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História Coração de Vidro - Esmeralda e Monstrinho Chorão


Escrita por: Lihnfa

Notas do Autor


Oie, voltei :3
Obrigada pelos comentários do capítulo anterior e para as pessoas que favoritaram ♥

Bem, aqui está o segundo capítulo de três. Espero que gostem, até lá embaixo, Bye!

Capítulo 2 - Esmeralda e Monstrinho Chorão


Fanfic / Fanfiction Coração de Vidro - Esmeralda e Monstrinho Chorão

  Eu já não estava mais tão são quanto antes. Pensar que, talvez, aquele sofrimento nunca viesse a acabar era doloroso demais e eu precisava descontar em algo. Geralmente, eu jogava alguns livros pela casa, perfurava coisas com as agulhas, destruía a minha antiga horta. Eu não aguentava mais aquela horta, era somente uma das lembranças que queria apagar. Cada vez mais meus morangos, feijões, tomates estavam destroçados, picotados e arruinados por mim mesmo. Também gostava de quebrar os espelhos da casa naqueles momentos, eles só servia para reafirmar o monstro que eu era e que, cada vez mais, me tornava.

  Certo dia, quase no natal - que eu já não gostava mais também - eu tive um acesso de loucura. Saí pela pequena cidade destruindo e quebrando tudo o que podia com aquelas agulhas. Elas deviam servir para algo que não fosse costuras e, como todo mundo me via como um monstro, agiria assim por um dia. Todos poderiam dizer “Viu, eu não estava certo? Ele é só um monstro”.

  Estava de noite, as luzes se apagando e eu destruindo tudo o que via pela frente: vidraças, janelas, carros, pneus, plantas, balões de enfeite, a coleira de cachorros e até os próprios cachorros. Insano, procurando formas de me aliviar, já não pensava em consequências ou se estava matando os pobres cachorros dos quintais. As agulhas cheias de pedaços e borracha, metal, sangue. Um sorriso doentio estava se abrindo em meu rosto de orelha a orelha. Meus olhos estavam brilhando de loucura, que era tanta, que transbordava em forma de água dos meus olhos.

  Cachorros vizinhos começaram a latir, gatos a miar, luzes a acender. Ouvi sirenes se aproximando, mas não queria saber, perfurar aqueles vasos de planta estava me dando certa euforia que não tinha havia anos. Viciado em perfurar, não vi quando alguém chegou, só senti suas mãos em meu braço. Olhei por cima do ombro e vi um rosto logo recebendo um soco do possuinte dele. Minha visão ficou turva, meus membros começaram a relaxar e eu desmaiei.

 

  Acordei em uma sala branca, numa cama branca. Estava usando branco e meu cabelo estava preso por um elástico branco. Tudo era branco. Olhei em volta e percebi que não havia janelas, só uma porta de metal e um vidro espelhado enorme. Senti-me esquisito, mas todo aquele branco era acolhedor. Havia uma mesa e duas cadeiras na sala – o metal dos pés e o vidro eram as únicas coisas não brancas da sala. Me sentei em uma das cadeiras arranhando a mesa de leve com duas das agulhas. Um homem alto entrou na sala. Seu cabelo era negro, seus olhos, verdes, e usava branco também.

  -Olá. - ele disse.

  -Oi.

  -Você sabe onde está?

  -Não. Quem é você?

  Ele ajeitou o rabo de cavalo, passando as mãos pelo cabelo incrivelmente comprido.

  -Sou alguém que vai te ajudar. E você está em um tipo de... hospital meio prisão?

  -É um hospício, não é? Eu não serei preso?

  -Você fez coisas terríveis e vai pagar por isso depois de outra forma. - ele sorriu forçado. - Até lá, converse comigo.

  -Olha para mim. Você é um daqueles médicos malucos que cuidam de malucos tentando entendê-los. Mas não tem nada que já não foi entendido. Eu sou uma aberração, ninguém gosta de mim.

  -Você se considera louco?

  -Considero todos loucos.- suspirei e joguei minha cabeça na mesa. - Só quero sair daqui e ir para casa.

  -Posso te perguntar algo mais pessoal?

