Konoha, 9h33´
- Me esperem aqui. – ordenou Gaara, sua voz um sussurro quase inaudível.
Seus guardas, apesar de surpresos, assentiram, enquanto espiavam, do alto de uma árvore, a velha sexagenária colhendo suas ervas medicinais. Gaara pulou da árvore e fez uma aterrisagem suave, evitando fazer qualquer barulho. Misaki continuava distraida, com seu cesto em mãos, completamente alheia à sua presença.
Gaara esboçou um sorriso de satisfação. Marcou um passo; Misaki não se mexeu. Assim que marcou o segundo... pisou um graveto!. Praguejou mentalmente e cerrou os dentes, à espera que Misaki se virasse e o pegasse em flagrante, mas, diferente do que estava a espera, Misaki continuou recolhendo suas ervas.
Outro sorriso de satisfação. Marcou mais um passo...
- Ficarias surpreendido se eu dissesse que coloquei o graveto ali intencionalmente?! – perguntou Misaki, ainda sem se virar. Seu tom soava divertido.
Gaara respirou fundo, abandonando o ar furtivo com que caminhava.
- Não, não ficaria. – admitiu.
Misaki se virou, encarando-o. Tinha um sorriso desenhado no rosto e um brilho afetuoso no olhar. Gaara se aproximou rapidamente dela, abraçando-a; Misaki era alguém por quem nutria um grande carinho; devia sua vida à ela.
- Tive saudades! – confessou, segurando seu corpo magro contra o seu.
Soltou-a em seguida.
- Eu estive sempre aqui. Você que foi e não voltou mais. – disse Misaki, recuperando o cesto que havia abandonado no chão.
- Tive muito que fazer em Suna; não hesitaria em vir mais cedo, se pudesse. Devo minha vida a você.
Misaki esboçou um sorriso, e passou sua mão pelo rosto de Gaara, segurando suas bochechas. Gaara segurou sua mão e depositou um beijo no torso. Quem não o conhecesse, jamais diria que aquele era o Kazekage. Era tão frágil quanto qualquer homem – certificava-se apenas de mostrá-lo muito.
- Soube que vais casar! – disse Misaki.
A expressão de Gaara alterou-se, passando de frágil à duro.
- É o que parece. – respondeu, sem qualquer emoção na voz.
Misaki pareceu espantada. Até onde sabia, Sakura era a noiva; Gaara devia estar feliz, não? Não era a garota de que gostava?
- Pensei que gostavas da Sakura. Lembras de quando ma-descreveste?
Gaara corou, sentindo as bochechas esquentarem; sua mente foi invadida pela memória daquele dia, recordando, com nitidez e clareza excepcionais, as palavras que usara para descrever Sakura: “se prestares a devida atenção, perceberas o contraste perfeito entre o rosa exótico dos cabelos, o verde dos olhos e o vermelho dos lábios”.
Estava torpe de amor quando a descreveu desse jeito; agora, pensava, era diferente. Mexeu a cabeça, espantando a vergonha de seu rosto.
- Agora é diferente. – respondeu, firme.
- Já não gostas dela? – perguntou Misaki; estreitou os olhos, buscando perceber a resposta sem precisar ouvi-lo.
Gaara respirou fundo. Não adianta mentir, pensou, rendido. Porém, quando ia responder, uma voz interrompeu-o:
- Sabia que estarias por aqui, Gaara. – disse Naruto, a voz alegre, acenando do topo de uma árvore. Misaki passou para o lado de Gaara, dirigindo o olhar para a árvore em que Naruto estava; acenaram em resposta.
No mesmo instante, os guardas de Gaara se fizeram notar, estacionados atrás de Gaara. Eram três, todos providos de catanas às costas e os rostos escondidos atrás das máscaras da ANBU.
- Tenho que ir, Misaki. – disse Gaara, encarando a anciã. Num gesto de despedida, tomou suas mãos e depositou um beijo em cada. – conversámos em outra altura.
Misaki lhe sorriu, permitindo-lhe partir. Gaara seguiu caminho, junto de seus ninjas, embrenhando-se na floresta. Naruto desceu de onde estava, caminhando ao seu lado. Iriam por terra, aproveitando o tempo para conversarem.
- Convidaste algum dos outros Kages? – perguntou Gaara, mirrando o caminho à sua frente.
Naruto fez que sim.
- Foram os primeiros a serem convidados; seus convites foram enviados na mesma altura que o seu. Todos, excepto você, disseram que iriam enviar representantes.
- Menos mal, não?
- Sim. Ter todos os Kages na vila não me permitiria pregar os olhos.
Gaara assentiu, partilhando do alivio do amigo. Apesar de agora reinar a paz e serem nações aliadas, sempre era melhor quando todos os Kages se restringiam às suas jurisdições. Reuni-los num mesmo sitio atrairia grupos rebeldes, e, para tratar da sua segurança, cada um traria esquadrões completos da ANBU, criando, desse jeito, um clima tenso que, com certeza, arruinaria a paz necessária para o casamento.
