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História Constelação - Escuro


Escrita por: PatyNinde

Capítulo 6 - Escuro



Present all your pretty feelings

May they comfort you tonight

(Mumford & Sons - Believe)

Fleur e Gui estavam apoiados um no outro, e Molly Weasley já parecia não ter mais lágrimas nos olhos, apenas a secura deixada pelas muitas horas de choro, desespero e completo inconformismo. A família não precisava de mais um luto. Não depois de terem perdido dois membros tão jovens. Era como se a morte invejasse a juventude dos Weasley, sempre muito vívida e repleta de alegria.

O caixão era pequeno, branco e decorado com pedras azuladas, como os olhos de Vic. A tinta que revestia a pintura brilhava demais sob o céu indeciso, que não sabia se cobria o dia de nuvens ou expunha o sol quente e castigante.

— Eis aqui, o lugar para onde um dia nós voltaremos. Todos cumprem sua missão na terra e para cá voltam. Vic era jovem, mas isso não a impediu de ensinar a todos o real significado da alegria, da pureza e afeto que só as crianças podem oferecer. — O cerimonialista proferiu o que parecia ser um discurso ensaiado, repetido em todos os funerais, talvez com uma ou duas modificações.

Hermione estava ao lado de Harry e Gina, não os consolando, mas igualmente chorando a perda de mais um Weasley. Seu coração parecia atado em tiras de elástico, sufocado, impedido de bombear o sangue para o cérebro.

E então o momento dos presentes entregarem sua lembrança ao morto chegara. Era uma tradição dos Delacour. Todos deveriam deixar um presente — que não fossem flores — no caixão do ente falecido, para que ele nunca se esquecesse dos entes queridos durante e após a passagem que faria para o outro lado.

Hermione deixou um livro de poções cheio de rabiscos feitos por Vic. A garotinha, aos quatro anos, era muito inteligente, dizia saber de cor todas as poções descritas no velho exemplar e por isso fizera suas anotações, assim como a "Tia Hermione" fazia nos seus. O livro havia sido um presente de Minerva McGonagall, mas, segundo a diretora, era uma velharia com significativo valor emocional, antigo e pouco explorado, bastante ultrapassado em alguns pontos. Por isso Hermione não se zangou tanto.

Quando deixou o livro no compartimento reservado para as lembranças dos vivos, a frase "la mémoire de la vie", que estava gravada em letra cursiva dourada, misturou-se como uma tinta sendo diluída, e formou o nome de Hermione Granger.

— Vic adorava este livro. — Fleur falou, colocando ambas as mãos no ombro de Hermione.

— Dentre todos os mapas, ingredientes e cadernos que emprestei para Rony quando ele foi viajar, este livro foi única coisa que ele trouxe de volta da viagem. Vai ver ele trouxe para ser dela.

— Ela amava vocês dois, Hermione. — Fleur falou, fungando e dando vazão à uma onda de choros e soluços.

— Eu sei... — Hermione falou numa voz abafada, sentindo as lágrimas salgarem seus lábios. Enquanto abraçava Fleur, não pôde evitar a sensação de culpa por ter desaparecido da vida dos Weasley por tantos anos.

—x—

Azkaban era uma prisão pequena, se vista de fora. Por dentro, contudo, era grande e velha. Alguns locais eram muito bonitos, como as salas dos diretores anônimos e dos profissionais da prisão; locais arejados, confortáveis, iluminados e perfumados. Havia um lanche para todos os funcionários de Azkaban a cada três horas

Draco sabia de tudo isso porque passava algumas de suas muitas horas vagas conversando com Feggis. Ajudava, às vezes, ter alguém com quem falar. Sentia falta da luz, do calor, do som de vozes sãs; conversar com alguém que demonstrava o mínimo de preocupação fazia com que ele esquecesse um pouco da frieza e silêncio que a noite trazia.

— Mais um dia desocupado, Feggis? Achei que tivesse acumulando funções neste inferno. — Draco grunhiu do fundo da cela.

Anthony Feggis sorriu, correu os dedos pelo cabelo fino e sentou-se no chão, do lado de fora da grade. Draco sabia que o homem tinha grande apreço por ele, algo como uma relação filial, cheia de conselhos, sermões, broncas e todas as bobagens que pais falam para filhos irrecuperáveis.

— E estou, Draco. Ando mais ocupado que o normal, principalmente depois do novo projeto do Agosis. Aquele doido, sempre sonhando em mudar o mundo. — Feggis falou como quem se refere a um irmão caçula. — Estou tendo muito trabalho, mas gosto de vir até você de vez em quando, ver como está...

— Como pode ver estou sempre na mesma condição de sempre, Feggis. O que tem aí nas mãos? — O rapaz perquiriu um pouco afoito. Já estava bem próximo de Feggis, pois andara até a grade de sua cela. — Tem cheiro de comida.

— Foi a única coisa que consegui trazer para você hoje, não pude sair da minha sala até agora. Os aurores acabaram de chegar e sabe como eles ficam nesses dias. — Feggis entregou o sanduíche de carne de porco por entre as grades. O pão mal passou pelas barras de metal. — Não estão reabastecendo a ala B, e eu ainda não descobri o motivo.

Draco mordeu o sanduíche devagar, tentando poupá-lo ao máximo para que demorasse a acabar. Seu estômago, todavia, mandava mensagens ao cérebro de que precisava daquele alimento o mais rápido possível e, em alguns momentos, Malfoy sentia vontade de empurrar o pão inteiro para dentro da boca.

— Simples, meu caro. Estão pagando as festas caras que aparecem no Profeta Diário, provavelmente levando algumas prostitutas para suas casas de veraneio, ou custeando as festas dos filhos e o capricho das esposas. Conheci vários desse tipo. Já estive em locais assim. — Draco disse, limpando as mãos na camiseta para enxugar a gordura da carne nos dedos. — Podia ter trazido um guardanapo, Feggis, mas que falta de classe da sua parte.

— Ora, deixe de ser tão petulante e almofadinha, pelo menos uma vez na vida. — Feggis ralhou. — Você tem sorte por eu estar de bom humor hoje, senão nem traria esse sanduíche. Fiquei sabendo que Margareth já está quase falando.

O homem tinha um brilho nos olhos que Draco pensava ser impossível existir ali. Feggis estava falando da filha doente. Sempre que mencionava a moça parecia mudar de expressão, postura, atitude. Nunca admitia as piadas que Malfoy fazia a respeito dela, e o rapaz respeitava, pelo bem da sua pequena refeição e preservação pessoal.

— Hum... — Draco respondeu, sem disfarçar um suspiro enfadado. Aquele assunto, definitivamente, não o interessava. — Não gosto de ser indelicado, Feggis, mas sabe que isso não me diz respeito e, sendo assim, eu não poderia me importar menos.