  Neguei com a cabeça e ele soprou um "Certo".

  -Olha, eu não posso te soltar daqui, não sou eu quem decide, entende? Mas posso ajudar, é só conversar comigo.

 

  Ele passou uns dias me visitando e tentando conversar. Eu tentava ignorá-lo, mas sua presença me dava uma certa paz e eu queria que ele não fosse embora, só ficasse ali, calado, me olhando e deixando com que olhasse para ele. Mas assim que ele percebia que eu não responderia nada, ia embora.

  Uma vez ele até deixou de vir e não tornou a voltar mais por um tempo, um longo tempo. Tive que ficar naquela sala vazia e branca fazendo absolutamente nada, na cama, olhando para a parede ao meu lado. A porta de metal tinha uma portinhola por onde passava uma bandeja com água e comida. Eu já nem visitava mais aquela portinhola, não ficava com fome. Era triste ficar sozinho e saber que tinha gente me observando – não era à toa que tinha um vidraça espelhada, eu não era burro; eles me deixaram sozinho.

  O homem voltou a me visitar depois de um tempo. Ele me encarou e eu o encarei de volta, só nós dois em silêncio, até que este foi quebrado por mim.

  -Onde esteve?

  -Fui proibido de te ver por um tempo.

  -Mentira, queria saber minha reação. - ele arregalou os olhos e sorriu. - Maldito, não suma assim.

  -Sentiu... saudades?

  -Não, só... - olhei para o lado e senti minhas bochechas queimarem.

  -Só não gosta de estar sozinho, certo? - não o olhei, mas soube que sorriu. - Tudo bem.

  -Qual...

  -Meu nome? - ele interrompeu e eu assenti. - Me chame de Virgo.

  Virgo apareceu de novo e de novo, ficando por mais tempo que as vezes anteriores. Ele não ia mais embora quando eu me calava, sentava na cama comigo e me fazia carinho na cabeça. Os momentos com ele eram a melhor coisa que já haviam me acontecido até aquele momento. Seus toques eram gentis e nem um pouco abusivos; suas mãos estavam sempre gélidas, então eu tentava esquentá-las passando as minhas quentes nas dele, que agradecia com um sorriso branco. Era um homem bem cuidado, tinha cheiro de sabonete e estava sempre arrumado, sempre de branco.

  Nós fomos começando a conversar, ele não fazia mais as perguntas estranhas sobre minha vida pessoal, falava como uma pessoa normal comigo, mas ainda assim, sempre sobre mim. Eu já não sentia mais o clima de hospital apesar de estar em uma sala com quase nada e tudo muito branco. Certo dia, estávamos conversando, pela primeira vez, sobre ele - aparentemente, ele vinha de uma família grande e engraçadinha, mas isso dava a ele responsabilidades com as quais não conseguia arcar totalmente; ele teve um cachorro, não sabia nadar ou assobiar e odiava abóbora. Nisso, havia me elogiado como sendo uma boa pessoa. "Boa pessoa". Eu chorei com as palavras e o moreno me abraçou rindo, senti aquela vibração gostosa em seu peito e eu agradeci por estar ali. Por ele estar ali. Podia ser qualquer maluco querendo arrancar fora meus membros, mas era Virgo, uma pessoa que falava comigo como se fosse um igual, como se eu fosse um amigo, o que eu sabia que não era, mas não custava imaginar.

  Os dias foram passando, era quase um ano que passei ali. De noite, quando eu estava quase dormindo, Virgo escancarou a porta e colocou os dedos na boca como se pedindo para eu fazer silêncio. Sentei-me melhor na cama o fitando confuso. Ele pegou uma das cadeiras e ficou entre a vidraça e a porta encostado na parede pronto para atacar alguém, o que aconteceu logo após dois homens entrarem na sala. Eles desmaiaram com a cadeirada que levaram. Virgo segurou minha mão e me puxou para fora do quarto. Era um corredor enorme e, no fim dele, pessoas estavam correndo atrás de nós. Corremos para o outro lado do corredor que eu via pela primeira vez fora de minha sala. Aquele vidro espelhado, do lado de fora, era realmente só uma vidraça enorme dando vista ao quartinho branco.

