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História Coração de Vidro - Coração de Carne e Vidro


Escrita por: Lihnfa

Notas do Autor


Avisinhos:

As personagens desta fanfic pertencem a Johnny Jota, autor e artista do Batatiras {link nas notas finais}
(Não precisa conhecer muito do Batatiras para entender a história)

~lembrando que plágio é crime ~ não plagiem~

Essa fanfic terá três capítulos, então vou dar um tempo de mais ou menos uma semana entre si para postá-los


Foi isso. Até lá embaixo!

Capítulo 1 - Coração de Carne e Vidro


Fanfic / Fanfiction Coração de Vidro - Coração de Carne e Vidro

  Quando pequeno, era quieto e calado, ninguém queria falar comigo. Eu brincava sozinho no orfanato, meus bonecos eram meus únicos amigos. Eu tinha noção de ser solitário e que passaria a vida toda assim, isso só aos três anos de idade. Minhas fraldas já tinham o peso de culpa e solidão.

  As governantas não gostavam de mim também. Fiquei sem comer por um dia e meio só porque desenhei com lápis azul invés do verde. Eu queria pintar os céus, um lugar longe dali; não o chão, as correntes que me prendiam àquele mundo.

  Um mês e meio depois de meu aniversário de três anos, que comemorei sozinho, um homem veio visitar o orfanato. O local era pequeno, estreito, sujo, era tudo de ruim; já o homem, tinha um aspecto nobre, era alto, não muito velho; devia estar em torno de seus quarenta anos na época. O que ele queria em um local como aqueles?

  Não fiz esforços para chamar atenção, eu chamava naturalmente por conta dos cabelos alaranjados, pele muito branca, olheiras profundas em uma criança, sapatos e roupas não estrulhambadas, e pelas marcas de varadas de marmelo pelos braços. Isso chamava muita atenção negativa. Eu não brincava bruscamente, não dormia bem, chorava muito, cuidava bem das roupas, e apanhava bastante por ser diferente.

  As crianças fizeram fileira ombro a ombro e me juntei lentamente a elas arrastando os pés. O homem foi olhando e abrindo sorrisinhos aos que pareciam mais fraquinhos, magrinhos e mais novos. O saguão estava bem escuro combinando com as vestes escuras dele, o que deu um pouco de medo.

  Ele foi andando até chegar a mim, me fazendo olhar para cima e engolir seco enquanto me encarou. Abriu seu maior sorriso do dia e fez carinho em minha cabeça. Pôs as mãos em meu pescoço e me guiou até uma sala que eu nunca tinha visto, mas tive a certeza de ser onde os pais adotivos assinavam documentos. Uma das governantas, uma das que me batiam, entrou na sala conosco e deu uns papéis para que o homem assinasse. Logo que o fez, se ajoelhou diante de mim e disse:

  -Oi, meu nome é Professor Hanson. Eu vou cuidar de você a partir de agora, está bem? - ele sorriu e eu não deixei de fazer o mesmo.

  Prof. Hanson me estendeu a mão e eu a segurei com carinho para que me guiasse até qualquer lugar que não fosse aauele orfanato.

  -Tem algum pertence teu aqui? Algo que queira levar? - ele me perguntou e meu rosto acendeu em um sorriso. Assenti com a cabeça e saí correndo para meu ex-quarto - já podia chamá-lo assim. Peguei meu único e melhor pertence: um ursinho surrado e sujo de pelúcia pequenininho e saí correndo de volta ao encontro do homem. - Ótimo, vamos.

 

  O carro dele era chique e grande. As rodas brilhavam, o teto era forrado de um tecido vermelho. Ele me perguntava coisas durante a viagem. "Qual o nome deste ursinho?" Ele nunca teve nome, não era de costume meu dar nome para as minhas coisas. "Você tem nome?" Eu não tinha. A maior parte das crianças do orfanato tinha, mas eu não. Me chamavam de garotinho ruivo. "Isso vai mudar", ele disse e me fez dar um pequeno sorriso. "Quantos anos tem?", "O que gosta de comer?", "Qual sua cor favorita?". E mais muitas outras perguntas e, quase todas, sem resposta. Não comia muito, era tudo muito ruim naquele lugar; cor favorita? Cores só me traziam a dor de varadas de marmelo. Como explicar essas coisas sem quase nem saber o que falar? Eu tinha só três anos. Não respondi essas coisas e Hanson não insistiu.

