História Contos Queer - O paradoxo do sempre

- Onde estamos?

- Em algum lugar.

- Mortos?

- Sem vida, eu diria.

- Como antes. - Um silêncio invadiu aquele espaço vazio. - E agora?

- Esperamos.

- Exatamente pelo quê?

- Não sei. Eu chuto em reencarnação.

- Reencarnar? 

- É. Eu num corpo, você no outro. Como costumávamos ler naqueles livros kardecistas.

- E ficaremos juntos?

- Acho que não. Não seria tão fácil assim. Nunca foi.

- Por quê?

- Porque não podemos ficar juntos, é aquela coisa do destino, não lembro o nome...

- Sina?

- Sina! Acredita nisso, não é?

- Acho que...

- Então. Vamos voltar em corpos distintos, mentes distantes. Eu vou viver minha vidinha fútil cheia de corpos pelo qual nenhum vai me fazer morrer em pleno gozo. Logo eu que nunca tive tesão em comer a merda que o sistema oferece o tempo todo. Quanto a você, querido, provavelmente vai estar ao lado de uma revolução, preocupado com o destino da nação em uma manifestação qualquer enquanto derrama todo seu choro de menino, sufocado pelo gás lançado direto do governo na tua testa. Logo você que vestia verde e amarelo enquanto segurava o controle remoto da sua televisão de 50 polegadas na sala de casa. Pode ser que um dia eu te veja em uma cafeteria qualquer, usando uma roupa qualquer com seu perfume qualquer, mas eu vou estar ocupado e preocupado com a vitória do meu time, não vou pedir teu telefone, nem dizer o quão bonito você é, ou que tenho a impressão de que te conheço de algum lugar, talvez de uma outra vida.

- Não parece justo.

- Você se engana. Nós dois plantamos uma roseira cheia de espinhos lá e quando voltarmos, será para colher, e meu querido, não haverá luvas. 

Outro silêncio, talvez o mais doloroso silêncio, tomou o lugar.

- Nossas almas são iguais, são pertencentes uma da outra.

- E sempre vamos pertencer, não se preocupe.