História Contos /5/ - Invisibilidade

Ela andava no seu salto 12 vermelho, o barulho no chão era ritmado, já havia ido á algumas igrejas procurando pelo velório de sua amiga, Suzie. Finalmente encontrou, a cidade era pequena e havia no máximo 20 locais de culto cristão, o problema era que: A pessoa no caixão não era sua amiga. Estava totalmente exteriorizada com uma imagem masculina, como era o eu que nunca foi ela, Gustavo. Mas os traços eram tão parecidos, pensou. Aproximou-se calmamente até os familiares - respirou fundo pois já imaginava o que estava acontecendo - e disse:
- Minhas condolências, sou amiga de Suzie. Ela tem um irmão gêmeo? Cadê o corpo dela?
- Não existe nenhuma Suzie, senhorita. disse aparentemente o pai
- Claro que existe, eu trabalhei com ela por vários anos, na rua. Na verdade, pra vocês ela sempre foi Gustavo ou era alguém inexistente, de um conto de fadas, ou melhor, de terror? Lembro dela falando dos pais, que evitava os ver porque sempre a tratavam como uma idealização, como alguém que não era. No lugar de sentir vergonha por terem neglicenciado o amor á sua filha, de terem a matado indiretamente quando a expulsaram de casa deixando-a marginalizada, sem onde viver, procurando abrigo com uma cafetina, transando pra ter o que comer, sendo estuprada por ser vista como uma boneca inflável, sendo morta por ter coragem de ser quem era. Teve vontade de dizer isso tudo e ainda cuspir em cada um deles, mas apenas colocou uma bolsa aos pés dos familiares, com todos os pertences da falecida e uma foto, nela continha toda a família e Suzie como Gustavo, então Carla disse antes de ir embora
- A filha de vocês a deixava na cabeceira da cama e eu perguntava o por quê de deixar algo que a machucava, que mostrava uma imagem de quem ela não era tão visível. Su dizia que era porque sentia falta desse tempo ou melhor, do amor que recebia, que pelo menos na foto vocês conseguiam olhar para ela com carinho. Dito isso beijou a têmpora de sua amiga e secretamente, sua amada e saiu, saiu deixando lágrimas pelo caminho. Assim como Suzie deixou sangue pelas ruas de São Paulo, mas assim como ela, o sangue também era invisível.