizar com precisão a passagem do tempo (o que era uma maldição, pois sabia exatamente quantas horas passara preso). Poderia converter todos os seis anos de prisão em minutos, e depois em segundos, o que o levaria a loucura facilmente, mas ocupava seus pensamentos e poderia muito bem ser uma defesa contra os dementadores.

A sala de Kayla era muito luxuosa. Em sua mesa estavam espalhados Leprechauns de vidro, dançantes e muito irritantes na opinião de Draco. Se não estivesse algemado poderia quebrá-los todos com as próprias mãos, até ver o sangue se misturando aos fragmentos transparentes. 

A pocionista estava desenhando uma linha fina em um dos pergaminhos amarelados dispostos em sua área de trabalho. A pena encharcada de tinta atravessou a folha, rasgando-a, e manchou o tampo de mármore da mesa. Draco dirigiu um olhar de reprovação e desdém à atitude de Kayla. Ele sabia que um pergaminho refinado jamais sofreria um estrago; somente um material de péssima qualidade seria afetado pela quantidade de tinta. 

— Olá, senhor Malfoy. Espero que tenha gostado do nosso passeio nos túneis da prisão. — Kayla comentou, limpando os resquícios de tinta que ameaçavam sujar todas as pastas e pergaminhos. 

— Digamos que achei a visita muito instrutiva, mas ainda não entendi o que isso tem a ver com a retomada da minha Mansão. Apenas encontramos runas velhas e podres naquele lugar. — Draco reclamou sabendo que sua impaciência havia atingido  um limite nunca antes testado. Embora estivesse crente de que poderia conseguir a liberdade e reaver sua antiga casa, detestava as evasivas de Kayla. — Diga-me, Senhorita O'Boyle, o que realmente quer de mim? Não vou me submeter a mais nada se não estiver devidamente informado sobre suas intenções e planos. Nem pense em me tomar por idiota, sei que vai ganhar alguma coisa com isso, afinal, ninguém oferece ajuda por puro altruísmo.

Kayla arregalou os olhos e sorriu sem mostrar os dentes. Draco havia avançado o corpo em direção à sua mesa e possuía uma frieza bastante tangível nos olhos quase prateados. Poderia cuspir na face daquele verme iludido e jogá-lo na latrina da prisão, fazendo-o mergulhar nas fezes de todos os presos, apenas para dar-lhe uma ideia de sua atual posição.

— Não seja infantil. Qualquer um sabe que a Mansão Malfoy possui inúmeros artefatos escondidos, dentre os quais, jóias e pedras místicas muito raras originadas do leste da França que pertenceram ao seu tataravô e nunca foram encontradas. Tenho interesse em parte de sua fortuna, e não adianta me olhar assim. Eu vou conseguir o que eu quero, ainda que você não ajude. 

— Como você é burra. Não esperaria menos, é claro. Pode estar onde quiser, O'Boyle, ocupar a posição que bem entender nesta droga de mundo. Mas existe uma regra inquebrável chamada "tradição". Você jamais teria acesso à Mansão, entende? Jamais! É preciso mais do que um alohomorra para entrar lá sem ser percebido. — Draco estava se cansando de toda a história de Kayla. — Eu quero voltar para minha cela. E se você for educada o suficiente me deixará em paz. 

Kayla, que durante a conversa desenhara uma espécie de mapa no pergaminho, sinalizou para que Draco permanecesse onde estava. 

— Este é um dos mapas mais preciosos de toda a prisão. Estudei cartografia quando era mais nova, antes de entrar na Escola de Magia e Bruxaria de Ilvermorny. Sim, eu estudei nos Estados Unidos, antes que questione meu sotaque, que pouco lembra o de uma norte americana nativa. Enquanto morava na Irlanda com minha mãe, tínhamos o costume de  colecionar mapas de todos os tipos. Ela me ensinou algumas coisas sobre escalas e, posteriormente, me matriculou num curso trouxa de desenho. — Kayla levantou-se e arrastou uma das cadeiras para perto de Malfoy, sentando-se nela e mostrando-lhe o pergaminho. — Este é o mapa do túnel de aparatações. O único lugar onde é possível sair deste lugar sem ser notado. Faça pelo menos duas cópias dele e permaneça alerta. Tentarei tirá-lo daqui pelos meios adequados e contarei com a ajuda de uma colega de trabalho, embora ela não saiba que será de responsável por sua liberdade. Contudo, esteja preparado para uma fuga.

