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História Constelação - Axiologia


Escrita por: PatyNinde

Notas do Autor


Um mês e alguns dias de atraso, mas aqui estamos. O capítulo ficou enorme, por enquanto este é o maior.
:O

Dedico esse capítulo à Renata, que deixou um comentário de tirar o fôlego. Que eu ainda estou respondendo no Word. Hahahaha.

Boa leitura, amores!

Capítulo 9 - Axiologia


Fanfic / Fanfiction Constelação - Axiologia


How did we get here?

Well, I used to know you so well

(Decode- Paramore¹)

Quando o despertador tocou, Gina não fez questão de desligá-lo com magia, como sempre fazia. Tão somente estapeou o objeto que rolou da cômoda para o chão, espatifando-se e fazendo voar ponteiros, parafusos, sinetes, engrenagens e cacos de vidro. Ela não estava nem um pouco inclinada a recolher a sujeira.

O som do despertador cessou, mas como se o mundo conspirasse para tirá-la de seu sono, a campainha começou a tocar. Com o esforço de uma vida, Gina levantou-se da cama de casal— vazia pela terceira noite seguida— e não se importou com o fato de que estava vestindo uma pequena camisola de cetim rosa quando desceu as escadas para atender a porta.

O quarto de casal ficava no andar de cima. Uma decoração antiquada dava ao ambiente a sensação de aconchego, segundo Molly Weasley. Ela dissera, na ocasião em que visitara a casa dos Potter, que móveis antigos remetiam ao conforto. E a cama poderia dar essa impressão assim que a porta do quarto fosse aberta. Entalhes de flores na madeira e formas multifacetadas nos contornos da cabeceira traziam os anos 70 e 80 de volta. O papel de parede florido sob o fundo amarelo, o guarda-roupa de ébano e o criado- mudo um pouco bambo eram a pincelada final no grande museu que a casa dos Potter parecia ser.

A escada seguia o padrão de qualquer casa antiga e rangia à medida que Gina encostava a ponta dos pés em cada degrau. Era a única parte que não remetia ao conforto das antiguidades, mas à insegurança e ao risco de uma queda fatal.

— Já estou indo! — Gina gritou, sonolenta, quando a campainha tocou mais uma vez.

No momento em que atendeu a porta, a mulher só não ficou mais espantada com a presença inesperada e inconveniente, porque se lembrou das roupas que vestia e escondeu-se atrás da porta.

— Weasley. — O homem de sorriso sedutor e olhos cor de café cumprimentou, numa voz rouca e debochada. — Ou melhor, Senhora Potter.

Gina permaneceu estática, encarando com uma expressão que ia do espanto à completa indignação, o belo rosto de Blaise Zabini.

***

Zabini segurava a xícara de chá com a delicadeza de um lorde. O conjunto de porcelana com margaridas pintadas em cada Pires, parecia chamar a atenção do homem de feição arrogante e olhar altivo que nada falara desde a hora que chegara.

Gina já estava com a ponta dos dedos gastas de tanto tamborilar na mesa. O silêncio incômodo martelava e irritava seus nervos, e o barulho na mesa quebrava a inquietação que ela estava sentindo.

— Uma bela xícara, Gina. Antiquada, mas muito elegante. Porcelana polonesa? Meu avô materno trabalhou com essas peças antes de vir para a Inglaterra… Nostálgicas. — Blaise falou, enfim, não desgrudando os olhos dos desenhos na peça.

— O que o traz aqui, na minha casa, neste horário, Zabini? Com certeza não veio relembrar os tempos de Hogwarts. — Gina perguntou, irritada com a falta de objetividade de Blaise.

Ele riu, um pouco alto demais para a casa silenciosa. Não uma risada espalhafatosa, mas uma de quem havia realmente compreendido que não era bem vindo naquele lugar, mas continuaria ali porque tinha motivos legítimos para tanto.

—Você continua adorável, e muito bem vestida para a ocasião, devo acrescentar. — Blaise olhou Gina de cima a baixo, sorrindo cinicamente.

Gina cobriu o colo instintivamente, e lançou uma careta de nojo para o homem à sua frente. Ele não teria ido lá se não fosse algo importante.

— Não pretendo me demorar. Eu quero falar sobre Potter. Seu querido, adorado e santo marido, Harry Potter. — ele entrelaçou os dedos e apoiou o cotovelo sobre a mesa. Parecia alguém que viera negociar, e não simplesmente conversar. Claro, era Blaise Zabini, um sonserino de carteira carimbada. Negociar estava no seu sangue.

— Não sabia que a vida do meu marido fosse tão importante para você a ponto de vir até aqui, neste horário. — Gina falou, enfatizando pela segunda vez o quão incômoda era a presença de Zabini em sua casa.

—Gina, por favor... Não somos crianças. Você sabe que não perderia meu tempo vindo aqui se não tivesse boas informações sobre sua família. Eu sei que a vida na casa dos Potter não está tão bem quanto pregam as colunas sociais do "Profeta Diário". — Blaise provocou, alisando o próprio rosto e sentindo os pelos grossos despontando na face lisa.

Gina estava acostumada a conversar com Zabbini. Ele era um dos muitos magnatas do mundo bruxo que acabavam envolvidos demais com a política e economia, a ponto de exercerem certo domínio sobre o sistema. Frequentemente ele visitava a redação do Profeta Diário e destilava sua arrogância entre os funcionários. E, sempre que ele aparecia, seu chefe a colocava para fazer matérias ridículas sobre a Mansão Zabbini e todo o suposto legado da família.

Mas agora ela não estava sendo paga para escrever sobre ele, ou sobre a nova estátua de gelo comprada para decorar os salões de festa da sua Mansão. Blaise estava falando de seu marido. Pior, estava insinuando que havia algo errado na vida de Gina e Harry. Aquilo era inconcebível.

Contudo, ele tinha intenções mais profundas. Zabini não fazia o tipo fofoqueiro. Sendo assim, a vida conjugal dos Potter começava a ser de seu “interesse” a partir do momento que ele descobrisse que poderia manipular as circunstâncias em benefício próprio.

— Eu te conheço, Zabbini. —Gina começou, controlando as emoções nada estáveis— Não veio aqui para falar sobre minha vida conjugal que, não que seja da sua conta, vai muito bem. Sei das suas intenções negociais, e espero que seja rápido. — ela gostaria de azarar o homem que a encarava com olhos de cobiça. Se pudesse trocaria de roupa, mas não queria levantar e acabar revelando as pernas quase descobertas.

— Eu adoro essa sua impetuosidade, seu sangue quente, sua lealdade e essa vontade de se mostrar indispensável para seu marido que, temo dizer, está muito bem servido em outra freguesia, se é que me entende. — Zabini deu uma piscadela, e voltou seus olhos para o Pires florido.

— Vamos dizer que esta é minha vingança pessoal. — Blaise falou, pausadamente, deixando que Gina assimilasse suas palavras. — Sabe, Gina, Potter poderia ter sido mais simpático quando foi até minha casa. Mas ele ultrapassou alguns limites do que eu costumo chamar de “mínimo aceitável”. Eu poderia ocultar as informações sobre, que obtive por acaso, mas devo confessar que acabei me empolgando e não foi difícil descobrir o resto da história.

— O que tiver que falar, fale logo e saia da minha casa, Zabbini. Não estou trabalhando para você, e não me agrada ser sua anfitriã. — ela puxou a varinha que estivera mantendo do lado do corpo. Suas orelhas estavam vermelhas agora, e a mão tremia.

— Kayla O'Boyle. — Blaise falou, e Gina não compreendeu o porquê da menção de um nome aleatório e fora de contexto. Sua mão parou no ar, afrouxando o aperto na varinha.

— Desculpe? Quem? — ela perguntou, confusa, atordoada.