Ademais, não estava surpreso por saber que não viriam. Como era de se esperar, as demais nações tomaram conhecimento do atentado de Sasuke, e exigiam saber quais medidas Konoha tomaria para punir um crime que podia acabar com a paz reinante, devolvendo-os aos tempos de guerra e lutas por poder.
- Recebi cartas do Tsuchikage e do Raikage. – disse Gaara. – souberam do Sasuke, e queriam saber se ele já foi julgado.
- Já esperava por isso; cedo ou tarde, a notícia iria se espalhar. O bom é que acabou tudo em bem. Se continuasses desaparecido até esse momento, ou mesmo morto, todas as nações se revoltariam; as guerras recomeçariam, piores do que nunca, porque seria por justa-razão.
Gaara se deteve bruscamente, pego de surpresa pelas palavras de Naruto, que continuou andando, sem perceber que, tanto ele como seus guardas, haviam estagnado o movimento.
- Algum problema, Kazekage-sama? – perguntou um dos guardas.
- Fiquem só atentos. – ordenou.
Percebendo que agora caminhava sozinho, Naruto se deteve, virando-se para encarar o ruivo. Gaara tinha o cenho franzido e os dentes cerrados, encarando-o com fúria.
- O que foi? – quis saber, parecendo surpreso com a reação do ruivo.
- Estás muito eloquente, não estás? – perguntou Gaara.
Naruto sorriu mecanicamente, coçando a nuca.
- Quando nos tornámos Kage, a ingenuidade é a primeira coisa de que nos livrámos. – disse, ainda sorrindo.
Gaara sorriu em resposta, suas feições voltando ao normal. O que não passou despercebido foi que ria dele, e não com ele.
- Boa tentativa. – disse, contente. – quem quer que sejas, escolheste o dia errado para te meteres comigo. – sorriu malicioso, notando o medo inspirado por suas palavras fazendo-se notar na cara de “Naruto”, que engoliu em seco.
Quem quer que fosse, se fazendo passar por Naruto, não estava sozinho. Mas, pensava Gaara, não importava o número de adversários. Todos – absolutamente TODOS! – estavam em maus-lençois, se pensavam que podiam emboscá-lo... outra vez!
(...)
- Com esse, fazem dez! – disse um dos guardas de Gaara, visivelmente satisfeito, carregando, pela gola da camisa, um homem inconsciente.
Colocou-o sobre os outros nove. Formava-se uma poça de sangue sob a pilha de corpos, devido aos ferimentos; só não eram cádaveres por piedade. No último instante, Gaara pôs um travão em seus homens, convencendo-os de que não adiantava matá-los, ainda que fosse o castigo ideal, dada a afronta.
- É o último? – perguntou Gaara.
- Já não sinto a presença de nenhum deles na redondeza. – respondeu um dos ninjas, o chefe de sua guarda pessoal. – acha que são do bando do Uchiha? – quis saber.
Gaara olhou a pilha de corpos mais uma vez.
- É possível; vamos esperar para ver se o Naruto consegue identificá-los.
Não, não é possível, pensava, é uma certeza!, concluiu mentalmente. Tinha certeza de que aqueles homens eram lacaios de Sasuke. Konoha estava minada; Sasuke podia estar preso, porém, havia se certificado de que seu plano tinha pernas próprias. Sua presença era desnecessária para que seus homens continuassem praticando tais ataques à entidades de outras vilas, buscando estressar os Kages até declararem guerra uns aos outros.
Sorriu. Isso não vai acontecer; seu plano não vai se concretizar, Sasuke, pensou. Voltou a mirrar o olhar a frente, prestando atenção no som de passos vindo na sua direção. Suspeitou que se tratava de Naruto, e não se enganou; não demorou para o loiro aparecer, seguido de perto pela guarda que o escultou – a ele e Sakura – até Suna.
A pilha de corpos estava entre eles, e o espanto se fez visivel na face de Naruto. E pensar que tinha que se casar dali há algumas horas!
- Reconhece-os? – perguntou Gaara.
Naruto ergueu o rosto, encarando-o; parecia tenso.
- Reconheço, são ex-ANBUs. – respondeu, sem qualquer emoção na voz.
Reinou o silêncio por um tempo, até Gaara decidir quebrá-lo. Desde quando saiu de Suna que uma ideia o tem perseguido; havia decidido: ia colocá-la em prática.
- Preciso te pedir um favor. – disse.
Naruto pareceu surpreso.
- Um favor? – perguntou, visivelmente preocupado.
Tinha o sério palpite de que, o que quer que Gaara queria lhe pedir, não seria algo fácil de cumprir, e que, para o caso de ser fácil de cumprir, seria algo incrivelmente inconveniente. Algo como, por exemplo...
- Quero ver o Sasuke.
Touché!
[...]
3 horas depois
- Eu vou me casar daqui há algumas horas. Não devia estar aqui!