Anthony riu do comentário de Draco. Com a ponta da varinha acesa iluminou o rosto de Malfoy e pôde ver o estado em que ele se encontrava. Sujo, cheio de arranhões e marcas de poeira no rosto. Não tinha motivos para conversar com ele; o rapaz não se esforçava para ser agradável, recebia favores e quase nunca dizia “obrigado”. De certa forma acostumara-se com o amargor do eterno garoto nojento e mimado, que cerrava os dentes todas as vezes que era contrariado.

— E ela falou o que? — Draco indagou, um pouco relutante, após alguns segundos de silêncio. — Não vai me dizer que chamou o Medibruxo de “papai”.

A mudança repentina das feições de Anthony fez com que Draco se arrependesse por ter feito a piada.

— Você não sabe mesmo como se conversa com alguém, não é? Quando penso que presenciarei um ato de gentileza, você me entrega uma dose de grosseria. Quem te observasse jamais diria que veio de famílias tão nobres. — Anthony esticou as pernas, pronto para levantar, mas antes de fazê-lo, deixou escapar um sussurro cheio de esperança.

— Doutor Nott disse que as chances de ela voltar a falar são grandes.

— Nott... Nem acredito que aquele pedaço de bosta de gigante virou Medibruxo. Deve ter vendido a alma para alguma entidade maligna. Era burro até não poder mais! Tirou “T” em quase todos os NOM’s. — Draco indignou-se, mas agradeceu internamente por Feggis não ficar tão zangado com seu comentário.

— Dizem que o dinheiro compra o mundo. Você sabe muito bem do que estou falando. Seu pai comprava muitas coisas com a fortuna de Abraxas Malfoy. Lembro-me como se fosse hoje... — Feggis respondeu, ainda com uma certa relutância em trocar alguma palavra com Malfoy.

— Então você era um dos colegas de casa do meu pai? Grandes revelações! — Draco incentivou a conversa, buscando demonstrar interesse no assunto, embora não se importasse com a vida de Feggis, a informação o surpreendeu.— Jamais o imaginaria na Sonserina, Feggis...

— Sonserina? Por Merlin, Não! Fui da Lufa-Lufa e com orgulho; eu estudei com sua mãe. Fazíamos herbologia e poções juntos. — Feggis parecia ter boas lembranças de seu tempo em Hogwarts. Os olhos fechados indicavam o resgate de memórias agradáveis que, possivelmente, o ajudavam a produzir seu patrono diariamente. — E não ouse troçar da minha casa, garoto! Lufa- Lufa é o lugar daqueles que possuem um coração leal, boa-vontade e o intenso desejo de ajudar o próximo. Então pare de me olhar com essa cara de coruja morta. Nós ficávamos perto da cozinha e não nas frias masmorras.

— Bem, isso justifica a barriga enorme que você cultiva. — Draco alfinetou mal-humorado. — Eu pensei que você fosse me trazer mais comida, Feggis, e também um pouco de luz. Claro que se quiser deixar sua varinha também me ajudará muito.

—Nem em seus melhores sonhos, meu camarada. Sobre a comida, eu já lhe disse qual foi o problema; quanto a luz, não consegui trazer nenhuma chama, elas captam a atenção dos dementadores, como você bem sabe, e eu não quero dar a eles motivos para ficarem no meu pé. — Feggis já estava de saída, mas não deixou passar despercebido o desconforto de Draco. O rapaz, tinha a palavra desespero estampada em cada ruga formada em sua testa. Malfoy não dependia da luz somente para ler notícias velhas de jornal, como Feggis sempre imaginara. Havia algo maior e mais complexo.

— Draco — Feggis chamou, bastante intrigado com a própria percepção — Por acaso você tem medo do escuro?

I don't even know if I believe

Everything you're trying to say to me

Junho, 1985

Os braços de Narcissa Malfoy envolveram o pequeno garoto assustado. Ele tinha finos arranhões nos ombros e chorava baixinho. Pálido como as cortinas brancas de seu quarto infantil, Draco havia tido um pesadelo. Com cinco anos já não lhe era permitido dormir com as vinte lamparinas de seu quarto acesas, seu pai o proibia. “Não era algo que um homem de verdade faria”. Segundo Lucius, quando se tinha sangue nobre, a escuridão deveria ser recebida sem medo, pois ela só assusta quem tem algo a esconder, como os sangues ruins.

— Papai me bateu. — O garoto quebrou o silêncio. Fez uma careta para disfarçar o choro que logo viria — No rosto.

— E por que ele fez isso? — Narcissa perguntou, mesmo sabendo o que havia acontecido, pois conversara com o marido antes de subir até o quarto de seu filho.

— Porque eu disse que eu queria dormir na casa de um sangue ruim, já que eles deixam a luz acesa. — Draco respondeu, temendo sofrer alguma represália da mãe. Ele não podia ver o olhar de repulsa de Narcissa quando ela o ouviu dizer aquilo.

A mulher continuou acariciando os cabelos loiros e macios, massageando o couro cabeludo do filho com a ponta dos dedos. Ela estava sentada na ponta da cama, mas a postura permanecia ereta e impecável. Não disse nada, mas colocou a mão no peito de Draco, como sempre fazia quando ele estava triste, com medo ou zangado demais. O garoto se esforçou para não começar a chorar e envergonhar seu pai, que com certeza estava do outro lado da porta ouvindo tudo.

— Querido, os Black não têm nome de constelações por mero capricho de algum antepassado. Você sabia?

O garoto levantou a cabeça e ajeitou o corpo, posicionando-se ao lado da mãe. Gostava de ouvir histórias sobre seus antepassados. Sua professora de linhagens e genealogia bruxa, Demetria Hovusk, lhe dissera que seus pais pertenciam às famílias mais famosas do mundo mágico, cheias de histórias de nobreza, heroísmo e conquistas. Draco tinha interesse em agradar o pai, então descartava as brincadeiras da tarde para decorar a árvore genealógica de sua família.

— Os Black são abençoados pelo beijo das estrelas. Quando um Black nasce, elas fazem uma grande festa e derramam muitas alegrias na família, marcando o novo membro com um sinal. Quando eu era menor, me sentia mal por Bella e Andrômeda terem nomes de constelações tão imponentes e majestosas. Eu era a única que não havia sido abençoada por nenhuma estrela. Recebi nome de flor. As flores estão sempre no chão, podem ser pisadas por qualquer desavisado que não saiba contemplar a beleza das pétalas. As estrelas não, elas são intocáveis e misteriosas.