— Essa é a mulher com quem seu marido passa tantas noites fora. Como na sexta-feira que você passou boas horas comendo um pedaço de bolo trouxa, enquanto ele não aparecia.— A mesma pessoa que vem tentando te levar para um beco de informações que podem, e vão, colocar sua amiga sangue ruim em maus lençóis. — Blaise fez uma pausa, enquanto se deliciava com a expressão de Gina — Sim, Kayla é a pessoa que vem te mandando mensagens e, pasme, a tal mochila de seu querido irmão falecido.

— Vá embora da minha casa. Agora! —Gina grunhiu. Os dedos voltaram a apertar a varinha, desta vez com tanta força que ela já não sentia o sangue sendo bombeado para as mãos.

Blaise não fez objeção. Tirou do bolso um envelope cinza, lacrado com um selo da família Zabbini e deixou na mesa. Levantou-se silenciosamente e fez uma breve reverência para Gina que nesta altura, já havia deixado que sua máscara de autocontrole se espatifasse pelo chão, porque, de repente, era como se todos os seus receios estivessem se confirmando.

—x—

How can I decide what's right

When you're clouding up my mind?

I can't win your losing fight all the time

—x—

Cheiro de café. Amadeirado, morno, levemente tostado, e com uma doçura que fugia completamente ao sabor, amargo e fechado. O barulho da água quente, descendo em gotas longas e grossas pelo filtro de papel, aquecia o corpo e a cabeça exausta de Harry Potter.

Era a terceira vez naquela semana que acordava com dores absurdas nas têmporas e olhos. Tinha a estranha sensação de não pertencer a lugar algum.

—Eu fiz café... — Simas Finnegan falou, entrando no quarto pequeno e abafado.— E, cara, você está horrível!

— Obrigado. Eu sei que estou um lixo. — Harry agradeceu com uma ponta de sarcasmo na voz cansada. — Alguém me procurou?

— Gina. E não mandou notícias, veio pessoalmente. — o amigo respondeu, já antevendo a reação que se seguiria.

— Merda, merda, merda. — Harry sussurrou desesperado. — Eu preciso me lembrar onde eu estava ontem. Você se lembra como eu vim parar aqui, Simas?

— Você estava meio bêbado. Falou algumas coisas sobre ir à um lugar na Leicester Square, mas não deu muitos detalhes. — Simas respondeu — Mas o que você anda fazendo por aí, Harry? Já é a terceira ou quarta vez que aparece aqui todo atordoado...

Harry fitou o amigo com preocupação. Ele não sabia responder a pergunta de Simas, pois sua cabeça cismava em não lhe fornecer as respostas de que tanto necessitava.

— Eu não me lembro. — Harry falou, cerrando os olhos com força e massageando os músculos do pescoço. — Como isso é possível?

Simas meneou a cabeça, como se desse o amigo como um caso perdido. Olhou pela fresta da porta e para Harry.

— Acho melhor você ir falar com ela. — Simas aconselhou.— Gina nunca foi muito de esperar, e algo me diz que hoje, particularmente, ela está muito menos propensa a isso.

— Eu sei. Se existisse uma forma de dar aos sentimentos uma aparência corpórea, Gina seria a personificação da impaciência.

— Obrigado.

Simas estava de saída quando ouviu Harry agradecê-lo.

— Pelo que, cara? — perguntou, como se receber em sua casa um Harry Potter completamente fora de si quase toda semana não fosse grande coisa.

— Por me abrigar em sua casa todas essas vezes.

— Não me agradeça, só estou fazendo meu trabalho — Simas concluiu, batendo continência para Harry, que sorriu e preparou-se para enfrentar uma esposa nada compreensiva.

***

Harry já havia terminado de se vestir e suas “preces” também haviam sido concluídas. Deveria dar uma explicação para Gina, afinal, ela tinha todo o direito de saber onde o seu marido andava todas as noites.

Quando abriu a porta, conseguiu ver as costas de sua esposa. Gina estava sentada em uma das três sofríveis cadeiras da casa, passando as mãos pelos cabelos ruivos de médio comprimento. Ela havia cortado o cabelo em algum momento da semana.

Harry sabia que seria difícil convencê-la da verdade. Impossível talvez fosse uma palavra mais apropriada.

O ranger da porta que ligava a cozinha ao segundo e último cômodo da casa simplória de Simas Finnegan, assustou Gina, que num sobressalto arrastou a cadeira para trás. O barulho do piso empoeirado, de cimento cru, ecoou pelas paredes do local, que, dada a escassez de mobília, pareceu mil vezes amplificado.

Gina, que já estava de pé, encarando o marido, não parecia cheia de fúria ou agitação, mas magoada. Essa expressão, tão rara nos olhos dela, fez com que Harry sentisse o peso de alguma coisa intransponível, esmagando o seu diafragma. Ações comuns, como respirar ou piscar, de repente se tornaram difíceis.

— Não sabia que Simas ganhava tão mal. — ela quebrou o silêncio. — Pensei que em época de inspeções as horas extras aumentavam.

Apesar de não transparecer, os anos de convívio possibilitavam que Harry percebesse a extensão do ressentimento de Gina.

— Eles pagam o que a economia permite. — Harry respondeu sem erguer os olhos. De repente uma traça esmagada no pé dá cadeira se tornou muito intrigante, e menos desafiadora.

— Entendo.

— Gina, me perdoe. — Potter quase gritou.

Os pneus de um carro cantaram pela rua. Uma criança chorou na casa ao lado, e a mãe gritou com a outra, que deveria ser irmão mais velho. Os sons que só o silêncio é capaz de evidenciar.

— Eu só preciso saber o que está acontecendo.— Gina falou, enfim, tentando manter a voz firme, a despeito das lágrimas que ameaçavam cair.

E ele, verdadeiramente, não sabia. As coisas andavam muito estranhas desde que Gina começara a receber as informações misteriosas, desde que ele, meses antes descobrira pequenas, porém valiosas, informações sobre o assassinato de seu melhor amigo. Sua mente não funcionava, às vezes ele aparecia em lugares dos quais sequer recordava de como havia chegado.

Gina apertava uma bolsinha de veludo marrom que sua mãe costurara em seu aniversário. O fecho era dourado e os reflexos, em contato com o sol, chegavam aos olhos de Harry, irritando a íris esverdeada.

Ela não gostara do presente, mas usava nas festas de família, fingindo ter amado.

— Sabe, Harry — Gina falou de repente, como se estivesse guardando aquilo há muito tempo — Eu costumava achar que nós éramos o casal modelo. Acredita?! Eu pensei que com o tempo estaríamos levando nossos sonhos para a concretização. Você como chefe da seção dos aurores, eu como redatora do profeta diário na seção dos esportes; festas de natal, filhos. Só que alguma coisa falhou no meio do caminho, e eu me esqueci quem você é, quem sou eu, e o porquê de termos nos casado...

Não podia contrariar Gina. Ela estava tão certa em suas afirmações que tudo o que ele podia fazer era olhar nos olhos dela, sem dizer uma palavra, e concordar internamente. Harry Potter já não sabia mais quem ele era também.

Ex - herói de guerra, o garoto que derrotara Voldemort, o eleito.

Seis anos e meio após o fim da guerra, ele possuía vários títulos, mas nenhum deles revelava sua real identidade.

Harry Potter era um homem baleado por tantas perdas em sua vida que já não sabia o como era ter alguém por perto. Uma pessoa que teve em seu destino a missão de salvar tantas vidas, mas que no final das contas não sabia o que fazer com o tempo restante, o famoso "dia seguinte".

— Gina... — Harry tentou chamar a atenção da esposa, que parecia concentrada demais em deslizar os dedos na direção contrária do veludo da bolsa horrorosa. — Eu quero saber o que está havendo, assim como você. No entanto, vou precisar que seja paciente, porque eu sinto que existe uma sujeira muito grande envolvendo não só a morte do Rony, mas um mundo de coisas.

— E quando vamos descobrir essa tal sujeira de que você fala? — Gina retrucou, demonstrando, pelo modo que apertava os pelos do veludo, sua impaciência .