  -O que está fazendo? - perguntei um pouco ofegante de tanto correr por corredores desconhecidos.

  -Fugindo. - ele falou sério e não disse mais nada, tampouco o fiz.

  Fomos correndo até que ele se embolou com os caminhos e corredores do prédio. As pessoas nos alcançavam, ele se desesperava, minha cabeça estava começando a doer de sono e confusão. O que estava acontecendo?

  Os perseguidores estavam cada vez mais perto, o rosto de Virgo então se acendeu e ele sorriu para mim a fim de passar confiança. Pegou minha mão de madeira novamente e me levou até uma espécie de "saída secreta", parecia um alçapão. Os perseguidores se aproximaram, estavam chegando muito perto. Ele se atrapalhava em abrir o alçapão e, quando o fez, me empurrou e tentou fechar com as mãos trêmulas. Tentei puxá-lo para dentro do alçapão comigo, mas ele chutou meu braço e me olhou sério. Seus cabelos negros presos em um coque mal feito e algumas mechas caindo sobre o rosto estavam empapadas em suor. Seus olhos esmeralda não estavam visíveis. Abriu um sorriso e uma lágrima correu por sua bochecha, deixando um rastro iluminado pela única lâmpada daquele corredor. Ele abriu e fechou a boca esboçando um "fuja". Logo os passos dos perseguidores estavam cada vez mais perto, meus ouvidos ardiam mais à medida que iam se aproximando. Havia uma fresta na portinha do alçapão, eu podia ver algumas coisas. Virgo ainda estava lá, por que não havia fugido ou vindo comigo?

  As pessoas se aproximaram dele, ficaram frente a frente. Mais uma lágrima caiu de seu rosto e logo várias brotaram no meu rosto também. Ele pôs um dedo colado em sua boca, entendi que era para ficar em silêncio. Um homem se aproximou mais dele e agarrou seu pescoço. Nesse agarre, ele o pendurou pela gola da roupa branca e o jogou no chão, na porta acima de mim. Seu rosto estava vermelho e o meu também. O que eu mais queria naquele momento era sair dali e matar todos eles, principalmente o que jogou Virgo daquele jeito. Não dava para ver que era frágil? O corpo de Virgo era muito fraco, só de tocá-lo dava para perceber. Jogá-lo daquela forma era tentativa de homicídio.

  O homem estalou os dedos e logo um outro o entregou um facão. Eu chorei mais, muito mais; sabia o destino dele. A primeira pessoa que falou comigo como um igual, que conversou comigo, encostou em mim, sentou na mesma cama que eu depois de possuir esta aparência morreria bem na minha frente. O que sentia por ele era uma enorme gratidão e um enorme carinho. Não me importava se ele era ou não obrigado a fazer tudo o que fez, ele fez e, naquele momento, ele perderia a vida por mim.

  O perseguidor foi rápido, pelo menos, ele não sofreu muito, diferente de mim. As pessoas foram embora e eu continuei chorando ali em baixo. Puxei uma mecha de seu cabelo para debaixo da porta do alçapão e fiz carinho depois me pondo a cheirá-la. Eu precisava tocá-lo antes de fugir.

 

  O caminho do alçapão dava em uma caverna. Eu saí dela, não aguentava mais ficar preso. Me dirigi para mais adentro de uma floresta que não conhecia a fim de ficar o mais longe possível. Fui em direção a qualquer lugar em lugar algum.

  O vento assobiava, meus cabelos ruivos balançavam. Eu devia parecer uma boneca magrela de cabelos ainda presos que alguém enfiou agulhas na mão, um dos braços é de madeira e não possui pés. Queria voltar para casa, mas sabia que me achariam lá, estavam atrás de mim - fora que eu não sabia voltar.

  Eu consegui subir em uma árvore com muito esforço e dormir lá em cima sem cair. De manhã, ao descer dela, já foi diferente, o tombo que levei me deixou atordoado e eu acabei desmaiando.

