Todos estavam preparados para sentar num banco e conversar, até que, ao chegar na vila, não havia mais escombros, nem um banco, somente uma pista de gelo imensa, e longe do grupo, no meio do gelo, estavam as mochilas de Jonathan e Coraline, a espada de Jimmy, e o arco de Thomas, junto com a aljava e todas flechas.
- Mas o quê? - Jonathan franziu o cenho e olhou para os amigos - Vocês sabem o quê isso significa, certo?
Todos ficaram quietos.
- É uma armadilha. Não vamos chegar perto.
- A minha espada foi parar lá - Jimmy cruzou os braços, indignado.
- E meu arco, junto com a aljava.
- Nossas mochilas também - Coraline fez uma careta.
- Não importa - Jonathan balançou as mãos - Isso é um truque e...
Antes que ele pudesse terminar, Jonathan e os garotos viram o corpo de Coraline ser arrastado, puxado pelo pé, na direção do gelo.
- Não! - ela gritou, tentando se prender à algo, sem sucesso.
Os três garotos começaram a correr. Ao pisarem no gelo, um vento forte os soprou para trás, os levando para no mesmo lugar que estavam antes.
Coraline continuou sendo arrastada, até ficar junto das mochilas e armas.
- Me ajudem! - ela pediu, tentando levantar.
- Coraline, vem com calma. - Jimmy gritou de volta - Anda devagar.
A garota, já de pé, deu um passo, e o gelo se rachou, fazendo seu coração bater a mil por hora. Se ele fosse quebar mais e mais a cada passo, ela estaria na água em poucos segundos.
- Não dá - ela sentiu um nó na garganta. Coraline não queria parar dentro do lago. Era a última coisa que queria.
- Porcaria - Jonathan bufou.
Jimmy pôs as mãos na cintura.
- Nao saia daí Coraline! Fique onde está! - ele se voltou para os garotos - Você sabe nadar? - ele olhou para Thomas, que estava observando Coraline desesperada ao longe.
O loiro demorou um tempo para notar que Jimmy falava com ele, e apontou para si mesmo, levantando as sobrancelhas.
- É, você. - Jimmy ainda tinha as mãos na cintura, e estava alternando entre olhar para Coraline e para Thomas - Eu estou quebrado só de correr, e Jonathan não nada.
- Eu sei, mas vai ser necessário?
- Olha, aquele gelo vai quebrar à qualquer momento, - Jimmy falou num tom mais baixo, mesmo que Coraline não pudesse ouvir - E ela vai afundar.
- Coraline também não sabe nadar?
- Sim, sim, mas descarte isso. - Jimmy gesticulou com a mão e cruzou os braços - Ela vai entrar em pânico. Coraline tem medo de poucas coisas, e uma delas é água. Então, quando aquele gelo quebrar, ela vai entrar em pânico. Precisamos que você vá lá, o mais rápido possível.
Thomas olhou para a amiga, parada no meio do lago congelado.
- O.k. Mas e se não quebrar? O quê fazemos?
- Vai quebrar - Jimmy observou o gelo rachado - Não tem motivo para deixar Coraline sair ilesa. É isso que ela quer.
- Ela?
- Belda, é claro.
- É. Óbvio. - Thomas balançou a cabeça, afastando o pensamento daquela mulher horrível da sua mente - Então, como vamos falar pra Coraline que ela não pode sair dali sem que aquilo quebre?
- Não vamos - Jonathan o cortou - Se falarmos algo, ela vai entrar em pânico na hora. Não podemos deixar ela maluca antes do gelo quebrar. Vai acabar com tudo dando errado.
- Faz assim - Jimmy pegou o ombro de Thomas e o posicionou de frente para o lago, começando a dar instruções à ele.
Coraline estava parada, e seu corpo tremia. Não de frio, mas sim de medo. Ela não gostava de água, e sua mente começou a trazer pensamentos ruins sobre o que estava abaixo de seus pés. Tinha o choro entalado na garganta, e tentava respirar fundo apra afastá-lo e se acalmar.
Ela olhou para seus amigos do outro lado. Estavam conversando, provavelmente pensando como tirar ela de lá, sem que tudo quebrasse. Então, num piscar de olhos, um deles sumiu.
Uma figura se aproximava dela rapidamente, correndo pelo gelo. Era um rato? Não, não. Era um hamster.
Ao chegar perto de Coraline, Thomas foi para trás da garota, e voltou a forma normal.
