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História Coraline - 04


Escrita por: Bella56

Capítulo 5 - 04


Fanfic / Fanfiction Coraline - 04

Não preciso nem dizer que não dormi nada. Que loucura foi aquela? E por que ele me tratou daquele jeito?
Sinto meu corpo formigar, como se ele também lamentasse. Não consigo segurar a lágrima que rola pelo meu rosto rápido, de medo, talvez? Ou de frustração. Ninguém nunca me tocou assim antes, e mesmo com medo, eu gostei. Vejo alguns raios de sol passando pela cortina e isso me faz sorrir, pela primeira vez desde tudo. Eu nunca valorizei uma coisa tão comum como a luz do sol, comum no Brasil, porque aqui, é raro. O calor, como sinto falta do calor e das festas particulares que eu e Cloe fazíamos na piscina, as vezes com amigos, as vezes só nos duas.
Kate entra no quarto e como sempre não diz muito, só me ajuda a voltar para a cadeira. Vejo meu estado em um espelho quando passo por ele no corredor. Vejo minha pele pálida como se eu estivesse morta, meus olhos fundos e não brilham mais como os do meu pai. Meu cabelo bagunçado e enorme. Minha mãe não gostaria de ver isso. Ela sempre me levava para cortar o cabelo todo mês, e agora.... Abaixo a cabeça.
Sinto então um toque breve de Kate em meu cabelo que me arrepia o corpo todo. Então, em passos firmes Lucio passa por mim pelo corredor, sem nem me olhar direito. O acompanho com os olhos, sinto uma pontada no peito como se eu fosse ter uma parada cardíaca bem ali.
Kate me leva ao quarto.
- Você precisa se recuperar querida. - ela diz, pela primeira vez com a voz firme.
A luz do sol ilumina meu quarto e não consigo segurar as lágrimas. Abaixo a cabeça e deixo-as cair molhando todo meu rosto.
- Não da. - digo com a voz falha.
- Você precisa. É uma garota, tem toda uma vida. - ela diz parando a cadeira na frente de um espelho enorme em meu closet, que eu nunca havia entrado até aquele momento.
- Vamos começar pela sua aparência. - ela diz colocando meu cabelo todo para frente.
Levanto a cabeça com o peso da morte em meus ombros, minha imagem é de uma doente. Qualquer beleza em mim já não existia mais.
- Quem te deu banho querida? - ela pergunta mexendo nas roupas. - Está com um cheiro ótimo.
- Meu tio. - digo olhando para o lado.
Ela me olha de um jeito estranho, eu sei o que pensa.
- Mas só. - digo baixo.
Ela me olha estranho por um instante, mas depois volta a mexer nas roupas.
Ela pega um vestido azul escuro sem mangas, rodado, e com o colo coberto por renda da mesma cor, e me ajuda a colocar tomando todo o cuidado do mundo com meus ferimentos que ainda estavam se curando.
- Doutor Lucio trocou seu curativo criança?
- Sim, ele trocou.
- Ele é um ótimo médico. - ela diz sorrindo com admiração.
- Mas agora é empresário. - digo de forma fria.
- Ele foi o único que sobrou para cuidar das empresas menina. - ela diz penteando meu cabelo.
- Que empresas?
- As que sua avó comandava com mãos de ferro.
- Ele não tem irmãos?
- Não. É era só ele e seu pai.
- Meu pai sabia das empresas?
- Sim. Ele sabia. Mas preferiu seguir os sonhos dele, ele sabia que Doutor Lucio cuidaria de tudo. - ela diz dando um leve sorriso e vai buscar os sapatos.

Olho para o espelho e vejo a mágica que Kate está fazendo. Eu tenho muito cabelo. Ele cai sobre meus ombros como uma cascata castanha fazendo cachos nas pontas, cachos que tenho desde pequena.
O contraste do vestido com a minha pele é notável, estou meio roxa de tão branca. As cicatrizes estão se formando. A pior cicatriz é a que não consigo ver. Tive que fazer uma cirurgia de emergência nos meus principais órgãos e fui aberta ao meio para isso, Bianca não quis comentar muito sobre isso comigo.
Sei que ainda não está cicatrizado, Max cuida delas todos os dias, mas já a tenho como marca.
O frio ainda incomoda, mas não é tanto como antes. Quando cheguei aqui sentia dor por todo o corpo de tanto frio.
- Pronto.
Retorno de meus pensamentos e me deparo com o que eu costumava ser antes de tudo, só faltava a leve maquiagem que eu usava.
