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História Contos de Riverstone - Interativa - A caça e o Caçador


Escrita por: Avioteto e _iludidap

Notas do Autor


Sejam bem vindos à Taberna! Acomodem-se e peçam suas bebidas, pois Bardan logo há de entretê-los com mais uma das histórias desta cidade odiável.
Aproveitem, e, se puderem, não esqueçam de deixar-lhe algumas moedas!

Capítulo 2 - A caça e o Caçador


Ah, um rosto novo por aqui! Você deve ser Mary Jane, o último forasteiro me disse que você viria... Você me lembra uma mulher… Ah, como ela era linda!

Qual era seu nome? Maria... Marie... Marianne... Ah, sim! Mariane Rivers, dona de uma longa cabeleira negra, pele alva como o brilho da lua. O que faria para ter aquela mulher uma noite em minha cama?...

Digo, antes daquela noite, é claro. Ah... Vejo que você se interessou pelo acontecido... Por sua sorte, essa será a história dessa noite... A Caça e o caçador.

Mariane Rivers era uma mulher forte, com seus vinte e poucos anos ela não se deixava abater com aqueles que diziam que caçar era algo exclusivo de homens. Todas as tardes, partia em direção florestas atrás de presas, e sempre trazia peles e ossos para serem vendidos no mercado. Mas uma tarde... Ela simplesmente não retornou.

A morena havia saído com outros cinco homens, lobisomens, e ela que liderava o pequeno bando. Todos levavam consigo arcos e espadas. Ela os guiava entre a mata, sendo uma ótima rastreadora, ela caçavam e matavam qualquer tipo de animal que valesse o preço. Podiam ser até simpáticos aqui na cidade, mas não se engane, quando lobisomens caçam, eles esquecem seu lado humano e passam a agir como animais.

Marianne e sua matilha cortaram a floresta que seguia para o norte atrás das pistas de um cervo que fugia, um cervo branco, cuja galhada seria o suficiente para levantar uma taverna melhor que essa espelunca em que estamos.

Uma criatura assim era rara, principalmente daquele lado da floresta, o deslumbre do lindo animal alimentou a cobiça da caçadora.

O cervo corria quilômetros a frente da pequena matilha, que não via a hora de colocar suas mãos no pescoço do pobre animal, a presa corria, fugindo desesperadamente de seus captores. Até encontrar uma clareira extensa, que sem ele saber, seria seu túmulo.

           Quando o animal achou que estava seguro, no topo de uma árvore Mariane retirava uma flecha de sua aljava, colocou a mesma na corda de seu arco e disparou. A seta voou cortando o vento e as folhas das árvores, atravessando o pelo do animal e perfurando seu coração. O pelo do alvo logo ficou em uma tonalidade rosa quando o sangue começou a esguichar da ferida.

           O cervo caiu no chão, debatendo suas patas enquanto lutava inutilmente por sua vida, mas a luta não durou muito, apenas o tempo dos homens da morena adentrarem a clareira. A caçadora se aproximou da presa abatida, seus olhos eram apenas cobiça enquanto ela analisava a galhada do animal.

- Arranquem a pele e os chifres. – Mariane disse para seus homens, retirando da lateral da calça uma faca serrilhada e entregou para um de deles. Em poucos minutos eles se afastaram da clareira em direção a Riverstone, com a pele e os chifres entre as pilhagens, deixando para trás apenas um amontoado de carne disforme e que rapidamente ficou coberta de parasitas.

           O que os caçadores não sabiam, porém, que aquele cervo era mais que um simples animal bonito e raro, Dríades eram capazes de mudar sua forma para de qualquer animal de sua floresta e muitas vezes usavam essas suas habilidades para enganar caçadores, assim como esses lobisomens. Criaturas tão puras e pacíficas, alvo da ganância.

           Quando o guardião da floresta, pai de todas as Dríades, percebeu a ausência da filha, ele começou uma busca por ela. Não foi difícil para ele encontrá-la... Ou melhor, o que sobrou dela.

           Ainda com as lágrimas de um pai de luto no rosto, o guardião esbravejou sua ira e bateu suas mãos no chão, abrindo um buraco para que um mal a muito adormecido fosse liberto... Um carrasco da natureza, uma criatura tão vil e cruel que mataria um recém nascido sem pensar duas vezes, essas coisas ficam presas por um bom motivo sabia?

