Lanterna, corda, três garrafas de água, sanduíches em potes plásticos, curativos, remédios e barras de cereais – Que ela amava. Coraline jogava tudo em uma mochila de uma alça só. Abriu o guarda-roupa e pegou um casaco azul escuro um pouco surrado. Vestiu. Pegou a mochila e quando abriu a porta ouviu sons. Eram batidas. Quando se virou viu em sua janela o gato preto, carregava em sua boca um chapéu estilo quepe militar japonês, aquele chapéu que ela costumava usar enquanto explorava os lugares.
- Ah! Você! – Sorriu.
Andou subitamente até a janela e abriu. Pegou o gato no colo e colocou sobre a cama. Acariciou enquanto ele ronronava, piscando os olhos lentamente, estava feliz.
- Eu estava com tanta saudade de você! – Disse ela.
Pode não parecer, mas gatos amam seus donos assim como os cachorros, acontece que eles são orgulhosos demais para demonstrar toda hora.
- Meu chapéu... – Disse ela colocando o chapéu, sentia-se corajosa novamente, como se tivesse voltado no tempo e retornasse aos seus 11 anos – Pensei que tivesse perdido. Mas... eu tenho que ir agora...
O gato, mesmo magrelo, parecia mais cansado. Pulou da cama com uma certa dificuldade, andou até a porta, ficou na frente dela, não queria que a Coraline saísse.
- Eu tenho que ir...
Coraline ignorou o gato. Desceu as escadas. O gato acompanhou ela até a sala, onde Chris estava ajoelhado em frente a porta aberta, a porta parecia maior. Ele chamava seus irmãos, mas o som da sua voz não se propagava no corredor atrás da porta.
- O que aconteceu?! – Indagou Coraline correndo até a porta – Ela está maior.
- Ela se esticou. – Respondeu Chris – Como eu não sei, apenas vi crescer. E veja! Se prestar bem atenção, a porta continua crescendo.
- Por que isso agora? – Perguntou Coraline, estava pensativa – Enfim, aqui temos tudo que iremos precisar, comida, água, curativo.... Vamos?
- Tudo bem.
Nesse momento o gato preto rosnou para a porta. Seus pelos se arrepiaram. Chris olhou para ele assustado.
- De quem é esse gato? De onde ele veio? – Perguntou ele.
- De um amigo – Segredou – Ele é meu amigo.
- Que gato estranho – Comentou Chris.
Os dois então entraram no corredor atrás da porta, o gato entrou logo depois. O corredor estava escuro, o ar estava úmido e cheirava a madeira velha e mofo. Seus passos depois de alguns segundos começaram a emitir ecos e esses ecos quanto mais longe ficavam, mais se assemelhavam com pedras caindo sobre a água.
Coraline pegou duas lanternas e entregou uma para o Chris, que ascendeu imediatamente.
- Menina burra, depois de tudo aquilo ainda quer voltar? – Perguntou o gato.
Chris pulou para o lado e apontou a lanterna para o gato.
- Ele falou?! – Perguntou, Chris, olhando para o gato com espanto – V-você falou? C-como assim você falou? G-gato não fala! Ou será que tem alguém aqui? – Gaguejou.
- Ah. Mais um, vocês pessoas... – Disse o gato em um tom arrogante como sempre.
Coraline riu um pouco e explicou:
- Calma, nesse mundo atrás da porta eles falam.
- Não! – Afirmou o gato – Não é preciso outro mundo para eu saber falar.
- Mas se você sabe falar, então porque não conversa ao invés de miar? – Perguntou Chris.
O gato orgulhosamente respondeu:
- Não creio que tenha necessidades disso. Dispenso conversas constantes sem um mínimo de preocupação por parte da pessoa que está sempre disposta a perguntar “tudo bem com você? ”, mas nunca para perceber que na verdade é uma pergunta que já se tornou hábito em conversas cotidianas.
- Poxa...
Chris pensou em dizer mais alguma coisa, mas preferiu ficar quieto.
Logo avistaram uma luz que saía da fresta da porta. Aproximaram-se. Coraline olhou através do buraco da fechadura, via nada além de uma parede do outro lado da sala. Chris então empurrou a porta, que rangeu. Os dois pisaram no assoalho da sala, que parecia apodrecido e fraco. A lâmpada da sala piscava e a TV caída de lado sobre a mesinha de centro estava sem sintonia, chiando baixo.
- Chegamos... – Murmurou Coraline – É aqui.
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