História Coração Amargo - Prólogo

Dizem que o amor é o sentimento mais puro que pode existir, o problema é acreditar nisso quando nunca antes foi capaz de senti-lo.

O coração dela era como a Rapunzel, preso à uma torre inatingível, onde ninguém poderia alcançá-lo. Protegido por espinhos pontiagudos, capazes de ferir aquele que tentar se aproximar, rasgando sua pele, enquanto ela observa o líquido vermelho e vital escorrer livre e sem impedimentos, até sua vítima parar de respirar.

A verdade, é que contos de fadas não existem e é errado fazer com que milhares de crianças se iludam com algo irreal. Para ela, o amor faz parte desse mundo mágico criado por Walt Disney. Uma mentira bonita criada para enganar, manipular e fazer com que as pessoas gastem dinheiro em presentes, se tornando consumidores compulsivos nunca satisfeitos.

Príncipe encantando não existe. No final, todos os homens não passam de meros sapos, vestidos em ternos caros e com um sorriso cínico. Ela estava decidida a nunca se entregar a nenhum deles. Seu coração permaneceria amargo, frio ao toque, como um feitiço que nunca seria desfeito.

O que ela não esperava e nunca imaginaria, era que ele, com seu sorriso barato e seus sentimentos bagunçados seria atrevido o bastante em ignorar todos os avisos, todos os sinais de "pare" e arriscar-se por ela. Ele, com seus olhos dourados como o sol do Hawaii, e com seu passado cheio de fantasmas, seria o único a atravessar a floresta de espinhos, em busca de uma doce rendição.

Coração Amargo; Selena Gomez 

A morena de traços delicados se move de maneira elegante pela rua. Ao seu lado, dois seguranças a protegem do ataque dos repórteres e dos fãs, que gritam alucinados o nome dela, tentando conseguir um pouco de atenção. Ela encara a lente das câmeras e ergue a mão, acenando para o público. Um sorriso forçado surge em seus lábios carnudos, cobertos por uma camada de batom vermelho.

A fama e o sucesso são o sonho da maior parte da população. Um objetivo que quando alcançado tem o poder de transformar a vida de qualquer um em questão de horas. No entanto, pode se tornar letal quando sobe à cabeça. Com Selena não havia sido diferente. No auge de seus vinte e quatro anos, era uma das mais importantes escritoras do The New York Times, premiada por suas mais de três obras publicadas e seguida por uma quantidade exorbitante de leitores.

O vestido rosê esvoaça devido ao vento forte e gelado, e ela estremece ligeiramente. O céu coberto por nuvens escuras não parece a incomodar, pelo contrário, Selena gosta de dias chuvosos e frios, como seu coração.

O tráfego flui vagarosamente pelo centro, apesar de ainda ser consideravelmente cedo, as pessoas parecem decididas a chegarem a seus destinos antes que a chuva comece, todavia, o barulho do trânsito pesado não é suficiente para diminuir o som dos gritos histéricos que entram pelos ouvidos da mulher, levando-a a querer tampá-los. Talvez não tivesse sido uma boa ideia fazer o trajeto de cerca de oitenta passos de seu apartamento até a cafeteria a pé.

Uma corrente de ar quente choca-se contra seu corpo assim que a porta de vidro é aberta. Selena sente-se ligeiramente aquecida devido ao ambiente agradável e reconfortante. O aroma delicioso de café e chocolate atinge seus sentidos fazendo-a sorrir verdadeiramente pela primeira vez desde que chegara.

O moreno atrás do balcão endireita a postura e passa as mãos trêmulas pelo avental, amaldiçoando a si próprio ao encontrar uma grande mancha de chocolate ali. Aquele dia realmente havia entrado para a lista dos piores de sua vida. Se não bastasse todo o desastre, ainda teria que enfrentar uma possível tempestade antes de poder ir pra casa.