— Olhe o seu antebraço esquerdo. — Narcissa levantou a manga do pijama de Draco e alisou carinhosamente uma trilha de pintas em sua pele. — Você tem a constelação de Draco pintada em seu braço. Uma marca de nascença que trouxe muita alegria para a família, principalmente para mim.

Narcissa, que estava segurando a varinha, girou-a para cima, proferindo um feitiço que ele nunca ouvira antes. O garoto contemplou maravilhado que o teto de seu quarto, repleto de estrelas, cintilava e trazia um brilho reconfortante. Ainda olhando para cima, Draco viu se formar no céu desenhado por sua mãe riscos prateados que contornaram um grupo de estrelas.

— Essa é a Constelação de Draco. Vou deixá-la para sempre neste quarto, e quando você herdar a mansão, seu filho, ou filha, poderá dormir aqui. Um dia eu lhe ensinarei esse feitiço. — A bela mulher falou e logo levantou-se, olhando para o filho com severidade.

—Nunca mais mencione, nem mesmo num arroubo de loucura, momento de raiva, ou brincadeira, a possibilidade de se associar com algum sangue ruim. Lembre-se, você é grande, por parte dos Black e dos Malfoy. Seu pai tem razão: Não precisa temer o escuro! Seu próprio nome te iluminará, Draco. Você está destinado a viver coisas grandes, meu filho. Seu pai sabe disso

—Não, Feggis. Apenas odeio ficar olhando para o vazio quando estou com insônia. Medo é coisa de sangue-ruim. — Draco respondeu quase cuspindo no chão, as lembranças de sua mãe lhe atingiram como uma facada no estômago. Arrastou-se para o fundo da cela e encostou a cabeça na parede. A noite seria longa, e ele não poderia olhar para o teto, pois tudo o que enxergaria seria o breu da cela fétida e assustadora.

—x—

So tired of misconceiving

What else this could've been


Os longos fios de cabelos, negros como o ébano, cobriam as costas da mulher que cerrou os punhos e socou a mesa quando leu a manchete do jornal no escritório de seu marido. Ela já sabia que às terças- feiras a maldita coluna da Dra. Hermione Granger era publicada, com direito a conselhos e pesquisas sobre a importância de vários tratamentos trouxas na recuperação dos bruxos.

Ela discordava de tudo, mas não perdia a oportunidade de abrir para ler a seção escrita por uma das medibruxas mais conceituadas de toda a Inglaterra. Essa era a fama que corria por todos os lugares. Ninguém jamais mencionava os brutos duzentos quilos de arrogância que mantinham aquele nariz arrebitado, muito menos a satisfação que ela sentia ao vencer cada prêmio de melhor aluna, mesmo sabendo que tantas outras pessoas também mereciam.

A Mansão Zabini era, assim como a maior parte das grandes casas das ricas famílias bruxas, exuberante. A mãe de Blaise havia feito um bom negócio casando-se com tantos homens ricos e dando um jeito de herdar muitos galeões após a morte de cada um deles. A Mansão, que era da família do pai de Blaise, fora a maior das aquisições. Os jardins eram cuidados com perfeição por um exército de elfos domésticos que não deixavam um galho para fora das grossas cercas vivas. As estátuas de dragões e bruxos famosos, membros da família Zabini, pareciam brilhar sob a luz do sol escaldante, e a fonte, que mais parecia uma lagoa, estava sempre limpa e translúcida.

A bela senhora da casa saiu do escritório do marido, deixando o jornal para trás e fechando a janela do cômodo tão luxuoso quanto a área externa.

Ele estava lá, o Chefe do Departamento dos Aurores. Os cabelos arrepiados, o óculos escorregando para a ponta do nariz, e a cicatriz rosada, mas quase imperceptível, na testa, que ela só sabia que existia por tê-la visto de perto algumas vezes. Harry Potter, o garoto, agora homem, que sobrevivera duas vezes.

Potter balançava em uma das mãos um calhamaço de pergaminhos, e na outra,a ordem ministerial que permitia sua entrada na Mansão Zabini sem prévia autorização. Seu Campo de visão era bastante limitado em virtude da armação que insistia em manter — mesmo ante a insistência da melhor amiga em corrigir seus oito graus e meio de miopia— mas ainda assim conseguia observar o quão grande e extravagante era a propriedade.

Quando alcançou a porta principal, Harry Potter bateu três vezes, por uma questão de educação tão somente, afinal ele poderia entrar sem bater, a ordem Ministerial lhe conferia esse direito.

— Bom dia, senhora Zabini. Como já deve ter sido informada, estou aqui para fazer algumas perguntas a respeito de Daphne Greengrass. — Harry falou direto ao ponto.

A verdade era que não estava com cabeça para enigmas, conversas atravessadas ou troca de palavras ácidas com a dona da casa. Preferia poupar a si mesmo para o que estava por vir: o marido. Zabini já dissera uma vez no sexto ano, embora não soubesse que Harry o ouvira, que se sentia muito atraído por Gina Weasley, e só não arriscaria alguma relação com ela por ser uma “traidora do sangue”, o que a equiparava a uma “sangue ruim”. Seria difícil encará-lo sem dar-lhe uns bons pontapés.

—Sim, fomos informados. Ele está na sala de visitas, no segundo corredor depois da armadura de bronze. — A mulher falou com um sorriso cínico, e mesmo dando a Potter as coordenadas o acompanhou pelo caminho.

Harry conseguia sentir a respiração pesada que escapava dos finos lábios semi contraídos, pincelados com pelo menos duas demãos de um batom marrom escuro. Por certo havia um grande descontentamento em deixar uma pessoa como ele entrar em sua casa. Mas o auror só pode sorrir internamente ao imaginar que, sendo ele uma autoridade, todos deviam respeitá-lo, inclusive ela, e isso devia deixá-la doente de ódio.

— Chegamos.— A senhora Zabini informou a Harry abrindo a porta, revelando uma sala rica em detalhes e arquitetada no luxo habitual das maiores e melhores mansões bruxas.

Ele agradeceu, a contragosto, e anunciou sua presença com um pigarrear de garganta. Blaise não pareceu fazer muito caso, pois permaneceu de costas em sua cadeira, fumando um charuto enorme que cheirava muito mal, na opinião de Harry.

— Senhor Zabini, estou aqui para resolver certos assuntos Ministeriais, dos quais tenho certeza que já ouviu falar.

Blaise finalmente girou a cadeira e encarou Harry Potter. Ele tinha a mesma aparência, como se conservasse seus 16 anos de idade. Harry, apesar do momento inoportuno, quase riu ao imagina-lo seminu e mergulhado numa banheira de poções do rejuvenescimento, pois tinha certeza que era isso que ele fazia.