           O guardião ofereceu os restos da filha para que a criatura pudesse conceder a ele um último desejo. Vingança.

           Os caçadores já estavam longe da clareira, cantando músicas em nome da caçada bem sucedida. Distraídos com a euforia, não percebiam as movimentações discretas nas árvores, que se mexiam de acordo com a vontade do guardião. Os traços deixados pelos caçadores começaram a se misturar, junto com toda a natureza a sua volta. Mariane só notou algo estranho quando viu estar andando em círculos. A morena notou a apreensão e o nervosismo de seus homens. Se perder em uma floresta era algo comum, mas não para caçadores experientes, não para Mariane... Algo estava errado.

- ACALMEM-SE! – A morena gritou irritada, fazendo todos seus homens estremecerem e se calassem. Ela olhou para cima na tentativa de enxergar o sol e assim poder se guiar, mas o cume das árvores impedia qualquer visão. Ela bufou irritada. Se virou para seus homens e apontou para o mais novo e menor dentre eles. – Você, suba e encontre a cidade. – Ela disse impacientemente.

           O jovem pensou em questioná-la, porém sabia muito bem que pela própria saúde seria melhor não fazer isso. Ele se aproximou da maior das árvores, cuspiu em ambas as mãos e então começou a escalá-la. Em minutos, o corpo pequeno do escalador desapareceu entre as folhas escuras e grossas. Todos ali esperavam nervosamente o garoto regressar, porém a mais impaciente era Mariane, talvez estivesse um pouco assustada... Algo novo para uma garota poderosa como ela. Dezenas de minutos se passaram e nenhum sinal do homem, porém  um barulho do topo das árvores que fez todos no solo darem um salto assustado.

            Uma gota de suor escorria pelas costas da morena, fazendo um calafrio subir pela espinha, o coração acelerado já denunciava seu atual estado. Lutava contra seus instintos para procurar o que estava causando tanto alvoroço. De repente, um galho quebrou e o seu homem caiu no chão.

           O homem não se machucou, seu olhar estava fixo e vidrado, era como se tivesse perdido completamente a sanidade lá em cima. Ele avançou na direção de Mariane, agarrando o colarinho da roupa da garota.

- A cidade! Não há sinal da cidade, nem mesmo uma torre sequer! – ele grita ainda com seus olhos vidrados.  – E eu vi algo... Entre as árvores! –

- O que era?  - a mulher pergunta observando os olhos do jovem a sua frente. O garoto não respondeu, apenas manteve seus olhos vazios sobre os dela, como se tentasse lhe dizer algo com eles. Aquilo foi o suficiente para que os homens começassem a discutir, gritando e reclamando entre si. Algumas palavras como bruxaria, maldição, encantamento e até idiotice surgiram entre os falantes.

- Não sejam tolos! – a garota esbravejou com raiva, fazendo todos se calarem no mesmo momento. A garota bufou irritada, levantando seu olhar para o topo das árvores novamente, ela analisou as folhas, que cresciam mais de um lado. – Ali é o norte... – Ela diz apontando para o lado com mais folhas. – Vamos para o Sul, em uma hora chegaremos à cidade. – Sem esperar, ela começa a andar. Seus homens se entreolham por um breve momento, mas logo começam a seguir a mulher. Escondido entre as árvores, uma figura sem forma assistia suas presas entre as sombras... Apenas esperando.

           O sol começava a se pôr e os caçadores ainda não haviam encontrado a trilha de volta para casa, o que começava a mexer brutalmente com o humor e o ânimo dos homens e de sua líder. Encontraram uma família de coelhos que mataram e prepararam para uma possível refeição. A todo momento, um dos homens de Mariane ficava encarregado de vigiar a retaguarda do grupo, já que eles temiam que isso fosse uma armadilha de alguma família de vampiros. Esse homem encarregado tinha a missão de a todo momento voltar para perto do grupo, para que seus companheiros se certificassem de que nada havia ocorrido. Foram horas rodando entre a densa floresta, até que avistaram uma clareira, não muito extensa, porém que permitia que eles vigiassem qualquer aproximação.