  Chegamos a sua casa, uma mansão gigantesca com um jardim enorme cheio de flores e árvores secas que davam um charme no ambiente. Eu olhei em volta e me encantei com o tamanho das coisas, a fragilidade dos enfeites, a beleza daquele lugar sombrio. Meus olhos brilhavam cada vez que os pousava em algo novo. Hanson me pôs em seu colo e me levou para um banheiro. Nunca tinha tomado banho em uma banheira e, ainda mais, numa tão grande quanto aquela. Ele me vestiu com roupas que serviram em mim. Fomos à cozinha, onde um jantar já estava preparado. Fiquei fitando toda a comida com água na boca, mas esperei antes de qualquer coisa.

  -Não vai comer? - perguntou preocupado.

  -Estou esperando a permissão, senhor. - disse meio triste.

  -Primeiro: não me chame de "senhor", é "pai" daqui adiante. - ele disse sorrindo, mas firme. - Segundo: não precisa de permissão para comer. Se estiver com fome, venha a cá e coma.

  Eu não soube o que estava sentindo. Era felicidade, mas estava chorando; meio contraditório. As lágrimas rolavam quentes pelas bochechas, que abriram um sorriso como nunca antes. Não era como se ele estivesse dizendo "você é só mais um cachorrinho na minha vida", era como se dissesse "Você é um dos meus". Foi a primeira vez para mim.

  Hanson enxugou minhas lágrimas com suas mãos quentes e me abraçou deixando-me aninhado. Assim que me soltou, me pus a comer o prato inteiro. Nunca tinha comido tanto nem ficado tão feliz na minha vida inteira. As lágrimas ainda rolavam de vez em vez. Escovei os dentes, me arrumei todo e fui até o quarto onde dormiria por enquanto. Era o mesmo quarto que Hanson ocupava, ele dizia que era para me vigiar enquanto pequeno, para me proteger e ajudar em qualquer situação. Havia uma cama pequena só para mim - não era um colchão jogado no chão, era uma cama. Joguei meu ursinho nela e me deitei ao lado. Hanson me cobriu e me deu um beijo na testa.

  -Depois nós vamos conversar melhor, mas hoje você deve descansar. - assenti com a cabeça.

  Fiquei olhando o quarto para conseguir dormir, estava feliz demais. As estantes cobriam as paredes e eram repletas de livros - haviam livros até deitados por cima de livros por falta de espaço. Havia uma mesa de escritório mais no canto, onde Hanson foi se sentar assim que beijou minha testa. Minha cama ficava encostada em uma das estantes e a dele ficava do outro lado do quarto da mesma forma. Um lustre pequeno pendia do teto bem no centro do quarto, dando um pouco de receio de cair já que aparentava ser velho - tanto o lustre quanto o teto.

 

  No dia seguinte, Hanson me levou para ver os jardins. Acabamos brincando um pouco. Havia um balanço e uma casinha de cimento - casinha de bonecas. Algumas partes do solo eram férteis, então ele me ensinou a plantar feijão. Se impressionou de como eu, tão novo, aprendia tão rápido.

  Mais no meio do dia, ele me chamou para conversar. Contou porque havia me escolhido. Segundo ele, eu era frágil interna e externamente, mas capaz de suportar alguma coisa brusca; era magro e bem novo. Hanson não queria só um filho, queria ajuda. Contou-me que trabalhava com experimentos e que, de hora em hora, poderia enlouquecer ou fazer coisas que não queria. Eu entendi, não deixaria de ficar feliz com ele por loucuras, tudo era melhor que aquele orfanato e o agradecia infinitamente por ter me tirado de lá.