— Não cooperarei com o Ministério, seja qual for o pedido, perdeu seu tempo vindo até aqui, Potter. — Blaise falou, calma e polidamente.

— Como membro da comunidade bruxa o senhor tem ciência de que deve cooperar nas investigações de crimes, principalmente quando em se tratando de um em especial, ocorrido durante um jantar na casa de Draco Malfoy há seis anos? — Harry perguntou, novamente atingindo o cerne da discussão. Estava contando os segundos para sair daquele lugar, se possível com as respostas que precisava em mãos.

— Claro que tenho ciência, Potter, não me insulte. Se está falando de Daphne Greengrass,saiba que ela havia mudado de lado muito antes do referido jantar, e que o suposto crime, não pode ser atribuído à ninguém menos que o próprio namorado dela. Draco Malfoy.— Blaise sibilou. Embora não demonstrasse, o assunto lhe trazia uma alta carga de estresse.

— Você já disse isso antes, quando resolveu cooperar com o Ministério na época do desaparecimento da senhorita Greengrass, mas, tenho informações preciosas a respeito do caso, as quais, com toda certeza, envolveriam você e sua esposa num escândalo colossal.

— Suas ameaças não me botam medo. O que me preocupa, Potter, são eventuais ataques à minha família; e já que está aqui, por que não falarmos sobre as mortes suspeitas de tantas pessoas que, aparentemente, possuem nada em comum. — Blaise desviou o assunto. Uma das muitas estratégias que aprendera ao longo de sua carreira nos negócios. — Como o senhor deve ter notado, apenas as famílias tradicionais de sangue puro estão sofrendo alguma estranha represália, ou perseguição.

O homem pontuou, encarando Harry sem uma expressão indecifrável em sua face.

— Sei que sabe de algo que a comunidade bruxa sequer desconfia, e isso inclui sua própria esposa, não é mesmo?

Harry engoliu em seco, cerrou os punhos atrás do corpo, de modo que os papéis em suas mãos ficaram carimbados pelas digitais suadas do auror. Se ódio não era um sentimento nobre e digno, que Merlin o perdoasse, mas desta vez deixaria que o sentimento queimasse e fervesse cada ponto vascularizado de seu corpo.

— Zabini, seu grandissíssimo filho da puta.— Harry sibilou, e Blaise, pela primeira vez desde que Potter chegara, demonstrou uma reação de assombro. — Se eu sonhar, veja bem, se a ideia passar brevemente pela minha cabeça, de que você tem informações sigilosas do Ministério e está planejando soltá-las em algum momento, não hesitarei em mandar você e sua esposa para o inferno onde colocou seu amiguinho Malfoy.

Harry não conseguia se concentrar, estava ébrio de ódio. Blaise tamborilava os dedos num copo vazio de firewhiskey; o barulho das duas pedrinhas de gelo quase derretidas era irritante, e o copo embaçado indicava que a bebida estava gelada, o que fez Harry pensar o quão desgraçado era Zabinni por não lhe oferecer sequer um copo d’água.

— Eram amigos em Hogwarts. Certo? — Potter ainda insistiu. Queria forçar Blaise a falar, vomitar toda e qualquer informação suja que ele possuísse.

— Conhecidos. — Blaise respondeu placidamente, mas ao reparar o olhar insatisfeito de Potter, encostou o copo na mesa de centro, e com um traço de impaciência na voz grave, completou: — Sonserinos, Potter. Não fazemos amizades duradouras e belas. Atualmente eu poderia ser seu amigo, de sua esposa, até mesmo da sua amiga medibruxa, se isso me trouxesse algum benefício. É evidente que minha esposa não ficaria muito feliz, mas para tudo dá-se um jeito. Agora, sobre Draco, posso dizer que foi um bom colega, se sentia o grande líder, mas não passava de um bom comprador de pessoas. Nunca foi muito inteligente. Era, na verdade, uma cópia do pai, um pouco mais covarde e humano, talvez. Ele nunca soube o que estava fazendo, não tinha muita noção do real e profundo significado da marca negra.

— Zabini, não sei se percebeu, mas eu sou o chefe do Departamento dos Aurores. — Harry insinuou, tentando não parecer muito ameaçador, afinal, precisava extrair algumas informações do homem a sua frente. — Posso prendê-lo pelo crime de incitação à ideais subversivos. Espero que não tente exaltar a marca negra na frente de um auror.

O clima pouco amistoso e a rivalidade de muitos anos ainda era bastante forte. Harry tentava não impor sua autoridade, pois sabia que Zabini só estava cheio de ironias, altivez e provocações porque tinha informações preciosas. Havia perdido o controle quando Blaise mencionara as informações sigilosas do Ministério, e nao recebera nenhuma retaliação, mas, não seria muito inteligente dr sua parte explodir em fúria estando na casa de Zabini.

— Em primeiro lugar, Potter, não estou exaltando a marca negra. Deve saber que nunca me importei com isso; não sou famoso por manter relações com comensais, se é o que pretende insinuar. Em segundo lugar, caso eu tivesse feito alguma coisa, você não pode me prender por crimes relacionados à segunda guerra bruxa. De acordo com a Seção IX do Capítulo CLXIV do Tratado Mágico, firmado entre Shackelbolt e as famílias tradicionais do mundo bruxo, aqueles, acusados de conluio com o maior bruxo das trevas que já existiu, seriam anistiados e imunizados em troca de uma boa contribuição na recuperação econômica da comunidade.

O auror engoliu em seco; Blaise estava jogando com as cartas certas. Sua fama pela inteligência e aptidão para sair de situações desfavoráveis não era puro marketing. Mas, Harry sabia que uma ferida fechada sempre podia ser cavada, remexida com um graveto fino, extraindo todo o sangue. Não hesitaria caso a oportunidade de remover o máximo que conseguisse de Zabini lhe fosse apresentada, sabia que este momento surgiria e, quando soubesse,faria questão de sugar até a última gota tudo o que ele sabia.

— Se não tem mais nada para perguntar, peço que se retire. — Diante do silêncio pesado Blaise resolveu finalizar.

— Eu vou descobrir sua sujeira, Zabini. Escreva o que estou dizendo: Você vai apodrecer em Azkaban. — Harry retrucou, fazendo menção de ir embora.

Quando estava chegando na porta pela qual entrara, sentiu uma mão tocar em seu braço. Virou-se e viu um elfo doméstico afoito e apressado; entre os dedos enrugados havia um pergaminho de boa qualidade cortado ao meio.

Harry apanhou o pedaço de pergaminho e leu a mensagem principal.

" Se quiser encontrar Daphne, vá para Chinatown, na Leicester Square. Ha pessoas naquele local que sabem sobre ela."

Ouando o elfo saiu em disparada para a cozinha, Harry olhou ao redor.