x

A maldita enxaqueca atacava novamente. Hermione podia sentir as têmporas pulsando no ritmo de sua impaciência. Os pergaminhos que traziam as informações sobre Travis estavam incompletos e cheios de lacunas. Segundo Agosis, o auror responsável pela captura do garoto não havia dado muita importância ao caso; pensou ser mais um dos motins infundados dos jovens que não viveram os horrores da guerra e acreditavam que o sistema idealizado por Voldemort tivesse tudo para dar certo. De fato, Hermione sabia que muitos casos se encaixavam nesta definição, mas Travis era diferente. Junto de Dianna e Katrina, compusera a organização "Pró-Voldemort" mais temida dentre as que foram criadas dois anos após a guerra. Dianna e Katrina estavam sob o efeito da maldição imperius, portanto, logo foram inocentadas.  Travis, contudo, tinha apenas 12 anos quando ingressara, não sabia o que estava defendendo, mas entrara na organização por livre e espontânea vontade. Era mais um caso típico de jovens sendo ludibriados ou enfeitiçados, algo comum depois da queda do antigo Lorde. Alguns cometiam suicídios na ânsia de serem o sacrifício necessário ao retorno do mestre, outros matavam crianças trouxas. 

Os três jovens, porém, estavam com medo. Calvin, auror da confiança de Harry Potter, fora o responsável pela captura do grupo e, segundo seu relato, eles estavam ouvindo vozes que os ordenavam à prática de crimes.  O auror havia notado que Travis era o que parecia mais atormentado, colocando as mãos sobre os joelhos e arranhando o próprio corpo.

Hermione ouvira tudo numa conversa informal, num jantar na casa de alguns amigos do St. Mungus, quando ainda frequentava esses eventos. Na época a comunidade bruxa ficara em choque e clamara por uma proteção mais incisiva, uma abordagem mais eficaz. Tal abordagem acabou sendo discutida no Ministério, e por mais que o apelo de muitos fosse para que Azkaban sofresse uma reformulação, transformando-se numa prisão comum, a decisão final do Ministério baseou-se no desejo predominante de vingança contra os criminosos, o que culminou na volta dos dementadores, os quais haviam acabado de ser expulsos de Azkaban.

—x—

O corredor que levava até a sala de visitas, onde Travis a estaria esperando, era estreito demais para que duas pessoas passassem uma ao lado da outra e Hermione agradeceu por estar sozinha. A sensação de claustrofobia era forte, e o cheiro de mofo misturado com o aroma forte e enjoativo da maresia parecia exalar das paredes, feitas de várias pedras negras e redondas, que mudavam de forma a cada duas semanas, transformando-se em losangos, hexágonos e octógonos, igualmente negros. As mudanças ocorriam porque em cada pedra havia um código de segurança específico para as quatro varinhas autorizadas a tocar neles que, quando ativado, chamava os dementadores, os Medibruxos, ou os incineradores — responsáveis pelo descarte dos corpos daqueles que morriam na prisão —. Bastaria o carcereiro escalado naquela semana pressionar a varinha sobre a pedra para que algo acontecesse.

Hermione odiava lugares apertados, fechados e úmidos. Azkaban era o lugar onde todas essas características se mostravam por demais acentuadas.  O som do mar sempre tivera o poder de aliviar a tensão que nunca deixava os seus músculos, mas ali não era possível, uma vez que toda aquela calmaria era uma grande farsa. Enquanto as águas chocavam-se nos rochedos com suavidade, Hermione sabia que dentro das celas, havia tormento, sufoco e tortura.

Travis era um garoto agradável, se não fosse a sombra de pavor contornando suas feições. Quando entrou na sala de Hermione parecia conhecê-la muito bem, e pior, temê-la. Os olhos muito escuros eram o contraste perfeito entre a pele clara e doentia, e os cabelos poderiam muito bem ter sido sua melhor característica quando era criança. Os cachos ainda tinham um certo brilho e formavam uma coroa em volta de sua cabeça.

Ele, que estava encostado na porta da sala de visitas, caminhou pé ante pé até chegar ao lado da cadeira reservada ao preso, de forma trôpega e insegura, apoiou-se no móvel. Hermione gostaria de saber se ele estava sendo devidamente alimentado, ou tratado dos ferimentos, pois parecia muito fraco.

— Sente-se, Travis. — Ela começou falando, fazendo uso de seu tom mais amistoso. — Posso te chamar de Travis, certo?

