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História Coração de Vidro - Até Que a Morte Nos Separe


Escrita por: Lihnfa

Notas do Autor


Essa capa é o famoso "não tenho imagens para expressar o que sinto"

Como este sendo o último capítulo, sugiro que ouçam uma música calma e triste para acompanhar a leitura tipo Gueto, Awake x Butterfly, Aloha Oe, Run, Sally’s song, etc. {eu vou deixar as músicas♡ lá embaixo, mas são só sugestões}
Obs.: não me responsabilizo por estados emocionais, mentais ou físicos conquistados com este capítulo/texto/fanfic.

Eu espero muito que vocês gostem, obrigada a quem leu, está lendo e lerá. Até lá embaixo, bye.

Capítulo 3 - Até Que a Morte Nos Separe


Fanfic / Fanfiction Coração de Vidro - Até Que a Morte Nos Separe

  A floresta ainda estava densa depois de tanta caminhada. Enquanto andávamos, esquecemos que tínhamos de manter o silêncio e ficamos conversando sobre nós mesmos. Ele sempre começava a falar de si e eu complementava com uma curiosidade minha. Era algo do gênero:

  -Eu odeio a cor azul.

  -Fazia tortas de mirtilo ficarem vermelhas, sempre preferi cores quentes a frias.

  E terminava em algo mais profundo e pessoal como:

  -Eu aprendi a andar de moto bem novo e fugi de casa. Aprendi a usar a arma que roubei de meu tio e comecei a ganhar dinheiro com isso. Não sabia que era errado e mesmo depois de descobrir, não parei. Precisava me manter, sabe? Não sabia... não sei viver de outra forma. E agora que todos que me conhecem, família, ex-amigos sabem o que faço, me enxergam como um monstro, então não tenho ajudas para sair dessa vida. Somente continuo.

  -Eu sei como é ser visto como um monstro... afinal, eu sou um. - bato uma agulha na outra fazendo barulhinhos metálicos para enfatizar minha declaração.

  -Não acho que você seja um monstro, só tem uma aparência diferente. As pessoas têm mania de dizer que o que é diferente é ruim. Você é uma boa pessoa. - ele cora. - Digo, não duraria um dia sendo monstro de verdade, é muito fraquinho.

  -Bem, eu já agi feito um monstro antes. Afinal, eu fui parar lá dentro. – apontei para o sentido do prédio de onde havíamos fugido.

  Continuamos com conversas vezes felizes, vezes melancólicas; vezes absurdas e idiotas, vezes nostálgicas e sentimentais. Boas conversas que nunca tive nem com Virgo. Não que suas conversas e companhia não fossem boas, eram ótimas. Mas Capricórnio aparentava ser mais verdadeiro e menos obrigado a fazer isso.

  Odiava pensar mal de Virgo, eu o amei tanto, foi meu primeiro amigo fora de casa. Foi a pessoa que me ajudou e me deixou longe da solidão, e aquilo foi o suficiente para dizer que o amei, e o bastante para deduzir que me amou também.

  A tarde chegou e o calor do sol aumentou, nós dois estávamos com sede e longe da cabana, nossa saliva já estava seca, seus pés estavam ardendo em calor e dor - foi a primeira vez que agradeci por não ter pés. Não podia carregá-lo mais do que estava carregando por conta de sua perna quebrada - que parecia muito menos quebrada na noite anterior.

  -Vamos parar. - disse e ele se jogou no chão. - Melhor?

  -Odeio quebrar pernas!

  -Vou tomar isso como um "sim". - sorri e me sentei ao seu lado.

  -É sério, dói tudo quando você anda. E ter que depender de pessoas... ainda mais por uma coisa como andar! É uma droga.

  -Pelo menos você tem um corpo inteiro, com dois braços de carne, pés, mão.

  -Ah, qual é. Até parece que é tão ruim.

  Apontei para o meu rosto machucado e ele riu.

  -Fora esses acidentes que só você, bobo como é, consegue causar, não deve ser tão ruim.

  -Quando todo mundo te odeia também é bem ruim. Você sabe como é...

  -É verdade, eu sei. Desculpa. - ele sentou na terra e sentei ao seu lado. - Você tem a mim agora, eu não te odeio.

  -O-obrigado. - sorri e um pequeno silêncio se instalou sobre nós por alguns longos segundos até ser quebrado por sua pergunta:

  -Eu lhe conheço faz quanto tempo?

  -Algumas horas, não chega a vinte e quatro para formar um dia, eu acho.