Não consigo encarar minha imagem no espelho, é como se eu os visse, como se eu visse o que eu era antes, e eu não sou mais aquela menina.
- Uma garota tão bonita, eu sinto muito. - ela diz parecendo entender o que estou pensando.
- Por favor, não sinta pena...
- Desculpe senhorita Hastings, mas a dor está estampada em você, não tem como não se sensibilizar. - ela diz arrumando as coisas - E até o Doutor Lucio está sentindo, e ele não sente nada. - ela vira minha cadeira e empurrando ate o topo da escada.
Tudo de novo, até chegar a mesa. John não troca nenhuma palavra comigo que não seja "Bom dia", " Boa Tarde" e "Boa noite".
Me retiro sozinha da cadeira e vou até a cadeira da mesa com a força dos meus braços, meus machucados doem, mas é rápido.
Não sinto fome mesmo com a mesa cheia de opções.
Ouço os mesmos passos firmes e engulo em seco. Não tiro os olhos do meu prato com algumas frutas. Como se a culpa do que aconteceu ontem fosse minha!
Bom, será que foi?
É a primeira vez que tomaremos café juntos.
Ao meu lado tem os remédios de toda a manhã. Os tomo de uma vez só e depois tomo um pouco de água, não sei explicar para que serve cada um, mas foi Max que receitou então ta tudo bem.
Quando olho para o lado vejo dois olhos azuis me encarando sem restrições ou timidez ou qualquer sentimento humano.
- Bom dia - tomo a iniciativa.
- Bom dia. - sua voz e fria e firme.
Abaixo a cabeça e começo a comer as frutas em meu prato. Pela primeira vez sinto vergonha dos hematomas em meus braços e rosto. O que há comigo?
Lucio abre o jornal, posso ouvir o barulho das folhas. Não resisto, eu tenho que olhar para ele.
O olho sem virar totalmente o rosto, só de canto. Seu rosto está inexpressivo lendo o jornal. Olho a primeira folha e vejo escrito em caixa alta "Mais uma morte sem resolução. A onde essa cidade vai parar?"
Olho para a foto do que julgo ser a vítima e fico espantada. A garota se parece comigo. Respiro fundo atraindo, sem querer, a atenção de Lúcio. Ele me olha e como se lesse meu pensamento, olha a primeira página do jornal. Ele encara por alguns segundos então o dobra e deixa sobre a mesa começando a comer. Fico paralisada por uns segundos, a garota é parecida comigo, só que o rosto dela é mais cheinho. Droga, deve ser coisa da minha cabeça. Eu nem dormi essa noite.
Término de comer as frutas e sinto de novo os olhos de Lucio sobre mim, mas desta vez não olho, só deixo o guardanapo de pano sobre a mesa.
Ouço o barulho da porta principal gigantesca que da para o holl da casa e depois vejo Eleonor entrar. Ela não parece bem, nada bem na verdade. Ela nos olha e se recompõe, todos na sala olham para ela.
- Eleonor. - diz Lucio com a voz firme. Não entendo o que está acontecendo. Os empregados saem da sala.
- Senhor, eu sinto... - ela diz gaguejando e com o rosto vermelho acentuando suas sardas e seus olhos castanhos.
- Em meu escritório, por favor. - diz Lucio mantendo a frieza de sempre. Eu desconfiou que ele seja desse planeta, nunca vi nada assim.
Eleonor abaixa a cabeça e se dirige a o escritório e Lucio vai logo atrás deixando o guardanapo que estava em seu colo dobrado sobre a mesa, mas antes...
- Kate, depois que Coraline comer a leve para cima, a Doutora Hattway já está chegando.
Kate não deveria subir comigo, e sim Eleonor, ela é quem cuida de mim agora e Kate vai gerenciar os empregados da casa como sempre faz. Então entendo o que está havendo, Lucio vai repreende-la por ontem.
Kate me coloca na cadeira e me leva para cima.
- Kate. - minha voz sai mais viva.
- Não pergunte menina, Doutor Lucio não gosta que falemos demais. - ela diz parecendo nervosa.
- Eu sei que ela vai ser punida pelo o que houve comigo ontem, mas não foi culpa dela, foi dos meus pesadelos e eu acho que pulei um remédio, não sei.
- Ela é sua enfermeira querida, ela tinha que cuidar de você.
Levo a cadeira até a porta de vidro que da para a sacada. Kate me olha confusa, mas depois abre a porta para mim. Vou até a frente e a imagem é linda. Vejo árvores verdinhas e um lago bem próximo. Ouço os pássaros e a luz do sol me atinge como um abraço quente.