Pode-se ouvir o barulho de outra rachadura, o que fez Coraline, e também Thomas, se arrepiarem completamente.
- Fica calma - Thomas disse apertando o ombro da garota - Eu vou te tirar daqui, e tudo vai ficar bem, tá legal?
Coraline não se atreveu a olhar para trás e responder, só permaneceu congelada e balbuciou um aham, completamente nervosa.
Thomas fez como Jimmy o dissera, e pegou as mochilas. Tentando não acertar Coraline, nem provocar a rachadura que fosse comprometer a quebra do gelo por completo, ele jogou uma de cada, o mais longe que conseguiu, e fazendo com que elas alcançassem os amigos no outro lado. Depois, pegou o arco, e começou a atirar todas as flechas na árvore mais próxima, e mesmo sendo bom nisso, os dois garotos na neve correram para longe do alvo. Ele jogou a aljava como fez com as mochilas e, após isso, começou a colocar o cinto com a espada de Jimmy, para depois prosseguir com o plano, nervoso.
Enquanto isso, Jonathan e Jimmy retiravam as flechas da árvore e recolhiam as que caíram na neve, mantendo o olho nos amigos no gelo.
- Eu falei para ele atirar as flechas antes e pôr o cinto - Jimmy grunhiu, virando para observar se o plano, já com a ordem alternada, prosseguia bem.
- Está tudo bem, o gelo ainda não quebrou - Jonathan suspirou, mantendo o olho no lago congelado.
Coraline, ainda parada, escutava Thomas se aproximando dela, provocando mais rachaduras no gelo.
- Thomas, o gelo vai quebrar se você continuar andando - ela tentava não gaguejar com tanto nervosismo correndo pelas veias.
O garoto parou por um momento, sentindo um aperto no coração.
- Coraline, você confia em mim?
- S-sim.
- O.k. Então, faça o que eu mandar, por favor. Eu só estou ajudando. Eu juro.
- Thomas...
Numa fração de segundos, Thomas pulou e segurou a amiga em seus braços, dando um giro, batendo com as costas no gelo. A garota soltou um grito. Nessa fração de segundos, eles sentiram a água gelada tomando conta de seus corpos, e, como previsto, Coraline entrou em pânico.
- Não! - ela começou a se debater, e Thomas tentou colocá-la de volta no gelo.
- Coraline, pare! Você não vai... - ele não conseguiu terminar, pois foi puxado para baixo, por uma força invisível.
- Thomas! - Jimmy e Jonathan gritaram, no outro lado.
Coraline estava chorando, desesperada e tremendo. Se debatia para tentar alcançar o gelo, sem muito sucesso.
Tudo havia dado errado, e agora, Thomas estava se afogando.
- Será possível que... - Jimmy começou a tirar o casaco grande, ficando com um suéter marrom que vestia por baixo a mostra - Um plano podia dar certo, pelo menos.
- Jimmy... - Jonathan não teve tempo de terminar, o amigo já estava indo para o lago congelado.
Agora Coraline estava no gelo, olhando para a água escura, sem ver Thomas.
Jimmy a puxou para trás, e sem nem dizer uma palavra, pulou dentro do buraco no gelo.
Jonathan chegou depois de alguns segundos, com três casacos nos braços. Coraline ainda estava em choque, e ele teve que chamar seu nome quase seis vezes para que ela lembrasse que ele estava ali, e de retirar seu casaco encharcado. Infelizmente, ela não deu tanta atenção para o casaco, e Jonathan precisou fazer isso sozinho.
- É ele, não é? - perguntou Coraline, chorando.
Jonathan abraçou a amiga.
- Eu não sei.
Jimmy não conseguia pensar em nada mais que isso é muito gelado. Estava escuro, e ele não conseguia segurar a respiração por tanto tempo. O garoto nadou mais fundo, olhando para todos os lados, tentando encontrar Thomas na escuridão imensa. O quão fundo aquele lago poderia ser?
Ele começou a notar que estava ficando sem tempo, iria começar a afogar a qualquer instante. Precisava encontrar Thomas imediatamente. Então pensou que sim, ele podia. Havia um jeito.
Jimmy se esforçou o máximo que pode, mas nada aconteceu, ele estava se afogando, sua cabeça estava doendo e ele não se movia. Não tinha mais tempo...
E aconteceu.
