Há exatos 35 minutos Cosima encarava seu reflexo. Inclinada sobre a pia, olhava-se intensamente no espelho decorativo do banheiro.
O tratamento com as células tronco de Kira foi imediato e após dias os exames retornaram e mostraram boa reação. Sentiu-se sem altas esperanças por tanto tempo que mal podia acreditar que enfim estava curada. E bem, não sabia como Delphine descobrira de fato este avanço cientifico, contudo tinha conhecimento que a médica de cabelos amarelos planejara publicar tal conquista, logo poderia entender a fundo sua melhora.
Além de que, as coisas estavam indo tão bem, não queria complicar.
‘’ Você é uma paciente incrível’’. Fechou as pálpebras e relembrou da despedida de sua médica. ‘’ Só falta uma coisa pra te mandarem pra casa p/ um descanso merecido. O amanhecer. ‘’
Nesta manhã com resquícios de primavera receberia alta e regressaria finalmente ao seu cargo. Seu retorno assemelhava-se a seu primeiro dia de aula, tenso e emotivo. O tão esperado ''algum dia'' havia chegado, e a agora era hora de se libertar, deixar o quarto 324b21 e começar de novo.
Cosima contornou seus olhos verdes com um delineador negro e pintou seus lábios de vermelho. Há três dias (quando não houve mais sinais da doença) pôde recuperar seus dreads de linha e seu piercing nostril. Logo apos ajeitar-los, optou por uma calça vinho e uma blusa de mesma tonalidade, calçou suas botas, pôs seu óculos e deixou o cômodo em suspiros vagarosos.
De volta ao quarto, sentou-se uma última vez naquele colchão e a observou. Delphine dormia toda esparramada pela poltrona ao lado de sua cama. Tão desjeitosa e adorável ao mesmo tempo.
— Você acordou com o frio? – Delphine murmura abrindo os olhos.
— Não, só estou vendo você dormir. – Cosima respondeu docemente, retirou uma mecha de cabelo de seu rosto e o acariciou de leve.
— Você está linda. – Delphine sorriu inclinando a cabeça mais para o lado, assim poderia analisar com detalhes seu antigo/atual aspecto.
— Você também.
— Não, não estou. – A médica maior discorda e levanta espreguiçando-se. Veio de um plantão de 48 horas. – Como está se sentindo? – Delphine apanhou o jaleco na mesa de cabeceira e ajudou Cosima a terminar de vestir-se.
— Estou pronta. – disse a beijando suavemente. Suas mãos entrelaçaram-se ao pescoço da francesa e reduziu a zero qualquer distância entre elas.
— Vai ser um longo dia, tem certeza que não quer que eu fique? – Delphine sugeriu segurando Cosima pela cintura, ainda relutante.
— Sim, eu tenho. – Respondeu. Nem os olhos luminosos de filhote a fizeram mudar de ideia. Afinal, Delphine manter-se no hospital praticamente todos os dias do tratamento. – Você também precisa de um descanso merecido.
— Okay... – Bufou, dando-se por vencida. Delphine pressionou seus lábios mais uma vez contra o da sua ex paciente e acariciou suas maças do rosto enquanto findava o beijo. Pegou sua bolsa e caminhou até a saída. – Você vai estar lá no final do dia não vai?
— Vou estar contando as horas. – Exprimiu vendo-a se afastar. – Te vejo mais tarde.
— Cortas estas crianças Doutora Niehaus. – Delphine vozeou gesticulando. – Quer dizer, no bom sentido. Com o bisturi... – Andava de costas feito uma lunática, atropelando as pessoas dispersas pelo sanatório. Cosima ajeitou sua postura, deu um passo a frente e sorriu, um sorriso digno de seu codinome.
*****
— Não sabia que tinha voltado. – A médica de certa idade enuncia assim que cruza o corredor. Seu cabelo loiro platinado, seus olhos claros e sua pele com marcas de expressão pareciam irreconhecíveis p/ Cosima. – Susan Duncan, sua substituta na pediatria. – identificou-se estendendo a mão com um sorriso. – Quis dizer, como você está?
— Oh claro. – Cosima prontamente retribuiu ao gesto com uma feição alegre. – É bom estar trabalhando.
