Quando voltei da escola, corri para a garagem para checar se a bicicleta de Wybie ainda estava lá ou se eu estava delirando.
Encontrei ela encostada na parede, como eu havia deixado. Um sentimento estranho me tomou, uma certa insegurança. Se a bicicleta estava lá, eu havia mesmo ouvido a voz dele?
Subi para meu quarto e sentei na cama com o celular na mão. Eu não sabia a senha então não seria muito útil ter ele comigo.
Coloquei os fones na esperança de ouvir a voz de Wybie novamente, mas nada aconteceu, então os retirei.
Olhei para a janela. Às vezes o gato aparecia ali para ficar deitado no tapete do meu quarto.
Quase caí da cama quando ouvi o celular tocar. Não o de Wybie,
o meu.
Peguei ele na mochila e atendi.
- Coraaaa! - disse uma voz feminina, aguda e irritante, que eu conhecia bem.
- Cassandra - respondi - Oi.
Cassandra era uma "amiga" minha. Na verdade a gente mal se conhecia. Seu irmão, Jonathan, era meu amigo de verdade. Ela estudava no mesmo colégio que nós, um ano à frente, e tinha um certa fixação em ficar se intrometendo na vida do irmão.
- Eu soube do seu amigo. Aquele... - ela ficou muda por um instante - Harbie?
- Wybie.
- Isso mesmo - ela fingiu lembrar - Então, você quer assitir um filme? Alguém para conversar sobre isso?
Não. Eu não queria. Era normal ela me chamar para sair ou sei lá o quê, mesmo que eu não aceitasse, mas não para conversar sobre a minha vida.
- Cassandra, ele não morreu.
Cassie! Alguém gritou do outro lado da linha. Ouvi uns zumbidos, como se alguém tivesse colocando e tirando a mão do microfone do celular várias vezes.
- Ah, não enche! - ouvi Jonathan gritar para ela - Desculpa por isso, Coraline. Ela é chata! Pegou meu celular de novo.
- Não tem problema.
Jonathan bufou.
- Mas a gente vai aí depois do jantar. Sem a Cassandra, é óbvio.
- O quê? - perguntei. Não queria dizer Jonathan não quero vocês aqui hoje, mas eu estava tão desanimada para alguma coisa, para qualquer coisa.
- Eu e Jimmy vamos aí depois. Não pensou que eu fosse levar aquela chata junto não é?
- Mas...
Puff. Desligou.
Não dava para o negar que o Sr. B, meu vizinho, era um pouco estranho. Costumo dizer que ele é excêntrico, mas minha mãe acha ele bizarro. Acho que é porque ele cria camundongos.
No fim da tarde, ele foi até minha casa com algo na mão. Meu palpite foi uma caixa, mas estava coberta com um pano vermelho.
- Olá, Caroline! - ele disse.
- Coraline, Sr. B.
- Quem?
Suspirei.
- Ninguém. Então... o que é isso?
Ele olhou para o pano.
- Oh! Então, eu queria saber se você queria uma companhia. Soube que seu amigo... - ele parou de falar quando notou minha expressão - Bem, aqui está, Caroline.
Ele puxou o pano. Por mum momento pareceu um show de mágica e pensei que pombos sairiam voando de dentro de uma cartola, mas quando Sr. B retirou o pano vermelho, vi uma gaiola. Sim, uma gaiola. Ela tinha tubos coloridos por todo lado e dentro de um deles estava um miudinho hamster.
- Um hamster?
- É! Aquelas malucas do andar de baixo me contaram que você iria preferir um hamster à um camundongo. - ele disse revirando os olhos - Então, elas me contaram que ele apareceu naquela espelunca delas ontem, e hoje eu providenciei essa linda gaiolinha. Elas até sorriram quando eu falei que tinha comprado para dar ele à você, acredita?
Tive que rir. Nossas vizinhas, Srta. Spink e Srta. Forcible, tiveram uma certa discussão com Sr. B por causa de camundongos que entravam e saiam de sua casa, e desde então ele tem tentado controlar a situação fazendo amizade com elas. Não acho que ele tenha progredido muito.
Olhei para o hamster dentro daquele tubo. Não sabia dizer se ele era meio laranjinha ou branco por causa do tubo azul onde ele estava, mas achei uma fofura.
- Muito obrigada, Sr. B.
Ele abriu um sorriso.
- Espero que vocês... - ele parou e fez uma cara pensativa - usufruam da companhia do outro. Ele parece um bom falador.
Sr. B riu e me deu a gaiola.
- Tenha um bom dia, Caroline! Ah, e aquelas doidinhas pediram para avisar que queriam você lá essa noite para uma xícara de chá.
E assim, ele virou para ir embora.
- É Coraline... - falei sozinha.
Meu pai amou o hamster novo e até deu um nome para ele. O novo membro da família se chamava Dodolin. Com certeza não era um bom nome, mas acho que nem eu sabia como chamá-lo.
- Coraline, o que você acharia de colocar uma daquelas coisas em que eles correm na gaiola? - disse ele enquanto colocava mais frango no seu prato durante o jantar.
- Uma roda?
- Ele ia se divertir, o Dodolin.
Minha mãe levantou a cabeça.
