Ela observara de longe, quer dizer de certa distância. Precisamente da cadeira ao lado até a sua cama. Seus olhos acompanhavam o soro que caia devagar. Cada piscadela um flash de memória vinha à tona. Em ordem cronológica. Calmaria – Caos – Calmaria.
O primeiro flash era o que fazia esticar seus lábios e corar sua pele. Cosima anestesiou-se no calor de seus braços, a cabeça pousava sob seu peito, fazendo com que Delphine desejasse mais do que nunca que as batidas descompassadas do seu coração não a acordassem.
Mas agora era só uma rememoração. Delphine se levantara cuidadosamente após o chamado do doutor Bell. E o segundo flash, era bem, o caos em trajes médicos.
- Você enlouqueceu? – Art foi dando lugar à fúria enquanto batia com seu punho no birô. No escritório, andava de um lado pra outro. Observado cada feição daquele ser que lhe fitava com olhos desafiadores. – No que estava pensando? Nem sequer é a médica desse caso.
- Não preciso que um prontuário determine quem eu deva ajudar. – Respondeu Comier. – De acordo com meu diploma expedido pela universidade da França, sou médica, alias, era a única presente, e é isso que os médicos fazem. Eles recorrem de tudo para cessar a dor do paciente.
- Está aqui há 8 horas, eu, há oito anos.
- O que aconteceu com seu segundo voo?
- Decidir cancelar.
- Remarcará para ainda hoje? – Delphine desviou sua atenção até o jarro que descansava em sua mesa. Deixando claro que não cessaria sua dúvida. - Doutora Comier, ao menos sabe o nome da paciente?
- Cosima Niehaus, 25 anos... – Arthur fez sinal para quebrar a continuidade, mas ela não se intimidou. – Na verdade, sei que parece inusitado, mas estava pensando em ficar por um tempo. Farei umas ligações, pedirei pra me substituir no hospital a qual resido... E ficar. Quero assumir o caso, me aprofundar em pesquisas, quero saber o que está acontecendo. Eu quero ajudá-la.
- Vá embora!
- O quê?
- Vá embora, Doutora Comier.
- Ao menos posso esperá-la acordar? – o questionou. Contudo suas dúvidas ficaram no ar, Arthur deixou a sala.
Terceiro flash.
- Senhorita Comier. – Donnie, falava enquanto caminhava ao seu lado.
- Nossa ida está cancelada, Donnie. Procure um hotel para nos hospedarmos. Ele ajeitou o suéter, limpou a garganta e parou seus passos, ficou de frente e a impediu de dar mais um passo. Ela o olhou confusa.
- O que foi?
- Eu não... Não acho que seja uma boa ideia.
- O que disse?
- Você pode ter procurado saber a respeito desse hospital quando aceitou a solicitação de cirurgia, mas eu andei por ele durante quatro horas, sabe como é a gente escuta coisas. Já reparou que quase todo o hospital é composto de pacientes em estado terminal?
- Todo hospital tem casos assim...Por isso...
- Mas não é estranho que quase todas as alas sejam preenchidas por pessoas assim? Esse hospital deve ter alguma... – Ponderou a fitando meio inseguro com o que estava prestes a insinuar... – Calamidade, sei lá.
- Para com isso Donnie. Olha... Eu entendo! Nós mal dormimos... Mas eu preciso saber se ela está bem. Okay? Encontre um lugar, a gente se fala depois. – dito isto ela saiu.
Delphine havia passado a noite assumindo casos e mais casos de doutores ausentes. Cada ocorrência sentia-se mais exausta, contudo seguia firme.
Quando os primeiros raios solares invadiram as brechas da cortina persiana, já se encontrava com o corpo disperso no estofado do quarto 324b21. A mão que sustentava seu queixo deslizou e bastou apenas mais uma piscadela para que a médica assistisse o abrir lentamente de seus mirantes verdes.
- Você acordou! – disse surpresa, um sorriso de canto quase involuntário preencheu sua face. – Eu... Eu não estava dormindo. – fingiu um tom sério e ajeitou sua postura.