 

  Acordei ouvindo passos em minha direção. Minha mente girava, não conseguia enxergar direito, mas fiz um esforço e subi na árvore novamente, lá relaxando e deixando a cabeça descansar – tentar parar de girar. Minha visão melhorou e vi homens vestidos de preto e segurando armas pela floresta iguais aos assassinos de Virgo. Isso tudo é só para me pegar? É claro, eu não era uma pessoa muito sã, mas precisava de tanto? É verdade que estrangulei bichinhos, fugi de minha “prisão”, mas não era para tanto. Nunca ofereci tanto perigo antes, havia alguma coisa naquela floresta além de mim, alguma outra oferta de perigo e fim de harmonia.

  Assim que a área ficou mais segura, saltei da árvore e me pus a correr em direção ao nada. Os homens foram em uma direção, eu fui para a contrária. Tentei fazer o mínimo de barulho possível, mas meus “pés” não ajudavam nem um pouco. Continuei correndo sem me importar, só queria ir embora, que tudo aquilo acabasse, que Virgo ainda estivesse vivo ou que nunca tivesse aceito participar daquele tentame de experimento.

  Continuei correndo até que me puxaram para um canto atrás de pedras e taparam minha boca. Era um garoto alto, moreno de olhos castanhos, a pele pálida e olheiras fundas. Ele colocou os dedos sobre a boca pedindo silêncio. Alguns homens passaram correndo atrás das pedras sem nem nos ver.

  -Garoto, você é burro? - ele sussurrou com raiva.

  -Quê?

  -Você quase caiu na armadilha deles, pelo amor de Deus! Você é muito tonto. O que é que esses caras querem com um tonto que nem você?

  -Oras, não me chame assim! Eu tenho um nome.

  -Que seria...?

  -C-câncer. - disse com certo receio.

  -Ah, como o signo? - ele sorriu, dando um brilho ao seu rosto.

  -S-sim. – sorri de volta. Ninguém nunca havia enxergado isso antes dele. Era sempre "você é realmente uma doença", sempre visto desse jeito.

  -Certo, o que eles querem contigo, e como um bocó que nem tu fugiu deles? A julgar pelas roupas brancas, estava lá dentro. - apontou para a direção do prédio que fugira.

  -Não me chame assim! - reclamei, mas ele tapou a minha boca com a mão e fez "shh" com a boca. - Eu... tive ajuda. Mas quem é você?

  -Claro que teve ajuda, olhe para você. Magrelo, parece que não come há dias; suas mãos são frágeis demais - ele segurou minha prótese analisando meus dedos de madeira. - seu corpinho não conseguiria tentar fugir, não ser pego, não apanhar e tudo isso sozinho.

  -Oras! Calado. Diga quem é você.

  -Não me conhece? Que bom, quer dizer que estou fazendo um bom trabalho mesmo estando preso por tanto tempo. Você tem cara de que é novato no mundo dos crimes.

  -Dos crimes...? Mas o quê?! - me perguntei e lembrei do que fiz com os cachorros e vasos de planta. - V-você é algum tipo de pessoa ruim?

  -Você parece uma criança falando. Eu sou um assassino, o meu nome é Capricórnio, mas se falar isso para alguém, eu faço meu trabalho muito bem. - engoli seco enquanto ele sorria debochado.

  -Seu... nome também é baseado em um signo.

  -Sim. Olha, garoto, eu não posso sair daqui sozinho, são muitos para mim. - ele hesitou muito em continuar. - Eu preciso... de ajuda. Mesmo você não sendo uma pessoa boa para isso - ele sorriu. - ainda é melhor que nada.

  -Quer que eu te ajude a sair daqui? Que eu ajude um assassino que pode me matar a qualquer hora a sair para o mundo lá fora?

  -Garoto, se eu quisesse te matar, já teria matado.

  -Acontece que você precisa de mim,  já que está pedindo ajuda, então não me mataria mesmo que quisesse.

  -... Você é esperto, menino. Quantos anos tem?

  -Não te interessa.

  -Olha aqui, garoto. Você está tão ferrado quanto eu. Sozinho você não sai daqui, precisa de mim também. - ele disse e, pela primeira vez, notou minha mão, a provida de agulhas afiadas e enormes. - Isso... isso é incrível!

  -Cala a boca.