Na clareira, o grupo acendeu uma fogueira e colocou a carne dos coelhos para assar. Mariane achava a situação complexa e pouco provável, aquela parte da floresta não deveriam possuir clareiras, era densa demais. Mas seus homens já estavam cansados e estressados, então ela preferiu não falar sobre o assunto. Lentamente, o céu escurecia. As estrelas surgiram e foi aí, minha querida Mary Jane, que as coisas começaram realmente a desandar.

Dois dos homens ficaram com o primeiro turno da vigia. Os demais, incluindo Mariane, estavam dormindo em meio ao acampamento improvisado. A floresta estava silenciosa, estranhamente silenciosa. Os lobisomens acordados observavam, mudos, as sombras que pareciam dançar conforme a leve brisa mexia as folhas das árvores. Mas algo além disso chamavam a atenção dos dois homens, algo que os hipnotizava. Dois pequenos pares de luzes pareciam flutuar entre as árvores, semelhantes a vagalumes, porém escarlates, como rubis de fogo.

Então, dentre a mata densa, algo atravessou o céu como uma flecha. Em um piscar de olhos, esse algo, muito semelhante a uma lança, perfurou o peito de um dos homens que observavam. O grito do companheiro acordou a todos, que observaram com a luz da fogueira o homem empalado. A lança atravessou seu peito, se fincando no chão atrás do homem, o mantendo em pé, mesmo sem vida. Todos sacaram suas armas, a procura do inimigo, mas toda a floresta estava em silêncio, tão parada quanto antes.

- Quatro brilhos, foi tudo que vi! - o companheiro do recente cadáver respondeu quando questionado sobre o ataque. - E quando percebi, ele já estava morto! - Mariane deu dois murros no homem. Um por não ter visto o agressor, outro para descontar a raiva do momento.

           Pelo resto da noite todos ficaram acordados. Pelo homem morto não havia mais o que se fazer, apenas jogaram o corpo para dentro da floresta. Mariane observava fixamente as árvores. Hora ou outra ela conseguia ouvir sons que, por umas vezes, eram semelhantes a pequenos grunhidos de algum animal que ela não conseguia identificar, mas por outras, pareciam gritos de uma pessoa... Outras vezes ainda, ela podia ver uma grande sombra, parada, apenas observando a movimentação dos caçadores, mas a mulher não podia falar com nenhum de seus homens, pois era só se virar e a figura teimava por desaparecer, e apenas regressava quando a mesma se encontrava novamente sozinha.

Talvez fosse o sono, talvez ela estivesse ficando louca, mas aquela figura sempre estava lá. Tirando sua atenção da sombra entre as árvores e observando o céu noturno, a jovem notou algo estranho. As noites da floresta costumavam ser cheias de estrelas, porém naquela, a lua era a única coisa no fundo preto que tornou o céu.

- Capitã... - Um homem chamou a atenção de Mariane, apontando para as árvores, a garota forçou os olhos para a direção indicada. Era difícil ver com a escuridão, algo se movia pelo solo, se entrelaçando e rastejando, primeiro a garota pensou que fossem cobras, milhares e milhares delas, mas quando os estranhos seres tentaram se aproximar dos caçadores, já armados com suas espadas, notou-se que não eram cobras, nem mesmo eram animais.

As raízes das árvores ganharam vida, se aproximando cada vez mais do grupo, deixando-os mais confusos e assustados do que antes. Mariane empunhou sua espada e cortou as raízes que agora saiam do solo e se lançavam na direção do grupo. Um de seus homens gritou quando uma das raízes se entrelaçou em sua perna, a esmagando com tanta força que o osso se partira.

A morena olhou ao redor, procurava desesperadamente uma forma de sair enquanto cortava qualquer raiz que tentasse se aproximar de si. Ela encontrou então um pequeno pedaço da clareira de onde não saiam raízes, parecia ser muita sorte... Talvez uma armadilha?

Mas o grito de dor do homem ferido a fez cair de volta a realidade. As raízes derrubam o homem, uma se agarra em sua perna boa, outra duas em seus braços e uma terceira na garganta do homem, fazendo com que seus gritos cessassem com violência. Então, em um breve momento, as raízes se separam, transformando o corpo do homem em um monte de carne no chão, seus órgãos são espalhados e esmagados pelas raízes que pareciam se deliciar com o banquete grotesco de sangue. “Qualquer destino não deve ser pior que esse”, a mulher pensou, então disparando em direção a parte aparentemente segura da clareira. Como ela estava enganada...