O garoto não respondeu, mas obedeceu, encarando um ponto fixo com uma expressão perturbada e a respiração entrecortada, como se estivesse recebendo vários socos no estômago. Hermione procurou o que ele estava observando, e viu o porta retrato em que ela, Harry e Rony sorriam e faziam caretas vestindo suéteres bordados pelas mãos de Molly.

— Somos eu e meus amigos. —Ela disse, quebrando o silêncio.

— Esse garoto, o de cabelo laranja. — Hermione retesou-se em sua cadeira à possível menção a Rony. Ajeitou a postura e tentou limpar a mente. Se Travis tinha alguma informação sobre Rony, ela queria estar preparada física e psicologicamente para escutar.  — Esse homem...garoto...

— O que tem ele, Travis? — A medibruxa tentou imprimir um tom leve e compreensivo, daqueles utilizados com crianças inseguras e assustadas. — Você o conheceu?

— É meu vizinho, Christopher.

Hermione tentou não transparecer sua decepção. Travis estava delirando, como grande parte dos prisioneiros que ali viviam. Contudo, ela precisava conduzir a entrevista. Entender o paciente fazia parte de um longo processo recuperador. Se estivesse certa — e quase sempre estava — primeiro teria que conhecer o universo de Travis, para depois buscar atender suas necessidades como prisioneiro.

— Tudo bem, Travis. — Hermione começou, ao perceber que ele se alterara — Christopher é seu amigo? Você sente falta dele?

— Christopher é bom.

"Respostas que não correspondem diretamente à pergunta e ausência de coordenação motora". As mãos de Hermione rabiscavam a própria agenda.

— Certo. E seus pais?

— Eu quero um patrono, Doutora. Eu preciso de um colar desses que a senhorita usa.

Ele falou com coerência e clareza, o que poderia ser caracterizado como um lapso de lucidez.

— E por que você quer um patrono, Travis? — Hermione inclinou a cabeça como se estivesse observando um quebra- cabeça muito colorido e cheio de peças espalhadas, a caneta apoiada no queixo. 

— Preciso me defender. — Os olhos do garoto estavam marejados. O brilho da poça de água que se formava na íris escura chamou a atenção de Hermione.

— De que?

— Não quero mais ver minha mãe pegando fogo. Os dementadores fazem com que eu sinta o cheiro da carne queimando e do sangue borbulhando. Não gosto de lembrar... Não gosto! Eu vejo, vejo sim, os olhos dela derretendo e escorrendo para dentro do crânio... Não quero ver. — Travis dobrou os dedos, formando um par de garras com as mãos, e cravou as unhas no rosto, cabelo e corpo, até que sangue começou a brotar de sua carne.

— Travis, pare! Petrificus Totalus — Hermione berrou, antes que o garoto começasse a perfurar o rosto inteiro.— Tudo bem, querido... Tudo bem. Estamos seguros aqui.

A jovem medibruxa aproximou-se de Travis, alisou a pele gelada e rígida do garoto. Desfez o feitiço quando ficou perto o suficiente para impedi-lo de se machucar, caso fosse necessário.

Os olhos de Travis despejaram as lágrimas que estavam esperando a primeira piscadela para que pudessem deslizar livremente pelas bochechas encovadas do garoto. Hermione esticou as pontas da manga da própria camisa e enxugou o rosto molhado daquele que, ela sabia, era mais uma das vítimas de Azkaban.

x

Hoje a dor estava particularmente insuportável. O frio piorava a sensação de ossos inflamados, Tíbia e fíbula fatalmente debilitados, uma sensação quente e febril ,e o enrijecimento de todos os músculos que envolviam a parte fraturada.

Draco tentou se locomover até a pia. Deitado na minúscula cama, dentro da cela apertada, não conseguiu evitar a sensação de um milhão de lanças cegas tentando esmigalhar seus ossos ao erguer a perna ruim para colocá-la no chão.  Suas mãos conseguiram alcançar a parede em que a pia estava encostada, mas a perna sã não conseguiu sustentar o peso de seus 72 quilos, levando Draco ao chão, piorando a dor, fazendo-o gritar desesperadamente.

— Cale a boca!— Uma multidão de vozes alucinadas berrou, provavelmente perturbadas o suficiente pelas suas piores memórias. No entanto, ele não conseguia parar de gritar. No ápice da dor e desespero, fincou as unhas no chão áspero, de revestimento rústico, dilacerando severamente os dedos das mãos.