  -Isso é muito útil! Melhor que seu bracinho de madeira e seus pezinhos negros.

  -Cala a boca! - pedi mais uma vez. - Se você é um assassino tão bom, não terá problemas com um número grande de pessoas para matar em seu caminho. – tentei levantar, mas ele me puxou de volta.

  -Terei já que minha perna está quebrada, se você ainda não percebeu! - e realmente não havia percebido até que chamasse atenção.

  -Ah! - suspirei. - Ótimo, eu vou ajudar um assassino a fugir para um mundo cheio de pessoas inocentes.

  -Olha aqui, bastardo, eu não mato inocentes! - ele disse com raiva. - E você também não deve ser muito melhor que eu, afinal, também foi parar lá dentro, não foi? - ele sorriu malicioso.

  -E-eu... - corei e olhei para baixo.

  -Ótimo, agora me ajuda a levantar.

  Suspirei e me coloquei em sua frente pondo cada uma de suas mãos em meus ombros o ajudando a levantar e, assim que o fez, abracei-o com um braço e o ajudei a andar por ali.

  -Como é que saímos daqui? - perguntei enquanto ele andava com certos esforços apoiado em mim. Ele não era pesado mesmo que seu corpo fosse enorme.

  -Eu te guio. - ele disse abraçando minha cabeça (ainda tendo que abaixar para fazê-lo) com o braço antes apoiado em meus ombros. - Você é bem lentinho. - ele riu enquanto fiz bico.

  -Nossa, mas você só sabe reclamar? Fica quieto, eles não podem ouvir?

  -Eles são perigosos, mas são burros, não devem estar escutando.

  -Esses homens todos são somente por nós dois ou outra coisa fugiu? - perguntei tentando fazê-lo andar mais rápido.

  -Só por nós? Você é doido! Mas é claro que não. É por causa da arma secretinha deles, um monstro gigante. Mas eu não vou te falar mais que isso, então fique quieto. – Ele segurou o riso de deboche... mentia muito mal.

  -Você é bem arrogante com alguém que está te carregando, não acha? - revirou os olhos.

  Continuamos andando e, quando ele se sentiu mais à vontade, começamos a correr. A floresta estava começando a ficar mais densa, o tempo havia se passado tão depressa que nem tinha percebido o céu escurecer. Eu estava começando a ficar cansado e um pouco assustado. A floresta era tão grande assim? Quanto tempo mais levaria até estarmos livres dela?

  Olhei de relance as orbes castanhas de Capricórnio, que estavam assustadas e agitadas para todos os lados. Eu comecei a ficar com medo porque estava sozinho com um assassino - se é que ele era um assassino, afinal, por que eu acreditaria assim de lavada em um estranho? - de olhos nervosos e agitados.

  -Você... está bem? - arrisquei.

  -Esqueci.

  -O quê?

  -Esqueci onde fica a saída. - ele disse. Isso era uma brincadeira? Ele estava tentando me enganar para arrancar minhas tripas longe do mundo?!

  -Como é? - gritei com raiva e ele tapou minha boca com força.

  -Cala a boca, quer que eles nos achem?! - ele sussurrou bem irritado. - Quando estava lá dentro, me disseram algo sobre uma casa por aqui, não devemos estar longe, vamos. – e puxou começando a andar.

  -Ow! - forcei-o a parar de mancar. - Por que é que acreditaria em você? Quem garante que tem mesmo uma casa por aqui? E se essa casa for mais uma das armadilhas deles? E, o mais importante, como é que eu vou ter certeza de que você só não está me enganando, me levando para uma lugar estranho para me matar sem que ouçam meus gritos? Por acaso trabalha para aqueles homens? Eu nem te conheço!

  -Nossa, mas como você fala, senhor. - ele reclamou batendo a mão na testa. - Você pensa bastante, é espertinho. Mas eu não farei nada a você, não ajudaria aqueles babacas. E não posso fazer nada para que acredite em mim, então, se quiser ir embora, vá. Eu posso achar a casa rastejando pelo chão, é ainda melhor na verdade, menos chance de me verem.

  Voltei a andar agarrado a ele meio hesitante, sem dizer mais nada e com a sensação de que ele me trairia, de que estava algo estava errado.