Uma explosão de luz tomou conta do lago negro. Os olhos de Jimmy acenderam como faróis pela segunda vez. Ele tinha todo o ar que precisava nos pulmões novamente, e, não tão longe, viu o corpo de Thomas, inconsciente. Ele segurou seu tronco, e o trouxe para a superfície, enquanto seus olhos voltavam ao normal, e o ar ia embora de seus pulmões.
Jonathan ajudou os amigos a voltarem. Eles deitaram Thomas no gelo e Jimmy começou a retirar o casaco dele desesperadamente.
- Jimmy...
- Veja se tem algo na boca dele! - o garoto cortou Jonathan, que correu para fazer o que o amigo disse.
- Não tem nada. E agora?
Jimmy pôs a mão no peito de Thomas, e depois a cabeça.
- Ele não está respirando. Droga. Jonathan, levante a cabeça dele um pouco.
- Assim?
Jimmy observou Jonathan levantar a cabeça de Thomas, e estava totalmente errado.
- Não, não. Ah, deixa que eu faço isso.
- Se quiser eu...
- Não. Você faz a massagem.
- A massagem? A massagem! Entendi.
Jonathan posicionou a mão no peito de Thomas.
- Mais para frente - Jimmy mandou - Quando eu parar aqui, você faz a massagem trinta vezes.
- Trinta? - Jonathan perguntou surpreso.
- Trinta, Jonathan!
Jimmy levantou a cabeça de Thomas, como aprendera no acampamento de verão que frequentava quando era menor, e abriu a boca dele.
Ele olhou para Jonathan, e a troca de olhares deles fez entender que eram para se prerarar.
Jimmy colocou sua boca na de Thomas, fazendo a respiração. Ele contou. Um, dois.
- Agora.
Jonathan começou a massagem no peito de Thomas.
- Um, dois, três, quatro...
- Vamos, Thomas - Jimmy disse baixinho.
Coraline segurava a mão de Thomas, e seu coração batia muito rápido.
- Nove, dez, onze...
Nada acontecia. Jonathan se perguntou se estava fazendo errado, mas Jimmy não falou nada, então, continuou.
- Vinte e oito, vinte e nove, trinta.
Jimmy fez a respiração boca a boca mais uma vez. Jonathan começou a massagem.
- Um, dois, três...
Coraline apertou a mão de Thomas. Ela e Jonathan pensavam a mesma coisa: era Thomas. Ele iria morrer.
- Sete, oito...
E o garoto tossiu água para fora.
Os corações de todos quase pularam para fora de seus peitos.
Coraline se aproximou mais de Thomas e agarrou seu braço, com um imenso sorriso.
Jonathan e Jimmy se olharam, aliviados pela tentativa deles ter dado certo.
O nó da garganta de Jimmy se fora, mas ainda assim uma lágrima escorreu pelo seu rosto.
Os olhos de Thomas não se abriram, mas ele conseguiu dizer:
- Eu... estou vivo?
- Sim - Coraline apertou ainda mais seu braço contra ela - Você está vivo, Thomas.
- Eu quase deixei você se afogar também.
- Não, não. Você não deixou. Você me salvou. Eu estou bem.
Thomas apertou os olhos e suspirou, com alguém fungando ao seu lado.
Jimmy estava ajoelhado, com a cabeça virada para o lado e limpando o rosto.
Thomas abriu os olhos devagar e se esforçou para não dar um sorrisinho ou soltar uma risada.
- Eu não acredito - ele disse.
- Ah, cale a boca - Jimmy respondeu.
Jonathan foi quem sorriu.
- Vocês são demais.
Jimmy o olhou como se dissesse eu vou matar você. Ele riu e mandou um beijinho para o amigo, como uma indireta.
Coraline estudou Thomas.
- Você estava morto.
O garoto sentou, e pegou um casaco.
- Quase.
- Não. Você morreu, e retornou - ela virou para Jonathan - Não é?
- O que foi? - Jimmy perguntou, notando a tensão presente ali.
Jonathan suspirou.
- Vamos conversar. Dessa vez, de verdade.
Já passado algum tempo, estavam todos secos, e vivos. Eles andavam na direção que Tarjei havia indicado para Coraline, aquela que levava à Wybie.
Depois de conversarem sobre a morte confirmada por Tarjei, o clima ficara pesado por um tempo. Todos ficaram quietos pensando como o acontecimento recente podia ter sido aquilo.