Mais rápido do que de costume, alguém entrou na cela, com um olhar preocupado, proferindo alguns feitiços, que abririam as grades. Os médicos de lá sequer olhavam para os prisioneiros, a presteza no atendimento era de se espantar. Mesmo entre fortes espasmos e perda de consciência, pode notar que ela — conseguira identificar a silhueta feminina — estava genuinamente preocupada.

— Prisioneiro 106.789. Não se mova—, Doutor Dixon ordenou, vindo logo atrás, enquanto tentava se espremer no espaço diminuto da cela sem esbarrar na figura agonizante que era Draco Malfoy.

— Precisamos que o senhor fique parado, ou não poderemos ajuda-lo. Lumus Maxima!— Leon Dixon direcionou a luz da varinha para o rosto do prisioneiro. A luz iluminou a cela por completo e Draco, antes de perder os sentidos teve tempo de ver um par de olhos castanhos, levemente assustados e confusos.

Ela

x

— Dra. Granger, espero que esteja gostando de nossas instalações. — A voz do Doutor Dixon foi a segunda coisa que Draco ouviu quando despertou; a primeira havia sido ' Dra. Granger '. Quantas Doutoras existiriam no mundo Bruxo com o mesmo nome? Nenhuma, ele ousaria dizer. Somente ela.

Sangue ruim maldita.

— Oh, sim Dr. Dixon, é uma instalação satisfatória. No Ministério ou St. Mungus não temos contato com pacientes em estado tão deplorável como o prisioneiro 108.786, portanto, para mim, foi uma experiência inédita.— Ela estava, da forma mais elegante possível, criticando duramente o atendimento aos presos de Azkaban, mas talvez Leon Dixon não tivesse percebido, hipnotizado demais pela beleza e jovialidade de Hermione Granger.

— Eu imagino que a sistemática seja muito diferente mesmo, afinal de contas, aqui em Azkaban lidamos com presos perigosos... Não podemos facilitar.— Dixon deu uma risadinha. Os olhos negros fitavam Hermione como se estivesse diante de um quadro raro de algum museu trouxa, que ele visitava em seus fins de semana livres.

Hermione ajeitou-se, desconfortavelmente.

 — Não sei se compreendo o seu ponto, Dr. Dixon. O senhor sabe que discordo abertamente da política adotada aqui. A negligência e o descaso para com os prisioneiros é visível! Não podemos nos esquecer que são seres humanos, e como tais devem ser tratados. Veja esta fratura cominutiva e como está bastante instável, mais do que o normal até. O osso se quebrou em três ou mais fragmentos. Está calcificada, ainda por cima.

A jovem Medibruxa analisava freneticamente o quadro do paciente, diagnosticando o problema sem sequer sacar a varinha. Os olhos castanhos apertados em concentração tentavam descobrir o que mais havia acontecido com o rapaz loiro e inconsciente no leito da enfermaria de Azkaban.

A perna de Draco estava inchada, uma tonalidade arroxeada, quase negra, algumas ondulações e proeminências ósseas também se faziam presentes. A quentura sentida ao toque era a prova de que algo estava muito errado com o organismo do paciente; talvez fosse o caso de uma infecção bacteriana.  

— EU NÃO A QUERO AQUI!

Hermione deu um leve salto para trás quando ouviu a voz de seu algoz da adolescência. Estava próxima demais, concentrada demais. Não se dera conta de que ele havia acordado e a olhava com um misto de estranheza e repulsa. As profundas e incontáveis  rugas na testa indicavam sua absoluta reprovação ao que acontecia ali. Ela ainda estava com uma das mãos apoiada no tornozelo dele. Com um tapa violento, ele empurrou a pequena mão para longe e não demorou muito para sentir outra mão, agora não tão pequena como a anterior, apertando-lhe o pescoço com uma força brutal.

Doutor Dixon estava com os olhos vermelhos e as veias saltando em suas têmporas.

— Não se atreva a tocar em nenhum médico aqui, prisioneiro 106.789.— Ele continuava chamando Draco pelo número, mesmo, aparentemente, sabendo quem ele era. Aliás, em virtude do tratamento mais agressivo que o normal, Malfoy se perguntou se não se conheciam de algum lugar.

— O senhor não tem permissão para escolher quem vai tocá-lo, alimentá-lo, tratá-lo, ou "beijá-lo."— A última palavra saiu num tom sádico. — Infelizmente a Dra. Granger não trabalha de forma habitual aqui na prisão e, embora eu não devesse lhe explicar o que ela está fazendo aqui, vou informá-lo, porque estou de muito bom humor hoje.