 

  Já estava completamente escuro, não era nem um pouco seguro ficar perambulando pela floresta, mas se não fosse por isso, nós dois não teríamos achado uma cabaninha no meio da floresta. Entramos nela um pouco hesitantes, afinal, podia mesmo ser um truque de nossos perseguidores que, até aquele momento, não sabia quem eram, o que faziam e por que me queriam. Afinal, por que? Pelo mesmo motivo que Hanson me queria? Nunca havia duvidado que ele tinha me amado por todos aqueles anos, mas ele queria mesmo era uma cobaia, meu nome estava escrito nos papéis, eu vi e não há como negar. Virgo só me visitava inicialmente porque era seu emprego, senão, por que mais? Todos tiveram segundas intenções comigo. Já esses caras, o que queriam? Quais suas intenções? Era muita confusão para a minha cabeça.

  O interior da cabana era velho e acabado. Tinha um quarto, um banheiro e uma salinha misturada com uma cozinha, tudo em solo e paredes de madeira. Janelas quebradas e velhas, tudo sujo demais e não muito grande.

  -Esta é a tal "casa"? - ergui o cenho.

  -Não reclame. Já morei em lugares muito piores.

  Nos dirigimos ao quarto, um único quarto pequeno com uma cama pequena. Havia um armário quase vazio de portas escancaradas - somente uma bonequinha e livretos infantis em seu interior. Uma janela de vidro quebrada e suja semi aberta deixando que um vento meio gélido entrasse e nos arrepiasse.

  -Quem vai ficar com a cama? - perguntei e me virei vendo o rapaz já deitado nela. - Ah, sério? Por que você?

  -Porque eu posso te matar facilmente se me irritar. - ele riu malicioso e tirou uma arma de dentro da roupa.

  -Odeio sua risada, é fria e cheia de escárnio.

  Ele foi até uma cômoda, abriu algumas gavetas e, de lá, tirou umas velas e as acendeu, colocando uma em cima de um pratinho sobre o móvel e segurando as outras.

  -Poxa, me magoou tanto. - ele falou sarcástico. - Enfim, eu vou ver se tem algo comestível nesta casa. Volta e meia alguém foge e traz coisas para cá... espero. - Capricórnio saiu do quarto com as outras velas e as espalhou pela cabaninha.

  Não o segui, sentei na cama e encarei o teto. Será que a minha vida seria só desgraça o tempo todo? Nem a cama podia ter. Quando as coisas ficavam um pouco melhores, algo acontecia e estragava tudo. Hanson, Virgo. Daqui a pouco essa casa pegaria fogo e mataria nós dois ali dentro por causa das velas. Seria sorte, talvez, se algo assim acontecesse, acabaria com tudo de uma vez.

  Mas não foi assim, a casa não pegou fogo, não acabou com tudo de uma vez.

 

  A noite estava passando devagar. Capricórnio achou umas sopas enlatadas para um no armário da sala-cozinha e, naquele momento, agradeci por pouco me satisfazer, porque pouco não satisfazia nem metade dele. A hora de dormir enfim chegara, nós dois estávamos muito cansados. Me deitei no sofá e fiquei arranhando-o com as agulhas por diversão enquanto o garoto de olhos carregados em bolsas negras se deliciava na caminha. Que ele estivesse bem confortável!

  Eu acabei por não conseguir dormir, os pensamentos me incomodavam. A parte debaixo do sofá quase não tinha mais tecido, seu revestimento estava todo arranhado e destruído, assim como tudo o que tocava, todos que conheci. O sono não vinha de jeito nenhum apesar de estar tão cansado. Ouvi um barulho do quarto e logo me sentei no sofá.

  -Não consegue dormir? - ele sorriu e assenti com a cabeça. - Quer... dividir a cama? O sofá deve estar desconfortável para dormir.

  -É-é... por que acordou?

  -Nem dormi. - ele sorriu novamente. - fiquei arranhando a cabeceira com uma das minhas facas.