Gaara cerrou os dentes, esforçando-se para não dar um berro. Definitivamente, estava cansado das reclamações de Naruto; como se já não bastasse o ar rarefeito e mal-cheiroso daquele lugar. Caminhavam por um corredor estreito – uma das muitas bases da ANBU -, atrás de Ibiki, que os conduzia até à cela de Sasuke.
Parecia uma masmorra, só que subterrânea. A medida que andavam, passavam por várias portas, salas de interrogatório, distribuidas nos dois flancos. As luzes no teto desenhavam quadrados no chão, iluminando-o intermitentemente; as paredes, de tão próximas que estavam, fariam um claustrofóbico sufocar. O chão estava ensopado por um liquido que supunha estar infestado de dejetos; cheirava terrivelmente e havia manchas de sangue seco nas paredes.
O que Konoha tem de belo, tem de sinistro, pensou. Queria sair dali o quanto antes; porém, só o faria depois que estivesse frente a frente com Sasuke, não antes. Estava obstinado – senão obcecado – com a ideia de vê-lo.
Dizia a si mesmo que precisava vê-lo.
Diferente do que Naruto supôs, não foi uma decisão repentina. Muito pelo contrário, levou horas, dias, a se decidir; não “dormiu”, não comeu, cogitando sobre o assunto. Embora nunca viesse a admitir, tinha expectativas altas para esse encontro; expectativas devidas, principalmente, a iminência do casamento com Sakura. Saber que, querendo ou não, iria se casar, fê-lo concluir que devia se encontrar com o Uchiha.
Apesar das circunstâncias, Sakura era a mulher de seus sonhos e, se fossem mesmo casar, faria tudo ao seu alcance para fazê-la feliz. Porém, sempre que se imaginava sendo feliz ao lado de Sakura, surgia a imagem de Sasuke, manchando sua fantasia. Na sua mente, Sasuke era como um “rival fantasma”, alguém a quem tinha que estar sempre atento. Precisava vê-lo e confirmar que estava mesmo preso, não só fisicamente como mentalmente. Precisava olhá-lo nos olhos e decifrar se estava chorando – ciente de que não podia fazer mais nada - ou rindo por dentro – como se tudo estivesse correndo como previsto; como se estivessem fazendo exatamente o que tinha planeado.
Parecia paranóia, mas só iria passar se visse Sasuke destruido, incapaz de fazer alguma outra coisa; só assim teria paz. A paranóia surgiu de uma conversa com Temari, quando foi reclamar da participação da irmã no plano do Conselho; Temari disse algo que, simultaneamente, lhe deu esperança e medo:
“(...) a Sakura vai ser sua esposa e eu posso te garantir que não vai ser tão dificil fazê-la se apaixonar por você; aliás, se não estou em erro, ela já te ama, Gaara”.
Até aqui tudo bem. Só quando reclamou do facto de Sakura gostar de Sasuke, é que Temari disparou a bomba; disse-o, claro, com intenção de aliviá-lo, mas falhou o propósito, deixando-o de sobreaviso:
“(...) vamos supor que é como dizes e que, hipoteticamente falando, a Sakura gosta do Sasuke. Ele está preso, o que mais ele pode fazer? Tens o caminho livre!”.
Pois, o que mais Sasuke poderia fazer? Descobriria apenas depois que o visse.
- Falta muito? – quis saber.
Ibiki sequer parou ou se virou.
- Não. – respondeu, seco.
Gaara sorriu de leve. Não era preciso ser muito inteligente para saber que Ibiki estava contra sua visita. Mas, como Naruto tratou de lhe lembrar, tratava-se de um “pedido” do Kazekage, não podia se recusar.
Percorreram o resto do caminho em silêncio, escutando apenas o som de seus passos naquela “água” mal-cheirosa. Pelo que soube, a “cela” de Sasuke ficava no final do corredor, aprisionado atrás de uma porta de ferro maciça, cuja chave eram três selos de oito trigramas, conhecidos, exclusivamente, por Naruto e Ibiki. E não era bem uma cela. Sasuke estava emparrelhado; do outro lado, do lado dele, a porta, tal como a parede, tinham o formato exato de seu corpo, impedindo-o de se mover.
Uma sentença dura, porém justa, pensou Gaara. Não o veria por completo. Uma mísera fresta seria deslocada, na altura dos olhos; devido ao selo na porta, Sasuke estaria incapaz de usar seu sharigan, mas o veria. Estariam cara-a-cara, e só então, Gaara saberia se devia ou não se preocupar. Responderia a questão que há já um bom tempo o atormentava: estaria rindo ou chorando?
[...]
4 horas depois.
A escada estava escura.
Sem a preocupação de ser visto por alguém, Gaara sentou no primeiro degrau, a cabeça pendendo entre as pernas. Respirou fundo; em seguida, ergueu o rosto, fitando o teto. Fechou os olhos e esboçou um sorriso amargo, lembrando do encontro com Sasuke - lembrando, precisamente, do momento em que seus olhos se encontraram.
- Sorrindo. – disse a si mesmo, angustiado. – ele estava sorrindo!
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