História Contos do corpo - Circumstances and consequences

não me amo como deveria. dizem que amor próprio tá na moda, mas eu nunca fui muito atualizado, sempre um passo atrás, um acessório a faltar, uma evolução retilínea. vivem a me dizer que fiz coisas incríveis, que mudei minha vida, sozinho, mas desacredito dessas afirmações e enquanto falam tento compreender o que elas encontram em mim que não posso ver. só sigo as circunstâncias, sou fruto das consequências, não há nada de especial em sair do sofá porque precisa pegar o controle para mudar de canal. não gosto desse canal. não é fácil e gosto do reconhecimento, mas exigem isso de mim, a coragem, a determinação de uma busca. sou circunstância. características retrógradas e mofadas de uma vida sem sentido. passado carimbado em cima de passado. não há reconhecimento nisso. pensamentos aprisionados perpetuamente sob energia corporal, pele, ossos. não me amo como deveria. beleza de carne que atrai a gente, machuca por dentro e nem sabemos aonde ou como. sou defeitos romantizados por seres cegos de realidade. ignorância amontoada em lugares, palavras e corpos. Senso. Sociedade. Sentido. Sanidade. Sexo. nada é meu. quero abrir os olhos, mas está claro e não estou sóbrio. gosto do estado de liberdade que me encontro. não consigo pensar quando estou embriagado. é paz temporária. é remédio que combate você. por quê precisamos dos dias? a luz que vem de fora é tão forte e eu fecho a janela. atitude? consequência! não seja idiota. ouvi um "eu te amo" e me pareceu robótico, usado, pronto e ensaiado. mais dois shots. ainda não fui capaz de esquecer. na bíblia diz que devo "amar ao meu próximo como a mim mesmo". não quero tratar mal o meu próximo. não parece errado? é engraçada a maneira como sua voz soa repetitiva em minha mente ao repassar suas palavras. "eu te amo". não sinto raiva mas se pudesse sentiria. então me dou conta de que é ensaiado. sentimentos fortes exigem uso de palavras fortes e desconhecidas por atrizes como ti. sentimentos desconhecidos exigem uso de palavras robotizadas, popularizadas e não-compreendidas. percebe a diferença? não me amo. e você não me ama. o problema é que eu sei. você não. somos a bipolarização do mundo. prometo a mim mesmo que essa será a última dose, porém a queimação seguida da ânsia que o líquido me causa é satisfatória quando me sinto prestes a deixar meu corpo. guerra. perspectiva diferente. já nem me lembro do que dizia. a leveza que me carrega para algum lugar vazio é inevitável. pensamentos em condicional procurando por liberdade. ínfimas horas de alguma coisa que se parece com a sensação de estar livre. pode ouvir minha risada? o desespero causado pelos raios do sol. anúncio do inferno que todos compram e consomem. a música termina em Fá sustenido e o som se perde no silêncio, no barulho. sssshhhh. logo a sensação de erro virá. doses de liberdade também seguem circunstâncias. shots de perspectiva também têm consequências.