Mariane foi seguida por dois de seus homens, porém outros não tiveram tanta sorte assim. Seus gritos perseguiam os três, não importava o quão rápido corressem e nem o quanto se afastassem. Na verdade, não parecia nem sequer que eles se afastaram. Era como se estivessem presos naquele pequeno trecho da floresta. Qualquer pessoa estaria beirando a loucura diante de uma situação igual a essa, mas Mariane não.

A mulher era dura como ferro. Sua expressão permanecia inabalável, mesmo que seu coração saltasse com força no peito. Mesmo que sua testa e suas costas estivessem cobertas com o suor frio, mesmo que pudesse sentir suas entranhas se apertando e se remexendo em seu interior, assim como as entranhas de seu amigo, que agora estavam no chão da clareira, a garota não deixava nada disso transparecer em seu rosto.

A fuga os levou para uma área irregular, cheia de barrancos e quedas perigosas. Atrás deles, as raízes vivas ainda os seguiam, se amarrando entre as árvores e criando paredes de raízes e cipós. Mariane corria logo a frente de seu grupo. Com a espada em mãos, ela cortava qualquer viga que surgisse com um único golpe. Enquanto corria, gritava ordens aos companheiros restantes. Porém, após se virar para observá-los, uma das raízes voou em sua direção, acertando seu estômago e a arremessando barranco abaixo. Ela rolou o barranco e caiu dentro de um buraco, e ao atingir o solo, bateu a cabeça em uma pedra e desacordou na hora.

Sentindo algumas gotas caírem em seu rosto, a jovem abriu os olhos lentamente e se sentou violentamente no chão duro de pedra. Por um minuto, acreditou que tudo aquilo não havia passado de um pesadelo, um dos piores desde a época de criança. Porém as esperanças acabaram quando a morena teve tempo de digerir o local onde se encontrava, uma espécie de gruta subterrânea. Olhou para cima e viu o buraco pelo qual caiu, mas estava muito longe para que tentasse voltar por ali.

A morena se levantou com uma certa dificuldade, sentindo os machucados espalhados por todo seu corpo, porém ignorou a dor. Ela precisava encontrar uma forma de sair dali. Enfim, encontrou sua espada ao lado de onde havia caído e a guardou na bainha novamente. Mariane dava passos curtos e rápidos, andando com a mão esquerda tocando a superfície rochosa das paredes da gruta. O local em que estava era enorme, porém um lago fazia com que grande parte de lá estivesse submersa. A garota primeiramente estava relutante em mergulhar, mas havia algo estranho. Ela podia sentir que não estava sozinha naquele lugar.

Ao olhar para trás, ela conseguia ver, a princípio, apenas dois pares de pequenas luzes vermelhas. Porém, com os olhos acostumados à pouca luminosidade, ela logo pôde ver uma enorme sombra atrás daquelas pequenas luzes, uma figura tão grande que parecia estar curvada dentro da gruta.

A criatura se movia lentamente, caminhando em direção à Mariane, raspando suas garras pelas mesmas paredes na qual antes a garota se apoiava e produzindo fagulhas que iluminavam o enorme crânio exposto, coberto por raízes e sangue, de onde saiam os quatro olhos avermelhados que agora pareciam  paralisar a morena. A garota se viu presa pela primeira vez em uma sensação que nunca havia vivenciado antes. Suas pernas tremiam e pareciam fracas, ela quase não conseguiu se virar. Quando a criatura se aproximou, como que com um estalo de raciocínio, Mariane se jogou dentro da água.

O mergulho gelado acertou como uma pedra o corpo de sangue fervente da lobisomem, porém a imagem aterradora da figura na caverna fazia com que ela ignorasse toda a dor que sentia. A morena passou por uma brecha submersa e saiu num pequeno lago do lado de fora da gruta. Uma rajada de vento fez seu corpo estremecer com violência, mas sua atenção estava totalmente no pequeno lago do qual saía, como se esperasse a criatura que estava atrás dela pular a qualquer momento de dentro d’água.

- Corra... – ela disse para si mesma. – Corra logo... – Mariane parecia querer se desvencilhar de correntes imaginárias que a prendiam no lugar. Porém, diferente do que ela pensava, não seria sua fala a trazê-la para a realidade.