Eu senti falta disso.
Logo o vento invade o lugar me deixando um pouco com frio e bagunçando meu cabelo, mas o calor do sol logo retorna. Minha pele está opaca de tão branca e as veias azuis só a deixam pior.
Me assusto com o barulho de uma porta batendo, olho para baixo e vejo Eleonor sair chorando porta a fora. Ela caminha até o que acredito ser seu carro. Seu rosto está vermelho.
Então olho para o lado e vejo Lucio parado na frente de seu Audi preto olhando pra mim. Sei que ele vai sair então aceno para ele lhe dando Tchau, mas ele ignora e entra no carro me deixando constrangida.

- Vejo que está melhor hoje. - ouço a conhecida voz de Max atraz de mim e me viro.
Ele tem em sua mão uma rosa branca.
- Está linda Coraline. - ele diz vindo até mim e me estendendo a rosa.
- Não precisava. - digo sem graça indo para dentro do quarto com ele me empurrando.
- Eu achei que ela é muito parecida com você.
- Por que? - digo curiosa.
- Delicada, pura e solitária. - ele diz sorrindo para mim.
As palavras dele tocam meu coração. Ele dói. Por que Lúcio não é gentil assim?
Max me ajuda a ir até a cama.
- Vamos tirar esse gesso?
Fico surpresa e animada. Desde que acordei no hospital e percebi isso em minha perna eu desejei tirar. Juntando isso, os outros machucados e as duas cirurgias que tive que fazer, eu não fazia mais nada sozinha e isso é tão... Incômodo.
- Fiquei sabendo da sua noite, você ta bem? - diz Max já iniciando o procedimento.
- Eu estou. - digo nervosa demais para pensar.
- O que houve?
- Me disse que já estava sabendo. - digo fechando os olhos de tanta ansiedade.
- Por cima. Quero que me conte tudo. - ele parece animado.
- Eu acordei no meio da noite suando muito. Estava chovendo - respiro fundo - eu fiquei apavorada. Tentei pegar meu celular, mas meu tio apareceu. Eu estava tonta, não enxergava direito.
Sei que ele me colocou em uma banheira com água e ficou lá comigo até eu melhorar um pouco, trocou os curativos e depois foi dormir.
- Seu tio é um ótimo médico. - ele diz levantando as sombrancelhas.
- Meu pai também era, e minha mãe também. - digo lembrando dos meus país colocando os jalecos pela manhã e indo trabalhar me deixando com a Leslie e os empregados.
- Ele te colocou em uma banheira? Deveria estar ardendo em febre.
- Ele entrou comigo no colo na banheira. - digo baixo, envergonhada.
Max parou e me olhou.
- Sério? - sua expressão era de total perplexidade.
- Sim. - digo sem graça.
O sorriso de Max é lindo. Colocaria qualquer garota a seus pés, seu cabelo loiro combina com a sua pele levemente bronzeada. Onde ele toma sol? Não sei, mas a pele dele parece saudável.
Ficamos em silêncio, contínuo com os olhos fechados. Mal consigo segurar meu coração.
- Pronto Cora. - ele diz sorrindo e afastando a cadeira.
Ele me olha de um jeito confiante e pela primeira vez eu fico grata em te-lo aqui. Ele estende a mão para mim, olho para Kate perto da porta e ela está sorrindo.
- Venha Cora, confie em mim. - ele diz e é quase impossível não agarrar sua mão.
Ele me segura firme e me ajuda a levantar. Sinto minha perna formigar e fico com receio de firmar o pé no chão.
- Sua perna já está bem melhor, pode ficar em pé normal. - ele diz.
Seguro em seus braços e ele segura em minha cintura. Firmo o pé no chão e sinto um alívio em poder sentir que posso andar novamente. Este está sendo meu melhor dia desde tudo, o sol, o gesso, o Max... Ele quase me faz esquecer de tudo quando olho para seus olhos que hoje estão mais sedutores. Ainda sinto dor nas costas, uma dor que queima, mas Max me apóia me segurado pela cintura, e eu me apoio nele o segurando pelos braços, braços fortes por baixo do jaleco branco.
- Já pode sair correndo por aí. - ele diz sorrindo.
Me sento na cama e ele senta ao meu lado.
- Hoje eu não preciso cuidar de seus ferimentos, só quero que tome esse antiinflamatório que eu trouxe.
- Já vai?
- Não. Só não vou ficar perdendo tempo te examinando, vamos passear? - ele diz sorrindo.