  -Ah, eu acho que chega. - ele diz decidido.

  -Eu acho que não.

  -Não perguntei. - suspirei.

  -E para que é que você quer saber?

  -Para saber se não seria muito cedo para uma coisa. - ele olhou para a terra entre suas pernas.

  -Para quê...?

  Ele ficou sobre mim, afastou minhas madeixas ruivas do rosto e me beijou do nada. Foi tão repentino, tão novo para mim que me assustei e acabei arranhando-o com as agulhas.

  -Desculpe, eu... - ele tentou falar, mas eu saí correndo dali. Ele nem me conhecia! Como que conseguiu me beijar sem ao menos me conhecer?

  Com meu coração acelerado, saí correndo em direção ao nada. Senti que estava sendo seguido por alguém, mas nem olhei para trás na certeza de que não seria Capricórnio, ele não estava em condições de correr, queria crer que não era ele. Passei a correr mais rápido com os olhos fechados e só os abri quando meu rosto foi ao chão. Passei as agulhas no chão, não parecia o atrito de um chão de terra, e sim de um de cimento. Olhei para além de meus braços e vi a coloração cinza me queimando a pele por conta do sol batendo em si pela manhã. Levantei-me e vi que havia ralado os joelhos. Alguns riscos cheios de sangue sujando a calça que ardiam bem menos que meu rosto pela manhã.

  -Droga, Capri! - disse ao perceber que tinha o deixado sozinho na floresta. Eu era um Imbecíl, só porque ele havia me be... beijado. Ainda não havia superado ou sequer entendido.

  -Fala. - ouvi sua voz e me virei. Sorri e lhe dei um abraço apertado mesmo que ele estivesse sujo e cheio de folhas.

  Ao ver sua perna ruim e uma improvisação de cajado com um pedaço de pau em sua mão, dei um tapa em seu ombro.

  -Você é retardado? Veio até aqui sem ajuda, podia ter se machucado! Ter quebrado a outra perna, arrancado uma orelha, perdido um olho! Você é um irresponsável, Capri!

  -Nossa, mas como você fala! – ele reclamou. – Posso saber quem deixou você me chamar de "Capri"?

  -A-ah, eu... - parei e corei, eu nem havia percebido em como o chamei. - Oras!

  Ele riu.

  -Ainda odeia minha risada? - ele perguntou fazendo seu famosinho sorriso malicioso de deboche.

  -Pare com isso, está me deixando sem graça. - disse e arranhei de leve seu braço, que ainda se apoiava em um cajado.

  -Esse é o objetivo, caranguejinho. - ele falou baixinho.

  -Pare! - disse sentindo arrepios.

  -Vamos para casa? - ele perguntou e eu o fitei incrédulo.

  -Como é? A gente acabou de esbarrar em uma estrada e você quer voltar para uma cabana que tem só mais oito latinhas de sopa para uma pessoa, algumas garrafinhas d'água...

  -Um sofá rasgadinho - ele me cortou. - uma pia cheia de sangue que ninguém limpou, uma cama de lençóis rasgados. Você disse que moraria lá, mora comigo.

  -C-como é? A gente está livre, não precisamos voltar. Eu quero só...

  -Quer o quê?! Ver pessoas que vão te olhar de cara feia e, talvez, ter pena de você, mas não o suficiente para te darem comida ou qualquer coisa do tipo? - ele gritou e fiquei perplexo. – As crianças vão passar e as mães, consequentemente, irão tirá-las de perto de ti! É isso que você quer?

  -E-eu. - as lágrimas caíram sem qualquer permissão e ele se espantou.

  -Desculpe - ficou mais calmo. - desta vez eu quem falei demais.

  -Falou mesmo... - enxuguei as lágrimas. - Mas falou certo.

  -Falei, eu sei. Mas desculpa ter gritado com você.

  -Sabe, para um assassino frio e profissional, você é bem molenguinha. - brinquei.

  -Eu vou ignorar isso. - ele agarrou minha mão saiu me puxando pela estrada.

  -Não íamos para casa?

  -Precisamos de mais de oito latinhas de sopa e água velha, não acha?

  -Tá, e com que dinheiro você vai...

  -Está vendo essas armas na minha cinta? Elas servem para amedrontar também.

  -E-eu vou te esperar do lado de fora, então. – olhei para o chão enquanto continuou me puxando.

  -Tudo bem, não precisa sujar suas mãozinhas de agulhas e madeira com os crimes de uma pessoa como eu.

