História Coração de vidro - Coração de vidro

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.

- Fernando Pessoa

Apesar de desejar entender melhor o significado de suas palavras, permaneci calado. Não gostaria que ele se sentisse pressionado a me contar algo sem se sentir minimamente confortável comigo.

— Você está em um dilema interno sobre se deve ou não me perguntar o porquê de eu ter um coração de vidro, não é!? - Seungkwan mais uma vez pareceu ler minha mente. Ele era mais observador do que imaginara.

— Sim, você está certo. Mas não precisa me dizer - repliquei com convicção, fazendo com que o garoto ao meu lado desse uma risada espontânea - O quê? Eu sou tão engraçado assim?

Por alguma razão inexplicável, vê-lo sorrindo ou rindo de algo que eu dizia me deixava feliz.

— Você é mais legal do que eu me lembrava, Hansol. Ou será que você ficou mais legal com o passar dos anos? - meu colega comentou casualmente, trazendo um sorriso irreprimível aos meus lábios.

— Primeiro “estranho” e agora “legal” - disse enquanto analisava meus tênis e fingia não estar envergonhado com seu simples elogio. O que está acontecendo comigo?

— Eu só trabalho com verdades.

Um silêncio incômodo se fez presente entre nós, até que tomei coragem para lhe falar algo extremamente importante:

— Seungkwan.

— Pode falar - sua atenção estava toda voltada para mim.

— Se você quiser, eu posso me mudar. Imagino que deva ser desconfortável ter que conviver comigo...

— Não é - ele me garantiu em uma rapidez que trouxe um pequeno sorriso aos meus lábios - Quer dizer, se eu estivesse incomodado com você sendo meu colega de quarto, já teria dito há muito tempo, como disse antes, eu só trabalho com verdades - o garoto de madeixas vermelhas se explicou de forma clara e convicta.

Confesso que estava feliz e aliviado com suas palavras, pois não precisaria procurar por outro local para morar por algumas semanas. Pelo menos tentava me convencer de que aquele era o único motivo da minha repentina mudança de humor.

— Tudo bem então, eu vou continuar morando com vocês. Mas você tem que prometer que se em algum momento eu lhe fizer se sentir desconfortável, você vai me falar na mesma hora, ok!? - pedi ao lembrar-me das vezes em que nos tocamos acidentalmente.

— Ok, combinado.

Seungkwan não parecia disposto a me contar sobre aquilo, mas eu não era uma pessoa impaciente, esperaria até que ele quisesse me contar.  

— Parece que vocês fizeram as pazes - Seokmin comentou assim que adentramos a sala, estávamos entretidos demais na conversa para prestar atenção nele.

— Nós não tínhamos brigado - Seungkwan afirmou e eu confirmei sua fala.

— Agora viraram melhores amigos, é!? - meu colega de trabalhou questionou, com um bico nos lábios.

— Ai, larga de drama, homem, você está velho demais para isso - o garoto de cabelos vermelhos se jogou no sofá, colocando as pernas no colo do amigo.  

O celular do Lee apitou antes que ele pudesse dizer algo mais. Por um milésimo de segundo sua expressão brincalhona pareceu se anuviar no instante em que ele leu a mensagem em seu aparelho. Antes que eu pudesse ter certeza do que tinha visto, ele se virou para nós, com um sorriso brilhante.

— O Minghao acabou de acordar, meninos.

— Sério? Que notícia maravilhosa! - Seungkwan comemorou, se sentando no sofá - Como ele está? A senhora Xu disse mais alguma coisa?

— Ela disse que ele parece bem apesar de ter ficado em coma por mais de 48 horas. Mas ele não se lembra de algumas coisas.

Observei atentamente a expressão corporal do meu colega de trabalho, porém não consegui ver nada fora do normal. Será que havia me enganado anteriormente? Talvez não, talvez sua expressão tenha se anuviado porque seu amigo perdeu parte da memória.   

— Algumas coisas como?  

— Ele não se lembra de coisas recentes, não se lembra de quando caiu das escadas.

Se Minghao não se lembrava daquela noite, a polícia não poderia confirmar se foi realmente só um acidente ou uma tentativa de assassinato.  

— Que droga hein.

— Sim. Mas a memória dele vai voltar, eu tenho certeza. Eu vou visitá-lo agora, quer ir junto?

