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História Contos que vão morrer com o tempo - Desgraçados das ideias


Escrita por: Luciuslestrange

Capítulo 5 - Desgraçados das ideias


Fanfic / Fanfiction Contos que vão morrer com o tempo - Desgraçados das ideias

''Aquele bairro ainda tinha um pouco de nós juntos''

Fazia sol, enquanto a mãe de Luana batia na porta. Ainda não era nem meio dia, ela estava de férias e se levantasse com aquela cara, estaria estampado que ela teria pulado a janela do quarto e ido até o andar de Pedro, para beber e conversar. Enquanto a mãe dava cada vez mais pancadas na porta, Luuh, apenas sorria e fechava os olhos

''Uma hora ela desiste'', pensou a garota, sorrindo ainda com o blackout nos olhos. 

E de fato, uma hora a mulher teve de ir trabalhar, deixando Luana em paz.

Tudo em Luuh incomodava a mãe. Os tons de cinza que ela pintou o quarto, os pôsteres do Engenheiros do Hawaii, as músicas que ela escutava, o perfume enjoativo que ela passava no quarto, até as pantufas de sapo e a calça branca estampada com dalmatas que a filha usava. Tudo era motivo para um longo discurso, carregado de mágoas do passado. No começo, quado a menina tinha lá seus treze, quatorze, até quinze anos, isso a afetava drasticamente. Mas quando se tem dezoito anos, seu cérebro desenvolve um mecanismo para que todas as frustrações que seus pais despejam em você, sejam ignoradas. As vezes funciona, as vezes não.

Luuh levanta, tira o bleckout do rosto e sorri como naqueles comerciais de margarina. Arregaça as cortinas velhas  do quarto e (enfim), abre a porta do quarto: O silencio de estar sozinha é maravilhosamente ensurdecedor. Ela dá uma gargalhada (bem estranha na verdade), e corre para o banheiro, para fazer sua higiene matinal. Ela se olha no espelho e não gosta do que vê: Ela era bem pálida, quase que um tom de cinza, magra ao ponto dos ossos do pescoço e da bacia serem visíveis, lábios finos,nariz de gancho,  um cabelo que ela achava que estava começando a ressecar e estava sem brilho, a franja torta...  Se Pedro estivesse ali, diria que nada disso, importava, que os olhos castanhos  dela ou como ele dizia ''o seu mar de chocolate particular'', salvava todas as  supostas imperfeições. 

''mas agora, a  atual namorada dele é uma dessas loiraças, no maior estilo Kátia Flávia''

Ela abaixa a cabeça na pia, e sente nos olhos uma pequena quantidade de lágrimas se formarem nos olhos. Lava-os com água corrente e sai do banheiro, bem mais triste do que entrou.

O ato de passar o dia de pijama, segundo Pedro, era mais anárquico que qualquer insurreição; e ele, no alto de seu pedestal de estudante de ciências sociais, deveria ter lá alguma razão. No entanto ela não queria ir ver Pedro de pijama, embora tivesse certeza que era assim que ele estaria. Ele tinha de vê-la sempre bem, para lembrar tudo que perdeu.

Sim, era vingativa a magrela.

 

Ela volta ao ponto de partida, isto é, o quarto, olha a cama desarrumara, faz biquinho, e vai até o guarda-roupa procurando alguma coisa. Um jeans meio acinzentado (pra combinar com a pele, ai não se saberia o que era jeans e o que era ela), uma camiseta branca básica,, uma meia colorida e um par de sapatilhas listradas. Ela mexe na franja procurando uma forma de arruma-la. O que não tem remédio remediado está.
Ela vai até a geladeira, pega sua maçã diária, se joga no sofá e manda mensagem para Pedro:

Luuh: Já acordou?

Pê: Meu pai tá em casa, não tem como dormir... =(

Luuh: Ele notou que você chegou tarde?

Pê: Perguntou onde foi parar o uísque dele... Ainda bem que ele não sabe que eu sei onde ele esconde a maconha. hahaha

Luuh: Retardado kakakakakaka. Nos encontramos no terraço ?

Pê: Poxa Crush, não rola... a Bia vai passar aqui daqui a pouco.

Luuh: A Godiva do Irajá não tem o que fazer em casa ? Ahh também foda-se, eu vou arrumar o meu quarto, tchau.

