Quando, Lídia, vier o nosso Outono
Com o Inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o Estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa —
Amarelo actual que as folhas vivem
E as torna diferentes.
-Ricardo Reis
Independente do lugar em que eu estivesse, sempre me sentia intimamente enlevado e contemplativo diante de toda a beleza do outono. Desde criança considerei o ato de incessantemente observar a imensurável quantidade de folhas em tons vívidos de vermelho, laranja e amarelo uma das práticas humanas mais aprazíveis e acalentadoras. Além disso, o clima naquela estação do ano era indiscutivelmente o mais agradável em todos os países em que eu estivera até aquele momento.
Sentindo-me renovado em meio aquela paisagem de sonhos, peguei uma folha avermelhada do chão e a arquivei dentro do livro do meu poeta favorito, Fernando Pessoa, mais especificamente em cima do poema Quando, Lídia, vier o nosso Outono do seu heterônimo Ricardo Reis. Guardei a obra dentro da minha mochila, então me levantei e me alonguei por alguns minutos, pronto para continuar minha busca por um emprego.
Eu chegara à capital da Coreia do Sul, Seoul, fazia uma semana e depois de visitar as principais atrações turísticas da cidade, decidira permanecer na cidade natal do meu pai por mais tempo, por isso precisava arrumar um emprego e um lugar mais barato para morar pelas próximas semanas.
Com esse pensamento em mente, caminhei lentamente até o ponto de ônibus mais próximo. Sabia que teria uma chance maior de encontrar vagas de emprego na região central, por isso voltaria para lá. Sentei-me no banco de madeira, torcendo para que o transporte público não demorasse muito. Antes que eu me perdesse em pensamentos, um garoto surgiu no meu campo de visão ao sentar-se no outro canto do assento. Sem conseguir evitar, meu olhar foi atraído para suas madeixas que eram de um vermelho vívido e fascinante, minha cor favorita.
Assim que desci meu encarar para seu rosto, nossos olhares se encontraram por um breve segundo e eu então rapidamente voltei meu olhar para o chão, me sentindo levemente embaraçado. Por meio da minha visão periférica, observei-o brincar com as mangas da blusa de frio, parecendo indiferente a minha presença. Sem querer parecer estranho, lutei contra a vontade de encará-lo abertamente e voltei minha atenção para meu celular.
Para a minha felicidade, logo o ônibus chegou, fazendo com que nos levantássemos apressados. Com o propósito de observar seu cabelo sem que o garoto notasse, deixei que ele entrasse primeiro. Eu estava pensando no quanto o vermelho intenso de suas madeixas fazia um belo contraste com a cor de sua pele quando me assustei ao notar que ele estava caindo para trás, mais especificamente, na minha direção. Em um movimento automático, segurei-o com as duas mãos, dando um passo para trás no processo.
— Essa foi...
Antes que eu pudesse terminar minha frase, sobressaltei-me ao ouvir o garoto de madeixas vermelhas soltar um grito de pânico.
— Você se machucou? - perguntei, genuinamente preocupado.
Com um movimento brusco e desesperado, ele retirou minhas mãos da sua cintura, me deixando ainda mais assustado. Será que eu o machuquei?, perguntei-me mentalmente enquanto analisava sua feição transtornada.
— Eu te machuquei? Eu sinto muito, não foi minha intenção.
Sem lançar um olhar na minha direção, ele adentrou o ônibus e sentou-se em um dos bancos, parecendo ainda abalado. Ainda tentando entender o que havia acabado de acontecer, ignorei os olhares curiosos dos passageiros, me sentando bem longe dele.
— Mais uma vez muito obrigado por ter me apresentado ao seu chefe - agradeci o meu mais novo colega de trabalho, Lee Seokmin. Eu estava aliviado e contente por ter conseguido um emprego de recepcionista em um hostel localizado em uma região privilegiada de Seoul.
— Não foi nada. Quem não contrataria alguém que fala cinco línguas? Já disse que você é incrível?
Para a minha sorte, Seokmin parecia ser uma pessoa extrovertida e agradável, o que tornaria meus horários de trabalho menos cansativos.
— Obrigado, eu acho.
— Você pretende ficar quanto tempo aqui?
— Ainda não sei, provavelmente mais de um mês.
— Você já arrumou um lugar para ficar?
— Não. Ainda estou hospedado em um hotel.
— Ah, que bom. Eu e meu colega precisamos de alguém para dividir o aluguel do nosso apartamento, você se interessaria?
— É claro. É muito longe daqui?
— Mais ou menos. Que tal você ir comigo até lá hoje depois que meu turno acabar para dar uma olhada?
— Ok. Boa ideia.
— Chegamos - Seokmin disse após o elevador parar no quinto andar.
A viagem do albergue até ali durara quase 40 minutos, mas eu tinha consciência de que quanto mais perto do centro, mais caro seria o aluguel, então era melhor que o prédio fosse mais distante.
Caminhamos até uma porta com a numeração 12 gravada nela, então eu aguardei até que ele a destrancasse. Assim que meu colega a abriu, tive uma visão da sala pequena, mas relativamente organizada. Adentramos o cômodo enquanto ele fechava a porta atrás de si.
— Eu e meu amigo dividimos o único quarto, mas acho que tem espaço para mais um.
— Tem certeza? - questionei, temeroso de que o local em que eles dormissem fosse tão pequeno quanto a sala. Eu preferia dormir sozinho, apesar de que já havia dividido o quarto com outras pessoas em vários países.
— Vamos lá ver.
Antes de abrir a porta do aposento, Seokmin deu duas batidinhas de leve nesta, avisando seu amigo que entraria.
— Eu trouxe um provável futuro colega de quarto para ver o apartamento, Seungkwan - meu colega de trabalho informou antes de permitir que eu tivesse uma visão do cômodo.
— O quê!? - o tom de voz do garoto soou profundamente incrédulo mesmo à distância.
Pelo jeito o Seokmin não o avisou que traria alguém para ver o apartamento, pensei um tanto quanto incomodado.
— Nós já havíamos discutido sobre isso, Boo.
— Isso mesmo, Lee. Eu te disse que não estou...
Sua voz sumiu assim que ele escancarou a porta, fazendo com que nós finalmente pudéssemos ver um ao outro. Com uma expressão completamente aturdida, o garoto de madeixas vermelhas me surpreendeu e chocou mais uma vez naquele dia ao repentinamente empurrar seu amigo e fechar a porta na nossa cara.
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