- SOCORRO! – um grito desesperado e de agonia veio de dentro da mata fechada, fazendo a garota dar um pequeno salto. Ela vira abruptamente o corpo na direção do grito, reconheceu a voz sendo a uma de seus homens... Imagino o que você está pensando, Mary Jane. “Porque ela não fugiu? Seu homem já estaria morto antes dela chegar lá!” Mas então eu lhe digo, Lobisomens são criaturas unidas, lealdade entre eles é tudo. Um Alpha nunca deixaria um Ômega para trás.

           E foi isso que a garota fez, correu na direção do grito, retirando sua espada da bainha e indo na direção do homem provavelmente ferido. Quanto mais ela corria, mais altos ficavam os prantos por ajuda. A garota os seguiu até dar de frente a um enorme paredão em uma encosta, algo que com certeza não deveria estar ali. Mas a morena já não se importava mais. O paredão possuía uma caverna longa e escura. Era impossível para ela ver o que havia lá dentro, nenhum sinal de movimentação, apenas o pranto baixo que vinha lá do fundo, como um choro sofrido.

           Mariane adentrou o local, segurando firmemente sua espada. A morena olhava ao redor, procurando por algo, qualquer coisa que pudesse identificar e dar uma forma. Abaixo de seus pés, ela podia sentir pequenas irregularidades, duras e algumas pontiagudas, que rachavam e estalavam com cada um de seus passos. Um cheiro forte e difícil de se identificar estava impregnado por todo o lugar. Do fundo da caverna, uma voz alarmada gritou.

- TEM ALGUÉM AÍ?! – A voz masculina perguntou, era fácil reconhecer o medo e o pranto em sua voz.

- Calma, sou eu. – Mariane respondeu baixo, mas o eco da caverna se encarregou de entregar a mensagem

- Mariane! Me ajude! – a voz gritou desesperadamente. – Aquela... Coisa! Ela vai voltar a qualquer momento!  - o pranto da voz começou novamente, a morena andava cega naquela escuridão completa, levando uma das mãos até a parede da caverna e estendendo a outra à frente de seu corpo, com a espada levemente erguida.

- Calma... Tudo vai ficar bem... – a morena disse, tentando acalmar o homem, mas na verdade ela apenas tentava mascarar o próprio medo.

- Você não entende... Eu... Eu... – De repente um clarão de luz irrompeu da escuridão, permitindo que a morena tivesse uma visão completa do lugar. As paredes estavam repletas de manchas escuras e grossas de sangue velho, até mesmo no teto. As “pedras” no chão eram ossos humanos, crânios, dedos, mãos... Todos inteiros e cobertos de restos de carne que apodreciam enquanto eram cobertos de vermes e insetos que lutavam por seu pedaço do prêmio. Seu homem, porém... Posso garantir, garota, que aquela visão era a última que qualquer ser vivo deveria ver.

           O homem estava crucificado no fundo da caverna, suas mãos estavam perfuradas e presas  a parede, deixando seus braços abertos. A carne de seu peito havia sido completamente arrancada, deixando ossos e músculos expostos, nos quais alguns insetos mais interessados em carne fresca estavam realizando um banquete. Seu rosto estava deformado, marcas de garra haviam levado os lábios e o nariz do homem, deixando apenas um buraco abaixo dos olhos, que por sinal haviam sido arrancados da órbita e ainda pendiam e balançavam conforme o homem se mexia, batendo em sua bochecha e deixando-a repleta de sangue. Porém nada  superava suas pernas, que haviam sido arrancadas e penduradas uma de cada lado, como uma moldura de uma pintura.

- O que... Fez isso...? – Foi tudo que a morena conseguiu formular, pois a repugnância da cena foi tanta que a fez recuar um passo e tropeçar em um crânio.

- Me mate... – O homem falava, das órbitas, agora vazias, grossas gotas de sangue escorriam e manchavam ainda mais seu rosto. Aquilo não eram lágrimas, estavam mais para apenas uma outra amostra de sofrimento. – Por favor, me mate antes que ele volte... Eu já sofri demais! – a boca do homem se mexia de forma perturbadora sem os lábios, torta e sem dentes, que aparentemente  também haviam sido arrancados, o que a fazia se encher de sangue e, consequentemente, este escorria por seus cantos.