  Ele tinha várias facas e armas pendendo de seu sinto, seu casaco e seus restos de roupa. Se vestia todo em negro, o que combinava de jeito cruel com sua pele pálida, olheiras e cabelo castanho. Seu rosto era bonito, muito bonito, mas seus olhos volta e meia ficavam piscando ou se estreitando, como se não conseguisse enxergar direito; parecia um tique.

  -Quantos dedos tem aqui? - disse, ele ainda estava um pouco distante e eu, sentado no sofá; levantei dois dedos. Capricórnio estreitou os olhos e, como se não fosse suficiente para provar minha teoria, ele chegou mais perto e iluminou o rosto com um sorriso.

  -Dois dedos! Mas... para que isso?

  -Precisa de óculos. - afirmei.

  -Não preciso não. Sou um assassino excelente e nunca cometi um errinho por falta de óculos.

  -Certo, e se a sua vítima te percebesse e tacasse algo mortal em você? Tu nem conseguiria enxergar e desviar.

  -Eu sinto as coisas, não preciso ver para desviar.

  -E quanto aos tiros? Como atira com essa visão? - ergo o cenho.

  -Você pergunta demais, meu Deus. - ele reclamou e tirou de um dos bolsos internos do casaco um óculos. - Eu uso, seu chato. Mas só na hora de trabalhar. Feliz?

  -Um pouco, sim. - sorrio.

  -Você parece uma criança. - ele riu e eu ruborizei as bochechas. - Até dá vontade de botar em um potinho.

  -Ah, fique quieto!

  -Awn, que fofo você ficando irritadinho. - ele apertou minhas bochechas.

  -Argh, me solta! - tentei me desfazer de suas mãos, mas o moreno me agarrou por trás em um abraço e ficou apertando minhas bochechas.

  -Nunca, você agora é meu bichinho! Vou te chamar de Ed. Vamos, Ed, eu vou te botar na sua caminha de cachorro do lado de fora. - ele brincou e eu ri parando de me debater.

  -Oras, que ousadia. Não te dei essa intimidade. - disse ainda em seus braços e ele sussurrou em meu ouvido:

  -Não pedi. - e levantou. - Olha, se quiser dividir a cama, nada contra.

  Fiquei um tempo encarando a janela da sala, que dava vista à floresta escura e solitária até ir para o quarto e me sentar na cama.

  -Esse cantinho da parede já é meu. - ele disse quase em um sussurro se aninhando no canto da cama.

  -Okay.

  Me deitei de costas para ele, que me cobriu e ficou virado de forma a encarar minhas costas. Mesmo não estando muito perto, senti sua respiração em minha nuca. Ele acabou brincando com as pontas de minhas madeixas e as soltou do elástico branco. Os lençóis faziam uma tentativa muito falha de nos separar e deixar distantes, a cama não era grande. A luz de fora – da lua – entrava pela janela junto ao frio sopro.

  -Você deve cuidar bem de seu cabelo, ele é lindo. - soltou e riu da própria palhaçada. - Ele tem cheiro de morango.

  -Eu plantava morangos. - soltei e ri. - Nunca duravam, o solo não era lá grande coisa.

  -Deviam ser ótimos enquanto duravam. - ri novamente.

  -Não dava para comê-los, mas os doces eram muito bons.

  -Você quem os fazia?

  -Sim, eu quem cozinhava praticamente tudo.

  -Praticamente? Morava com mais alguém?

  -Morava. - disse e me calei. Ele deve ter sentido o peso que deixei no clima, porque passou um braço por minha cintura e chegou sua cabeça para mais perto de minha nuca, o que fez uma lágrima nascer de meus olhos seguida de uma pequena cachoeira.

  -Desculpa ter perguntado isso. - ele disse. Falava comigo como se me conhecesse. Era estranho quando faziam isso, não estava acostumado. E sempre acabava mal, dali a pouco Capricórnio morria engasgado com meu cabelo, tudo era possível, não desacreditava em mais nada de ruim àquela altura.

  -Tudo bem, foi há muito tempo. Eu quase nem me lembro mais da pessoa. – menti.

  -Você fala como se tivesse vivido por muito tempo. - senti seu sorriso abrir na pele do meu pescoço.