  -Não foi isso o que...

  -Eu sei, estava brincando. Mas é sério, não precisa.

 

  Ele assaltou bem rápido duas lojas enquanto eu ficava do lado de fora e não muito próximo tentando esconder ao máximos meu membros superiores e os pés de fumaça negra - o que não parecia ter dado muito certo, afinal, um rapaz de cabelos arroxeados, quase negros, não tirava os olhos de mim. Capricórnio voltou calmo e sério das lojas fazendo sinal para que o seguisse para casa. Isso foi tamanha burrice, assaltar as lojas daquele jeito. Era cedo e claro, qualquer um podia ver, chamar a polícia. Foi muita sorte isso não ter acontecido e voltarmos logo para a cabana. Nós dois, lado a lado andando com inúmeras sacolas plásticas em mãos com um sol alaranjado batendo nas cabeças.

  As pessoas das lojas devem ter ficado pensando "Por que este garoto está roubando produtos de limpeza e comidas tão baratinhas?", para alguém desprovido de qualquer valor simbólico, nós precisávamos roubar estas coisas baratinhas. Eles nem imaginavam quem ele era, quem estava o esperando do lado de fora - no caso, eu - ou qual o motivo disso tudo. Na verdade, só deviam ter reparado na arma que ele segurou. Não viram suas olheiras e pensaram “esse garoto não deve dormir muito”, que é o que eu pensava até saber que, na verdade, ele só é muito esforçado e não sabe descansar disso. As pessoas da loja não repararam em como seu cabelo ficava na luz ou como ele estava precisando de um trato. Não perceberam que aquele garoto estava só tentando se proteger e proteger-me de perseguidores que eu nem mesmo sabia quem eram. Elas não sabiam de nada disso, só que não queriam ser baleadas. Não as culpei. Eu também não teria reparado tanto em um assaltante.

  Chegamos à cabana, colocamos as coisas nos armários da cozinha e fomos ao banheiro fazer o mesmo e limpar a pia ainda coberta do meu sangue. Ele limpava, eu arrumava.

  -Sabe, foi estupidez isso de roubar ainda estando claro. E se te encontrassem?

  -Aí te encontrariam também, nos levariam de volta, nos separando para sempre e nunca mais nos veríamos outra vez. - ele voltou seu rosto para mim com um sorriso que logo se desfez por me ver em lágrimas.

  Capri sentou em minha frente e enxugou minhas lágrimas com as mãos pouco quentes e avermelhadas por causa da água. Ele levantou meu queixo, fazendo-me olhar em seus olhos castanhos. Um sorriso estampado em seu rosto como tentativa de conforto pouco me adiantou.

  -Eu esqueci que você é frágil. É idiota dizer isto, mas... nada nesse mundo vai me fazer me separar de você, certo? - eu não respondi. - Certo? - ele insistiu.

  -Promete?

  -Prometo.

  -Então certo. - enxuguei as lágrimas, afastando suas mãos de minhas bochechas.

  Nós passamos a tarde e parte da noite concertando o fogão para enfim cozinharmos algo e comermos. Depois disso, conversamos sobre assuntos fúteis e brincamos um pouco. Ele tinha pego, em uma das lojas, alguns enfeites para a casa, o que me fez rir por uns longos minutos, era uma audácia ridícula a dele; então fomos arrumar o nosso quarto do jeito que preferíamos. Acabou não ficando muito diferente, mas ficou mais o nosso estilo. Um quarto velho, acabado, mas enfeitado de coisas branquinhas, fofinhas e aconchegantes.

  Fomos dormir assim que nos cansamos de olhar pela janela e tentar imaginar como seria se fôssemos normais e aceitos. Um assassino e um monstro em uma sociedade feliz e pacífica; nossa casa seria bonita, mas não muito grande; passearíamos todos os dias - ele insistiu em acrescentar um "de mãos dadas" - e tomaríamos sorvete todo fim-de-semana. Não teríamos cachorro ou gato - ele era alérgico - nem filhos - ele insistiu em sugerir - não era possível.

  -Você pensa longe demais, nem nos conhecemos direito ainda e já pensa em filhos. - ri.

  -São somente pensamentos. É preciso planejar essas coisas.

  Ele deitou na cama, eu deitei também. Um lençol novo já estava lá e eu sorri quase rindo lembrando de meu acidente e de que as faixas do antigo lençol ainda rodeavam minha cabeça.