 Draco estava entorpecido, sob o efeito de alguma poção, que ele desejaria muito ter sentido o gosto e o cheiro, a fim de poder saber o que haviam lhe ministrado.

Dr. Dixon continuou

— Bem, como pode ver, estamos trabalhando para melhor atender nossos prisioneiros. Desde a época que o senhor chegou aqui muitas coisas mudaram. A alimentação tornou-se rica em nutrientes, adicionamos camas confortáveis, e hoje, os presos contam com um banheiro adequado às suas necessidades. — Draco soltou um risinho pelo nariz. Sentiu vontade de protestar, dizendo que os presos eram tratados com menos dignidade do que elfos domésticos nas casas de bruxos tradicionais; que um amontoado de dejetos tinha mais valor do que eles. Mas não era uma boa hora, estava sozinho, em uma situação de dependência e extrema vulnerabilidade. Dixon continuava falando sem parar.

—Então, Dra. Granger está aqui para auxiliar no projeto denominado "processo de Inclusão nas instituições Bruxas" fazendo um relatório completo sobre as instalações para o Ministério da Magia, com vistas a torna-lo adequado para receber bruxos em reabilitação, que irão voltar aos seus postos de trabalho, embora eu acredite que esta palavra seja desconhecida para o senhor. Respeito será o mínimo exigido. Do contrário, já sabe o que lhe aguarda, certo?

x

— Boa tarde, Malfoy. —   Hermione cumprimentou o homem pálido e muito sujo que costumava ser o seu maior desafeto nos anos de escola.

— Granger. — Malfoy respondeu, no mesmo tom frio e formal que ela utilizara. Suas mãos estavam cortadas e mal cicatrizadas, como a maioria dos ferimentos que cobriam seu corpo. Tinha unhas roídas e imundas completando a ponta dos dedos longos e compridos.

— Creio que saiba o motivo de estar aqui, certo? — A medibruxa procurava em meio aos pergaminhos a ficha de Draco. Ainda não havia dirigido o olhar diretamente ao prisioneiro, mas logo teria de fazê-lo, mesmo detestando a ideia com toda a sua alma.

— Espero que não sejam favores sexuais, pois, embora esteja viúva há um tempo mais do que considerável, não poderia lhe oferecer esta caridade. Você sabe, não sou muito de realizar boas ações, principalmente para sangues ruins. — Draco girou as algemas com uma careta de incômodo, mas logo sorriu num esgar sarcástico e carregado de superioridade.

 

— Bem, Malfoy, sou responsável por incluir bruxos afastados por injúrias da guerra aos seus antigos postos de trabalho, ou realocá-los. —  Hermione respondeu a própria pergunta, conforme o protocolo, e ignorou o comentário infame de Malfoy —   Primeiro farei algumas perguntas sobre o sistema prisional de Azkaban, depois, realizarei alguns testes de periculosidade para ter certeza de que é seguro mantê-lo na Ala B da prisão. Por último, alguns questionamentos serão feitos sobre o seu passado e crimes; quero esclarecer algumas coisas sobre nossa conversa e toda essa inspeção. — Hermione falou, correta e mecanicamente, posicionando a palma da mão na borda da mesa. — Isto não é um tratamento.

Os olhos de Malfoy pareciam refletir tudo o que estava na sala: armários, quadros, porta-retratos. Ele não parecia assustador, tampouco o criminoso inescrupuloso que sua ficha descrevia. A foto se mexia pouquíssimas vezes, mas num último clique era possível ver Malfoy levantando o dedo médio para a câmera. Suas feições eram de uma calma irritante e de arrogância mal disfarçada. Estava limpo, embora as roupas da prisão tirassem-lhe todo o aspecto nobre e distinto, ainda assim possuía fortes traços de riqueza e luxo. Poderia, se não fosse de Malfoy que estivesse falando, considerá-lo bonito até.

Na frente dela, contudo, estava apenas o que Azkaban permitira permanecer. Fraco, cansado, mãos trêmulas e músculos retesados. Tentava passar alguma firmeza em seus movimentos, mas tinha o corpo comprometido. Continuava com a altivez e a sombra da beleza muito comentada pelas garotas na época da escola, mas era um homem que perecia a cada dia passado na horrível prisão abarrotada de dementadores.

— E se eu não quiser colaborar? — Draco questionou em desafio. As sobrancelhas, testas e lábios franzidos numa expressão já conhecida de Hermione; uma que unia todo o pacote de expressões que Malfoy reservava para ela desde sempre: nojo, contrariedade, sarcasmo, aversão e ódio.