- Vamos.
Vejo Kate abrir e fechar a boca como se ela quisesse dizer algo, mas Max logo olha para ela e então ela sai do quarto.
Me levanto e me apoio um pouco em Max que entrelaça seu braço no meu e me guia escada a baixo.
- Vou te mostrar o bosque.
Caminhamos fora da casa, o sol quentinho ainda, e um céu com poucas nuvens. Vejo o chão ainda úmido da chuva noturna, mas os pássaros já estão cantando nas árvores que tem ao redor da casa. Muitas folhas estão pelo chão, mas mesmo assim tudo é lindo aqui fora.
Max me leva até a uma mesa de pedra no bosque.
- Você combina com esse lugar, parece uma pintura. - ele diz colocando uma mecha do meu cabelo para trás da orelha.
- Obrigada, mas eu tenho que discordar. Meu lugar não é aqui. - digo juntando minhas mãos no meu colo.
- Seu lugar é em qualquer lugar que esteja querida. Você só tem que se acostumar.
- Mora aqui desde pequeno?
- Sim.
- Então como pode saber?
- Eu só sei. Sabedoria dos mais velhos. - ele diz sorrindo.
- Obrigada por tentar.
- Você já está melhorando, logo não vai precisar mais de mim. - ele diz parando de olhar pra mim.
- Eu vou precisar ainda. Venha me visitar.
- Seu tio não vai gostar. Ele gosta da privacidade dele. - ele diz encarando a paisagem.
- Meu tio quase não fica aqui. Eu mal o vejo, para mim, eu moro sozinha.
- Ele pode não estar aqui agora, mas ele tem olhos por todo lado querida. Seu tio é viciado em manter tudo sobre controle extremo.
- Como assim?
- Os empregados. Sei que já estão aqui a anos. Quase não são trocados e os novos são temporários. Tudo para manter as coisas sobre controle. - diz Max com sarcasmo.
- Como sabe? - digo acreditando pouco na história.
- Eleonor me contou. Ela falava muito com Kate. Sinto pelo que aconteceu com ela.
- Ela foi demitida não foi?
- Ela foi. E do hospital também.
- Como assim? - pergunto indignada.
- Seu tio, ele nunca se desligou do hospital totalmente. Ele tem amigos lá, e ele é um doador importante. Quase um filantropo.
- Ele não tem o direito! - digo alto.
- Ooo calma mocinha, você ainda não está boa.
- Mas... Não foi culpa dela Max!
- Cora, seu ferimento infeccionou, é culpa dela sim.
- Mas ser demitida até do hospital, isso é muito cruel.
- Vejo que não conhece a família que tem. - ele diz de forma sarcástica.
- Por que diz isso? - digo realmente assustada.
- Acho que já falei demais. Vamos entrar? Não quero ser o próximo a ter a carreira destruída - ele diz com um sorriso maldoso.
Fico chocada. Ele me estende o braço e eu vou com ele andando de vagar até a casa. A casa é enorme, branca, tem os jardins por fora e a piscina atrás, uma piscina enorme com várias espreguiçadeiras e mesinhas.
As portas são altas e o chão é de madeira.
Max se despede de mim e vai para o hospital. O que ele me disse não sai da minha cabeça.
- Quer conhecer a sala de TV? - pergunta Kate me assustando.
- Quero.
Ela me leva pelo corredor extenso e largo. Chegamos a uma sala com portas de correr de vidro que dão para o jardim. Kate puxa uma longa cortina escura que deixa a sala com um clima bom. A TV é enorme, o sofá é escuro e longo. Me sento no sofá com a ajuda de Kate e depois ela sai, retornando com uma manta.
- Vai esfriar senhorita Hastings.
- Cora, por favor, me chame de Cora.
- Cora. - ela repete sorrindo.
- Kate, pode me trazer uma folha em branco e um lápis?
- Claro senhorita Hast.... Cora. - ela sorri.
Não demora muito ela retorna com um caderno e alguns lápis.
- Desenha? - ela pergunta.
- Eu tendo. - digo pegando as folhas.
Ela deixa meu celular encima da mesinha e me da os controles. Um da TV, outro do ambiente e outro do aparelho de TV a cabo. Pego meu celular e começo a trocar mensagens com Cloe e meus amigos do Brasil. Bianca principalmente.
Pego uma imagem de Leslie, uma foto que tirei dela brincando no jardim, e começo a desenhar. Eu sinto falta dela, sinto que esse lugar ficaria menos vazio com ela aqui latindo atrás dos pássaros e pulando nos móveis. Pensando bem, meu tio odiaria.