  -Já está melhor? - ele virou para mim e tentou tirar as faixas ensanguentadas. - Eu roubei remédio, espere aqui. - levantou e foi até algum lugar da casa.

  Voltou com esparadrapos, remédios, antibactericidas e antiinflamatórios. Retirou os panos de minha cabeça e começou a cuidar de meu rosto arranhado e perfurado. Como pude ser tão burro e esquecer de minha mão naquela hora? Ele fez novos curativos em torno de minha cabeça que, mesmo que não tenham ficado tão bons, ficaram melhores que os anteriores.

  -Obrigado.

  -Nada. - respondeu e guardou as coisas.

  Tornou a se deitar ao meu lado e passar a mão pela minha cintura. Dormimos a noite inteira serenos depois de Capri cantarolar melodias aleatórias.

 

  Dias, semanas, meses e anos foram passando naquela cabana. Completamos três anos lá sem ninguém sequer aparecer. Não nos procuraram por lá e nem nos arredores, ninguém surgiu lá em uma tentativa de se esconder dos nossos perseguidores ou de outros. Ficamos sozinhos durante três anos, às vezes assaltando lojas, outras, só passeando por cidades sem tentar chamar atenção – mas, com a minha aparência, era impossível. Nós dois agíamos como um casal de namorados apaixonados cada vez que íamos à cidade para não nos sentirmos sós - afinal, mesmo que todos te odeiem, viver na solidão pode ser pior.

  Nós tomamos sorvete uma vez, uma só vez, pois descobrimos minha incapacidade de comer coisas gélidas demais. Meu corpo esfriava e eu vomitava tudo, passava mal e ficava com febre. Voltamos correndo para a cabana, eu em seu colo. Seu desespero não era muito notável, ele parecia querer esconder sua aflição de me ver em mal estar, porque seus olhos gritavam em agonia. Ele me pôs na cama, cuidou de mim. Não saiu de perto de mim por nem um segundo, mesmo eu dizendo que já estava melhor, que era só uma febre. Capri também não dormiu àquela noite, ficou me observando, checando se estava dormindo bem. Era estranho de como alguém que ele mal conhecia importava tanto para si. Incomodava-me, mas me deixava tranquilo. Era bom saber que era amado.

  Algumas vezes, arriscamos passear pela floresta, explorá-la. Ele não queria, achava arriscado - podiam nos pegar de novo - mas eu queria estar em mais lugares que a cabana e as cidades que visitávamos. Acabava sendo chato só nós dois conversando sobre nós mesmos. Queria ao menos achar um rio. E nós achamos um. Era entre uma pequena vala e não era o tipo de rio em que se tomasse banho, a correnteza era forte e o rio era muito estreito, quase um riacho em largura. Eu quis que voltássemos, mas Capri queria ir até o outro lado do rio. Eu sabia que ele ia se machucar, ele sempre se machucava quando tentava fazer coisas perigosas, mas eu deixei que ele tentasse chegar ao outro lado.

  Capri pegou uma espécie de corda que trouxera consigo e a amarrou em um galho bem alto de uma das árvores que nos rodeavam. A ideia era idiota, eu sabia, vi o perigo, mas não fiz nada, só assisti tudo de rosto amarrado e com a sensação de que éramos dois idiotas. Ele se agarrou à corda e pulou em direção à vala. O galho quebrou e fez um estalo junto ao meu grito. Ele caiu na água e foi levado até algum ponto do rio onde havia pedras em que pudesse se agarrar. Eu o segui do lado de fora do rio e, quando chegou a hora, pulei e fui tentar ajudá-lo.

  Não sei se ele sabia nadar, mas parecia querer não tentar. A correnteza era forte e ele se agarrava na pedra como um ursinho abraçando a mãe, mas com um só braço, o outro estava relaxando na água. Fui até ele e o ajudei a nadar até a beira do riacho. Quando o fez, subiu para a terra e se jogou no chão colocando uma das mãos no rosto com expressão de raiva.

  -Sabe o que houve, Cân? - neguei com a cabeça. - Quebrei o braço.

 

  Mais tempo se passou e ele continuou tentando atravessar o riacho, sempre quebrando outras partes do corpo nas tentativas. Nós queríamos mais que a cidade e ficar sempre na cabana; as tentativas dele, que sempre acabavam mal, eram esse "mais". Acabou sendo divertido vê-lo fracassar e cuidar de seus ferimentos, parecia uma criança que insistia em algo que sabia que não ia conseguir.