Thomas estava vivo. Isso era a realidade. Não, ele não estava respirando quando o encontraram, mas agora estava ali, entre eles. Seria isso o que Tarjei tinha previsto? Ninguém sabia.
Jonathan, que andava mais à frente do grupo, com Jimmy ao seu lado, ainda tinha uma dúvida que decidiu trazer a tona, para não deixar tudo tão pesado ali.
- Então, - ele disse à Jimmy - chorão, ele bateu em você, não é?
- Não me chame de chorão.
- Sr. Boca a Boca?
Jimmy o empurrou, fazendo ele se desequilibrar um pouco.
- Está tudo bem? - Thomas perguntou lá de trás.
- Perfeito. - Jonathan acenou para ele - Agora, sério - ele se voltou para o companheiro novamente -, sei que ele bateu em você.
Jimmy o olhou de canto e suspirou.
- Não foi culpa dele.
- Espera, vocês brigaram mesmo?
Jimmy assentiu para o amigo.
- E por quê?
- Eu nem lembro muito bem. Nós estávamos discutindo e aí eu falei várias coisas ruins para ele, então, levei um soco.
Jonathan levantou as sobrancelhas.
- Você não está bravo?
- Não. Eu entendo que falei coisas que não devia. E também, nós já estamos entendidos.
- Você ficou bravo três dias comigo porquê eu peguei o último boneco do Batman no Mc Lanche Feliz. E aí, o cara te deu um soco, e você está bem? Tudo isso no mesmo dia?
- É diferente.
Jonathan franziu o cenho e olhou para o amigo, que estava com as orelhas vermelhas.
- Você não quer falar disso - ele riu - Você não quer falar daquele cara que você implica desde os primeiros segundos que te viu, e que agora está de boa com você.
- O que você quer dizer com isso?
- Que você mudou. Alguma coisa em você está mudando, sabia disso?
Jimmy olhou para Jonathan, que sorria, confuso.
- Eu não entendi. Isso é ruim?
- Não. É novo. E é bom, amigo.
Thomas estava tentando distrair Coraline de todos os pensamentos ruins que ela tinha. Ele havia perguntado sobre seu filme favorito, mas isso a lembrou de que Wybie tinha mostrado aquele filme para ela.
- Desculpa - ele disse - Eu estava tentando quebrar o gelo.
Coraline o encarou. Ele arregalou os olhos.
- Não! Não foi isso que eu quis dizer.
Ele pensou que ela iria fechar a cara ou falar que tudo bem, não era culpa dele, mas a garota soltou uma gargalhada alta.
- Você é tão atrapalhado, Thomas.
Ele levantou as sobrancelhas.
- Eu? Eu não.
- Às vezes você é, sim. É uma característica sua.
- Olha, eu sei muito bem lidar com situações constrangedoras, está bem? Eu não sou aquele seu amigo ali - ele indicou Jimmy com a cabeça - Sou muito bom.
- Sei.
- Agora sabe.
Coraline soltou uma risadinha.
- Você é um cara legal, Thomas. Tipo, mesmo.
- Por que está me dizendo isso?
- Porque você é. Sabe, você foi o cara que entrou nesse lugar fedido de novo para nos ajudar. Eu aprecio muito isso.
Thomas sorriu.
- Obrigada. Mas ei, você também veio para cá pela segunda vez. É muita coragem.
- Hm, verdade. Olha nós dois aqui, de novo. Somos a dupla da dimensão alternativa.
- A dupla da dimensão alternativa - Thomas e Coraline bateram as mãos.
- E esse lugar Não é tão fedido - ele continuou - A coisa mais fedida aqui foi quando passamos por uma barraca de frutas na vila. Alguma coisa lá não cheirava bem.
- É verdade! Eu lembro de um cheiro estranho lá, parecia fedor, mas ao mesmo tempo podre e...
- Gente! - Jonathan chamou.
Coraline e Thomas apressaram o passo.
Ao chegarem mais perto, foram notando a neve debaixo dos seus pés deixando de existir. Derretendo sem nenhum motivo. O frio parecia ir embora, como se tivessem entrado em casa depois de andar tanto tempo no vento. A grama verde e viva estava aparecendo e tomando conta de toda a floresta, e as árvores também não eram mais cobertas da camada de neve. Flores enfeitavam seus galhos e o sol aparecia mais agora, como se finalmente tivesse se tornado parte do cenário.
- Eu não sei vocês, - disse Jonathan - mas sinto que estamos chegando onde queremos.
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