Ela deixou o celular largado no sofá e, vermelha como uma pimenta da costa, liga o rádio. ele faz alguns ruídos, mas logo começa a cantar:


Oh, sim, eu estou tão cansado
Mas não pra dizer
Que eu não acredito mais em você
Com minhas calças vermelhas
Meu casaco de general
Cheio de anéis
Vou descendo por todas as ruas
E vou tomar aquele velho navio
Eu não preciso de muito dinheiro
Graças a Deus
E não me importa, honey

O Rappa sempre vai ser a melhor (ou pior) escolha para aqueles que sofre, mesmo que seja um sofrimento bobo e recorrente.

(...)

Do apartamento de Pedro, ouvia-se a música de Luana. Ele sabia que ''Vapor Barato'', sempre foi a forma dela dizer ao mundo que estava sofrendo. Ela tinha aquela pose toda, de garota fatal, escorpiana, porém era só uma menina assustada que gostava de chamar a atenção de todo mundo, que era meiga e carente. 
Pedro suspira, e fecha os olhos por um instante tentando lembrar do momento em que os dois se afirmaram como casal:

Ambos no cinema, de mãos dadas como um casal bem piegas. Foi num desses momentos, entre os ''ahh'', dos casais, ela disse bem baixinho, só para ele escutar: ''eu amo você, Pedro Servidoni''

- Mas assim é fácil, sua mãe e eu nos matamos para trabalhar, enquanto você fica aí ?

- Pai, eu estou de férias - disse Pedro saindo das suas lembranças adoráveis para a vida real, onde seu pai gordo e rabujento lhe atormentava.

-Ahh, sua vida é um feriado moleque! Se ao menos cursasse uma faculdade de verdade... - diz ele com um tom de voz agora pausado, amargurado, talvez - Você poderia ter feito tranquilamente Direito ou Ciências Contábeis.

-Desculpa não me imaginar sentado na frente de um computador! - disse ele com a voz alterada - eu tenho ideologia!

-Você, como a maior parte desses jovens, esses ''militantes'', são só garganta . Se vocês fossem realmente fodas como acham que são, o país não estaria na merda que está, com golpe atrás de golpe. Vocês gostam de fazer textão no Facebook, postar foto em manifestação,só.

Ele saiu do quarto, sem bater a porta nem nada, tinha conseguido deixar Pedro na merda.

Pedro levanta, vai até o espelho do guarda-roupa: Era bonito, esteticamente falando. Alto, magro,  moreno, claro, sem muitas espinhas no rosto, cabelos lisos e olhos castanhos. Ele era um padrão, logo ele que detestava padrões com todas as suas forças.  Era um padrão de jovem de esquerda Também; com sua militância e panfletagem de segunda a sexta e seu sábado no open-bar, com os amigos da faculdade e Adriana, sua namorada. De certo modo, ele concordava com o pai, que se a juventude ''politizada'' fosse como foi a do período da ditadura, que pegou em armas fez e aconteceu... Mas depois dos caras pintada, o pessoal esqueceu de fato o que é manifestar por um motivo, um bem unívoco. Entretanto, o quê ele, um jovem com seus dezenove anos poderia fazer em relação a isso? 

Pê: Oi Mozão, você já tá vindo?

Mozão:  Só mais tarde Pedro, por quê?

Pê: Porque se você tiver alguma outra coisa pra fazer, sem problemas Adri, não precisa vir tão cedo.

Mozão: ... Aconteceu alguma coisa Servidoni?

Pê: Eu vou ter de fazer uns corres pra minha mãe hoje o dia todo. Fazer uns depósitos, pagar umas contas... Sabe como é, né, a dona Margarida é a única que me defende do fascista do meu pai.

Mozão: Ahh, ok, nos vemos amanhã então bofe. Bjs

Pê: Beiju Mozão.

Ele sorriu de leve, arruma o cabelo com as mãos mesmo. Pensa em ligar a vitrola (presente da mãe quando ele passou no vestibular), e colocar algo entre Cazuza e Caetano; mas logo a ideia sai da cabeça, ainda não tinha ouvido o pai sair para trabalhar e se ele viesse mais uma vez e dissesse os impropérios de sempre, ele ia chorar, tipo, chorar mesmo, de ódio. 

Só Luuh tinha visto Pedro chorar

Pê: Hey, o que tá fazendo além de estar sofrendo com Vapor Barato?