— Eu...Eu ainda não sei. — Harry suspirou, deixando os ombros caírem num claro sinal de frustração.

Gina levantou-se da cadeira e deu a Harry um sorriso triste. Não se tratava de uma carranca ou um olhar de ódio, mas a face de uma mulher cuja crença no esposo e no próprio casamento estavam por um fio.

— Quando descobrir o que está acontecendo, eu estarei em casa. Até lá, peço que não venha me procurar... — ela caminhou até a porta, sem olhar para trás.

— Gina, não. — Harry tentou impedir a esposa de sair segurando-a pelo braço.— Isso não acabou... A gente precisa…

—Por favor, Harry, muitas coisas estão passando pela minha cabeça. Muitas! Algumas delas me causam náuseas, outras me assustam. Eu preciso de espaço.

A cozinha ficou vazia novamente. O som da porta batendo chamou a atenção de Simas, que correu para perto do amigo cabisbaixo e reflexivo. Harry olhou mais uma vez pela janela da cozinha e viu a mulher da sua vida ir embora, por tempo indeterminado.

Ele não confessaria em voz alta, mas temia que a estivesse perdendo para sempre.

—x—

Hermione agradeceu pelo fim da ventania que estava levantando a saia de seu vestido a cada doze segundos.

Não gostava de se atrasar em nenhum de seus compromissos, principalmente quando eles envolviam uma reunião com o seu chefe. Mas ela estava atrasada. O motivo tinha nome, sobrenome e uma constante cara de nojo. Draco Malfoy.

Ela planejava levá-lo até o St. Mungus, a fim de que pudesse coletar amostras de sangue e examiná-las com cuidado. Malfoy já estava no Banco de Sangue havia três dias e sua transferência para o hospital seria monitorada por três aurores. Ele usaria nos pés e nas mãos, pulseiras mágicas de contenção encantadas para não se romperem. Caso houvesse, numa hipótese quase impossível, a quebra das pulseiras, o material do qual elas eram feitas — couro reforçado com lascas do chifre de erumpente — explodiria e mataria quem a usasse.

Antes de a transferência ocorrer, porém, Hermione precisava assinar as permissões de liberação do preso, prescrever poções e feitiços revigorantes. Uma infinidade de coisas que a atrasaram demais para encontrar Agosis Pertindum, o chefe de todos os departamentos ligados ao Ministério da Magia.

Conforme Hermione apertava o passo, a Catedral de Westminster já podia ser vista. A igreja era uma tremenda obra de arte. A arquitetura neo-bizantina da Catedral tornava a construção mais distinguível dentre as demais, a despeito dos muitos edifícios comerciais que por pouco não a cobriam por completo. E era também o local era perfeito para esconder o Centro Internacional de Convenções Bruxas, escolhido a dedo por Agosis para que as questões nas quais estivessem envolvidas todas as comunidades bruxas do mundo fossem resolvidas no mais absoluto sigilo.

A entrada da catedral era larga, e a porta possuía duas folhas de abertura. Para os trouxas nada mudava se adentravam na igreja pelo lado esquerdo ou direito, mas, para um bruxo devidamente registrado, ou que tivesse o acesso autorizado, entrar pela esquerda o faria encontrar uma sala ampla e elegante, com tapeçarias exclusivamente desenhadas pelos melhores artesãos do mundo bruxo.

No hall de entrada predominavam o cinza escuro e o vermelho. De um lado, as paredes estavam cobertas por tapeçarias exóticas de duendes e bruxos travando uma ardorosa batalha, do outro, retratos de diplomatas bruxos e personalidades do mundo trouxa apertando as mãos efusivamente.

— Dra.Granger! Que satisfação vê-la novamente. Minha avó está tão bem desde que a senhorita receitou o chá de folhas de mandrágora. Parece outra pessoa. — Madeline, uma doce garota de 18 anos, cumprimentou Hermione assim que ela apareceu.

— Olá, Madeline. Fico feliz em saber que sua avó está bem, querida. — Hermione respondeu apressada — Mande meus cumprimentos a ela.

— Estamos esperando uma chuva hoje, e eu nem trouxe uma capa impermeabilizante, acredita? E ainda estou esperando minha autorização para a desburocratização da permissão de magia fora de Hogwarts. — A garota continuou, não atendando ao fato de que Hermione gostaria de ser anunciada o mais rápido possível.

A medibruxa não estava inclinada a corresponder o desejo de Madeline de conversar amenidades. Seu pensamento estava concentrado em como justificar seu atraso sem parecer que estava reclamando de suas responsabilidades como medibruxa responsável por Draco Malfoy. Contudo, o assunto das varinhas chamou sua atenção.

— Como assim, desburocratização? Na minha época isso acontecia automaticamente, assim que completássemos 17 anos.— Hermione questionou, estranhando a fala de Madeline.

A garota, debruçou-se na bancada de mármore e afastou uma das mechas castanhas dos olhos, aproximou-se de Hermione e cochichou:

— Dizem que o Ministério da Magia está repleto de corruptos e burocratas. Pessoas que ganham Galeões como se possuíssem leprechauns de estimação. Não sei o que ganham atrasando nossas permissões de uso da magia, mas eles devem se beneficiar de alguma forma. — Madeline sussurrou, olhando de um lado para o outro.

Hermione esqueceu-se por um breve momento de seu compromisso. Madeline estava lhe contando que estava sem permissão para praticar magia livremente há dois anos. Como aquilo era possível?

O emprego de recepcionista então se justificava, pois a função sempre fora delegada aos elfos domésticos — o que Hermione também não concordava — e agora muitos bruxos jovens estavam ocupando tais funções. Lembrava -se também do dia que a avó de Madeline, Dona Francine, havia chegado ao St. Mungus e quase não fora atendida porque não tinha condições financeiras de arcar com o pagamento de uma consulta. Na época Hermione bateu o pé e não deixou que a senhora voltasse para casa com tantas pústulas e vermelhidão na pele.

— Vou conversar com Agosis Pertindum sobre isso, Madeline. Ele com certeza dará um jeito nesta situação. — Hermione falou, voltando a lembrar de sua reunião. — Me encontrarei com ele agora. Será que pode me anunciar?

— Com todo prazer, Doutora!— a garota sorriu amavelmente— Sei que o senhor Pertindum nos ajudará se a senhorita pedir. Ele é um homem bom... Por isso as pessoas se aproveitam dele, e às vezes até o enganam.

— Sim, Madeline. Eu também penso desta forma.

Assim que Madeline depositou o pedaço de pergaminho em forma de pássaro numa caixa de vidro e esta desapareceu por um buraco na parede, Hermione foi anunciada.

Para chegar na sala de reuniões bastava entrar no centro de aparatação interna e ser acompanhado por um elfo que trabalhava no local. Era muito mais rápido do que o elevador, embora fosse bastante desagradável a sensação de aparatar num ambiente fechado.

Quando chegou próximo a porta dourada e cravejada de pedras azuladas no arco superior, Hermione hesitou. Deu-se conta de seu atraso e foi tomada pela vergonha e ansiedade.

— Merda — falou baixinho. Com uma das mãos apertou contra o peito o pingente que ganhara de Rony, e com a outra bateu na porta duas vezes.

—Bom dia, Doutora Granger. — Kayla cumprimentou Hermione. Suas mãos estavam ocupadas com uma espécie de cristal em forma de estrela, preenchido com um líquido furta cor preso em uma corrente. — Desculpe não cumprimentá-la adequadamente, mas preciso dar um jeito nesse pequeno souvenir.

Hermione não esperava encontrar Kayla no escritório de Agosis aquela hora. Aliás, a pocionista deveria estar em Azkaban, pois as inspeções do Ministério estavam a todo vapor e os funcionários somente poderiam sair caso houvesse um motivo muito plausível. “Como cuidar de um preso doente para manter as aparências." Ela pensou, debochada.