Blaise não enviara o elfo, então a ajuda só poderia ter vindo de outro morador da Mansão, alguém que também tinha autoridade dentro da propriedade.

Alguém como a senhora Zabini, que um dia também atendera pelo nome de Pansy Parkinson.

—x—

So open up my eyes

Tell me I'm alive

Hermione precisava admitir que suas energias estavam sendo drenadas por aquele lugar.

Seguindo a diretriz do projeto idealizado por Pertindum, deveria estar em posse da lista dos funcionários e prisioneiros que estavam em Azkaban há mais de cinco anos — período máximo de exposição aos dementadores de acordo com a literatura médica.

Sabia que Malfoy estaria neste rol de pessoas. Ele estava na ponta final do corredor B, a pior parte da prisão, de acordo com suas recentes pesquisas e conversas com Feggis.

Hermione dissera a Malfoy que não o trataria como medibruxa, apenas o interrogaria, mas, segundo Pertindum, aqueles que ficavam em maior contato com os dementadores precisavam de cuidados específicos, ministração de poções e testes psiquiátricos. Era imprescindível o tratamento dos presos, Agosis Pertindum deixara bem claro — de forma bastante irritante até.

A brilhante medibruxa, no entanto,discordava da metodologia de seu chefe, pois acreditava piamente que só haveria uma recuperação real de qualquer ser humano enfiado naquela prisão caso os dementadores fossem expulsos de lá.

Após a conversa com Pertindum, que acontecera em seu segundo dia de trabalho, decidira não bater de frente com ele. Realizaria seu serviço até o final do ano, enxugando gelo e camuflando os danos que em breve voltariam com a frequente exposição aos dementadores,e, neste período, tentaria reunir o maior número de respostas sobre a morte de Rony. Depois partiria, deixando tudo para trás.

O tempo passava rápido demais, e Hermione já contava com cinco dias em Azkaban. As noites no dormitório da prisão resultaram nos piores pesadelos de sua vida, então, requisitara ao Ministério o aluguel de uma casa em alguma cidade próxima à ilha onde a prisão estava localizada.Era o mais sensato, Hermione sabia que não seria salutar permanecer tanto tempo dentro daquele ambiente assustador.

Tudo era muito esquisito na casinha provisória. Ainda não estava acostumada com os móveis de segunda mão mal pintados, muito menos com o bairro deserto; mas estes eram os menores problemas, pois nos finais de semana voltaria para Hawkshead e aproveitaria a tranquilidade de seu lar, o único lugar onde ela poderia fazer seus estudos e leituras em perfeita paz.

Suas preocupações estavam espalhadas sobre a cadeira de vime, que fazia parte da mobília horrível da casa alugada. As fichas de Malfoy e um resumo de seu histórico escolar de Hogwarts. Era responsável por ele, segundo o pergaminho que figurava no topo da papelada onde estavam todas as informações sobre "o inimigo". precisava estudá-lo para enfrentá-lo na manhã seguinte.

Sem muita coragem, Hermione puxou uma das pernas da cadeira para perto de si e alcançou as fichas de Malfoy, começando por aquela que continha os dados sobre sua estadia em Azkaban.

PRISIONEIRO 106.789

NOME: Draco Lucius Malfoy

IDADE: 24 anos

CARACTERÍSTICAS FÍSICAS: Caucasiano, 1.85 metros.

CRIMES: Ataque ao St. Mungus; Assassinato de nove trouxas; Seguidor confesso de Voldemort; Ser detentor da marca negra; Suspeito do desaparecimento de Daphne Greengrass; Lesão corporal.

PENA: ?

Hermione achou curioso o ponto de interrogação no campo em que deveria estar definida a pena de Malfoy, mas o que chamou mais a sua atenção não foi isso. Quando afastou a ficha prisional de Draco, Hermione pode ver os dados escolares do rapaz, que, dentre os onze NOM’s, marcou dez O e um E. Notas maiores do que as dela.

“Ele deve ter subornado alguém.” Hermione pensou, atirando a ficha para longe. Tentou ignorar o incômodo que sentiu; o desconforto por ter descoberto as notas de Malfoy.

Os seres humanos, embora neguem veementemente, estão sujeitos ao pior dos sentimentos, o mais condenado pela sociedade: a inveja. Fazendo par com o orgulho, a arrogância e quiçá com a ambição, qualquer pessoa jamais gastaria seu vocabulário ou macularia sua santidade pessoal admitindo tal sentimento. A alma de Hermione Granger, contudo, já não tão pura como quando ainda era uma adolescente cheia de planos e deslumbramentos, assumiria sem pudor, se perscrutada com detalhes que o que sentira em relação às notas de Malfoy fora inveja, ódio, inconformismo, descrença e um orgulho pútrido.

Seu corpo parecia recusar a ideia de falar com aquele pedacinho de ser humano cheio de petulância e uma superioridade que já não lhe cabia mais. Estava responsável por ele, mas já não sabia mais porque permanecia em Azkaban. De repente tudo parecia confuso, sem propósito. Quando aceitara a proposta de Pertindum questionara a si mesma se não tomara uma decisão precipitada. As coisas não costumavam caminhar para um rumo favorável quando ela se deixava levar pelos impulsos emocionais.

Até mesmo Hermione Granger sabia admitir quando se deparava com um peixe grande demais para sua rede.

E Malfoy, certamente, era uma serpente do mar.

—x—

I had the strangest feeling

Your world's not all it seems

Abril, 1990

As primaveras na Mansão Malfoy eram um verdadeiro tédio, assim como as demais estações, exceto pelo fato de que na primavera os jantares organizados por Lucius e Narcissa eram mais frequentes. Draco sabia que dentro de um ano receberia sua carta para Hogwarts, já que sua mãe abominara a ideia de mandá-lo para Durmstrang.

O garoto estava, é claro, irado com Narcissa, pois sabia que ela vetara a ideia porque o achava frágil demais para aguentar as duras punições infringidas aos alunos, e não o considerava inteligente o suficiente para acompanhar o ritmo das matérias. Ele ouvira a discussão de seus pais na sala de jantar.

Nada o confortara depois daquele dia. Se por um lado era vítima de um cuidado excessivo por parte de sua mãe, que mais parecia querer insultar as suas capacidades, por outro, sabia que seu pai se sentia frustrado por não ter criado um herdeiro brilhante, forte e corajoso. A ideia de colocá-lo em Durmstrang, segundo Lucius, nascera depois de perceber que seu filho era mimado, covarde, preguiçoso e sem disciplina.