  Certa vez, ele conseguiu quebrar duas partes do corpo naquele riacho. Uma caindo e outra nas pedras. Braço e perna voltaram sangrando para casa. Cuidei de tudo para que ele se sentisse confortável, mesmo que ele não gostasse de todo esse carinho. Capri tinha uma mania irritante de achar que todo o meu carinho dava trabalho e que era coisa demais para mim, que me incomodava ter de cuidar dele e isso acabava em algumas discussões. Mas eu cuidava dele assim mesmo e, quando ele parava de insistir que eu me incomodava, ele me beijava. Eram beijos debochados para me fazer desistir, ele sabia que eu ficava constrangido com aquilo. Quando não dava certo, ele passava as mãos na minha cintura e então eu o empurrava e saía do quarto, ele conseguia o que queria e acabava cuidando muito mal de si mesmo.

  Capri adorava me deixar sem jeito para que eu o deixasse em paz e eu odiava isso! Em uma das noites em que ele voltou para casa depois de tentar atravessar de novo, seu rosto estava todo machucado - mas, por incrível que pareça, ele não havia quebrado nada. Eu tentei cuidar de si, mas este não deixava, queria fazer sozinho, queria conseguir. Era um idiota completo.

  -Fica quieto! Sua bochecha ainda está machucada. - disse tentando fazê-lo ficar quieto sem perfurá-lo ou arranhá-lo.

  -Ah, para com isso, você não consegue nem cuidar de si mesmo sozinho. - ele sussurrou.

  -Como é? - arqueei o cenho para ele com raiva.

  -Só sabe sair por aí arranhando as coisas e destruindo tudo! Quer cuidar de mim como desse jeito? - ele respondeu com colérico, depois amenizando a raiva ao me ver perplexo diante de si.

  -Sabe - eu comecei com raiva. - você é uma das únicas pessoas que não tinha me julgado em momento nenhum por ser assim.

  -E-eu falei sem pensar, desculpa. Não foi o que eu quis dizer.

  -Mas foi o que disse! - respondi com raiva. - Oras, isso tudo por que não quis ajuda?! Não quer receber carinho, poxa?

  -Não é que não queira, só não quero que se esforce. - ele colocou a mão no meu pescoço e acariciou-o.

  -Não sou nenhum fracotinho, Capri, eu posso muito bem cuidar de você.

  -Eu sei que pode, mas não quero que faça isso. Eu sei cuidar de mim, não preciso de ajuda.

  -Oras! Mas é um idiota! - gritei e tentei me levantar da cama, mas Capri não me deixou fazê-lo.

  Agarrou meu pulso e me fez ficar deitado passando a mão em meu rosto, olhando o meu corpo. Ele analisou toda a minha roupa com cuidado enquanto eu não estava entendendo nada. Comecei a analisar as suas também. Todo de negro, nunca trocava aquelas roupas - eu também não trocava as minhas. Não tínhamos outras roupas, então evitávamos lavar - quando tínhamos que fazê-lo, ficávamos nus e eu não gostava disso.

  Ele começou a passar a mão por meu tronco e se abaixou para me beijar e fazendo nossos cabelos se misturarem em bolos de laranja e castanho me deixando vermelho e constrangido. Ficou por completo em cima de mim e agarrou meus braços descendo os beijos para o pescoço. Eu continuei ali perplexo e sem entender o que estava acontecendo. A gente nunca tinha tido tamanho contato, era tudo inocente. Beijos inocentes - ou de deboche - carinhos inocentes, abraços inocentes. Mas o jeito como passou a mão pelo meu corpo naquela noite não foi inocente.

  As mãos gélidas me fizeram arrepiar quando passaram para dentro da camisa. Por algum motivo, eu comecei a passar minhas mãos por seu corpo também e a arranhar algumas áreas aleatórias, o que o fez gemer e rir baixinho, rir maliciosamente como eu odiava que fizesse - mas que, naquele momento, eu adorei. Fiquei triste porque sabia que estava o machucando, arranhando, perfurando; mas nós continuamos a fazer o que se esperava que fizéssemos. Ele ficou dizendo "desculpas" e "eu te amo" enquanto eu, "desculpo" e "também te amo" entre gemidos e risadas. Misturamos nossos sentimentos de dor, confusão, raiva, tristeza, todos esses sentimentos que nos matavam aos poucos e os jogamos todos fora em forma de gritos e gemidos. Dançando conforme nossa música, sentimos o frio da noite virar calor.