— Ora, não se preocupe, Kayla. E acho que já estamos trabalhando tempo suficiente para que nos tratemos pelo primeiro nome, não acha? — Hermione falou, puxando uma cadeira para se sentar.

Kayla sorriu afavelmente. Era uma mulher extremamente elegante e educada. Poderia enfeitiçar qualquer um com sua beleza. Seus cabelos estavam presos num coque baixo e bem firme, sem nenhum fio solto. A maquiagem era leve, mas perceptível, e as unhas estavam esmaltadas de vermelho sangue.

— Claro, Hermione. Sinto até que temos muito em comum. O amor pelo conhecimento, a vontade de crescer e se destacar profissionalmente... E claro, Draco Malfoy.

Da torre do prédio, um vento frio e enregelante parecia entrar por entre os vãos da parede. Hermione sentia as lufadas na nuca, erguerem os fios soltos que a presilha não conseguira segurar. Seus lábios se entreabriram, e assim permaneceram até que Kayla voltasse a falar.

—Sabia que Daphne Greengrass era alguém por quem Draco nutria grande estima? Ele pode não demonstrar, mas eu sei o que estou falando. Estive conversando com ele recentemente, e acho que você ainda não entendeu o objetivo de ser responsável por ele. Você jamais compreenderia a mente de Malfoy

—Você é legilimemente, Kayla? — Hermione perguntou, tentando esconder o sarcasmo em seu tom de voz. E conseguiu.

— Sou muitas coisas, Hermione. — Kayla respondeu, sorrindo com tranquilidade, enquanto posicionava a estrela numa caixa de veludo vermelho. — E não me entenda mal, por favor. Não quero desqualificar seu trabalho, mas após passar alguns minutos com Draco Malfoy, percebi que talvez você não dê conta de ser responsável por ele. Existem, de acordo com suas motivações, envolvimento pessoal.

Hermione arregalou os olhos e sentiu-se imediatamente ameaçada. Não havia planejado aquilo. A reunião com Agosis Pertindum era o que estava programado, até mesmo a justificativa pelo seu atraso já estava devidamente formulada. Kayla estava desafiando-a, duvidando de sua competência. Aquilo era um insulto que nem mesmo Hermione, em sua classe e postura profissional, conseguiria engolir calada.

— Kayla, você poderia me explicar o que está havendo, antes que eu comece a me sentir realmente ofendida? — Hermione cruzou as pernas e os braços na defensiva.

— Não se assuste, por favor. Mas acabei me interessando pela história de Draco. Conversei com ele no Banco de Sangue e conheci um pouco de sua história com ele em Hogwarts

— Não tivemos uma "história" em Hogwarts! — Hermione falou, mais alto do que deveria.

—Não preciso ser muito inteligente para adivinhar que você está tentando se vingar de algo que ele possa ter feito a você no passado. Mas, Hermione, será que não compreende que ele não pode lhe fazer mais nenhum mal? Malfoy perdeu até mesmo a roupa do corpo. — a pocionista suspirou. — Você precisa mostrar que superou os traumas do passado. Estamos falando de um ser humano, Hermione.

A porta se abriu repentinamente e Agosis Pertindum entrou. Hermione não conseguiu responder Kayla, mas notou a súbita mudança de semblante da pocionista, que voltou sua atenção para o chefe, assumindo uma postura séria e compenetrada, como se Hermione não estivesse no local.

— Olá, Senhorita Granger. Como vai? Está se adaptando ao trabalho? — Agosis perguntou assim que ocupou a poltrona maior da sala, que ficava atrás de uma grande mesa de granito.

—E-Estou ótima, senhor Pertindum. A adaptação está caminhando bem também. — Hermione respondeu, sem tirar os olhos de Kayla, que buscou uma cadeira para se sentar num canto distante da sala.

—Ótimo! Ótimo! — Pertindum sorriu abertamente, batendo palminhas silenciosas. — Sendo assim, tenho algumas considerações a fazer, a respeito de três pessoas: Daphne Greengrass, Ronald Weasley e Draco Malfoy.

Hermione parou de observar Kayla quando ouviu os três nomes. O de Rony em especial, fê-la estremecer da cabeça aos pés.

— Considerações de que tipo? — ela indagou, curiosa demais para evitar sua apreensão.

Agosis fechou os olhos e suspirou. Parecia portar notícias ruins e dá-las justamente a Hermione seria um dissabor sem tamanho.

— Quero que esteja pronta para arrancar de Draco Malfoy toda e qualquer informação sobre o paradeiro de Daphne Greengrass. Se necessário, utilize uma ou duas gotas de Veritas serum. Kayla sabe como prepará-la. — Agosis olhou para a pocionista que acenou afirmativamente. Ela parecia nervosa, pois não parava de esfregar as mãos.— Quero saber a todo custo quem foi o responsável pelo sumiço dela.

— Mas o regulamento diz que Veritas serum é ilegal nos estabelecimentos prisionais, escolas e hospitais. A poção só deve ser utilizada quando...

— “Quando o interesse de menores ou incapazes estiverem em jogo.” Sei das regras, Senhorita Granger. Contudo, não posso me dar o luxo de segui-las agora. Tenho motivos de sobra para acreditar que a morte de Ronald Weasley está entrelaçada com a fuga de Greengrass. — Agosis falou e Hermione sentiu a urgência no tom de voz de seu chefe. Ela mesma sentiu o peso daquelas palavras. Se ele acreditava que havia alguém envolvido na morte de Rony,a hipótese de morte natural havia sido derrubada por completo.

***

A reunião havia acabado, mas a medibruxa precisava resolver um assunto não acabado com sua colega de trabalho intrometida.

Hermione avistou a pocionista no hall de entrada, sorrindo e distribuindo acenos para homens e mulheres importantes que a tratavam pelo primeiro nome, demonstrando um nível de intimidade bastante elevado.

Mas ela não se intimidaria. Estava pronta para confrontar aquela mulher que se achava no direito de questionar suas habilidades como profissional e julgar seu comportamento baseando-se apenas na versão da história contada por Draco Malfoy.

— Escute aqui, Kayla, qual é o seu problema? — Hermione perguntou, deixando a postura polida de lado. —Você está agindo como uma louca. Eu cheguei e você me tratou com gentileza, pelo que eu também retribuí. Mas, em segundos estava despejando impropérios, sendo extremamente deselegante, invadindo minha vida pessoal. Julgando minha atuação profissional…

Kayla ficou séria, mas não pareceu incomodada com a abordagem da colega de trabalho.

— No momento, Hermione, tenho muitos problemas. Infelizmente não temos intimidade para que eu possa desabafar com você. — ela falou, como se dissesse o óbvio para uma criança de seis anos. — Apenas lhe farei um pedido: Deixe Malfoy em paz se não conseguir lidar com ele.

Kayla saiu apressada, deixando para trás o barulho do salto e uma Hermione atordoada, porém não intimidada. Se Kayla queria colocar as mãos em seu posto como medibruxa, ficaria muito frustrada, pois Malfoy era seu paciente. Somente seu, e ela não abriria mão disso, afinal, estava colocando muitas coisas em risco por causa deste trabalho em Azkaban. E se não fosse muito absurdo até mesmo para os seus próprios pensamentos, ela admitiria que há anos não se sentia tão viva num trabalho como agora.

—x—

Now, can I ever own what's mine

When you're always taking sides?

But you won't take away my pride

No, not this time

—x—

Se alguém dissesse para ela que estaria ali, no St. Mungus, depois de passados 15 anos desde a morte de sua mãe, Kayla daria uma gargalhada escarnecida.