- Estava me observando dormir? – indagou.
- Não. – Delphine disse de súbito, nervosa. – Quer dizer, eu estava sim. – Cosima franziu a testa e loira teve necessidade de reformular. – Mas... Era por que eu precisava. – Espontaneamente Cosima sorriu. – Não era isso que queria insinuar, só que eu precisava... Você apagou logo após o segundo sedativo e...
- Delphine não é? – Cosima a interrompera.
- Sim... Sim... – A doutora gaguejou antes de voltar com a seriedade. Aproximou-se mais da cama e perguntou-lhe. – Você se lembra?
- É que está escrito no seu crachá de identificação. – Lembrou Cosima e apontou diretamente para seu nome. – Quem é você? É minha nova médica?
Delphine engoliu em seco, não sabia o que passara de fato, contudo não espera que sua doença incluísse perdas de memória. Não sabia como esclarecer que ela, uma desconhecida, a abraçou até que pegasse num sono, jurando cura-la sob um código de contunda feito na hora.
- Eu... Não sou sua médica. – Justificou-se. –Quer dizer, não ainda. Na verdade eu fui expulsa.
- Então está indo embora? – sua voz soara um tanto quanto baixa.
- Não é isso... É que... – Delphine parou de falar quando percebeu que a mulher a sua frente prendia um riso que logo foi solto. Arqueou as sobrancelhas. – Do que está rindo?
- É brincadeira. Eu me lembro. – Disse num tom descontraído. Delphine ficou incrédula por alguns segundos, mas logo estava esticando seus lábios em conjunto com os de Cosima. - Posso ter uma série de sintomas, mas a insanidade e perda de memoria não são um deles...
- Me desculpe se ultrapassei algum limite, a forma como... – se ela se lembrara, então sabia que ela a tocou.
- Está tudo bem. Mas veja bem, está me devendo um jantar... Não pode pular as etapas... E Ei. – Cosima parou quando sentiu algo fofo sob o lençol. – Jogou uma almofada em mim? É assim que trata suas pacientes? – brincou.
A pergunta ficou no ar no momento em que a sala foi invadida por Paul, o enfermeiro.
- Bom dia Meninas. – as cumprimentou. – Cosima hora dos exames matinais. E Doutora Comier...
- Eu sei, já estou de saída. – antes que pudesse deixar a sala. Ela movimentou-se até a Cosima e sussurrou. – Ainda não sou sua médica. Ainda.
**
Delphine foi até o refeitório do hospital, estava faminta. Viu uma fila enorme para pegar salada, então optou por apanhar uma bandeja de hambúrguer e um café expresso. Que combinação! Sentou-se, degustava tranquilamente até notar que não estava mais sozinha.
- Bom dia, love. – A mulher ao lado a cumprimentou. Seus cabelos eram castanhos avermelhados pairados aos ombros, os mirantes azuis que a fitavam eram serenos e toda sua feição transmitia um ar de mistério. – Esse turno é uma maratona, não é?
- Bom dia. – Delphine retirou um guardanapo, limpou os dedos e estendeu sua mão. – Delphine Comier. Substituta do caso...
- A médica francesa. – interrompeu. – Eu sei. Siobhan Sandler. – apertou sua mão.
- Espere... Doutora Sandler? Como foi a angioplastia?
- Bonjour Belles! – outro médico se juntou a mesa, trajava um terno impecavelmente passado por baixo de seu jaleco, seu rosto havia marcas de expressões cobertas por um óculos quadrado.
- O que você quer Ferninand?
- Doutor Ferninand Frain. – corrigiu. S revirou os olhos. – O senhor Jones tem veias de drogado e precisa de antibiótico. Qual é S? Por favor.
- Está bem. Até mais love.
Delphine terminou sua refeição e logo percebeu que um médico de certo idade a fitava de longe. Antes que pudesse ir até ele, o bip vibrou em seu bolso. Seu bip vibrou várias vezes no transcorrer do dia. Seu último, Doutor Art.
- Chamou?