  Hanson também havia me dito que minha hora chegaria, eu não entendi, não queria entender. Só assenti com a cabeça e voltei a plantar os feijões.

 

  Um ano se passou, eu tinha comemorado meu aniversário de quatro anos em um laboratório vendo Hanson trabalhar feito um louco. Me deixou muito triste ter que passar meu aniversário sozinho de novo, mas tentei me animar. Eu, na época, recebia aulas particulares de muitas coisas. Hanson disse que era perigoso ficar indo à escolinha pois ele não era bem-vindo na cidade, eu entendi, era melhor não ver outras crianças, só aprender já estava bom. E me foi muito útil os deveres de casa no meu aniversário, pude me distrair com algo.

  De noite, o Prof. me levou até a cozinha e me mostrou uma caixa rosa. Eu não entendi o que era aquilo até que dissesse "abra" e eu o fizesse. Era um bolo. Um bolo de aniversário no meu aniversário. As lágrimas que, há muito tempo, não via voltaram quentes ao meu rosto. Ele me abraçou e pediu desculpas, o que eu lhe dei. Impossível não desculpar alguém que se importou em me dar um bolo, coisa que ninguém nunca fez. O bolo era rosado como a caixa, sabor chocolate com glacê de morango. As velas, que ele foi pondo uma por uma, eram todas branquinhas e pequenas. Hanson apagou as luzes e acendeu cada velinha; pediu para que eu fizesse um pedido.

  Assim que assoprei as velas, a luz acendeu-se e ele retirou todas de cima do bolo. Partiu duas fatias, uma para mim, outra para ele. Comemos juntos, guardamos o bolo juntos, escovamos os dentes e nos arrumamos juntos. Eu fui para minha cama e ele, para a mesa de escritório do quarto.

 

  Quando fiz sete anos, Hanson decidiu que eu não precisava mais de tanta proteção e então eu ganhei meu próprio quarto. Fiquei bem triste com isso, ficaria mais sozinho, odiava a solidão. Mas sentia que o atrapalhava em seu quarto, que seu trabalho atrasava por minha causa, então aceitei meu novo quarto. Não era muito grande, mas o suficiente. Uma cama maior que a anterior, algumas estantes cobrindo uma das paredes com diversos livros didátovos,  infantis e infanto-juvenis; um armário e uma mesinha no centro para estudos. Peguei dois livros e coloquei-os sobre a cama. Abri o armário e vi diversas roupas, umas mais lindas que as outras - decidi experimentar. Peguei um conjunto e fui ao banheiro me trocar. Só voltei ao quarto depois de ter absoluta certeza de estar elegante o suficiente. Me joguei na cama e folheei os livros com vontade.

  Depois enjoei dos livros e fui dar uma caminhada pelos jardins, ver se meus morangos e tomates estavam crescendo. Percebi que tinha alguém nos portões, pelo tamanho, era uma criança. Eu fui ver quem era e, por precaução, corri até em casa e voltei com um taco de baseball.

  Era um garoto de longos cabelos ciano claros, olhos escuros e pele amarelada. Suas mãos estavam vermelhas e suadas, assim como seu rosto.

  -Oi. - disse seco. - Quem és e o que queres?

  -Oi, meu nome é Gaia, e o teu?

  -O que queres aqui? Ninguém vem aqui.

  -Diga teu nome, por favor. - ele sorriu.

  -Não posso, mas digas logo! Que queres? – comecei a ficar nervoso e apertar mais forte o braço do taco.

  -Eu só estava passeando e queria ver o que tinha mais para dentro da floresta. Achei a casa. Ela é bonita, mas por que tão sem cores? - ele olhou para os jardins com pena.

  -Oras! Mas é justamente isto que a deixa bela. Agora, vai, deixa esta casa e seus arredores.

  -Mora aqui?