Quando o medibruxo, Philip Dumlond, disse para a garotinha assustada de 11 anos que sua avó viria para buscá-la e levá-la para a Irlanda, ela não acreditou. Kayla achou que sua mãe também viria, então a esperou na porta do quarto em que ela havia estado internada por três semanas. Ali a garota passou a noite, sem que ninguém notasse sua presença, pois aquele local nunca era visitado. Tratava-se do andar onde as pessoas que estavam prestes a morrer ficavam até serem levadas para o crematório. Por dois dias Kayla esperou, no piso frio, sentindo fome e saudade do cheiro da mãe; do aroma dos cabelos escovados todas as manhãs, das mãos macias que trançavam os seus longos cabelos e faziam um cafuné delicado em sua cabeça.

Aos 11 anos ninguém espera perder a única pessoa da família, mas Kayla descobriu que havia perdido um pedaço de sua alma quando sua avó a arrastou pelos pulsos, tentando afastar a garota da porta, berrando que sua mãe havia morrido e ela não podia esperar mais, pois Kayla deveria partir o mais rápido possível. Ela chorou, gritou, chutou quem tentasse controlá-la, e então acordou num quarto branco. Quarto 307.

Kayla era, então, uma garota de onze anos, órfã, destinada a viver na casa da melhor amiga de sua mãe, na Irlanda. Ela sabia de quem era a culpa. Lucius Malfoy. E ela não descansaria enquanto não tocasse em tudo o que ele estimava. Sua vida, sua casa, sua esposa.

E seu filho.

Ele ficara internado, ironicamente, no quarto 307. O herdeiro dos Malfoy que, de tão ávido que estava por recuperar o que lhe pertencia, ficaria em suas mãos. Não pretendia fazer mal a ele, mas queria os artefatos raros escondidos na Mansão, os materiais de poções que pertenceram à Abraxas Malfoy, e o livro das poções proibidas que continha a descrição completa da poção que matara sua mãe sem deixar rastros de autoria do crime.

Kayla girou a maçaneta do quarto e encontrou Draco acordado, lendo um exemplar atualizado do “Profeta Diário”. Ele estava bem melhor, mais forte e saudável. Bonito e recuperado o suficiente para conversar com ela, e demonstrar, talvez, um pouco de gratidão.

— Achei que este lugar estivesse necessitando de uma cor. Você estava pálido demais, e as paredes poderiam se confundir com sua cara de morto. Mas veja só! Parece que a Dra. Granger está cuidando muito bem de você. — Kayla O'Boyle falou, assim que fechou a porta. Ela carregava um vaso de Begônias silvestres. Elas eram azuis e tinham um leve brilho esverdeado. As mesmas flores que ela recebera quando ficara ali— Como está?

— Melhor, embora ainda não entenda o porquê das visitas e de tanta bondade. Minha experiência diz que nada é de graça. — Um Draco Malfoy muito mais saudável respondeu. Sua pele estava corada, e as olheiras haviam diminuído significativamente.

Kayla sorriu. Ela tinha o dom de fazer as pessoas se sentirem mais calmas. Sua mãe uma vez lhe dissera isso.

—Como anda nosso plano?— ela perguntou, enquanto observava uma bolsa cheia de poção descendo em gotas diretamente para o antebraço de Draco.

— Acredito que a sorte esteja agindo em meu favor— ele respondeu, presunçoso como sempre — Ela resolveu negociar comigo. Mal sabe a doutora Granger que já estou trabalhando em algo mais importante.

— Bem, não conte com a vitória antes do tempo. Hermione vai questioná-lo a respeito de Daphne. Prepare-se para responder muitas perguntas, e nem tente mentir, pois ela está autorizada a utilizar Veritas serum em você. — Kayla advertiu.

— Granger não parece estar cedendo, por que eu deveria ceder? — Draco perguntou expelindo seu ódio como se fosse necessário provar a cada cinco segundos que cooperar com Hermione era a pior parte de todo o plano. — Ela está mais para alguém que pretende ferrar com a minha vida de todas as maneiras possíves. Aquela maldita jamais vai acreditar em mim.

—Então faça com que ela acredite. Esqueça o ódio que sente por ela, ou pelo menos o coloque de lado por um tempo. Você tem que sair de Azkaban, Malfoy, pois as coisas ficarão feias por lá. — Kayla falou. Sua expressão era intensa e preocupada. Ela olhava para todos os lados, verificando se alguém poderia ouvi-la.— Seja o bom garoto que todos esperam que você se torne após um tempo em Azkaban, e deixe que Hermione Granger faça o resto. Somente ela pode te tirar de lá pelos meios legais, o que facilitaria as coisas para você na recuperação da sua mansão e tudo mais.

— MATRACUS. — Kayla gritou, após um longo período de silêncio no quarto. — Claro! Como eu nunca pensei nisso antes? É a melhor forma de te tirar de lá.

— Espere um momento. Você me chamou de que? — Draco franziu cenho, zangado.

— Não te chamei de Matracus. Eu me lembrei do Matracus, que é o voto de sigilo do nosso contrato de trabalho em Azkaban. Eu posso curar sua perna se você me pedir, mas, eu também preciso que você me arrume os meios de fazê-lo. Do contrário, estou proibida de sequer tentar. — Kayla começou a andar em círculos gesticulando com entusiasmo.

— Mas que merda é essa? Eu nunca ouvi falar disso.

— Talvez seja porque você nunca trabalhou em Azkaban. — Kayla respondeu com impaciência. — Mas este não é o ponto, Malfoy. Se Hermione assumir que pode te soltar; se você demonstrar um bom... Bom não, excelente comportamento, é possível que ela, por ser a medibruxa responsável por sua saúde tenha o poder de pedir sua liberdade. Será melhor do que uma fuga, e mais agradável do que uma nova cela.

— E o que devo fazer? — Draco perguntou, já imaginando que deveria passar por cima de alguns princípios.

— O que for preciso. Ela é seu bilhete de saída. — Kayla falou. — Seja um ótimo ator e nunca mais volte para o seu buraco particular e fedorento. Somente Hermione pode te tirar de Azkaban.

—x—

The truth is hiding in your eyes

And it's hanging on your tongue

Just boiling in my blood

But you think that I can't see

What kind of man that you are?

If you're a man at all

Well, I'll figure this one out

—X—

A aliança desgastada, comprada às pressas numa joalheria que vendia produtos de segunda mão, estava apertada. Gina sentia a parte áspera arranhar seu dedo anelar. Ela arrancaria o anel que selava o compromisso de casamento se, dentro de si, não houvesse um resquício de amor e esperança no relacionamento aparentemente fadado ao fracasso.

Ainda estava se sentindo esquisita, depois dos acontecimentos da manhã. Gina ficara feliz ao saber que sua amiga estava por perto e ambas passariam pelo menos uma parte da tarde conversando. As coisas tinham ficado estranhas entre ela e Hermione desde a morte de Rony; os assuntos pareciam esgotar com facilidade, as conversas pareciam ser sempre sobre o passado e nunca a respeito dos acontecimentos atuais, pois elas quase nunca se falavam.

Gina, porém, tinha um motivo mais do que relevante para colocar a conversa em dia com sua amiga. Precisava desabafar sobre o comportamento atípico de Harry, as notícias do trabalho, a possível traição, Kayla O’Boyle e o trabalho em Azkaban.

Quando avistou Hermione, Gina acenou com ansiedade. Não via a hora de encontrar a amiga. Um rosto familiar e confiável seria mais do que suficiente para ajuda-la naquele momento.

—Que bom que veio, Mione! — Gina empertigou-se na cadeira, e deslizou na direção de Hermione em prato de sobremesa com um pedaço generoso de bolo de chocolate.

Hermione deu um beijo na testa da amiga, que parecia cansada demais para se levantar e puxou uma cadeira para si. Tirou a bolsa dos ombros e colocou em cima da mesa, tomando cuidado para não bater no prato que Gina lhe oferecera.

— Você disse que precisava conversar, Gina. Fiquei preocupada... — Hermione falou, ainda se acomodando— Molly e Arthur estão bem? Gui e Fleur?