- Você parece uma criança falando desse jeito.
Ele mostrou a língua para ela, que revirou os olhos.
Eu quero ir para casa...
- O quê?
Meus pais me olharam.
- O que foi, Coraline?
Olhei em volta. Como aquilo poderia ter acontecido de novo?
- Eu acho que estou sem fome.
Peguei o prato e coloquei na pia, tentando parecer calma. Meus pais se entreolharam. Pensei se eles notaram alguma coisa estranha, mas acho que não.
Arrumei minha cadeira na mesa e comecei a subir as escadas rapidamente, quando ouvi alguém bater na porta. Grrr, Jonathan. Não me leve a mal, eu gosto dele e de seu fiel escudeiro Jimmy. Os dois são legais, estamos sempre juntos na escola e fora também, mas naquele momento eu acabava de achar o celular do meu melhor amigo desaparecido, sua bicicleta e comecei a ouvir vozes. Por incrível que pareça, eu gostaria de um pouco de paz e silencio para tentar achar respostas sobre isso.
Mas é claro que eu fui uma anfitriã educada, e abri a porta para que entrassem.
No meu quarto, Jonathan e Jimmy sentaram na ponta da cama e pareceram meio constrangidos, o que era meio normal deles.
- Vocês vieram me consolar não é?
Jonathan balançou a cabeça como se dissesse mais ou menos.
- A gente soube do Wybie. Tudo bem que ele é um amigo não muito próximo nosso, mas vocês são... - ele pigarreou.
- Amigos também.
- É. Melhores amigos, não é? Então, como somos seus melhores amigos também, viemos para ver como você estava e aproveitar para te distrair.
Jimmy assentiu com a cabeça.
Miau. Ouvi em algum lugar. Olhei para a janela, e lá estava o gato.
— O que é isso? — perguntou Jimmy.
Olhei para ele.
— Ele é o gato de estimação do Wybie. Quer dizer, mais ou menos. Às vezes ele fica aqui e às vezes lá. Se não, na rua mesmo.
O gato deitou no parapeito da janela ficou lambendo as patas. Toda vez que olhava para ele, lembrava que ele falava. Nem sempre, mas falava e até me aconselhava. Era como se fosse meu Dumbledore, mas isso nunca mais aconteceu depois de a porta ter sido fechada.
- Vocês vieram a pé? - perguntei.
Olhei pela janela, o tempo estava horrível. Tinha certeza que começaria a chover daqui a pouco.
— Sim. — Jimmy olhou para o tempo lá fora — E obviamente fomos burros.
— Se começar a chover logo a gente pede para sua mãe vir. — disse Jonathan — Meus pais não estão em casa hoje e a Cassandra não quer dar carona, porque eu não deixei ela vir. Chata.
— Cara, a minha mãe teve uma torção no pulso. Lembra?
- Porcaria.
Soltei uma risada.
— Você não trate de rir da nossa desgraça, Coraline Jones.
— Vocês não são bons em distrair as pessoas, não é?
Jimmy fez uma careta.
— Olhe para mim, você acha que eu sou bom em alguma coisa?
— Não. — respondeu Jonathan.
Eles me lembravam tico e teco. Eram inseparáveis e tinham algumas coisas em comum. Ambos tinham cabelos bagunçados, eram branquelos e magros, até a altura era quase a mesma. Mas embora fossem parecidos nisso, Jonathan tinha cabelo castanho e olhos claros, enquanto Jimmy tinha cabelo preto preto e olhos castanhos.
- Vamos nos distrair, então - falei - Querem ver um filme? Jogar alguma coisa?
Jonathan levantou.
- Eu tenho uma ideia. Quer dizer... Ah, só me sigam.
Ele abriu a porta do quarto. Olhei para Jimmy, que parecia confuso, e saímos atrás dele.
- Senhorita Coraline - Jonathan dizia enquanto andava - eu sempre tive uma curiosidade sobre a sua casa.
Arqueei as sobrancelhas.
- Você já veio aqui várias vezes.
- É claro, mas ela tem uma peculiaridade que eu sempre quis saber o que é.
Ele foi andando à minha frente, eu e Jimmy o seguindo. Viramos um corredor, outro e chegamos a uma sala.
- O que diabos é aquilo? - ele apontou.
Olhei por cima de seu ombro e senti um calafrio. Ele estava apontando para uma pequena portinha no meio da parede. Eu não iria dizer a verdade sobre o quê era aquilo, porque iriam me chamar de louca ou então iriam querer abrir. Não seria bom dizer um portal para outra dimensão, seria?
- Ah. Aquilo? - saí detrás de Jonathan - Eu não sei. Na verdade, não tem como saber porque não tem uma chave para abrir então...
- Moleza. - disse Jimmy e foi até mim - Você anda com a chave o tempo todo.
Ele retirou o grampo do meu cabelo e foi até a portinha.
- Não abra!
Jimmy e Jonathan olharam para mim.
- Mas você não sabe o quê tem aqui. Nunca ficou curiosa?
Nesse momento o gato apareceu na porta e miou para mim. Quando virei para Jimmy, ele já estava virando a maçaneta.
- Não! - gritei, mas era tarde demais.
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