 

  Depois de ter quebrado perna e braço, passou alguns dias sem sair de casa para não piorar os ferimentos, mas logo ele queria sair e eu não deixava, o que dava em mais discussões, acabava sendo um caos e quem saía era eu. Passeava pela floresta para esfriar a cabeça, deixando-o sozinho em casa. Como aquele maluco queria continuar tentando pular para o outro lado do riacho com braço e perna quebrados? Era um imbecíl!

  Continuei andando e chutando pedrinhas por alitro, eu estava com raiva do idiota que queria se matar e continuei ali a tarde inteira sem perceber que estava sendo seguido. E para a minha surpresa, era um rapaz. Ele chegou por trás prendendo meus braços, tapando minha boca e sussurrando em meu ouvido enquanto tentava fugir:

  -Cala a boca e para de se debater. – obedeci; sua voz era fria e profunda. - A gente sabe onde o seu amiguinho está. Você vai embora de fininho enquanto a gente vai atrás dele, tudo bem? Senão a gente mata ele na tua frente e mata você depois, certo?

 Enguli seco e contive as lágrimas já doidas para sair.

  -O que vão fazer com ele?

  -A gente toma continha dele para você, só vai embora e não volta mais. Ouviu direitinho ou eu vou ter que te matar?

  -O-ouvi.

  Ele me soltou - me jogou - no chão de mau jeito. Seus olhos eram amarelos e os cabelos arroxeados, quase negros presos em uma trança, o que não combinava com sua pele incrivelmente branca, parecia uma cobra ou qualquer outra coisa venenosa que pudesse te matar sem pensar duas vezes. Suas roupas eram negras e usava um boné negro - o uniforme dos perseguidores. Era o garoto que me olhava enquanto Capri roubava as coisas. Naquele momento fez sentido não termos sido presos ou "achados" até ali, eles estavam só esperando o momento frágil. O rapaz foi embora em direção a cabana correndo.

  Levantei-me devagar sem saber o que fazer, julguei ser melhor ir embora e não voltar. Suspeitei que se fosse até a cabana, pudessem nos matar. Talvez, se eu só fosse embora, o mantivessem vivo. Mas tinha sérias dúvidas quanto a isso - Por mais que Capri fosse um amor comigo, ainda era um assassino e matava por dinheiro. Aquele tipo de cara que me jogou no chão, aquele tipo de pessoas que nos perseguiram não deixariam ele sair ileso daquela - não só o prenderiam, afinal, ele já tinha fugido antes. Quem garantiria que não fugiria de novo?

  Mas eu parei de pensar nisso, balancei a cabeça e afastei isso de minha mente. Fui até a estrada e, como sempre, nenhum carro passava. Fiquei olhando para o céu, que estava alaranjando. Mais um pôr-de-sol se passava; eu nunca os contei, mas tive a impressão de que nem precisaria mais me importar em não fazê-lo. Comecei a pensar em Capri e como fui imbecíl em deixá-lo sozinho. As lágrimas surgiram e tomaram conta de minhas bochechas, me senti mal. Nem pudemos nos despedir. A última coisa que fizemos foi brigar e eu simplesmente nem voltei e disse "desculpa, eu vou fugir e ficar livre enquanto te prendem ou te matam".

  Pensado isso, saí correndo de volta à cabana sem ao menos pensar se era boa ideia - o que não era. Mas não teria mais sentido continuar sem ele; depois de duzentos anos vivo, já tinha vivido tempo demais para saber que eu não precisava mais estar ali, ainda mais sem Capri seguindo ao meu lado.

  Quando cheguei, estava silencioso. Silencioso demais. Se aquele rapaz de negro esteve ali, já não estava mais. Entrei com medo de não ver ninguém, de que tivessem o levado. Mas o que vi foi ainda pior.

  Ele estava ao lado da cama com alguns lençóis jogados por cima de si ainda pendendo da cama. Abriu os olhos com muito esforço e sorriu para mim. Seu rosto estava em lágrimas assim como o meu e sorri de volta. Corri até ele, que se sentou rapidamente e me abraçou bem apertado.

  -E-eu fiquei com medo de que tivessem te...

  -Me matado? - ele riu e chorou nos meus ombros.

  -É...

  -Como sabe que eles estiveram aqui? - Capri me acariciou a cabeça e cheirou meu pescoço.

  -Eu... encontrei com um na floresta. Não consegui vir antes, desculpe. - menti.