— Oh, sim! Estão todos bem, na medida do possível, você sabe... — Gina respondeu, hesitando um pouco antes de revelar o motivo que a levara até a cafeteria vazia do St. Mungus. — É sobre o Harry que vim falar. Conte-me tudo sobre Kayla O’Boyle e talvez eu consiga entender porque diabos meu marido está transando com ela.

Hermione colocou a mão sobre a boca, tentando segurar um grito de espanto. Mal conseguiu reparar quando Gina empurrou um envelope rasgado com o selo intacto da família Zabbini, o que fez a medibruxa ficar ainda mais intrigada.

— Gina, o que signifi-...

— Apenas abra, Hermione. — Gina falou, irritada e um pouco envergonhada por estar mostrando o conteúdo do envelope para mais alguém que não fosse ela mesma.

À medida que olhava as fotos contidas no envelope, Hermione sentia vontade de vomitar. Aquele era Harry, flagrantemente beijando Kayla O’Boyle. Para a infelicidade de qualquer um que olhasse, ambos estavam trocando carícias íntimas demais para uma foto que se mexia. Nem mesmo a rua escura conseguia ocultar cada movimento repetido várias vezes.

— Meu Deus! Gina... Eu conheço ela. Essa vadia trabalha em Azkaban. — Hermione apontou para a foto como se pudesse desintegrá-la com os dedos, tamanha sua repulsa.

—Eu sei. — Gina respondeu, conformada. — Blaise me contou que vocês trabalhavam juntas. Mas sabe o que é pior? Ele também me disse que ela também é a pessoa responsável pelo envio das mensagens e da mochila de Rony.

— Eu quero matar o Harry. Como ele pôde? Gina... Como você está se sentindo? Por Merlin! Quem é essa pessoa chamada Harry Potter? Eu sinto que somos todos estranhos. — Hermione afundou a cabeça entre as mãos, mas logo se levantou, lembrando-se de que quem precisava de consolo era a amiga. — Minha amiga... Eu estou aqui. Existe alguma coisa que eu possa fazer por você?

— Eu preciso de um lugar para ficar. Eu achei que pudesse dormir na minha casa, mas tudo tem o cheiro dele. Todas as nossas memórias e sonhos estão naquele lugar horrível. — Gina começou chorar. — É só até a poeira abaixar. Só até o…o bebê nascer.

Hermione abraçou a amiga com mais força, tentando não demonstrar o próprio desespero ao ouvir a notícia. Sentiu Gina desmoronar em seu ombro, soluçando descontroladamente. Se antes a medibruxa não tinha um motivo para acabar com a raça de Kayla, agora ela arranjara um muito legítimo.

—x—

How did we get here?

Well, I used to know you so well

But how did we get here?

Well, I think I know

—X—

Das cinco lojas de artigos de pesca situadas em Whitechapel, duas pertenciam a uma família bruxa bastante influente na comunidade mágica. Olivia e Owen Kemp camuflavam entre os anzóis, linhas e iscas, os ingredientes mais caros e raros de todo o mundo.

—Harry, já passamos aqui há menos de um mês. Não vejo necessidade de outra busca. — Simas Finnegan andava apressado, tentando acompanhar os passos do colega.

— Estou certo, Simas, de que estamos muito próximos. Aquela mulher azeda não me convenceu quando disse que não vendia o tal cristal de... Como é mesmo o nome? — Harry conferiu o pergaminho pela terceira vez — Escamas de sereianos.

Simas revirou os olhos e apoiou as mãos nos joelhos. Suas pernas não eram mais as mesmas desde a guerra. Fraturas antigas eram irrecuperáveis, mesmo para a magia.

Harry o chamara para executar um serviço que ninguém queria fazer: vasculhar todos os documentos e provas que diziam respeito à morte de Ronald Weasley e ao desaparecimento de Daphne Greengrass. Os aurores estavam enfrentando a temida corregedoria, que acontecia em todos os departamentos e, por isso, os funcionários se esqueciam de todas as ordens de seus chefes, afinal, quando a cúpula do Ministério da Magia dava início às inspeções e elaboração de relatórios, a quantidade infindável de questionários que tratavam sobre as condições de trabalho, a organização do ambiente e sobre a eficiência e utilidade do departamento perante a sociedade bruxa, tomava o tempo de cada funcionário, deixando todo o sistema engessado.

Harry Potter estava sozinho resolvendo problemas que já estavam declarados como encerrados havia um bom tempo. Por ser chefe do departamento de aurores, Potter podia delegar funções e trazer consigo uma comitiva de ajudantes. Desta vez, porém, apenas Simas estava livre, o que tornaria a busca muito mais lenta.

— Depressa, Simas! Tenho que aparatar para a Leicester Square ainda hoje. — Harry afrouxou a gravata, sentindo o ar passar com mais facilidade entre o tecido e a pele. Olhou mais uma vez para o relógio dourado em seu pulso.— Quero que a interrogue. Eu tenho que resolver esse assunto de Chinatown com extrema urgência.

Harry aparatou e deixou Simas para trás, resmungando sobre ter um chefe estressado demais para seu próprio bem.

***

Harry Potter odiava os dias de muito sol; o cabelo ficava sujo com frequência e o suor parecia brotar de todos os lugares de seu corpo, desde os visíveis, até os que, graças a Merlin , somente ele podia enxergar. Não conseguia entender como as pessoas adoravam o calor, venerando o sol que em sua opinião só trazia malefícios, dentre os quais, as intensas queimaduras solares na testa clara que ficara exposta devido as muitas vezes em que ele, estressado demais com as altas temperaturas, correu os dedos, também suados, por entre os fios de cabelo arrepiados e oleosos, colocando-os para trás. Snape, em toda sua untuosidade, teria inveja de seu visual.

A estação Leicester Square estava lotada e quente como um vulcão. Era incrível a quantidade de homens e mulheres caminhando de forma entorpecida, alheios ao mundo que os rodeava, gritando com as crianças que corriam e atropelavam todos os transeuntes. Harry, por sua vez, seguindo o maior clichê da humanidade, sentia-se bastante sozinho, embora rodeado por uma multidão apressada.

Luna uma vez lhe dissera que as estratégias do inimigo envolviam deixar o adversário se sentir sozinho, pois assim acabam sendo alvos fáceis.

Arthur Weasley sempre disssera que havia uma coisa que ele não apreciava nos trouxas: A sua fragilidade. Segundo seu sogro eles nunca se uniam de fato. Presos em seu individualismo, esqueciam dos primários instintos: viver em comunidade, em mútua ajuda, para que no final conseguissem sobreviver, física e mentalmente.

Harry discordava do pensamento do Sr. Weasley. Alguns bruxos também mantinham essa característica; a família Weasley talvez fosse a única em que os membros ainda rodeassem uns aos outros, ficando por dentro de tudo o que acontecia tanto na vida pública como na vida privada dos seus parentes.

Harry crescera numa casa onde sua morte somente seria notada caso o corpo começasse a feder. Por anos a fio sonhara com uma família acolhedora e barulhenta, e assim aconteceu, seu sonho se realizou, mesmo que incompleto.

Quando a guerra acabou e seu melhor amigo morreu, a única coisa que importava era estar com Gina e os demais, pois eles eram a porta de entrada para a realização do sonho de ter um grupo de pessoas que se importavam com ele sempre por perto.

O casamento com Gina foi o próximo passo. A cerimônia ocorreu rapidamente, pois o clima era chuvoso e ninguém havia conseguido montar a tenda a tempo. Harry ainda tinha duas ou três costelas quebradas, que Hermione consertara com maestria, mas ainda não estavam cem por cento. A festa foi simples. Não havia o sentimento de comemoração. Muitas perdas na guerra justificavam a apatia de alguns convidados e ver Hermione seis quilos mais magra lhe deu a certeza de que nada seria como antes.