— Vejo que já se conheceram. – Art as interrompe de forma cortês. – Ansiosa? – Pergunta, sua atenção voltava-se a jovem médica.
— Muito. – Cosima responde com um pequeno sorriso nos lábios. – O que temos? Grande caso?
— Alguns. Mas especialmente um reparo em um recém-nascido, precisará de uma cirurgia grave. Mas você dá conta. – Art fala entregando os prontuários. – Bem vinda de volta Doutora Nieuhas. E Doutora Duncan pode me acompanhar? – Ele sorri e passa seu braço por cima do ombro de Susan e juntos saem andando.
Cosima acenou e partiu em direção inversa. Chegando na recepção ela estagnou seus passos e começou a verificar os casos, por onde começaria, qual situação, quarto. E quando se deu conta Evie estava a seu lado acompanhando atentamente as viradas de páginas.
— Tenho que admitir... – Articulou. – Não sou uma grande fã, mas a Cormier fez um bom trabalho. Afinal, está de volta.
— Doutora Cho. – Cosima assente forçadamente. – Precisa de alguma coisa?
— Doutora Duncan me colocou com você. No caso do reparo.
— O quê?
— A chefe da pediatria.
— Chefe substituta. – corrigiu. – Desculpe, mas não pedi uma residente. Está dispensada. – Disse rabiscando algo em uma das folhas.
— Veja bem, Doutora-não-Duncan... – Evie mudou seu tom metido p/ um – se é que fosse possível – mais arrogante. – Acompanho este caso desde o início, ajudei a detectar o defeito congênito. Contei pros pais sobre o reparo da hérnia diafragmática então vou estar naquela sala cirúrgica. – Diante daquela acidez, Cosima levantou o olhar e ajeitou os óculos no rosto encaixando-o corretamente acima do nariz.
— Doutora Cho, eu sou sua superior, se estou dizendo que não pedi uma residente é porque não preciso de uma. – Rebateu no mesmo tom de voz. – No entanto... Se é tão importante pra você o caso, está dentro, apenas... – ela abaixou a cabeça e tornou com os rabiscos. – Seja gentil. – Talvez precisasse de mais um par de mãos. Cosima fez um gesto com as mãos e insinuou que esperasse.
— Ok. – Evie cruzou os braços e deu as costas. Cosima podia ouvir-lá resmungar. – Sabe quem era gentil? Doutora Duncan. – Talvez se Susan tivesse passado mais tempo quem sabe aprendesse essa proeza com ela.
— Ok. Escute... – Cosima guardou a caneta em seu bolso e juntou os papeis. – Eu sou mais gentil que a Doutora Duncan. Pergunte a qualquer um que já trabalhou comigo. Meu codinome era Doutora Sorriso por uma razão, acredito que aja comparações a serem feitas entre mim e a doutora Duncan, mas em termos de gentileza eu ganho. Ganho com grande vantagem. Eu sou a mais gentil. – Elevou a fala. Evie balançou a cabeça assentido, teria que aceitar sua volta. – Nada para ser discutido. – Cosima respirou fundo e marchou na frente, seu dia estava apenas começando.
*****
Delphine passou a tarde decorando seu apartamento p/ que as dezenove horas em ponto tudo estivesse como planejado. Preparativos, comidas, convites, havia pensado em tudo. Quando a campainha tocou pela primeira vez, Delphine estava terminando seu penteado, jogou todo cabelo p/ um lado só e permitiu que seus cachos caíssem nos ombros. Fixou alguns grampos e borrifou o spray e logo após a fragrância. Depressa, vestiu sua blusa de seda estampada com cavalos, pôs um jeans e saiu calçando as botas no caminho.
— O que é isso? – perguntou ao abrir a porta e se deparar com o eletrônico colorido.
— O que você pediu. Uma jukebox. – Donnie respondeu. Largou o objeto no chão e alinhou seu suéter. – Arrumei com um amigo no bar do Francis.
— Não Donnie, eu pedi um aparelho de som que tocassem músicas – de graça – enfatizou – Delphine inspirou o ar e massageou suas têmporas, estava na hora, não podia surtar. – Ok. Você tem algumas moedas ai? – Donnie consentiu. – Ok, então vamos fazer isto. Vamos fazer um festa, vai nos animar.