  -E se eu lhe dissesse que realmente vivi por muito tempo? – ri.

  -Você tem rostinho de dezenove. Não vai me dizer que estou deitado e abraçado com um homem de cinquanta anos na mesma cama.

  -Não, eu já passei dos cinquenta há mais de cento e cinquenta anos. - ri.

  -É sério?

  -É sim.

  -Você é cheio de surpresas. - ele riu e eu sorri.

  Cada vez mais melhorava, ele não me julgava. Quem, na primeira noite, deita na cama com você te abraçando e não te julga? Eu estava realmente feliz de novo. Foi bem rápido, mais do que eu imaginava, ver minha felicidade de novo e isso queria dizer algo. Isso ia acabar muito mal, eu me daria muito mal. Era uma rosa, a mais bela a diversão; pena que ser a mais bela não fazia dela sem espinhos. Se aproximar era um perigo, mas eu o ignorava e plantava outras mil.

  -Boa noite, Câncer. - ele subiu a mão da minha barriga ao meu peito e me cheirou a nuca.

  -Você é um abusado, seu tarado! - reclamei e ele riu alto.

  -Certo, desculpe. - ele me soltou e se virou.

  -E-eu... não disse que era para parar. - ele riu ainda mais e me beijou na bochecha. - Oras!

  Ainda rindo, Capricórnio se virou de costas para mim e se pôs a dormir. Virei de costas para ele e dormi também. As janelas rangiam com o pouco vento que fazia naquela noite. Eu e ele a dormimos inteira, os dois com um sorriso idiota no rosto.

  No dia seguinte, acordamos quase ao mesmo tempo e fomos à cozinha comer mini pães velhos com água velha de uma geladeira velha. Fui ao banheiro velho jogar uma água em meu rosto para acordar. Acabei esquecendo-me das agulhas e me perfurei. Soltei um berro de dor, meu rosto estava em sangue. Não tinha cortado nada profundamente e nem acertado um dos olhos, mas ainda assim doía.

  -O que houve?! - ele gritou e veio correndo ao meu encontro no banheiro. - Mas você é tonto?!

  -Vai ficar caçoando de mim ou vai me ajudar? - fiquei impaciente.

  -Eu não sei o que faço, não tem nada aqui. - ele olhou em volta pelo banheiro e saiu correndo dali.

  -Ey! - reclamei, mas ele não respondeu. Olhei no espelho, meu rosto todo vermelho. Como pude ser tão burro?

  -Pronto. - ele chegou com um pouco mais de calma com pedaços do lençol da cama rasgados em faixas.

  Capricórnio fez-me sentar no chão do banheiro, no boxe. Ele pegou aquele chuveirinho, a mini duchinha que vem acoplada ao chuveiro, e limpou meu rosto com calma. Tudo ardeu, o que me fez derramar algumas lágrimas de vez em vez. Ele as secou com gentileza, suas mãos mais gélidas que a água que fazia meu rosto arder. Quando acabou de lavar-me, foi a hora de me enfaixar com as tiras rasgadas do lençol.

  -Nós estamos destruindo esta casinha aos poucos. - ri.

  -Ah, agora você enxerga isso aqui como uma casa? - sorriu de lado.

  -Eu moraria aqui.

  -Também moraria. - ele disse e ficou sério.

  Pegou cada tirinha e enfaixou a parte da minha cabeça que estava arranhada pelas agulhas. Isso não seria o suficiente, logo estaria tudo vermelho novamente, mas não reclamaria, ele estava fazendo o máximo que podia.

  -Melhorou?

  -Ainda está ardendo, mas sim. Obrigado.

  -Nada. Agora anda, garoto, a gente tem que sair logo daqui.

  -Ah, é verdade. Qualquer coisa a gente volta para cá?

  -Se você não nos fizer nos perder na floresta do jeito que é bobão...

  -Não fui eu quem esqueceu o caminho para fora daqui!


Notas Finais


Eu espero muito que tenham gostado!
Bem, foi isso. Não esqueçam de favoritar e/ou comentar, isso ajuda bastante :3 {se quiserem}. Aceito críticas, correções e, é claro, elogios.

Até mais, bye-bye!


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