— Não posso obrigá-lo, se é o que teme, porque não tenho essa autoridade. Devo alertá-lo, porém, de que não estamos na escola. Este é o meu trabalho e eu farei o que estiver em meu alcance para tirar de você toda a informação que eu necessitar.

— Temer? Espere, está falando de medo, ou melhor, um possível medo das consequências de minhas insubordinações? — Draco soltou uma risada fria. — O que sabe sobre isso, Granger? Você não entende nada sobre Azkaban e todas as merdas que acontecem aqui. Não interessa o quanto seus livrinhos tenham lhe explicado, nunca saberá como é estar na Ala D, por exemplo, ou ter pesadelos tão reais que fazem da morte o seu único desejo.

— Não preciso conhecer nada por aqui, Malfoy. Meu trabalho se resume em descobrir como são as condições de saúde, infraestrutura e periculosidade dos presos, para, enfim, trazer os funcionários antigos para realocação. Apenas isso. Suas recusas e birras serão reportadas à Anthony Feggis que...

— Que me ama. — Draco falou, atropelando o discurso de Hermione. — Então não estarei em maus lençóis, para sua infelicidade.

Hermione estralou o pescoço e os dedos sob o olhar de estranhamento do preso que ela conhecia muito bem. Levantou-se de sua cadeira e chegou mais perto de Malfoy, agachando até o rosto do loiro.

— Não sei se conhece a política de interrogatórios constante no artigo 1343 do regulamento do Sistema Prisional de Azkaban. — Hermione afastou-se um pouco e contemplou Malfoy com o seu melhor e, apesar de tudo, fingido, olhar de desprezo. —  Aposto que não conhece, então farei o favor de lhe dizer que o referido artigo permite que um simples requerimento do medibruxo responsável pelo preso permita a execução do beijo do dementador, caso entenda que ele seja perigoso demais, irrecuperável ou, de alguma forma, obste o acesso à informações importantes.

— Ora, ora, ora. Você sabe ser muito má, quando quer, não é mesmo, Granger? Mas é uma idiota, passional. Acha mesmo que eu tenho alguma relação com o assassinato do moribundo e sujo Weasley?  — Uma gargalhada rouca e todo o sarcasmo do universo marcando cada ruga, músculo e linha de expressão do rosto exageradamente branco de Draco Malfoy, fez o sangue de Hermione bombear tantas vezes para o coração, que ela jurou ser capaz de matar Malfoy com suas próprias mãos. — Embora eu inveje muito quem tenha feito isso, saiba que não fui eu.

— Mas você sabe de muitas coisas, Malfoy. E acredite, em breve eu também saberei. — Hermione voltou para sua cadeira silenciosamente. Puxou a pena do tinteiro e assinou uma linha em branco na ficha de Malfoy, no canto superior da folha fez algumas anotações.

— Não se sinta tão superior, Granger. Você ainda é uma vagabunda sangue sujo, que não pode fazer muito contra mim, uma vez que meu médico é o doutor "raquítico" Dixon. — Malfoy estalou a língua e colocou as mãos, fortemente algemadas, por detrás da cabeça. Todo o seu ser era puro deboche.

— Bom, pois acabo de assinar o termo de responsabilidade sobre o preso n° 106.789, que, segundo a ficha que estou segurando, é Draco Malfoy, sentado na minha frente, sujo e morto de fome. — Hermione mostrou a ficha recém-assinada. — Cortesia do Doutor Dixon  Bem, por hoje é só, Malfoy. Você deve voltar para sua cela.

Hermione chamou Feggis, que prontamente apareceu na porta e guiou Draco para fora. Antes de virar, porém, o loiro ergueu ambas as sobrancelhas e num ensaio de um sorriso, que nada tinha de amigável, deu o seu recado:

— Ficarei ansioso para o próximo encontro, Granger. Será divertidíssimo.— A cartada final de Malfoy foi encarar Hermione e, sem emitir som algum, seus lábios preferirem as palavras que ele mais repetira durante o período em que estudaram no mesmo lugar: "Sangue ruim"

— Não tenha dúvidas, Malfoy. Será muito divertido.

Draco saiu da sala e Hermione afundou a cabeça entre as mãos. Sabia que tinha o poder de decidir muitas coisas e, de repente, deixar um ser repugnante como Malfoy receber o beijo do dementador não lhe pareceu tão horrível.

 

(Continua)


Notas Finais


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