Passa o tempo e logo o clima volta ao normal, frio e céu fechado.
Almoço na sala mesmo, fico vendo séries e desenhando. Sentia falta disso. Pensei em sair olhando por aí, mas não sinto como se essa fosse minha casa, e isso parece errado.
Deito um pouco, sinto minha cabeça pesar. Deixo os papéis encima da mesinha.

- Coraline. - ouço uma voz firme me chamar.
Abro os olhos, mas não me levanto. Vejo Lucio parado na minha frente e do seu lado uma mulher com o cabelo castanho a pele menos claro que a nossa, mas ainda sim branca, e olhos verdes.
Me levanto de vagar para não abrir os pontos e nem piorar os machucados nas minhas costas. Lucio se abaixa um pouco e com uma mão nas minhas costas ele me ajuda a levantar e ficar sentada.
- Ela ainda está machucada. - ele diz olhando para ela e ela sorri.
Olho para Lúcio e ele me olha. Não sei o que sinto perto dele. Seus olhos azuis são marcantes, mas frios, sem emoção, sua barba o deixa com cara de mais velho, seu cabelo está natural, sem gel e ele está sem gravata com alguns botões da camisa abertos. O cheiro dele é inexplicavelmente bom, eu poderia sentir o tempo todo que não enjoaria, e sua voz mesmo sem sentimento nenhum é gostosa de ouvir, não me lembra em nada a do meu pai.
Meu coração doi, não sei se é de medo, ou timidez ou não sei...
- Prazer querida. - a mulher me estende a mão, me tirando dos meus pensamentos.
Eu dou a mão para ela meio sonolenta e perdida ainda.
- Ela deve estar tomando muitos remédios, por isso está sonolenta assim não é Lucio? - a mulher pergunta parecendo íntima dele. Isso me irrita de alguma forma que não sei explicar.
- Sim. - ele diz dando um leve sorriso para ela e isso me irrita.
O celular da mulher a minha frente toca. Ela faz um sinal de que já volta e sai da sala com o barulho do salto ecoando na minha cabeça, que está doendo.
Lucio está sentado na beirada do sofá um pouco distante olhando para mim e depois olha as folhas encima da mesa.
- Você que fez? - sua voz é firme. Meu coração está rápido, minha respiração está sem ritimo.
- Sim. - digo de forma fraca.
Lucio pega o desenho da Leslie e meus olhos ardem, por que chorar agora? Já não chorei demais fazendo? Por favor, digo a mim mesma.
Respiro fundo para controlar a saudade.
- Quem é? - ele não olha para mim.
- Leslie. Ela cuidava de mim quando meus país trabalhavam a noite.
- Eles te deixavam sozinha? - ele perguntou me olhando.
- Não. Me deixavam com a Leslie e com alguns empregados. - digo e um soluço de choro sai sem querer. Tampo minha boca para me conter. Tiro a manta de cima de mim e coloco meus pés no chão. Lucio não tira os olhos de mim. Me sinto e abaixo a cabeça tentando localizar meus sapatos.
- Você tirou o gesso? - ele não contém o espanto.
- O Max tirou. - digo mais alto do que deveria.
- Max? - ele pergunta.
- Sim. Maxwell. - digo.
- Ah! O Doutor Maxwell.
- Foi o que eu disse.
Ele me olha, e eu resolvo sustentar o olhar, chega dele me intimidar. Só que ele desvia o olhar para as minhas pernas, acho que ele não gostou nada de eu estar sem gesso.
Me lembro do que houve noite passada e sinto minhas bochechas corarem. Eu beijeio meu tio que agora está sentado do meu lado em uma sala escura.
A tristeza de alguma forma amarga a minha boca. A saudade vem e volta, quando vem bate forte, eu mal posso suportar.
Lucio assiste toda a minha luta interna sem dizer nada. Vejo que já anoiteceu e só algumas luzes centrais estão ligadas. Sei que ele também está perdido em pensamentos e eu queria muito saber o que é. Mas eu não posso mais, não posso trazer problemas para a minha vida. Meu coração apertar com ele respirando do meu lado, sinto vontade de um abraço dele. Ele é da minha família, eu sinto falta disso. Não consigo conter a lágrima que cai quando penso nisso e então me levanto do sofá sem sapato mesmo o deixando sozinho na sala. Vejo a mulher conversando em outro cômodo e subo para o meu quarto. Vejo Kate vir atrás de mim, a força que faço para subir as escadas, mesmo que mínima, fez doer meu corpo.