  -Está tudo bem. Me promete uma coisa?

  -O que?

  -Que não vai ficar triste - ele soluçou. - ou com raiva de m- ele não terminou, mas soube o que quis perguntar.

  -Por que ficaria? Por causa do braço e da perna? Oras, isso já foi, meu amor. - desfaço-me dele para sorrir, mas ao ver seu abdômen manchado em vermelho, nenhum sorriso se abriu.

  Capri já estava fraco, não conseguia ao menos falar. Nos meus braços estava chorando agarrando o rosto como sempre fazia quando com raiva.

  -Para de se mexer, vai piorar tudo. – suspirei sentindo a raiva subindo pela cabeça. - Quem fez isso com você foi o rapaz de cabelos arroxeados, certo?

  Ele balançou a cabeça que sim e eu o fiz parar, era uma pergunta retórica. Ah, como eu me senti inútil. Estudei o corpo humano, bioquímica, medicina, tudo para estar lá sem poder fazer nada quando alguém precisava. Quando Capri precisava.

  -Me faz um favor? Vai embora. - ele pediu. Se forçou a dizer aquilo.

  -Como?

  -Não quero que você cuide de mim e... fique triste... Depois. Sai. – falou pausadamente para respirar e fiquei incrédulo. Meus lábios tremeram e não soube o que fazer.

  -Sério? Você vai fazer isso agora?! - a raiva explodiu na minha cabeça. - Não estou acreditando! Não estou mesmo! Você está morrendo e quer que eu saia daqui? Se você quer morrer mais cedo, me pede, é mais fácil!

  -Vai logo, droga. - ele sussurrou entre um soluço.

  Eu já não pensava mais, estava com raiva. Comecei a arranhar o chão com as agulhas, a destruir as cômodas, os móveis, tudo. As cortinas ficaram em pedaços, em tirinhas. Capri via aquilo como se estivesse assistindo a um show entediante. Fui para cima da cama arranhar os travesseiros e lençóis, mas acabei me desesperando mais do que devia - não devia nem ter me desesperado, na verdade - pois em uma das minhas investidas, acabei acertando Capri que estava atrás. Eu já estava fora de mim - de novo, o que, lá no fundo, me incomodou e doeu. Olhei em seus olhos e já não me sentia mais em mim mesmo, era, naquele momento, outra pessoa. Uma pessoa que não queria ser e nem ter por perto

  Pulei para cima dele e arranhei seu peito de leve, aumentando cada vez mais a força até que o sangrei; estava recebendo cada vez mais investidas minhas. Desci arranhando tudo, enfiando as agulhas por seu corpo, uma atitude de um completo louco, um maníaco. Capri não fazia isso nem com suas piores vítimas e eu estava fazendo com ele naquele momento. Berrou mesmo que quase sem voz e não parou conforme as investidas em si até que deu a última e a mais escandalosa, que não havia nem me impactado, me deixado frágil. Por pura loucura, eu ri. Ri da morte de meu amor. Ri de rasgá-lo e perfurá-lo, de ouvir seus berros. E rindo, estava chorando. Suas lágrimas também rolavam, estavam misturadas com sangue.

  Parei de rir, de arranhá-lo. Continuando a chorar, segurei seu rosto e o beijei me sentindo nojento.

  -Você foi o único que não me enxergou com maus olhos, que me amou como eu fui. E o que eu faço em troca? Claro, te esfolo. - solucei e sorri. Um sorriso frio e sem qualquer sentimento de felicidade.

  Levantei e peguei seu corpo, arrastando-o comigo. Pode ter demorado quase uma noite inteira, mas cavei uma cova para si. Não foi o ato mais bonito que pensei, mas o melhor e mais educado de me desculpar: enterrando-o – como se fosse resolver alguma coisa. Coloquei-o deitado e fiquei fitando seu rosto. Era tão pálido e tão cansado, mas tão belo e bem tracejado.

  Ele, uma vez, perguntou o que eu responderia se me pedisse em casamento. Não respondi, fiz bico e reclamei de uma pergunta como aquelas. Por que não aceitei casar com ele? Mesmo que casássemos só entre nós dois - sem convidados, festa ou padre. Seria um casamento horroroso, mas seria o melhor casamento do mundo. Sem roupas próprias, sem nada do tipo. Só eu e ele trocando votos, dando a nós mesmos o direito de estarmos junto para sempre.