  -E isto lá é de tua conta? Vai logo embora, ou chamarei o dono. - disse ameaçando de ir embora, mas ele me chamou:

  -Ei, menino, até mais! - e saiu correndo de volta para a floresta.

  Eu não contei a Hanson sobre a visita, preferi não incomodá-lo. Fiz um macarrão que aprendi com a professora e levei em uma bandeja junto a um copo de suco para o quarto de Hanson, meu ex-quarto. Ele andava ocupado demais até mesmo para cozinhar, cuidar de si, mas eu podia fazer isso, podia cuidar dele como ele queria cuidar de mim.

  -Não precisava, querido. - ele disse, mas comeu assim mesmo. - Isto está muito bom, parabéns. Você é muito inteligente.

  -Obrigado, pai. Mas você... poderia me dizer uma coisa?

  -Sim, fale.

  -Qual... qual o meu nome?

  Hanson me olhou espantado e enrubesci, depois ele fez o mesmo. Sussurrou algo e pude escutar um "Como pude esquecer?" Eu não havia esquecido meu nome, ele havia esquecido de dar-me um.

  -Seu nome. - ele disse isso e repetiu algumas vezes. - Você nasceu em uma época bonita, época do signo de câncer. Tem algumas das características marcantes deste período. Seu nome é Câncer.

  -Mas isto não é uma doença? - perguntei triste.

  -Também. Seu nome é uma coisa muito ruim, mas também algo muito bom. É uma faca de dois gumes assim como você, que é frágil, mas sábio. Seu nome é perfeito como você. - acariciou meus cabelos.

  -Obrigado. - o abracei e ele retribui.

 

  Os anos foram se passando e eu fui ganhando cada vez mais estudos, mais livros, mais estantes, mais confusões em minha mente.

  Eu não sabia se era bom Hanson ficar tanto tempo no quarto, não era saudável, mas era preciso, isso me enlouquecia. Me enlouquecia também nunca ter visto qualquer outro ser humanos além dele depois da adoção, nunca ter saído dos arredores da mansão até aquele momento.

  Meus estudos já estavam avançados, se quisesse, poderia eu mesmo ensinar os professores graças aos livros que tanto lia em momentos de dúvida, tristeza, solidão. Mas em pelo menos um dia, um único dia, eu tinha certeza de que ele estaria fora do escritório, fora daquela coisa e viria falar comigo, me abraçar e tirar da solidão, me dar um bolo: o meu aniversário. Neste ano, eu fiz isso no aniversário dele, o descobri olhando algumas de suas fichas, e Hanson não deixou de ficar feliz. E então chegou o meu, queria ser recompensado pelo bolo que eu mesmo fizera em seu aniversário, queria que ele saísse logo daquela coisa, que passasse o dia comigo.

  Fiquei esperando, esperando, esperando. Ele não apareceu. Eu achei o bolo que havia comprado para mim - já havia descoberto seu esconderijo havia anos. Coloquei as velas nele e as acendi, desejei algo interno e assoprei as velas. Só queria que ele viesse mais à vida.

  No dia seguinte, ele não saiu do quarto para tomar café, o que foi muito estranho vindo de alguém que amava café. Parti uma fatia do bolo do dia anterior, peguei uma xícara de café e levei em uma bandeja para o quarto de Hanson.

  Estava escuro, a única luz acesa era de seu abajur na mesa de escritório. Ele não estava no quarto, havia deixado tudo nele. Me aproximei de suas anotações em cima da mesa e percebi o que estava acontecendo ao ler e ligar as peças.

  Hanson entrou no quarto parecendo aflito e com olheiras muito profundas.

  -Você trouxe o café? Não precisava. - ele olhou para o bolo na bandeja. - Ah, sobre isso, eu não esqueci, até comprei um presente, mas fiquei muito ocupado para...

  -Vai me transformar nisso? - perguntei soltando a bandeja em cima de sua mesa. - Foi isso que quis dizer com "sua hora vai chegar"? - apontei para as anotações debaixo do bolo e café.

  -Câncer, eu queria te dizer quando era mais novo, só que...