Uma casa simples, vida modesta e as dificuldades típicas do casamento. O primeiro ano foi um verdadeiro pandemônio. Os Weasley tinham um padrão tumultuado de convivência e, apesar de terem sido eles as pessoas responsáveis por Harry conhecer o significado real de família, havia momentos em que ele gostava de ficar recluso com seus próprios pensamentos, talvez pelos traços fortes de sua criação completa, e forçadamente, individualista. E o casal sempre esbarrava nessa questão. Enquanto Gina não suportava a ideia de que o marido deveria ter seu espaço, ele repudiava em absoluto a mania da esposa de manter-se sempre por perto, mesmo quando tudo o que ele precisava era do maldito tempo sozinho.

Harry estava dormindo fora de casa pelo terceiro dia, mas após o incidente da manhã precisava arejar e organizar as ideias. Sabia que estava sendo um covarde, mas não se achava preparado para a avalanche que corria veloz até ele.

O papel, conseguido com muito esforço e com a improvável ajuda de Pansy Parkinson, ainda estava no bolso de sua calça; suado, amassado, porém legível, embora essa última característica fosse irrelevante, visto que Harry fizera questão de decorar o endereço da residência enfiada na St Leicester, 6 da Chinatown londrina, ao lado do restaurante China City, em cima do Napoleon Cassino.

Escondida demais das vistas trouxas, por estar sob um feitiço desilusório, e camuflada demais dos olhos mágicos, por estar tão mesclada num bairro trouxa inabitado por bruxos, a casa não parecia abrigar pessoas decentes. Por certo os moradores tinham não só o rabo, mas o corpo inteiro preso.

— Senhor Potter, estávamos lhe esperando. — Uma voz saiu detrás da porta. O homem loiro de paletó cinza e olhar nada convidativo cumprimentou Harry, assim que ele entrou e pendurou alguma coisa entre a janela minúscula da casa e um sofá usado. Parecia um gravador.

— Desculpe? Nós nos conhecemos? — Potter perguntou, seguindo os passos do péssimo anfitrião.

— Não nos conhecemos, mas você deve se lembrar de algumas dessas pessoas que aqui estão. Lumus— ele falou baixinho, e a luz que saiu da ponta da varinha clareou todo o cômodo, revelando a presença de Agosis Pertindum, Blaise Zabbini e um homem de barba rala e olhos amarelados.

— Senhor Potter, estamos aqui para informá-lo que o senhor está afastado de todas as suas funções como auror e chefe do departamento dos aurores. — Agosis falou, antes que Harry perguntasse o que estava acontecendo.

— Como assim? Afastado do cargo? — Harry tentou não subir o tom de voz com seu chefe

— Há algumas semanas detectamos uma movimentação suspeita do senhor no Departamento de Mistérios, na seção de ingredientes proibidos. Quando fomos conferir, percebemos que perdemos pelo menos cinco deles, sendo que dois foram encontrados nos vestígios da autópsia de Victorie Weasley. Também recebi informações de que foi até a casa do Senhor Zabbini para buscar informações sobre a senhorita Greengrass, uma das poucas suspeitas da morte de Ronald Weasley. Se Blaise Zabbini não tivesse me comunicado, eu jamais acreditaria— Agosis Pertindum estava triste e profundamente decepcionado pelo seu tom de voz. Dar a notícia para Harry parecia doer muito mais nele do que em qualquer outra pessoa. — Você era meu homem de confiança, Potter. Eu estava apostando todas as minhas fichas na resolução dos casos “Weasley” e “Greengrass”.

— Eu não estava no Departamento de Mistérios, senhor Pertindum! — Harry falou desesperado. — Eu juro que não estava lá! Alguém está tentando me colocar em maus lençóis! Ou pior, estão querendo me afastar dos casos, porque finalmente eu estava chegando perto do verdadeiro culpado: Blaise Zabbini!

— Por Merlin, Potter, sabe que uma acusação sem provas pode te colocar na prisão, não sabe?! Não se comprometa ainda mais. Você esteve ou não esteve na Mansão Zabbini? — Agosis perguntou, olhando de Blaise para Harry.

Harry apertou a nuca, sentindo vários nós de tensão na região do pescoço e cabeça. Ele não poderia mentir, pois, se Blaise estava ali, havia um plano muito bem arquitetado, e ele estava caindo cada vez mais fundo.

— Eu estive lá, mas nunca tive a intenção de violar qualquer regra de departamento. Minhas intenções eram as melhores, e...

— Basta, Potter. O Ministro queria sua demissão imediata por entrar naquela sala sem uma motivação específica e devidamente apresentada a ele, bem como pelo sumiço dos ingredientes proibidos. Mas, eu consegui fazer com que ele te mantivesse trabalhando. É claro, em serviços administrativos... Na seção de controle portuário. — Pertindum falou, meneando a cabeça. — Abriremos uma seção para investigar seus atos, Potter... Sinto muito.

— Por favor, senhor Zabbini, perdoe-nos o inconveniente. Peça desculpa à senhora Zabbini em meu nome, também. Agosis drigia-se a Blaise — lamentou muitíssimo que a senhora Zabbini tenha tido o desprazer de participar de todo o esquema para impedir Potter de fazer alguma loucura.

— Não se preocupe, Pertindum. Pansy é uma mulher forte e muito companheira. Ela ficará feliz em saber que a memória de sua melhor amiga está sendo preservada. — Blaise respondeu com simpatia, olhando para Harry e sorrindo diabolicamente.

Quando todos já estavam se dirigindo para o lado de fora da casa, Zabbini tocou no ombro de Harry de forma falsamente amigável. Com um sorriso vitorioso na face contemplou por alguns segundos a face pálida de Potter. Poderia ficar ali por horas deliciando-se do fracasso dele, mas tinha outras coisas para resolver.

— Este, Potter, é um caso que você não vai resolver. Sabe por quê? Porque eu quero que seja assim. Diga-me, quem é a autoridade agora? — Blaise sussurrou no ouvido de Harry. Soltou uma risadinha e com uma tapinha caloroso nas costas do auror ele se despediu, como se fosse uma alma inocente e pura. — Ah, e seu fosse você ficaria bem preocupado com seu casamento. Gina parecia triste pela manhã, e deve ter piorado depois das fotos que consegui de Harry Potter e sua amante. Se o matrimônio aguentar essa crise e vocês voltarem a se falar, diga para ela que aquela camisola. Santo Merlin! Deixa qualquer um maluco.

—X—

Hospital St. Mungus

Draco ainda não havia compreendido os motivos de Kayla. Na verdade, ainda não engolira toda aquela história de ajuda e tudo o mais. Se existia alguém interessado em ganhar algo muito valioso com as boas ações, esse alguém não era só ele, a pocionista estava querendo mais do que alguns materiais, livros e artefatos mágicos escondidos.

Estar naquele ambiente tão silencioso e limpo fazia com que sua mente funcionasse com clareza e coerência. Sentia seu corpo mais forte e a aparência não devia estar tão ruim, a julgar pelo flerte que recebera da enfermeira responsável pelo seu quarto.

O'Boyle lhe dissera para fazer aquilo que ele já havia entendido como necessário: ganhar a confiança de Hermione Granger. Contudo, não era fácil abstrair de todo o rancor que guardava dela e da sua trupe de amigos “bons demais para serem reais". Mais difícil ainda era lembrar do quão fora de contexto aquela sujeitinha de sangue ruim estava quando a via erguendo a varinha e conjurando coisas ou proferindo feitiços, enquanto ele estava sob um forte encantamento que imobilizava sua magia até a data de sua sentença final.

Kayla lhe dera esperança quando mencionara a possibilidade, e necessidade, de ele sair de Azkaban para sempre. Mas não houve, por parte dela, uma explicação detalhada do que ele deveria fazer. E isso era o que mais irritava nela, as evasivas, mistérios e um jogo nada limpo. Draco não se importava com o fato de que ela estava supostamente interessada nos artefatos da sua Mansão — porque, sim, aquela era sua mansão, independente do que o Ministério alegasse—. Para ele o grande lance era sair da prisão e buscar antigos contatos, a fim de se recolocar no mundo bruxo, que era o seu lugar, e não retornar para o buraco de rato onde estava perdendo mais de seis anos da sua vida.