Mariane ainda estava perplexa, mas um som que seria uma mistura entre um rugido e um uivo vindo da entrada da caverna fez todo seu corpo vibrar. Lágrimas escorriam sem controle dos olhos da morena. Ela se levantou e virou, tendo uma visão da criatura... Pelos negros que cobriam todo seu dorso. Sua cabeça estava encoberta por um crânio de cervo, de onde saiam as quatro luzes avermelhadas que se assemelhavam a olhos. Suas patas traseiras, fortes e magras, eram peladas, sem pelo ou qualquer outra coisa, suas garras perfuraram a terra enquanto a criatura se aproximava.

Suas patas dianteiras, maiores e mais magras que as traseiras, possuíam uma mão deformada com a qual a criatura se apoiou para se inclinar enquanto olhava a morena. As garras, longas e afiadas como lâminas, perfuraram um osso no chão, como se sentisse vontade de esmagar algo. De dentro do crânio, um grunhido rouco e perturbador se fez ouvir enquanto a criatura, aos poucos, se aproximava da garota e do pobre coitado na parede.

A criatura guinchou e pulou, se prendendo no teto como uma aranha monstruosa. Não tirando seus olhos de Mariane, que estava catatônica no momento. A morena ergueu sua espada, mas suas mãos tremiam demais para ameaçar qualquer coisa.

Em questão de segundos, a criatura gritou, um som agudo que invadiu a mente da garota destruindo não só as poucas gotas de coragem que ela mantinha, como também sua sanidade e seu bom senso. A criatura pulou em sua direção, projetando suas garras na direção da caçadora, que apenas se encolheu e protegeu a cabeça com as mãos, deixando a espada cair ao seu lado.

Porém a fera não caiu em cima dela e nem a dilacerou, até mesmo a garota demorou mais que o necessário para entender isso. Quando abriu seus olhos, viu a criatura atacar o homem preso, rasgando ainda mais sua pele. Seus gritos de pavor se misturaram ao chiado fino e alto que a fera fazia enquanto abria seu estômago e seus órgãos começavam a cair pelo chão da caverna. Ele morreu de forma demorada, mal da resistência dos lupinos, e quando notou que seu brinquedo não gritava mais, o carrasco agarrou seu pescoço com as mãos magras e deformadas e arrancou sua cabeça com um único puxão.

Mariane estava em choque, assistindo a cena do chão, onde estava antes. Ela engatinhou em direção a entrada da caverna, mas não havia para onde escapar. A besta se virou para a morena, que olhou ao redor a procura de qualquer coisa que pudesse usar, viu sua espada não tão longe e a agarrou, segurando com ambas as mãos em uma tentativa fraca de firma-las e parar de tremer.

A criatura prendeu seus olhos sobre ela, olhando para a lâmina na mão da garota e tombando a cabeça para o lado. O monstro se aproximou lentamente enquanto a morena continuava tentando, inutilmente, se afastar.

Cada passo da criatura faziam os ossos espalhados pela caverna se partirem com seu peso. Mariane ouvia o som e já conseguia imaginar como seria. A criatura então saltou na direção da garota, agarrando o pulso da mão direita e o torcendo, ouvindo um estalo quando o partiu, mas o som foi abafado pelo grito de Mariane, que havia subestimado a dor.

Em um movimento selvagem e desesperado, a garota chutou o crânio na cabeça da criatura, este voou longe com o chute, ela sorriu como se aquilo significasse que sua vitória estava perto... Mas seu sorriso só durou até ela voltar a olhar para o monstro a sua frente.

Um rosto pálido e deformado se escondia por trás do crânio de cervo, seus olhos, agora mais vivos que nunca, observaram a garota atentamente. Aquele ser não possuía orelha, nariz ou qualquer pelo no rosto, apenas aqueles olhos de chama e uma boca repleta de dentes afiados, deformados e desalinhados, de onde saía um hálito azedo de decomposição. A criatura, ainda com seu olhar fixado em seu novo brinquedo e ainda segurando o pulso quebrado da garota, levou sua outra mão até seu pescoço, o apertando e ao mesmo tempo cortando com as garras afiadas. A garota tentou pegar a espada que havia caído, mas estava muito distante, então ela colocou os pés no peito da criatura em uma tentativa de se afastar da mesma.