  -Não, tudo bem. - o corto de novo. - Você só não sabia como dizer. Esse é o projeto da sua vida, eu posso fazer isso por você, depois de tudo o que fez por mim.

  -Você... sabe que é arriscado, certo?

  -Claro que sei, não sou burro. Mas eu posso ajudar a montar tudo e tornar mais seguro. - ofereci e ele sorriu.

  Meu aniversário de dezesseis anos fora solitário e, no dia seguinte, estava montando esquemas de como me modificar fisicamente e, talvez, psicologicamente para um projeto de um cientista de garagem.

 

  Dois anos depois, estava pronto. Tudo estava pronto. As máquinas, as ajudas, os cientistas contratados, e eu, a cobaia. Durante duas horas, ficaram me fazendo relaxar a mente e o corpo. Depois disso, eu só lembro de luzes brancas em minha face e de apagar por completo.

  Acordei me sentindo diferente, muito diferente. Eu sabia como eu era: cabelos ruivos, olhos castanhos, olheiras desaparecendo aos poucos, braços, mãos, pés, eu era assim. Era assim até antes daquele experimento.

  Sabe? Experimentos dão errado, todos erram. Eu errei, ele errou, todos erraram juntos, mas só eu paguei. Eu paguei pelo erro de todos ali presentes. Meu pai me olhava com lágrimas nos olhos, as pessoas me olhavam um pouco assustadas. Fui correndo até o banheiro e me pus defronte ao espelho. Meu rosto todo cheio de cortes, costuras, cicatrizes, sangue. Fui olhando para meu corpo até chegar em meus membros. Um de meus braços estava todo deformado, roxo e murcho; no outro, não havia mão, eram um monte de agulhas super afiadas no lugar dos dedos, mas era estranho, porque eu conseguia controlá-las como se a dedos realmente.

  Meus pés já não eram pés, eram pura fumaça negra quase em forma de pés. O que tinha dado tão errado?! O objetivo era me transformar em setenta por cento ser robótico, mas isso claramente não aconteceu. Eu nem sabia como meu corpo estava por dentro, mas foi a menor das preocupações no momento.

  Voltei correndo para o laboratório, que estava vazio, todos tinham ido embora. Hanson chorava em um canto, o que me deixou um pouco triste. Cheguei perto, e seu grunhido não parecia mais um choro, era uma risada. Ele virou o rosto para mim, havia sangue nele. Percebi um brilho em sua mão, era uma faca.

  -O que...? - ele não me deixou terminar. Levantou e saiu correndo do laboratório, indo em direção a uma das janelas da mansão, no segundo andar. - O que vai fazer?

  -Você é uma aberração. - ele começou. - Eu te amei tanto e olha o que fiz a você! Quero te pedir uma coisa. - se ajeitou na janela, quase caindo. Fiquei com medo de me aproximar e só o assustar mais. - Lembre-se de como foi feliz, de como te fiz feliz. E esqueça que fiz isso a você. Se quiser fazer o mesmo que eu, faça, eu não o culpo. O mundo nunca vai te amar desse jeito. Mas, Câncer, você é a aberração mais perfeita que eu já vi. Obrigado por tudo. - assim que ele terminou o discursinho, enfiou a faca em sua barriga e caiu da janela. Eu não ousei olhar.

  Não entendi nada, aquilo foi tão errado, tudo deu tão errado. Não conseguia entender como fui parar daquele jeito, nem a ação de Hanson e nem como faria para viver. Como compraria comida, faria dinheiro, viveria?

 

  Alguns anos se passaram e a minha aparência quase não mudara, eu não havia crescido ou mudado. Com meus conhecimentos, consegui remover o braço de escamas e já estava produzindo outro braço, uma prótese de madeira.

  Eu não tinha emprego, ninguém queria alguém como eu trabalhando para si. Voltei a ser desprezado por tudo e todos. Meus primeiros contatos humanos depois da "transformação" foram um caos. Me jogavam coisas, me olhavam de escanteio... era pior que viver no orfanato. Não me sentia um monstro lá, só um menino burro e desentendido.