Mas, mesmo assim, Zayn não pôde evitar de sentir-se estranhamente alegre com a possibilidade de chegar perto de Selena. Aquela sensação tão conhecida que penetrou em suas veias em um milésimo de segundo, era o suficiente para fazê-lo nutrir a esperança de ouvir a voz dela e, quem sabe receber um sorriso como agradecimento.

As pessoas presentes agitam-se e prendem seus olhos curiosos à porta, observando atentamente a mulher adentrar o local. Ela é segura de seus passos, e as pessoas emudecem, de forma que apenas o som de seus saltos finíssimos em contato com o piso, ecoa pelo local. Ninguém é capaz de quebrar aquela barreira hipnótica que a envolve, estão todos atraídos demais para isso.

O rapaz respira fundo e esfrega as mãos, sentindo o suor frio escorrer de sua pele. Quando a morena finalmente se acomoda em sua mesa, ele sente a mão de Mia tocar seu ombro, despertando-o do transe. Então, corre os olhos castanhos pela bancada de vidro, procurando desesperadamente pelo caderninho dos pedidos. Seus músculos relaxam quando ele o encontra, mas a tensão volta a pesar sobre seus ombros assim que os olhos da morena caem em si. Ele sorri nervoso, entretanto, ela não esboça reação alguma.

Com um esforço desnecessário, ele desliza para fora do balcão, enquanto repete em pensamento a já decorada frase.

— Boa tarde senhorita Gomez, o que deseja? — pergunta ouvindo sua voz quase falhar.

Selena suspira entediada e, retira um livro da bolsa, posta na cadeira ao lado. Zayn observa os movimentos calculados em silêncio, tendo uma caneta presa entre seus lábios, onde desconta o nervosismo.

— O mesmo de sempre.

Ele rabisca rapidamente na folha branca, ao mesmo tempo em que corre de volta para a cozinha.

— O que a megera pediu? — Mia questiona prendendo a risada ao ver o amigo revirar os olhos.

— Não a chame assim, Mia.

— Você e essa mania de defendê-la. — a garota loira resmunga, fazendo Zayn rir baixinho.  — O mesmo de sempre? — Mia pergunta arqueando uma sobrancelha.

— O mesmo de sempre. — ele repete a frase confirmando.

A garota se apressa em preparar o costumeiro chá de maçã, sabe que a megera não tolera atrasos. Selena irrita-se com uma facilidade surpreendente e de forma alguma admitia erros.

Selena torce os lábios e suspira pesadamente ao que o moreno aparece entre as portas duplas que dão acesso à cozinha do lugar. Ele havia demorado dez malditos minutos, aquilo era inaceitável a seu ver.

Zayn faz um esforço sobre-humano concentrando-se em não tropeçar nos próprios pés e derrubar a bandeja, enquanto pede aos céus e a alguma divindade que o ajude. Isso seria horrível, sem dúvida um desastre. Odeia-se por parecer um estúpido diante aquela que considerava um exemplar perfeito de Afrodite, que com sua beleza intoxicante o levaria diretamente para o inferno, sem dar-lhe chance de redenção. Aperta a caneta entre os dedos, tomando coragem para direcionar-se a ela. Sentia uma necessidade quase absurda de quebrar aquele maldito silêncio que os separava.

— Deseja mais alguma coisa? — pergunta nervoso, esforçando-se o máximo que pode para parecer tranquilo.

Ela levanta o olhar ao notar o garoto parado em frente à mesa e o analisa durante aquilo que parece ser meio segundo. Novamente um suspiro é liberado e Zayn estremece não conseguindo manter seu olhar preso ao dela. Por fim, ele puxa o ar com dificuldade, sentindo o cheiro de perfume e maquiagem infiltrar-se em seu organismo, o fazendo perder o rumo de seus pensamentos.

— No momento, — Selena fala pausadamente, enquanto fixa sua atenção no nome bordado do lado esquerdo do peito do garçom. — só que você saia daqui, Zayn. — ela arrasta as palavras em um sotaque exagerado, dando ênfase ao nome. Malik acente quase que mecanicamente obedecendo o pedido de Selena como um bom soldado obedece o general.