Porém, tudo que a garota fez foi com que colocasse suas pernas próximas às mãos da coisa. Aquilo soltou seu pulso, logo em seguida agarrando a perna de Mariane. A criatura girou a garota, levantando-a acima da cabeça e a jogando no chão com uma força absurda para um ser tão magro. A morena sentiu o baque e também que algumas costelas haviam se partido. Ela tentou engatinhar novamente, dessa vez não importava para onde, só queria ficar distante daquele monstro.

Mas ela não teve sucesso. A criatura agarrou sua perna novamente, a lançando para o outro lado. Mariane caiu de costas e ali ficou, gemendo e grunhindo de dor. O carrasco colocou seus pés em suas costas, perfurando sua carne com as unhas afiadas e fazendo-a gritar cada vez mais.

A garota já desejava morrer a esse ponto, porém não sabia que morrer seria o apenas sua libertação. A criatura agarrou a sua perna boa, a outra agora estava em frangalhos com a força dos arremessos. E a puxou com tanta facilidade quanto arrancou a cabeça do homem. A morena sentiu as unhas a perfurarem, as garras  partirem sua carne e seus músculos sendo arrancados enquanto gritava e implorava por piedade. Porém seus apelos de nada adiantaram contra o seu agressor, que apenas continuou grunhindo de forma fina e espantadora enquanto agarrou-a pelos cabelos e a arrastou para fora da caverna

Naquele momento, Mariane já sabia muito bem qual seria seu fim, sabia que aquela noite seria sua ultima. A caçadora gemia de dor enquanto seu rosto era acertado e raspado pelas pedras e raízes no solo. Sentia sua cabeça sangrar, sua boca também havia se tornado um mar vermelho enquanto seus dentes quebravam.

Ela foi arrastada por quilômetros dentro da selva antes de pararem subitamente. Ambos os seus olhos estavam roxos e inchados pelas vezes em que seu rosto bateu nas pedras. Quando pararam, a criatura soltou Mariane, que abriu ao máximo seus olhos, tentando identificar onde estavam. Notou que era uma clareira, grande e espaçosa. No meio, um enorme tronco e dois suportes para tochas. Essas estavam acesas e eram a única fonte de luz fora a lua.

A criatura se aproximou, dando um forte golpe na nuca da garota e deixando-a inconsciente. Quando acordou, estava amarrada no tronco, suas mãos estavam presas e sua única perna estava suspensa no ar.

- O que... Você quer comigo? – a morena falou com muita dificuldade. – O que... Eu fiz pra merecer isso? – ela balbuciou enquanto lágrimas quentes escorriam por seu rosto.

           O monstro, porém...  Nenhuma palavra disse, apenas se aproximou da garota com seus olhos destruidores. Ergueu suas mãos na direção de seu rosto... E tudo que se ouviu quebrado o silêncio sepulcral daquela noite foi o último grito de Mariane.

           Dias depois, um grupo de lenhadores achou um jovem raquítico perdido na floresta, o escalador havia sido o único que sobreviveu àquela noite e tudo porque um homem lhe deixou vivo para que dissesse algo para os moradores da cidade.

           No começo, todos achavam que ele não passava de um louco que em um acidente matou seus companheiros de caçada... Porém, quando encontrado, o jovem desatou a correr para dentro da floresta, indo em direção à clareira...

           O corpo de Mariane continuava amarrado, mas estava irreconhecível... Sua pele havia sido completamente arrancada, deixando apenas o rosto intacto. Este estava repleto de marcas de cortes e mordidas, seus olhos foram arrancados e colocados dentro de sua boca.

           Ah, “E a mensagem que o homem deixou para o garoto?” você deve estar se perguntando, certo, Mary Jane? Uma mensagem bem simples, fácil de se entender.

“Nunca mais pisem na minha floresta”, foi o que o garoto disse... Antes de cometer suicídio com o machado de um dos lenhadores.

 

           E então? Quantas moedas você vai me deixar por essa história?

 


Notas Finais


Antes que se vão, devo avisar que Bardan apenas comparece aqui semana sim, semana não, e nas semanas sem contos, eu e Avio estaremos trabalhando em outro projeto.

Espero que sua estadia tenha sido agradável. Voltem sempre!

(Caso não saibam de onde vieram Mary Jane e Mariane, lhes adianto que tanto este quanto o próximo capítulo são apenas edições do que foi escrito na primeira vez em que a fic foi postada. Mas, já no terceiro conto, as fichas utilizadas serão a desta versão!)


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