  Tinha de viver de animais que caçava e levava para a mansão e conservava a carne. Eu sabia de muitas coisas graças aos professores particulares - que não via havia muito tempo - e os livros que Hanson me dera, então podia me virar para continuar vivendo.

 

  Eu continuei assim, vivendo às escuras, arrumando jeitos de voltar ao normal, mas não era assim tão fácil. Não tinha só como cortar minha mão e colocar uma prótese, minha outra mão era de madeira, não daria certo. E os meus pés? Como eu me mantinha em pé com somente poeira negra? Como que eu botava prótese nisso? Eu era inteligente, mas não mágico. No lugar do braço deformado, consegui pôr uma prótese, mas esse era mais fácil, sabia onde cortar e como fazer, como ligar as coisas.

  Quando tinha que sair, era um pesadelo, os olhares só pioravam. Vaiavam-me, me jogavam coisas, e cada vez mais piorava. Certa vez, indo ao mercado para comprar ovos, leite e arroz com o pouco de dinheiro que tinha, as pessoas pegaram coisas de suas grandes sacolas de pano e começaram a jogar em mim. Tomates, abóboras, ovos, legumes, até mesmo sorvete e bolinhos. Saí de lá melado e com algumas lágrimas nos olhos. Ao correr do tempo, cansei disso, e as pessoas pareciam ter cansado também; naquele momento, só me ignoravam. Não era mais atendido em mercados, ninguém mais dirigia o olhar a mim. Eu fui crescendo como um perfeito monstro.

  Minha aparência não mudava, eu fiquei anos e anos parecendo um jovem de dezesseis anos. Isso também me assustava. Eu já tinha trinta e cinco anos com aparência de dezesseis.

  Depois, se passaram mais cinquenta anos e eu parecia ter dezoito anos. Só fui parecer mais velho quando completei cento e oitenta anos.

  As pessoas da cidade já me conheciam, seus filhos e netos já me conheciam também. Todos me chamavam pelo nome, mas com nojo ao pronunciar.

  “Mas é como o nome mesmo, é um câncer nesse mundo!” - era o que maioria dizia.

  Ninguém se aproximava, ninguém nem se importava. Não pensavam "deve ter sentimentos também", só queriam que eu fosse embora. Mas não faria isso, não abandonaria a casa de Hanson. Eu sabia o que crianças faziam com casas abandonadas e eu não deixaria ninguém vir estragar minha primeira e única casa. Já era um pesadelo nesse tal de Halloween, se eu saísse dali, todo dia fariam as mesmas travessuras na casa, não permitiria.

 

  Os anos passavam cada vez mais, eu parei de crescer e mudar de novo. As pessoas se assustavam com isso, como todos cresciam menos eu? Queria saber também. Vi crianças crescerem, pessoas morrerem, coisas novas surgirem e demorei a entendê-las. Pessoas inteligentes criavam novas coisas e pessoas diferentes estavam se aceitando cada vez mais e, assim, sendo aceitas também aos poucos pela sociedade. Mas parece que eu não estava dentro deste conceito de “pessoas diferentes”. Não me viam nem como pessoa.

  Eu tentava me isolar na minha própria escuridão, nos meus próprios braços. Não tinha mais ninguém para me ajudar e enxugar minhas lágrimas. Meus professores, que eram os únicos que me faziam sorrir além de Hanson, me abandonaram e já estavam mortos. Além de ter que passar por isso tudo, não havia um fim. Estava vivendo por mais que eu devia e isso não era bom, nem um pouco. Eu não sabia quando ia acabar.


Notas Finais


Batatiras:
>https://www.facebook.com/batatiras/?fref=ts
>http://batatiras.tumblr.com/

Não se esqueçam de comentar o que acharam e favoritar se gostaram {se quiserem}. Aceito críticas, correções e, é claro, elogios!
Foi isso, até mais. Bye-bye!


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