Então, entre as papoulas vermelhas plantadas nos jardins da Mansão que um dia herdaria, o garoto Malfoy deitava-se na espreguiçadeira de mármore e esperava o tempo passar. Às vezes surrupiava alguns livros da biblioteca de seu pai para passar o dia lendo e aprendendo um pouco mais sobre sua família, ou ainda desvendando histórias antigas sobre o mundo mágico. Draco tinha lições sobre família, pureza de sangue e hereditariedade bruxa desse os cinco anos; conhecia de cor e salteado a árvore genealógica dos Black e dos Malfoy. Demetria Bonderiat, uma bruxa velha que tinha cheiro de ensopado de anchovas, cebola crua e meias sujas, era sua professora; a mulher dera aula para seu pai quando ainda era só um garotinho. Draco sabia que a mulher era pré-histórica, falava de Merlin com tanta intimidade que parecia ter compartilhado a infância com o grande Mago, mas a velha parecia ter a idade de seu avô paterno.

Um mistério. Daqueles que as crianças se ocupam quando estão reunidas entre amigos e embarcam numa aventura para descobrir o grande segredo.

Mas Draco não tinha amigos que vinham visitá-lo com frequência. As crianças, que costumavam aparecer de vez em quando, só vinham porque seus pais as obrigavam. Na opinião de Draco elas sequer sabiam se divertir de verdade, queriam sempre escolher o que fariam, quando, na verdade, ele era o dono da casa e, portanto, o responsável pela escolha da brincadeira.

Contudo, num dia tão colorido como aquele,num jardim tão grande como era o da Mansão, o garoto pensou que não seria má ideia ter a companhia de outro bruxo de sua idade. Elfos domésticos eram muito obedientes e, de acordo com seu pai, só prestavam para servir os bruxos e serem castigados.

Ele precisava de um amigo.

E quando chegou na trigésima página do livro entitulado: "A milenar e inquebrável pureza da família Malfoy", Draco fechou o pesado exemplar e chamou Dobby, um dos elfos que ele sabia estar livre naquele momento.

— Dobby...DOBBY! Apareça, seu verme inútil. — Draco gritou, tentando engrossar a voz para parecer seu pai.

O garoto sorriu num esgar quando viu o elfo chegar correndo, tropeçando na própria vestimenta grosseira e imunda que trajava.

— O que deseja, senhorzinho Malfoy? — o elfo de olhos esbugalhados e orelhas queimadas perguntou, fazendo uma reverência exagerada.

Draco, que já estava andando em círculos,

—Quero a chave do meu pai. Estou cansado de ficar em casa. — O garoto encostou o indicador na ponta do nariz de Dobby. — E você sabe onde ela fica.

— Meu senhor, eu não posso. — O elfo choramingou. — Seu pai mandou Dobby cuidar para que o senhor não saísse de casa durante a ausência dele é da senhora Malfoy.

A chave da Mansão não era comum, continha um feitiço poderoso de reconhecimento sanguíneo. Os Malfoy, desde os seus mais antigos antepassados, costumavam proteger suas propriedades de forma peculiar, pingando uma gota de sangue Malfoy no solo. Por muitos séculos ladrões e bruxos que não se afeiçoavam aos Malfoy tentaram invadir o local, fazendo reféns alguns membros da família e os obrigando a abrir os portões, coletando o sangue e utilizando por conta própria, mas os encantamentos milenares colocados nas propriedades não poderiam ser vencidos. Todas as tentativas de ludibriar os feitiços resultaram em fracasso. Logo as invasões frustradas cessaram, e todos compreenderam que somente um legitimo Malfoy poderia abrir os portões das Mansões.

— Sabe que posso castigar você se não fizer o que estou mandado, certo? — Draco ameaçou.

— Não tanto quanto o senhor seu pai.— A criatura respondeu, escondendo as orelhas, temendo algum castigo do garoto.

O movimento de autoproteção de Dobby fez com que a chave que abria todos os portões da Mansão Malfoy, presa no pescoço da criatura por um colar de couro velho, ficasse exposta por debaixo da vestimenta do elfo.

Draco chegou tão perto de Dobby que o pequeno serviçal quase desmaiou de medo. As veias saltavam nas têmporas do garoto, e os lábios se curvaram para o lado. Todo o rosto do garoto era puro desprezo e maldade.

Aproveitando-se da distração, chutou as pernas do elfo, que caiu como uma bolinha de meias sujas, puxou o cordão do pescoço magro de Dobby e saiu correndo com a chave mestra da Mansão.

Draco nunca saíra pelos portões dos fundos, mas como era o local mais próximo de onde estava há alguns minutos com seu pesado e tedioso livro, optou por ele.

Fora da Mansão, Draco encontrou uma trilha antiga, infestada de gnomos e visgos. O solo era irregular, e o garoto não demorou a se arrepender por não ter calçado as botas de solado reforçado que ganhara de sua mãe. O caminho era longo, mas Draco sabia que havia um vilarejo nas redondezas. Seu pai costumava visitá-lo para manter os negócios sob controle. Draco nunca compreendera os códigos de Lucius, mas era muito bom em guardar localizações. Então, seguindo as coordenadas ditadas por seu pai, quando ordenara que Dobby fosse resolver "Aquele assunto", o garoto seguiu em frente.

Um casebre antigo e coberto por grossas folhas e flores desconhecidas o fez ter certeza de que estava no caminho certo, e a garota de vestido azul e sapatos pretos lustrosos foi o motivo pelo qual Draco parou no meio do caminho e seguiu em direção à clareira onde o casebre havia sido construído.

—O que faz aqui, menino? Não sabe que isso é uma propriedade particular? — A garota que agora calçava botas vermelhas de couro, e tinha o cabelo preso numa trança bem firme, enfrentou Draco Malfoy num tom arrogante.

— Idiota!Eu sou o dono de tudo isso. Você está pisando na terra dos meus antepassados.Espero que não seja uma sangue ruim, ou terei que mandar alguém dar um jeito em você. — Reproduzindo a fala de seu pai com maestria, Draco sentiu-se muito bem quando reparou uma certa preocupação nos olhos da garota.

A menina puxou a trança para o lado e começou a enrolar as pontas do cabelo, demonstrando, a princípio, desconforto e receio. Mas, como se estivesse sob uma névoa fina e veloz, o semblante inseguro logo deu lugar a um olhar desafiador.

— Então você é Draco Malfoy? — Ela indagou, embora parecesse saber a resposta.

— Quem é você? E o que faz aqui? — Draco devolveu a pergunta, sequer dignando-se a responder a garota.

— Sou Janice Kellton, moro na casa do lago. Aposto que você nunca pisou lá. Tem uma cara de bruxo envidraçado.— Janice caçoou, e Draco não gostou nem um pouco do tom zombeteiro da garota, que mal conhecera e já demonstrava tamanha petulância.