***

Já passava das três da tarde quando Hermione não bateu na porta. Nunca batia, ele observou depois da terceira visita que recebera da medibruxa.

Ela entrou na sala branca e doentia, mas o que encontrou não foi um homem raquítico e miserável deitado na cama. Ela viu Draco Malfoy no alto de seus vinte e poucos anos, com algumas marcas na pele e algumas olheiras de exaustão. Não era nem de longe o resto de ser humana que vira quando o encontrara agonizando de dor na cela minúscula e escura, assim que chegou em Azkaban. Seus olhos contemplavam agora uma pessoa que ainda guardava um porte requintado e belas feições. Continuava sendo alguém detestável em sua essência, que a olhava com profundo desdém e irritação, mas, ao observá-lo — cuidando, é claro para ser o mais discreta possível — ela podia notar que ali estava um homem verdadeiramente atraente; talvez não fizesse o seu tipo, mas isso não alterava o fato de que ele era bonito.

— Você parece bem. — Ela falou, passando a varinha sobre o corpo dele, detendo-se por alguns segundos na perna machucada. — Exceto pela perna... Mas nós já sabíamos que era um caso perdido. Não é?

Draco não respondeu, apenas rangeu os dentes, com os lábios ainda fechados, ainda ponderando sobre o tratamento que deveria destinar à Hermione Granger. Ele ajustou a postura e encostou as costas na cabeceira da cama. Suas mãos estavam marcadas pelas picadas de agulhas, e ele sentiu os olhos dela no local. As mãos pequenas alisaram, clínica e profissionalmente, os hematomas. Draco conferiu a janela duas vezes para certifcar-se de que a janela estava fechada, pois um arrepio percorreu sua nuca quando sentiu a curva dos dedos de Hermione tocando com suavidade as manchas roxas, contrastantes com a pele alva, quase incolor. Não doía, e isso era o mais intrigante. Era quente e convidativa

Estando tão perto, Draco reparou que ela estava atordoada, confusa e seus lábios tremiam. Olheiras profundas circulavam os olhos castanhos e preocupados, e os cabelos estavam mais despenteados do que o normal. Ele imaginou que ela tivesse recebido alguma notícia ruim, ou uma caixa repleta de coisas ruins, tendo em vista que o que parecia deixá-la, a cada piscada, com a aparência mais cansada e preocupada.

— Vou preparar os detalhes da sua volta para Azkaban. — ela falou, lacônica e profissionalmente. — Depois de amanhã você sairá daqui. Aproveite os últimos dias de sua pseudoliberdade.

— Você estava certa. — Draco falou de repente, e Hermione parou o que estava fazendo com os papéis e prontuários. Sua atenção foi toda para Malfoy, que agora a olhava como se a estivesse estudando.

— Como? — ela perguntou, subitamente interessada.

— Você estava certa quando disse que eu te odiava. Eu não sou uma boa pessoa, Granger. Nunca farei o tipo Weasley, ou Potter. — ele respondeu. Hermione sorriu com tristeza e deboche ao lembrar que Harry não era tão santo assim, mas optou por não quebrar a linha de raciocínio de Malfoy.

— Eu busco minha liberdade. Não quero ser bom para você, não pretendo ser seu amigo. Eu só desejo sair de Azkaban. Não dizem por aí que são os espaços vazios em nossas vidas que justificam nossa busca por alguma coisa. O que você busca? — ele perguntou, tão filosófico quanto se podia esperar que uma pessoa hospitalizada pudesse ser. — Você deve ter um milhão de buracos na sua alma. Perder tantas pessoas destrói um ser humano. Eu sei do que estou falando.

— Eu busco a verdade,e a justiça, é claro. Mas sinto decepcioná-lo ao dizer que não possuo “espaços vazios”, Malfoy. — Hermione engoliu em seco, sentindo a mentira descer pesada através das garganta. Ela tinha espaços vazios o suficiente para abrigar pelo menos duas casas mobiliadas. — Eu também não quero ser sua amiga, nem conhecida. Ficarei satisfeita em não ter que te cumprimentar na rua quando o meu trabalho terminar.

— E o que é a justiça? — Draco permaneceu sério. — Não é fazer o que é certo? Ou você só acredita em seus próprios valores. Você só aceita a sua verdade, Granger? Todos nós possuímos nossas convicções. Você não?

— No momento? — Hermione chegou mais perto da cama hospitalar. Estranhamente a proximidade lhe causava uma instabilidade mental e física. — Eu acredito que pessoas que matam outras pessoas por causa do ideal de pureza do sangue devem apodrecer na prisão.

— Mas, e quanto a humanidade? Você consegue virar as costas para um ser humano que acreditava cegamente no que cresceu ouvindo e, posteriormente foi obrigado a seguir tais ideais por segurança própria?

—Covardia. — Hermione deu uma piscadela— Que tal se usássemos essa palavra?

— Então todos que não seguem os seus ideais são covardes? Isso é justiça? Não me parece muito justo, e sim egoísta. Achar que só você teve que enfrentar obstáculos porque escolheu o lado dos mocinhos.

— Me diga uma coisa, Granger. Você suportaria a verdade? — Draco perguntou, depois de um silêncio preenchido pelo barulho das máquinas do quarto— Você entende, Daphne e toda a coisa do desaparecimento? Porque o que eu sei poderia mudar tudo, e eu não estou blefando.

Os cílios dele, loiros e cheios, estavam quase transparentes conforme a luz ambiente refletia em seus olhos. Ele estava piscando muito, então era possível contemplar cada movimento de suas pálpebras. Parecia inteligente demais para ser Draco Malfoy. Ele tinha seus argumentos, que não eram ruins, e Hermione parecia envolvida demais no diálogo profundo.

— Então conte-me, e eu serei capaz de e avaliar se eu consigo ou não suportar a verdade. — ela falou, ainda mais próxima.

— Não se preocupe, eu vou contar. — Draco ria internamente. Hermione ainda se sentia no controle, e isso era ótimo. — Mas antes você terá que me dizer se existe a possibilidade de eu sair de Azkaban pelos meios legais.

—Você pode sair de Azkaban se quiser, mas não sei se eu permitiria isso.— Hermione estava agora numa distância de 60 centímetros.

— Então você tem esse poder? — ele perguntou, controlando com todas as suas forças o desejo de atirar na cara dela que ele a estava manipulando.

—Sim, eu tenho. Mas antes você precisa apresentar um excelente comportamento, ser inocentado de pelo menos dois crimes, prestar depoimento cooperativo para os aurores, e ser ouvido pelo conselho medibruxo de Azkaban, no qual eu dou a palavra final. —ela respondeu distraída, listando todos as etapas do processo de liberdade.

— Bem, eu posso apenas cooperar. Não deve ser difícil.— Draco decidiu. Apoiou a mão no queixo e numa expressão pensativa, fingiu não reparar no olhar de descrédito de Granger.

— Você terá que convencer a mim, Malfoy. Este é o seu obstáculo.

" Não nego que será divertido." Ele pensou, sabendo que finalmente teria alguma ocupação depois de tantos anos.


Notas Finais


¹ Axiologia é, de forma bem simplificada, o estudo dos Valores, da moral.

² Decode é velha. Como disse minha amiga, Camila (leitora de Constelação) "Fui tossir aqui, saiu poeira".

³ Os errinhos vocês perdoam né? Revisei bastante, mas não tenho Beta, então... Sempre passam alguns gaps...

————

Não fiquem bravos com a demora para as coisas acontecerem. Eu queria jogar menos bombas nesse capítulo, mas não deu, eram muitas coisas acumuladas que eu precisava colocar aqui.

Bem, prestem atenção na música do capítulo, pois quando ela for usada novamente, grandes revelações acontecerão.

Dramione foi meio "méeh"? Foi! Mas vocês devem admitir que as coisas estão andando, certo?


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