Em quase um mês que a morena frequentava o café, nunca se sentiu capaz de pedir-lhe um único autógrafo ou dedicatória na capa de seu último livro. Sim, Zayn colecionava tudo que de alguma forma fosse relacionado à latina.

— Eu vou precisar sair mais cedo hoje. — murmura, empilhando os pratos delicados sobre o balcão de madeira para que sucessivamente fossem limpos.

Mia para de mexer a panela fumegante sobre o fogão e o olha de soslaio, esperando por uma explicação. Era a segunda vez que Zayn saia mais cedo naquela semana e ela sabia que algo estava acontecendo.

— Por favor Mia, eu preciso correr para a faculdade, tenho prova hoje.

Ela tenta achar no fundo de sua mente confusa algo que o impeça, mas após meio segundo acaba suspirando derrotada ao notar que nunca iria conseguir um argumemento bom o bastante, balançando a cabeça em afirmação.

— Tudo bem, você pode ir. Eu dou conta, se o rabugento chegar eu invento uma desculpa. — fala referindo-se ao dono do lugar. Era um senhor um tanto gordo e mal humorado.

O moreno sorri e seca as mãos no avental correndo em direção a amiga, apertando-a em seus braços desenhados.

— Eu sabia que podia contar com você. Obrigado Mia.

— Só por que eu te amo. — ela brinca, arrastando um guardanapo sobre o mármore do balcão, limpando os restos de massa de chocolate espalhados na superfície.

As palavras da loira de fármacia fazem os lábios carnudos de Zayn se curvarem em um sorriso que toma conta de sua face, e ele estreita os olhos na direção dela. Era infinitamente grato à Mia Parker, sua melhor —  e única — amiga. Sem ela não teria condições de dividir o tempo entre a faculdade de literatura inglesa e o trabalho de meio período na cafeteria. Havia chegado tarde em casa no dia anterior e cuidara da mãe até que a mesma adormecesse, não sobrando tempo para fazer o trabalho que precisava ser entregue.

Com cuidado ele dobra o uniforme e o guarda no armário fechando o mesmo e logo em seguida guardando o molho de chaves no bolso traseiro da calça preta.

— Até amanhã, Mia. — despede-se da garota com um beijo estalado na bochecha e ela lhe oferece um sorriso doce em troca, deixando um suspiro frustrado escapar de seus lábios assim que o moreno desaparece entre as portas.

Mesmo tendo certeza de ser inútil, Zayn não pode evitar correr os olhos dourados pela cafeteria. Busca por um único rosto enquanto se esgueira no meio do aglomerado de clientes que esperam seus pedidos serem entregues. Aquele lugar estava um verdadeiro formigueiro naquele dia. Mesmo que tivesse uma quantidade consideravelmente grande de funcionários tornava-se quase impossível atender à todos.

O Royaltty Coffe mantinha uma seleta classe de frequentadores. Apenas a nata da cidade, todos dispostos a pagar uma quantia relativamente alta por um brownie de chocolate e um pouco de café expresso.

Malik frusta-se ao ver a mesa de número dezesseis completamente vazia. Sobre ela havia apenas um pedaço de papel amassado, mesmo assim não contém o impulso de ir até lá e pegá-lo. Surpreende-se ao ver que era na verdade o cupom fiscal oferecido pela cafeteria, no entanto não é o valor impresso no final da folha que lhe chama a atenção, e sim a frase escrita à caneta preta em uma caligrafia perfeita.

"O amor não existe."

Ali estava a frase que o faria lutar dia após dia para prová-la do contrário. Faria Selena engolir as próprias palavras junto com seu orgulho exacerbado.

Muito mais do que simplesmente conquistar a morena, ele estava decidido a escalar o muro que protegia os sentimentos dela, destruir uma à uma todas as barreiras e por fim, adoçar seu coração amargo.