- Sente-se, por favor. – Art indiciou o assento ao lado. – Agradeço tudo que fez por nós durante sua estadia.
- Eu não vou embora.
- Falei com uns contatos e há um voo...
- Doutor Bell, eu não...
- Doutora Comier, este hospital não é pra você. Os anos que passei aqui... O que estou querendo dizer é que você será pressionado além do limite. É a nossa arena. Este lugar... As pessoas não tem esperança. Acredite em mim, não vai querer isso. Então você precisa ir. –
- Foi pra isso que me chamou aqui?
Delphine se levantou. – Vá pra casa Delphine.
Foi a vez de Delphine deixar a sala, tão depressa que nem viu quem entrara.
**
A médica andava pelos corredores do hospital, procurando preencher seus pensamentos atordoados com a medicina. A insistência do Doutor Art em não querer sua presença era contingente, pois o mesmo sabia de sua ficha, sabia que lhe poderia ser útil. Uma descoberta seria o auge da sua carreira. Doutor Art era sigiloso, o homem de certa idade também, tudo no hospital, incluindo a doença de Cosima. Cosima. Lembrou-se dela. Então ao cruzar ao corredor adentrou em seu quarto. Mais uma vez Delphine a observara, também tinha suas dúvidas sobre ela, como era sua vida antes daquele lugar? Como veio parar ali? Como deixou de ser Cosima Niehaus para a ‘’paciente do quarto 324b21’’?
- Não estou morta... Ainda... – Cosima murmurou. Não precisou virar-se de vez para notar que Delphine a reprovava com o olhar. – O que houve com você?
- Não é nada. – respondeu. – Como está se sentindo?
- Melhor. – Cosima remexeu-se na cama e ergueu seu tronco, Delphine fez menção de ajudar-la, mas ela negou. Encheu seus pulmões de ar e soltou todo pra fora.– Quer dizer...
- Paul e a outra enfermeira está cuidando direito de você?
- Ele não é muito bom com sedativos, mas de preste. Você viu. – Ela sorriu e mais uma vez isso que com que Delphine sorrisse também. Era um gesto automático, um sorriso inebriante que descobria aos poucos.
- Sim, ouvir dizer que Doutor Smith volta amanhã. Eu ainda não o conheço, mas ouvir dizer que ele é dos bons.
- Você ouve muitas coisas, não é?
- Um pouco. Delphine pode me dar meus óculos? – indicou a cabeceira.
- Está aqui. – entregou-lhe. Seus dedos se tocaram e seus olhares mais uma vez se cruzaram.
- Obrigado. - Disse quebrando o silêncio que se alojara. Delphine assentiu. – Delphine, Obrigado! – enfatizou.
- Não foi nada.
- Você me ajudou sem ao menos me conhecer. – Cosima colocou os óculos de armação redonda e pôde contemplar-la com uma vista mais nítida, tão próxima Delphine era ainda mais bela. Seu olhar congelou por breves instantes, todo seu histórico indicava que seu futuro incerto, e a coisa que ela sabia naquele momento é que se pudesse ver seu rosto mais uma vez ela ficaria feliz. – Quer dizer, ainda somos estranhas. Nos virmos por duas a três vezes.
E que não fosse por isto, a expressão de Delphine mudou assim como seu gesto, ela estendeu o braço e esperou por uma resposta.
- Delphine. – se apresentou.
- Cosima. - Cosima sorriu e segurou sua mão quente, deslizando seus dedos frios devagar até se soltaram por completo. Senti-la era tão adorável, estava encantava em conhecer-la.
- Enchanté...
Delphine suspirou profundamente e deu as costas. Parecia estar longe, tão longe que quase não sentiu seu corpo ser chocado com o de outra pessoa.
- Me desculpe. E Parabéns doutora Comier! – Paul passou apressado. Delphine franziu o cenho. - Conseguiu o caso do quarto 324b21. Está no quadro de avisos.
A expressão que se apossou na médica foi indecifrável, de uma coisa era certa, ela sorriria por semanas.
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