- Menina, não pode sair andando sozinha por aí - diz Kate.
- Eu já estou bem Kate. - digo limpando as lágrimas.
- Doutor Lucio não gosta de pessoas andando pela casa dele sem ser acompanhadas. - ela diz sem graça.
- Eu vou morar aqui agora Kate, ele vai ter que se acostumar. - digo tirando o vestido.
- O que você tem criança?
- Dor. - digo olhando para ela.
Me dirijo ao banheiro.
- Eu preparo seu banho antes de ir. - ela diz.
- Ir onde?
- Para casa Cora. Doutor Lucio não gosta que os empregados durmam aqui.
Bufo. Já estou cansada de Lucio não deixa isso, não gosta daquilo. Que homem doente.
Espero um pouco e depois do banho preparado, prendo o cabelo e entro na banheira.
- Cuidado com seus machucados.
Kate solta meu cabelo e começa a pentea-lo.
- Deveria cuidar mais de seu cabelo. Ele é tão lindo.
- Minha mãe fazia isso. - digo.
Kate fica quieta.
- Kate, por que é tão difícil... - explodiu então. Começo a chorar, coloco as mãos no rosto.
- Não sei querida. Mas a vida não faz favores a ninguém. Acredite. Não que você vá sofrer mais do que já está sofrendo, mas a vida não é sempre feliz.
- Eu sinto falta de tudo. Da comida, do calor, de carinho, da minha cachorra, da minha vida. Sinto que foi tudo tirado de mim e agora eu vivo com um homem que não liga para minha existência.
- Cora, o Doutor Lucio pode ser um cara difícil, mas ele está cuidando de você. Ele nunca deixou alguém passar tanto tempo nessa casa e olha que ele foi noivo uma vez. A senhorita dormiu na cama dele, ele não deixava ninguém dormir na cama dele e ele já não cuidava de um ferimento a anos. Tente entender, se fosse o Doutor Lucio que conheço ele deixaria você gritando por ajuda a noite toda.
Fico surpresa e isso me faz parar de chorar.
- Ele é mesmo tão ruim?
- A sua família não é fácil criança. - diz Kate rindo.
- Minha avó...
- A vejo raramente. Só vem discutir assuntos da empresa.
- Como sabe tando?
- Eu trabalho para seu tio a muitos anos querida. Agora tenho que ir, ele não gosta de gente aqui até tarde.
Ela diz se levantando e saindo. Fico ali pensando no que ela me disse e olhando para os enfeites do banheiro enorme tudo com uma iluminação apropriada e com brilho, até as torneiras são enfeitadas com rosas. A banheira é enorme e tem dois lugares onde eu posso pegar pra me ajudar a levantar como banheiros de pessoas deficientes. Kate me disse que tudo foi arrumado para a minha chegada. As roupas de banho todas decoradas com variações de rosa, roxo e cinza, a banheira adaptada, os enfeites de borboletas pelo banheiro em prata e rosa claro, o box escuro e um espelho enorme. O banheiro é muito grande, da até um pouco de medo. Saio da banheira sem dificuldade e pego a toalha. A água escorre pelo meu corpo molhando todo o chão que perto da banheira é diferente do resto do piso branco e brilhante, é anti derrapante. Enrolo no corpo e vou ao meu closet. Que saudade que eu senti de me vestir sozinha, de tomar banho sozinha.
Escolho um shortinho preto que eu já não usava a muito tempo e uma blusa de alcinha escura de algodão, macia e soltinha sem sutiã por baixo. Solto meu cabelo que logo cai sobre meu ombro e minhas costas.
Ouço duas batidas na porta.
- Entre.
Olho para porta em pé no meio do enorme quarto. Lucio aparece na porta.
- Ah! Já está vestida para dormir? - ele vai saindo.
- Sim, mas... O que queria?
- digo dando dois passos em sua direção.
- A Doutora Hattway só queria se despedir, mas acho que está exausta.
- Eu vou lá. - digo realmente exausta.
Sigo pegando o roupão do meu pijama e as pantufas quentinhas em forma de sapatilha. Desço acompanhando Lucio que está com a camisa afrouxada com dois botões abertos mostrando um pouco do seu peitoral, isso me faz esquentar.
Desço as escadas com um pouco de dificuldade, então coloco a uma das mãos nas costas e outra eu seguro no corrimão. Lucio fica um degrau a baixo de mim, sem me tocar, mas me olhando para ver se não vou cair.
- Coraline. - ouço uma voz melodiosa de mulher.