— Não, vai animar você, eu vou ficar no canto sozinho comendo algodão doce. – Donnie exprimiu se jogando no sofá e encarando os balões espalhando pelo gesso acartonado.
— Adele está pronta?
— Qual sua fantasia? – Adele interroga, fitou Delphine circulando da cabeça aos pés, nada informal.
— Lugares públicos. Você sabe. O risco e o frio na barriga são bastante motivadores. – Delphine responde sem dar muita importância, retocando sua maquiagem.
— Qual sua fantasia pra festa? – Dar enfase.
— Oh.... Não é uma festa a fantasia. É apenas uma festa. De bem vinda de volta.
— Que seja. – Dar de ombros, seu vestido de qualquer forma iria servir. – Hey Mark, cancele sua roupa de Jack! Não é uma festa a fantasia.
— Tudo bem. Não ia combinar eu vir de Jack e Grace não vir de Sally. – Mark rebateu direcionando as caixas ainda empacotadas de cerveja até o freezer. – Alias, porque ela não pode vir mesmo?
— Porque ela é uma paciente? – Adele retruca. – E o Doutor Bell e Doutor Leekie vão estar aqui. certo Felix?
— Sim eu fiz os convites. – Felix termina de passar o pó no rosto e carrega as pizzas. – Scott chega as nove, tem uma cirurgia. – Deixa as embalagens na mesa e aproxima-se da ruiva. – Sei que você ainda não é a maior fã da Grace, mas ela faz o Mark feliz, pense nisso.
— Nossa... Sua glândula de auto piedade dá pra ver daqui.
— Sou médico vou tratar com álcool. – Felix pisca seus olhos pintados e estende sua garrafa de cerveja p/ um bride.
— É o mais recomendável.
*****
Cosima estava no estacionamento, combinou com Delphine as oito e não queria se atrasar p/ o primeiro encontro das duas fora do hospital. Só que, seu carro estava na garagem de seu prédio e ali aparentemente não passava táxi algum. Tremendo de frio percebeu que não estava agasalhada o suficiente pra aguardar um veículo deste porte, estava já discando os números do parque central quando um cadillac modelo antigo de cor preto parou ao seu lado.
— Ei love, quer uma carona? – A mulher desceu o vidro e lhe sorriu simpática.
— Ei Siobhan! Você não mora no outro lado da cidade?
— Sim, mas suponho que estamos indo para o mesmo lugar. – Cosima franziu o cenho e S acabou confessando, inocentemente. – Apartamento da médica francesa.
— O quê? – Cosima entrou no carro e acomodou-se no banco de couro.
— Oh, eu sinto muito. Era uma festa surpresa. – Disse envergonhada.
— Tudo bem. Eu meio que já desconfiava... Visto que todos os conhecidos sumiram as sete. – ela ri. – Ouvi cochichos. – Sinceramente, não sei o que fiz pra merecê-la. – sussurra as últimas palavras com afeição.
— Ela é uma garota especial não é? – S tira os olhos da estrada e a encara de modo atencioso. Cosima sente as bochechas arderem ao perceber que também deixou algo passar ingenuamente.
— Sabe quando você olha pra alguém e percebe que é tudo o que você mais quer na vida? – Disse entre suspiros. – Queria que minha mãe estivesse viva para conhecer-la. Você tem filhos? – perguntou. S não respondeu, parecia cada vez mais distante. – Mrs S?
— Oh... Não... – S piscou os olhos atordoadas. – Aposto que sua mãe iria adorá-la. Posso te pedir algo?
— Claro. O que é?
— Pode fingir surpresa quando chegarmos?
********
A festa de ''boas vindas'' já estava acontecendo a todo vapor, tocava ''Joy Division - Love Will Tear Us Apart'' na jukebox iluminada por neons.
— Entrem. – Felix disse dando passagem p/ Leekie, Evie e também Paul.
— Não sou muito sociável em festas. – Evie enuncia acanhada as cortinas de canto.
— Já experimentou encher a cara? – Felix sugere. – Vou pegar cerveja. Mark fique aqui fazendo sala.
— Ninguém nunca me convidava pra festas no colégio. – Doutor Leekie puxou assunto. O médico de mais idade bebericava sua taça de vinho tinto, havia optado pelo liquido de cor escura.