— Não se atreva a me desrespeitar, sua insolente. Sou um herdeiro legítimo dos Malfoy e dos Black. Meu sangue é puro por mais de 70 gerações. — Draco falou entre dentes.

Janice fez uma careta e começou a rir. Deu um tapinha no ombro de Draco, pelo que o garoto reagiu rapidamente, recuando assustado pelo contato inesperado.

— Você é engraçado, Draco. Parece o senhor Malfoy falando com os vendedores de tecido do vilarejo. — Janice virou as costas e começou a caminhar floresta a dentro.

Quando percebeu que Draco continuava estático e chocado, gritou:

— Venha,se quiser um pouco de aventura, Bruxo envidraçado.— A garota girou o corpo todo e abriu os braços, como se sentisse a brisa fresca da primavera. — Vou te apresentar a serpente do mar.

Draco não podia aceitar sair pela floresta com uma desconhecida, mas, não via alguém de sua faixa etária há muito tempo, estava entediado demais para permanecer na Mansão vazia e sem atrativos que pudessem seduzir uma mente infantil, e mais, precisava descobrir como ela trocara de sapatos tão rápido, sem que ele percebesse seus movimentos.

A curiosidade então foi mais forte, e ele sabia também que nao estava desprotegido, afinal de contas,se algo desse errado, ainda poderia jogar nela a poção de autodefesa criada por seu pai, que ele sempre carregava em seu casaco.

—x—

This is never gonna go our way

If I'm gonna have to guess what's on your mind

A primeira das sete corregedorias anuais estava para acontecer e, por isso, estavam limpando a cela de Draco.

Sempre a mesma encenação, com médicos que os diretores de Azkaban encontravam em qualquer buraco e pagavam para que ficassem nas enfermarias durante a corregedoria, ameaças eram feitas aos presos, para que dissessem maravilhas a respeito do sistema prisional, atendimento médico e alimentação. Todos ali sabiam mentir, e as ameaças, quando algo saía dos eixos, eram sempre cumpridas, então não era muito difícil convencê-los a cooperar.

A ala B era vazia, muito fria e com mais dementadores do que o normal, o que conferia ao ambiente uma escuridão fora do comum. Havia no corredor mais cinco celas, não muito barulhenta, com apenas alguns presos descendo para o abismo da loucura e inconsciência.

Pela manhã Draco escutou o som de passos se aproximando. Tentou buscar na memória alguma coisa errada que pudesse ter feito ao longo da semana, mas não conseguiu se lembrar. Não tivera tempo de xingar ninguém, nem de ser mandado para as “Alas do horror”. Então imaginou ser Kayla O’Boyle, trazendo alguma atualização sobre seu plano de fuga e reconquista da fortuna, o que o alegrou de certa forma.

Mas estava enganado, pois a voz de Hermione Granger ecoou pelo corredor.

Ela tinha um cheiro característico. Algo como algodão e folhas de chá. "Maldita" pensou Draco, enquanto tentava afastar as muitas impropriedades que dançavam uma valsa alegre em sua cabeça. Detestava perder o controle, e estar numa prisão era basicamente estar fora de qualquer comando, inclusive o da sua própria vida.

Teria que falar com ela. Suportar o nariz empinado da sujeitinha de sangue ruim que se achava no direito de ter para si uma sala engomada e doentiamente organizada.

—Viemos examinar a sua perna e cuidar da sua higiene, senhor Malfoy. — Leon Dixon, que também estava com a comitiva de medibruxos,falou, forçando uma simpatia que não possuía.

Draco estranhou a presença do medibruxo em sua cela, já que não era responsável por ele ali na prisão, mas estranhou ainda mais o seu comportamento cortês.

Quando saiu de seu lugar habitual, o canto mais escondido do cubículo em que dormia, vislumbrou não só Hermione e o homem azedo e desengonçado, mas Agosis Pertindum junto de outro rapaz loiro com um chapéu cinza e uma capa deveras elegante.

— Às ordens, doutor. O que seria de mim sem os cuidados que recebo neste lugar. Apenas um preso nojento e esquecido, não é mesmo? — Draco provocou. O sarcasmo parecia escorrer de cada sílaba

— Vamos levá-lo para sua nova cela, longe da exposição dos dementadores. Amanhã começarão os exames em seu corpo e mente. — Leon Dixon pressionou a varinha na costela de Draco quando este se levantou, e guiou o prisioneiro pelo corredor, subindo a escadaria que levava para a ala B.2, onde os presos considerados inofensivos ficavam.

Antes de entrar em sua nova cela, Dixon levou Draco para um pequeno cômodo branco, que o rapaz sabia, era o local onde se realizavam as higienizações dos prisioneiros.

Agosis Pertindum cedeu espaço para que Hermione e o tal homem loiro entrassem no cubículo azulejado, enquanto o doutor Leon Dixon saía.

Enquanto o homem desconhecido fechava a porta, as roupas de Draco foram arrancadas por um encantamento da sala de higienizações e ele viu, de soslaio, Hermione desviando o olhar, levemente corada.

— Pensei que minha medibruxa fosse a senhorita Granger. — Draco falou com malícia.— Não seria ela a pessoa responsável pelo procedimento?

— Hermione, quer que eu responda este babaca? — O homem dirigiu a pergunta à Hermione, que estava de costa, olhando para a porta.

— Tudo bem, Cody, ele não vale o esforço.— Hermione respondeu, apoiando as mãos nos ombros de Codart, ou Cody, um de seus poucos vizinhos em Hawkshead, dono da exótica barraca dos trigêmeos.

Cody sorriu e sacou sua varinha do bolso da calça.

Aqua dissolium.

Um jato forte demais, de cor violeta, atingiu o peitoral de Draco, e logo ele ficou um pouco mais apresentável. Limpo, e com cheiro de colônia barata.

Hermione só estava ali para cumprir os protocolos. Por ser responsável pelo preso 106.789.

— Você ficará em outra cela, Malfoy. Vista-se e me acompanhe. — Hermione comunicou, sem olhar para o corpo nu do prisioneiro que ela conhecia muito bem. — Conversarmos depois, quando já estiver acomodado.

Draco não mostrou resistência. Vestiu-se vagarosamente, seguindo Hermione e Cody.

—x—

A nova cela era um pouco melhor, ligeiramente iluminada por um archote, e mais alta, de modo que Draco poderia se movimentar em pé dentro dela, e não arrastando o corpo pelo chão, como fazia em seu antigo buraco, como ele frequentemente chamava.

Os presos ficavam lado a lado, o que possibilitava a visão de todos os presos e limiava, sobremaneira, a privacidade.