— Quero sim, só vou pegar um casaco mais grosso e já volto - Seungkwan se levantou para ir ao quarto e Seokmin voltou sua atenção para mim, parecendo notar pela primeira vez que eu o estava analisando.

— O que foi? Você está calado.  

— Nada. É que eu não conheço seu amigo, mas desejo que ele se recupere totalmente logo.

— Ele vai se recuperar sim, ele é mais forte do que parece.

— Você parece mais bem-humorado do que ontem - Jisoo comentou após sorver mais um copo de ramén.   

— Você está passando fome, Joshua?

— Não, por quê? - ele questionou como se não tivesse se dado conta do quanto havia comido.  

— Porque você comeu três copos de ramén desde que a gente chegou.   

— Hm...acho que é porque eu estou feliz - meu amigo disse com uma expressão sonhadora e um sorriso nos lábios.

— E eu gostaria de saber a razão? - perguntei, apesar de já saber o nome e sobrenome por trás de sua felicidade.

— Meu anjo me convidou para sair - sua animação era quase palpável.

— Ah, que legal, Joshua. Vocês vão aonde?

— Ao cinema. Amanhã às 20 horas. Eu não sei se vou aguentar esperar até amanhã, estou muito ansioso.

— Você está parecendo uma adolescente apaixonada - brinquei, rindo à custa dele.  

— Cala a boca, seu estraga prazeres.

— Ah é!? Então tchau, fica aí conversando com as paredes sobre seu “anjo” - disse em um tom forçadamente dramático, levantando-me da cadeira.

— Nossa, quanto drama. Que foi, está naqueles dias? - meu amigo questionou enquanto comia um dos choco pies que eu havia comprado para mim.

— Para de comer, você vai engordar uns cinco quilos até amanhã - guardei o restante dos choco pies na minha mochila - Quer que o Jeonghan diga que você engordou?

Os olhos do meu amigo se arregalaram como se aquilo fosse a pior tragédia de todas, fazendo com que eu risse abertamente.

— Você voltou tarde, já estávamos indo dormir - Seungkwan disse assim que adentrei o cômodo. Ele estava sentado em uma das poltronas, enrolado em um cobertor enquanto seu amigo dormia de forma desajeitada no sofá - Hm, o Seokmin já capotou - ele acrescentou ao ver o garoto dormindo.

— Eu saí com o Joshua e depois passei na livraria para pegar um livro que tinha encomendado - expliquei, apesar de que ele não me perguntara a razão de ter chegado tarde.

— Ah, sim - o garoto de madeixas vermelhas desligou a televisão e se levantou, tomando cuidado para não arrastar o cobertor no chão. Observei-o discretamente enquanto ele se dirigia para o quarto - Eu já vou dormir- ele informou em meio a um bocejo.    

— Ok. Boa noite, durma... - deixei a frase morrer assim que percebi o que estava prestes a  dizer.

— Você também - ele pareceu reprimir um sorriso, o que fez com que por algum motivo eu quisesse sorrir também.

Tomei um banho rápido e em questão de minutos já estava debaixo de uma coberta quentinha e confortável, mas não sem antes tentar acordar meu colega de trabalho para que ele fosse dormir no quarto. Como Seokmin não acordou, o cobri com uma de suas cobertas para que ele não passasse frio durante a noite. Estava prestes a entrar no mundo dos sonhos quando Seungkwan sussurrou meu nome.  

— Você está dormindo? - ele questionou baixinho.

— Não. Algum problema? - perguntei, tentando enxergar seu rosto na escuridão. Era impossível, pois ele estava deitado em sua cama e eu em um colchão no chão.   

— Eu queria, quer dizer, eu quero te pedir um favor - sua voz soou um tanto quanto hesitante, o que me deixou inquieto.   

— Pode falar.

— Eu sei que nós nos reencontramos há pouco tempo, mas...mas eu acho que você pode ser a pessoa certa para me ajudar a superar meu medo.

— E eu posso saber qual é esse medo? - tentei esconder a surpresa na minha voz, mas falhei. Não sabia exatamente o que pensar daquilo, mas não podia negar que gostava do fato de que ele achava que eu poderia ajudá-lo. Era bom saber que poderia ser alguém de ajuda depois do que meu primo fizera com ele.    

— De homens.