A doutora vem em minha direção e para.
- É mesmo uma garota muito bonita. Está cansada? - ela fala de forma doce me olhando de cima a baixo.
- Um pouco.- digo sem graça.
- Amanhã vamos nos conhecer melhor. E eu prometo, você vai conseguir dormir. - ela diz a minha frente.
Lucio a leva até a porta pelo enorme holl de sua casa. Ela sorri pra ele e da um beijo em seu rosto e sai. Me viro e sigo até a sala de TV em passos firmes. Eu não preciso de psiquiatra, um psicólogo já ajudaria, eu voltar pra casa ajudaria.
Ouço alguém andar atrás de mim, mas não vou virar o rosto para olhar. Luzes localizadas no meio do teto estão ligadas pelo corredor e eu logo chego a sala.
- O que vai fazer? - Lucio pergunta da porta de forma seria. Meu corpo arrepia.
- Ver um filme.
- Tem uma TV no seu quarto. - ele diz com os braços cruzados sobre o peito. A camisa fica mais apertada em seu corpo me fazendo arfar de leve.
- Gosto daqui. - digo em um fôlego só.
- Está frio Coraline, não deveria se expor assim.
- Eu estou bem. - digo de forma mais firme como quando minha mãe insistia que eu deveria fazer algo que ela achava certo.
Ele respira profundamente, posso ver a irritação em suas feições.
Ele descruza os braços e sai em passos firmes pela porta. Idiota. Ligo a TV com raiva e coloco um filme de suspense meus gêneros favoritos.
Vou até a tal porta de vidro antes de começar o filme e abro um pouco. Não está chovendo, mas o vento frio invade o lugar congelando meus ossos.
- Milagre.
Era do que as pessoas me chamavam nos jornais e nos corredores do hospital. Para o nível do acidente eu sai quase ilesa. Mas para que? Não deixo de pensar que eu deveria ter morrido, mesmo não sabendo o que tem do outro lado, é melhor do que viver com esse vazio na minha vida. Fico um tempo observando o céu escuro com algumas estrelas, o resto as nuvens tampavam. Não consigo parar de pensar no quanto a vida foi injusta comigo, e não consigo deixar de me culpar por isso. Tem pessoas em situações piores que você. É o que meu cérebro me diz para que eu pare de me sentir injustiçada, o que não anula a dor que sinto. Fecho a porta devagar e me viro para ir até o sofá. Quando olho para frente quase caio de susto. Lucio está parado na porta com um moletom preto e uma blusa de mangas preta também me encarando com seus profundos e misteriosos olhos azuis e em seu braço tem uma coberta.
- Você abusa demais de sua saúde Coraline. - ele diz de forma seca colocando a coberta no sofá.
- Eu não me importo tanto com a minha saúde. - digo sentando no sofá.
Ele me olha, seu rosto se torna indecifrável novamente. Ele se vira para sair.
- Lucio.
- Coraline.
- Cora, por favor.
- Eu prefiro Coraline.
Não consigo conter a frustração e passo a mão no rosto.
- Fique um pouco, por favor. - digo disfarçando meu medo de ficar sozinha nessa casa enorme.
Talvez eu devesse ter medo de ficar nessa casa sozinha com ele.
Ele fica quieto, sei que ele está relutante em fazer isso. Seus músculos estão rígidos.
- Por um curto período de tempo. - ele diz se sentando no sofá um pouco distante.
Deixo um sorriso fraco escapar.
Pego a coberta e cubro minhas pernas. O filme começa e a sala escurece, a ansiedade me consome.

Ficamos um tempo ali vendo o filme. Meu corpo ainda não conseguiu relaxar com a sua presença aqui. Respiro fundo e ouço meu estômago roncar. Me lembro que não jantei, já que dormi. Passado um momento, no intervalo do filme, Lucio se levanta do sofá e sai porta a fora sem dizer nada.
Fico boquiaberta por dois segundos depois fico chateada. Idiota eu! Claro que ele iria embora.
Respiro fundo e resolvo trocar de canal por enquanto. Passo alguns canais entediantes e paro no que parece ser um jornal. O jornalista está falando algo de algum assassinato, não entendo direito está rápido, o rosto da vítima aparece em uma foto na tela da TV e eu percebo que é a mesma garota de hoje mais cedo. A que vi no jornal.