Assim que a porta se fechou e Cody se foi, oferecendo o braço para Hermione se apoiar, Malfoy notou o primeiro conhecido com quem conviveria, enquanto permitissem sua permanência naquela ala. Corban Yaxley.

— Olá, Yaxley — Draco cumprimentou, debochado.— Você está um lixo.

Yaxley era seu mais novo vizinho de cela. Ele um dia fora importante no Ministério da Magia, quando Voldemort dominava tudo. Era responsável pela edição dos informativos semanais que buscavam dar ao Lorde das Trevas uma imagem diferente da que era pregada pelo lado oposto.

O homem de cabelos desarrumados e aparência suja, um ou dois dentes lhe faltando, era apenas uma rala fumaça do que um dia fora. Por vezes ele gritava o nome de Madame Rosmerta e gargalhava sombriamente logo em seguida. Os olhos, mesmo de longe Draco conseguia notar, ficavam constantemente vidrados num ponto específico das grades. Era um espetáculo e tanto.

Draco sabia que ele jamais responderia. Estava louco. Não saberia diferenciar um duende de um centauro, e se lhe fosse oferecida uma vida junto aos trouxas, um tratamento médico de trouxas, ele aceitaria, acreditando que estaria partindo para uma viagem de trabalho como comensal.

— Deixe o homem em paz, cara! Não seja idiota!

A voz veio da cela da frente, e mesmo estando um pouco escuro Draco conseguiu ver algumas sombras do rosto esquelético de Goyle, seu antigo guarda costas.

— Ora, ora! Azkaban quis realmente que eu me sentisse em Hogwarts quando me transferiu para cá, não é, Goyle? Seja bem vindo ao meu novo palácio. Não espero que tenha bons modos, você nunca foi muito afeito às boas maneiras, certo?

Um riso que ecoou pelas paredes úmidas da cela, fizeram alguns dementadores se agitar.

Goyle havia emagrecido cerca de cinquenta quilos. Era um fiapo de ser humano. Azkaban fazia isso com as pessoas, deixava-as praticamente sem alma, com um semblante débil e amedrontado.

— Não sabia que o príncipe da Sonserina estaria dando a honra da companhia. — Goyle tentou utilizar palavras debochadas e exageradamente formais, tal como Draco fizera, mas falhara miseravelmente em seu intento. Sua voz era pesada e a dureza de seu cérebro vazio, acostumado à linguagem coloquial, impedia a conclusão de seu desejo de humilhar Malfoy.

— De fato... Estou aqui, há seis longos anos. É claro que você não sabia, nunca lê jornais. Até hoje me pergunto se você sabe ler. — Draco colocou em sua voz o tom mais desprezível que conseguiu imprimir.— Todos viemos para cá, caímos no mesmo buraco imundo que estas celas representam.

Gregory Goyle riu, mostrando os dentes amarelados.

—Não, Malfoy, nem todos. Zabini escapou. Ele me vendeu, aquele bastardo imundo! — Goyle berrou. — Vendeu todos nós.

Draco sabia que Goyle estava fora de si, mas pôde perceber a verdade nas palavras do seu “ex-guarda costas”.

Quando encostou um pouco mais nas grades da cela, seus olhos encontraram os de Goyle, e Draco enxergou a lucidez. Não havia qualquer névoa de loucura, apenas um desejo sanguinário de vingança. Gregory Goyle estava tentando lhe contar algo.

—x—

O endereço era a chave que abriria a primeira porta para encontrar a garota que desaparecera no dia da própria admissão na escola de Herbologia situada no norte da França.

Harry sabia da amizade entre Pansy e Daphne, mas não conseguia entender as razões que levaram a atual esposa de Blaise Zabini a entregar o pedaço de pergaminho com o endereço de um bruxo que, nas palavras de Parkinson, poderia ajudar a encontrar sua amiga.

No verso do bilhete ela pedia absoluto segredo. Ele poderia ignorar o pedido e mandar algum auror interrogá-la sob o efeito de Veritas serum, mas não faria isso, não antes de conferir a veracidade das informações contidas na folha amarelada.

Depois de tantos anos trabalhando no Departamento de Aurores, Harry Potter já lidara com todos os tipos de pessoas e criaturas no mundo bruxo. Tratara com duendes que roubavam bijuterias, Vampiros que não bebiam sangue porque haviam adotado para si um novo estilo de vida e Lobisomens que se tornavam vegetarianos para não cometerem novos crimes.

Ser auror era, dentre outras coisas, saber guardar os segredos que tinham o poder de causar uma histeria coletiva caso fossem revelados ao público. E Harry aprendera a guardar muitas informações para si, mesmo as que envolviam pessoas próximas; mesmo as que diziam respeito à morte de seu melhor amigo.

Zabini estava certo, Harry sabia mais do que revelara sobre as mortes de Rony, Vick e outros dezenove bruxos que tiveram o óbito ocultado da mídia.

O Ministro cuidara de esconder as mortes com o apoio de algumas instituições do mundo bruxo e, até quinze dias atrás, Harry não tinha conhecimento delas. Foi Agosis Pertindum quem lhe revelou esse segredo. Na ocasião o homem também entregou a Potter os arquivos confidenciais sobre a investigação da "Causa Mortis" de Ronald Bilius Weasley, e nada perturbou mais o auror do que a identificação das digitais de Daphne Greengrass nas marcas de sangue que manchavam os pergaminhos e demais objetos guardados na bolsa de Rony.

Sua amiga estava certa, Rony fora assassinado, mas o criminoso não era um dos prisioneiros de Azkaban. Sua intuição lhe dizia que quando encontrasse Daphne Greengrass teria todas as respostas, e ele estava decido em descobrir onde ela havia se escondido, porque sim, Harry tinha certeza de que ela estava enfiada em algum buraco sujo.

Hermione e Gina não poderiam sequer sonhar que Harry havia retirado mais da metade dos ítens que estavam na pesada mochila azul, tampouco saber dos demais segredos que rondavam a morte de Rony.

Por isso, desta vez, Harry teve que concordar com o antigo posicionamento de Dumbledore. Certas coisas precisavam ser feitas, e as vezes ocultadas pelo bem maior.

(...)


Notas Finais


Sumi né, gente? Mas foi por motivos delicados. Estou numa fase meio Bad da vida, entre desemprego, desânimo e sem computador. Escrevi este capítulo e revisei no celular, tô podre hahahah.

Mas sabe o que é mais legal? Eu tô muito feliz por poder atualizar. Amo escrever, e tenho uma relação linda com essa fic.
Adoro receber os comentários de vocês. Respondo cada um com um mega sorrisão.

Bem, peço desculpas pelo atraso, pelas informações desconexas neste capítulo e pelas oito mil palavras. Contudo, saibam que é necessário! :)

Até breve, lindicos ❤


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