 

Luuh: Não interessa. Cadê a Godiva do Irajá, não era com ela que você deveria estar conversando agora?!

 

Pê: Eu acho você impressionante Luana: Você me trai, termina comigo e ainda quer ter ciume da Adriana? Qual é a merda do teu problema?

 

Luuh: Você sabe que eu não te traí! aquele garoto me agarrou na balada, eu estava bêbada! B-Ê-B-A-D-A.

 

Pê: Hum, ok. Pode subir ali no terraço?
Luuh: Pq ?
Pê: Tô precisando de você, sério.

Luuh: Você sempre tá precisando de mim Pedro. Mas ok, sobe lá que eu só vou colocar os tapetes no meu quarto (eu limpei ele, acredita hahahha), e desligar o rádio. 

 

Ela estica os tapetes no quarto, sorrindo feito boba, desliga o rádio, vai até o banheiro, borrifa quantidade exorbitante de perfume no corpo e vai. Pega o elevador com duas tias velhas, que ironicamente também iam para o terraço. Quando Pedro vê aquela cena, não pode deixar de rir, confundindo as senhoras e fazendo Luuh corar violentamente.

O som daquela gargalhada debochada eriçava todos os pelos da menina. Só não se sabia se era de ódio ou saudade.

O terraço do prédio era bem simples: com mesas e cadeiras de plástico, samambaias suspensas no teto e umas duas ou três churrasqueiras. As duas senhoras vão para a mesa mais afastada, uma delas tira da bolsa de crochê um par de copos desse de jogo americano e (pasmem) uma garrafa de uísque. Ao ver aquilo os dois não conseguem conter a vontade de rir, as velinhas por sua vez retribuem o riso e fazem sinal para eles irem beber com elas; Pedro olha embasbacado, já Luuh faz sinal como se já estivessem indo.

Ela se joga no colo dele. O perfume adocicado e até mesmo enjoativo dela entontecia as narinas do outro, ele segura a bacia dela com força, como se fosse pra ela não sair dali nunca.

- O que tá acontecendo Pê?

- O de sempre, meu pai mostra as garrinhas quando mamãe não tá em casa.

Ela dá um beijo na testa do garoto e depois revira os olhos:

- Ele ainda não aceitou que você está cursando ciências sociais ? Gente, fazem dois anos!

- Você conhece esse seu sogro.

Ela olha pra ele, ambos se perdem no meio dos olhos castanhos um do outro.

- Você sabe que eu tô aqui pra você, né Pedro? Nós ainda somos amigos, bons amigos

Ele ficou calado, ela também

Ambos ficaram ali abraçados até Pedro achar um assunto:

- Tu viu aquela série nova que lançou no Netflix, Aquela das Drag's? Assisti um pouco e eu tive muita, muita vontade de te ligar pra ir assistir comigo.

- Eu sei sim, eu assisti as três temporadas já. Elas morrem no final. A Globo está tentando fazer uma versão brasileira dela, um lixo só.

- Ahh para com esse papinho imperialista de que só os USA fazem coisas legais. E obrigado por me dar spoiler. Eu ainda tô na primeira temporada. 

- Ahh, vai pegar em armas, vai.

Ela riu e o abraçou mais ainda. 

- Relacionamentos humanos são complicados né? - disse ela dando um selinho nele- Na França, eles se cumprimentam com selinhos, se eu te der um selinho de novo - mais um selinho - você pode nutrir isso, entender como paixão, amor platônico sei lá. Que coisa complicada, né Pê?

- E se a gente der uns beijos de leve, depois ir ali tomar uns goles com aquelas duas idosas e voltarmos para as nossas prisões de concreto cujo os carcereiros são os nossos próprios(as) progenitores(as). Mas com um sentimento diferente, de termos um ao outro ?

- Exitem amizades coloridas, inimizades coloridas também podem, né?

- Você é uma desgraçada das ideias garota, já começa por ai.

- Nós não vamos nos casar Pedro, nos vamos nos beijar, beber e depois no máximo transar.

Ele riu e os dois se atracaram num beijo violento.

do fundo, uma das velhinhas comentou com a outra:

- Já diz o ditado: ''É tentando se encontrar que a gente se perde de vez.'' 

E Bebeu mais ainda.


 



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