— Acho que você é um vampiro. – Mark falou de súbito. Já havia passado de completamente melancolico para inteiramente bêbado
— Adoro o Mark bêbado. – Adele gritou. – Campainha!
— Deixa comigo. – Delphine correu p/ atender. – E ei se ele vomitar, um de vocês vai limpar. – condenou antes de abrir a porta. – Hey. – Delphine corteja abrindo um sorriso.
— Hey. – ‘’Surpresa’’ ouviram de fundo. – Oh... Delphine.... Não precisava. – Cosima solta uma piscadela para S.
— Doutora Sadler? – Delphine indaga surpresa. Imaginava que viesse só não junto de Cosima, porque bem... – Vocês vieram juntas?
— Sim. Encontrei S no estacionamento. Vinhemos conversando.
— Conversando? – balbuciou. – Tipo...
— É. Ela sabe. Não se preocupe.
— Sabe?
— É... Da gente. – Cosima diz como se fosse óbvio.
— Oh... Okay. – Delphine suspira aliviada. – S, por favor sinta-se em casa. Tem cerveja no freezer e comida no balcão. – S assentiu.
— Doutora Niehaus. – Leekie surge, suas tentativas de socializar não estavam dando muito certo. – Como vai? – Contudo ele desvia sua atenção ao ver no mesmo sentido Delphine. – Ah Doutora Cormier. A sua casa é linda de verdade. Queria te parabenizar pela descoberta. Sabe, nunca duvidei da sua capacidade no meio cientifico. Contudo seu método ainda me intriga. Células troncos, han?
— Yeah... – Delphine diz sem jeito devido a afinidade a qual o homem lhe saldava. – Bem, poderá saber mais adiante quando publicar o artigo que estou escrevendo. Tem um vinho importado... – tenta esquivar-se mudando de assunto. – Italiano. Acho que você vai gostar.
— Não, estou bem...
— Ah que isso! Não seja modesto. – Cosima intrometeu-se já incomodada com o interesse súbito do médico em Delphine. – Anda Mark mostra pra ele. – Dito isto ela saiu. – Você convidou todos, ein? Até o Doutor Leekie. – Cumprimentava as pessoas pelo caminho na medida que a arrastava pra um canto da sala mais reservado. – Esperei o dia todo por isto. – Cosima a puxou para si e a beijou com urgência.
— Está com ciúmes. – Delphine mordeu o lábio inferior ao comprovar suas suspeitas.
— Não estou com ciúmes. – rebateu com birra.
— Oh, certo. – Delphine riu e voltou a beijá-la.
— Espere... – Cosima interrompeu a calorosa recepção com o seu semblante sério e seu olhar penetrante. – Você realmente acha que eu to com ciúmes do Leekie? É tão ridículo achar que eu to com ciúmes do Leekie.
— Porque?
— Porque ele tem mil anos de idade. – rosnou baixo. – A única razão de eu sentir ciúmes do Doutor Leekie é que ele sentou no banco da frente da arca de Noé. – Diferente de Cosima, Delphine gargalhou alto.
— Ok. – disse cessando o riso. – Mas você sabe que pode me contar qualquer coisa.
— Você também. – A expressão incrédula da pediatra foi substituida por uma séria. – O que aconteceu na França/ Londres? – Delphine parecia um tanto quanto estranha quando o assunto da viagem surgia, p/ esquivar-se sempre murmurava algo incompreensível e mudava de assunto repentinamente.
— É uma história meia embaraçosa.
— Todo mundo tem uma história embaraçosa. As vezes é bom falar sobre isto.
— Ok, podemos conversar sobre isto mais tarde? É sua festa.
— Está bem. – Ela se virou e encostou os lábios em um selinho demorado. Após acabar a música lenta começou a tocar ''Midnight City - M83'' Delphine amara esta canção.
— Hey, está a fim de ouvir uma música super alta e que não mudou desde a época de 90?
— Estou sempre afim. – Começaram a andar depressa em direção ao centro da sala quando puderam ouvir a campainha tocar mais uma vez naquela noite. – Eu atendo.
Cosima disparou e rapidamente abriu a porta. Estática, era como se encarasse seu próprio reflexo.
— Oi, meu nome é Sarah. Sarah Manning e você deve ser minha irmã.
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