Meu corpo se arrepia ao ver a semelhança. Na foto ela está sorrindo, sua pele é um pouco mais morena e seu rosto mais redondo, mas ela se parece comigo, tirando também a cor dos olhos. Isso me deixa ainda mais tensa. Meus machucados doem com a tensão e a ansiedade. Logo tudo fica mais escuro e mais assustador. Me odeio por estar em uma casa tão clichê como as dos filmes de terror e meu tio, meu suposto tio amado sumiu. É agora que eu ouço um barulho ou algo acontece. Minha respiração fica pesada e a foto da menina na TV me assombra. E como segue o clichê ouço barulhos no corredor. Fico esperando algo acontecer olhando para todos os lados. Olho para a porta vazia e levemente iluminada pela luz no corredor, quando pisco a figura de um homem aparece na porta da sala, grito na hora e fico paralisada.
- Coraline!! - diz Lucio acendendo a luz.
Com ele um balde cheio de pipoca. Não consigo deixar de rir e sentir vergonha do que fiz. E pela primeira vez eu dou risada mesmo, e Lucio me olha confuso. Coloco a mão no coração e jogo o cabelo para trás para dar passagem ao ar.
- O que você tem? - ele pergunta sério chegando mais perto.
- Eu só... - respiro fundo - Eu só me assustei.
- Não é acostumada a ficar sozinha? - diz Lucio chegando mais perto. Não tão perto.
- Não, eu ficava com a Leslie e uma babá, ou com a Cloe na casa dela, ou no hospital nos fins de semana ou com a Bia quando ela podia. - digo salivando sentindo o cheiro da pipoca.

Lucio olha pra mim, sinto que ele ia rir de mim, mas se conteve.
- Fiz para você. Não jantou, não é mesmo?
- Sim. - digo pegando o balde que ele me oferece e abaixando a cabeça sem graça.
Ele respira fundo impaciente, sei que alguém vai sofrer as consequências por isso, e eu não quero isso.
- Eu não estava me sentindo bem, por isso. - minto.
- O que estava sentindo?
Fico nervosa com a mentira, eu não sei mentir.
- É... Cabeça, e dor de estômago. - digo sem graça.
- Não fui informado. - ele diz de maneira firme.
- Eu... Era só um mal estar bobo. - digo olhando para a tela, o filme voltou.
Lucio respira fundo e olha para a tela também. Ofereço a pipoca, mas ele nega. Como um pouco, pego uma almofada e me deito. O sono está chegando, eu sei, mas quero ver o fim. Começo a não ouvir mais a TV e caio no sono lentamente.

Abro os olhos sonolenta ainda, sinto que estou me movendo, mas não estou andando. Levando a cabeça e vejo o rosto de Lucio.
- Onde estou? - o cheiro dele me hipnotiza.
- Indo para o quarto. E não proteste. - ele diz sem me olhar.
Percebo que estou em seus braços, de novo, e ele sobe as escadas comigo sem nenhum problema. Ele abre a porta com cuidado e alguma dificuldade.
- Eu posso andar.
- Sem protestar.
Fico quieta e só olho ele entrar no quarto e me colocar na cama com cuidado sem machucar minha costas.
- Durma. - ele manda.
- Eu sei. - digo sonolenta.
Me viro de costas para ele que não apaga o abajur. A cama parece tão confortável, e o cheiro dele está em mim.
Respiro fundo e percebo que não ouvi a porta fechar, me viro lentamente para não me machucar mais e o vejo parado lá feito uma estátua com os braços cruzados.
Ele parece ainda mais alto, ainda mais forte.
- O que ta fazendo? - digo sonolenta.
- Me certificando de que não vai sair daqui. - ele diz de modo frio.
Respiro fundo - Esquisito - digo baixinho, mas sei que ele escutou. Jogo o cabelo para trás para não me atrapalhar e volto a deitar.
Fico ali um tempo, mas o sono não chega, fico nervosa em saber que estou sendo observada. Fico com os olhos fechados para fingir que estou dormindo e funciona já que ele desliga o abajur. Sinto sua presença do lado da minha cama, mas não me viro para olhar. Sinto sua mão quente em minha cabeça, melhor dizendo, fazendo carinho em meu cabelo. Meu corpo esquenta e um choque percorre meu corpo, no mesmo instante ele tira a mão e puxa o cobertor para mais perto do meu corpo age meu pescoço. Uma onda de sentimentos percorre todo meu corpo tomando conta dos meus sentidos.
Prendo a respiração sem perceber e só volto a respirar quando ouço a porta se fechar. Isso foi.... Intenso.
Ele é maluco, doido, eu moro com uma pessoa bipolar, que ótimo.
Obrigado Deus.
Digo baixinho antes de apagar.



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