  Certa vez, li em um livro sobre um casamento - talvez em algum conto de fadas. Eu lembro das palavras do padre "até que a morte os separe". Então, de certo modo, fomos casados. Nos amamos, vivemos juntos e a morte nos separou no final.

  É estranho dizer isso e afirmar que o amei, afinal, eu o matei. Ele morreria sem minha ajuda, mas, de certo modo, eu o matei e de uma forma muito pior. Aquele idiota de cabelos arroxeados só tentou matar antes. Quem terminou tudo fui eu. E aquilo era uma culpa que pesaria em mim, que pesaria até o momento de me juntar a ele.

  Coloquei-o um pouco mais sentado e abri seus olhos para que pudesse “ver” o pouco de céu que aquela cova deixava e fiquei sentado ao seu lado. As estrelas refletiam em seus olhos e nas minhas lágrimas. Capri quase nunca chorou, ele era forte, diferente de mim, que por tudo chorava. Isso me deixava com raiva. Toda essa fraqueza. Fui fraco até para salvá-lo de mim mesmo. E me daria uma lição. Se não podia salvá-lo, não podia salvar-me.

  Aproveitei que estávamos juntos, eu na mesma cova que ele: como queríamos ser enterrados – foi um dos assuntos dele uma vez. Enfiei uma das agulhas em meu peito. Comecei a colocar as outras quatro até que todas estivessem cravadas e as retirei. Era estranho meu corpo por dentro, a textura não parecia com a de um humano apesar de parecer-me um humano na maior parte do torso.

  Olhei nos olhos de Capricórnio, que refletiam as estrelas, e os fechei para que descansasse em paz. Minha mão de madeira segurou a sua de carne eu sorri para ele. Senti a dor de meu peito arder e tomar conta, fazendo-me chorar.

  -Já vamos nos ver, meu amor, espero que não fique com raiva de mim. - beijei seu ombro, que é onde minha cabeça conseguia alcançar sem que fizesse esforço.

  O céu estava nos acolhendo e nós ficaríamos juntos para sempre como em todos os contos infantis. Pena que ninguém viria nos enterrar, não consegui ao menos fazer isso. Mas sabe? A beleza de Capricórnio não podia ser enterrada daquela forma. Devia ficar a vista, mesmo que no inverno nossos corpos fossem sofrer silenciosamente por conta do frio.

  Olhei para baixo, para meu peito; queria ver o estrago que tinha feito em mim mesmo. Enfiei uma das agulhas lá dentro de novo para examinar e, desta vez, senti meu coração sem dor ou morrer logo em seguida. Parece que, naquele dia, eu não tinha mudado só por fora, tinha mudado por dentro também, afinal, meu coração era de vidro. Um coração de vidro, o coração de um chorão covarde. Coração de um assassino. Agora éramos dois. Um monstro e dois assassinos.

 

  Depois de tanto enrolar em pensamentos e dores, vi uma estrela brilhar mais forte que as outras no céu. Este foi o meu sinal.


Notas Finais


Eu realmente não sei o que dizer sobre esse final. Eu sei que não faz sentido nenhum, desculpas. E desculpa ter sido tão trágico. E também se foi decepcionante. Gostei muito de escrever a fanfic e de ter comentários de Luísa, Miineko e Skarnet ♡ ao decorrer dela.
Espero realmente que tenham gostado mesmo que um mínimo porque, para mim, foi uma das melhores que fiz. :’3 E, caso seja isso mesmo, favoritem e comentem {se quiserem}. Aceito críticas, correções e, é claro, elogios!
Bem, até a próxima. Bye-bye.


♡Músicas citadas:
In the Gueto: https://www.youtube.com/watch?v=FJ-r0bilzhU {é mais triste sabendo a tradução da música}

Awake x Butterfly: https://www.youtube.com/watch?v=f6oQRFCs5ro {Do BTS}

Aloha Oe: https://www.youtube.com/watch?v=FHyglAtx2tk&list=LLHDJS-ZhYUaWknl4IHosEbA&index=1 {pra quem viu Lilo&Stitch, é bem triste :’)}

Sally’s Song: https://www.youtube.com/watch?v=vlGGVLV5Szg&list=LLHDJS-ZhYUaWknl4IHosEbA&index=5 {sim, Estranho Mundo de Jack, também amo, ee}

Run: https://www.youtube.com/watch?v=aySvbg_r1RU&list=LLHDJS-ZhYUaWknl4IHosEbA&index=31 {versão de caixinha de música é bem mais triste – para mim}


****
Obrigada por tudo ♡


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