Depois de sair do banheiro, visto um suéter de estrelas brancas que tenho há algum tempo atrás. Eu gosto bastante dele. Visto uma calça jeans e um tênis preto.
Respiro fundo. Quando voltar da cidade, vou para o Outro Mundo. Estou ansiosa e com um pouco de medo. Mas vou ser corajosa. Eu preciso ser.
- Coraline? - chama a minha mãe abaixo das escadas. - Já está pronta?
- Sim, mãe. Eu já vou.
- Ótimo.
Ouço os passos dela se afastando e destranco a porta do quarto. A casa parece mais escura. Deve ser só impressão minha. Desço as escadas rapidamente e vou até a cozinha, tentando parecer o mais normal possível. Minha mãe abre a porta e nós vamos até o carro estacionado no jardim. Eu sento no banco da frente.
- Mãe? - pergunto, de repente. - Eu preciso de pilhas para aquela lanterna. Podemos comprar?
- Talvez outro dia, Coraline - diz a minha mãe enquanto dirige. - Eu tenho muitas outras coisas para me preocupar, tá?
Ela fala com uma voz bondosa. E assim sei que é verdade.
- Está bem - respondo, tentando sorrir. Não falamos nada durante o caminho depois disso.
***
Chegamos à cidade algumas horas depois. Encontramos o meu pai em uma loja de roupas.
- Comprei um casaco para você - diz o meu pai, mostrando uma sacola de papelão amarela.
- Que cor é? - pergunto, com indiferença.
Ele verifica como se tivesse esquecido a cor do casaco.
- Rosa - diz, retirando da sacola.
Eu reviro os olhos.
- Devia saber que odeio rosa - falo, então vou embora para olhar outras coisas. Minha mãe me olha com os olhos cerrados.
- Ela realmente odeia rosa - comenta, balançando a cabeça. - Mas podemos dar para a sua sobrinha.
Olhar roupas é chato. Mas é melhor do que ser vulnerável dentro de casa, completamente só. Além disso, há chances de Beldam sequestrar os meus pais novamente e deixá-los no globo de neve. Não quero pensar nisso.
Há algumas fantasias em forma de animais. Até seis anos, como eu imaginava. Não irei comprar isso, mas gosto de olhar.
- Coraline? - chama a minha mãe. - Já vamos. Seu pai vai ficar.
- Estou indo - digo, e dou uma última olhada nas fantasias.
***
Quando chegamos em casa novamente, ainda está chovendo. A minha mãe abre um guarda-chuva azul que estava no porta-malas e nós entramos. Devia ter trazido as galochas. O solo está cheio de lama.
- Vou trabalhar no meu quarto. Quando quiser almoçar me chame. - Então sobe as escadas. Um sorriso atravessa o meu rosto. Vai dar para pegar a vela na gaveta da cozinha.
Eu faço isso, e também pego uma faca afiada, se precisar me defender de monstros como a Beldam e logo estou na frente da porta de madeira. Parece estar me observando, mas sei que é só impressão.
- Não vai ganhar, Beldam - sussurro, e abro a porta. O corredor escuro está lá. Eu engulo em seco.
E atravesso. Fechando a porta atrás de mim. Uma ventania de areia me atinge. É cortante. Grito, e corro. Escorrego, e a vela cai da minha mão e apaga. O cilindro de cera branca rola pelo chão, e eu me levanto. Meu cotovelo parece estar machucado. Dói bastante.
- Sua bruxa! - grito. A porta do Outro Lado se abre e uma luz se acende. Uma silhueta grande e esquelética aparece. Beldam, talvez?
- Olá, novamente - diz Beldam. Ela agita a sua mão direita. Ela conseguiu a mão. Mas de que forma?
Então me levanto e corro em sua direção com a faca. Me jogo e a faca atinge o seu pescoço. Ela grita, e um sangue negro sai. A porta se fecha atrás de mim. Estou no Outro Mundo. Ela puxa o meu cabelo e eu rolo para o outro lado da sala. E ela se levanta, massageando o seu pescoço esquelético. Está pior do que quando a deixei. Mais magra. Mas parece saudável. Seus botões brilham.
- Você é esperta, Coraline - diz, agitando as garras. Percebo que a direita está conectada ao braço por um emaranhado de arames. - Mas é egoísta. E o seu egoísmo vai derrotá-la.
- Eu vou derrotá-la, sua nojenta - digo, segurando a faca com força, o sangue negro escorrendo da lâmina até o cabo. - Você vai morrer, seu monstro. E vai parar de uma vez por todas de atrair crianças inocentes e entediadas para cá, para comer as suas almas.
Beldam ri, e um sorriso amedrontador e branco aparece de dentro de sua boca. Os seus lábios estão pintados de vermelho-sangue. Assim como as unhas.
Ouço uma tosse atrás de mim, e me viro. Arregalo os olhos.
Sentada em uma cadeira no canto da sala de estar, uma garota de cabelos castanhos até os ombros sorri. Usa um suéter completamente preto e uma calça azul-escura. Usa também uma sapatilha preta. Ela ergue uma sobrancelha. Há botões no lugar de seus olhos.
É idêntica a mim, tirando o fato de eu ter olhos verdadeiros. É o meu clone.
É a outra Coraline.
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