-8 anos depois, 2015-
Olhava meu reflexo no espelho daquele lindo banheiro extremamente branco. Meu rosto estava mais pálido do que já tive em toda a minha vida, meus cabelos parecem ter se alisado a cada ano que passava e cada vez mais pretos ficavam. Eu pareço uma assombração.
Olho para o lado esquerdo, onde tem um chuveiro espaçoso, cheio de shampoos e sabonetes. Ok, até aqui tudo normal certo? Isso porque você ainda não viu a parede do chuveiro, onde tem uma janela. Isso mesmo, uma janela retangular que se estica até o fim do meu quarto branco e confortável. Atrás da janela fica uma sala onde os médicos daquele estimado hospício me vigiam vendo se estou ficando ‘melhor’, mas eu posso sentir que eles já desistiram disso a muito tempo. Menos a Dra. Jane, uma loira que parece se esforçar muito para a minha melhora, uma idiota.
A mulher devia ser louca, ou perdeu um pedaço de sua alma boa fazendo algo terrível e queria curar um doido para ver se Deus a perdoaria. De qualquer jeito essa mulher sempre esteve ali.
Quando eu cheguei pela primeira vez naquele lugar, bem depois do ‘acidente’ –como eles gostam que eu chame- ela ficava no canto, anotando tudo que eu fazia, um tipo de funcionário que ganha pouco e faz todo trabalho. Qual o nome? Estagiários? Acho que é algo do tipo ou escravos. Mas o que importa é que durante 7 anos, ela me vigiou e eu vigiei ela, cada passo. Ela sempre se mostrava brilhante para os médicos e agora é uma das Medicas Chefes, do tipo que ficam o dia todo nós observando como se isso fosse extremamente divertido e nada doentio.
Eu nunca soube direito qual é a daquela mulher, mas ela sempre tenta mostrar que eu estou ‘melhorando’. O que na verdade ela já deve ter percebido que nunca vai acontecer, já que eu nunca fiquei doida e o que eu vi realmente aconteceu e o que eles mandam eu acreditar é mentira.
Mas com o tempo eu e essa mulher aprendemos muito, ela aprendeu a subir e eu aprendi como esconder o que realmente sinto. Tanto que nas últimas semanas ouvi muitos médicos sussurrando que eu poderia estar perto de sair daquele inferno. Consegui por 7 anos fingir. Concordo com os ideais deles e com suas formas ridículas de pensar, fingi que sofri aquela lavagem cerebral que meus pais pagaram caro para mim, como um tipo de presente que se embrulha e coloca em baixo da árvore de Natal.
Lavei meu rosto com aquela água gelada, que depois de muito tempo pensando, resolvi chutar que vem de alguma nascente de Minas Gerais. Não me pergunte como mas sinto que esse lugar onde me jogaram é em Minas, mesmo todas as pessoas que encontro tendo nem um tipo de vestígio de sotaque de lugar nenhum, consigo sentir que estou neste estado gigantesco. Ou talvez, apenas estou pirando.
Sai do banheiro e entrei no quarto, aumentei o ar condicionado já que estava muito quente. Sentei na beirada daquela cama de casal gigante para uma menina tão magrela e coloquei meias pretas. Todos os dias tento fazer algo para parecer que estou ficando normal, nunca olhando para a janela por muito tempo ou encarando eles, quando faço isso eles pensam que estou ficando mais louca – como se ninguém fosse ficar louco de ter várias pessoas a estudando e encarando por anos – mas quem sou eu de discordar de médicos de todos os lugares do mundo? Devem ter estudado tanto que chegaram até essa ideia genial.
Me encosto no final da cama, bem perto da parede, assim fica mais fácil de ouvir o que podem estar dizendo já que o vidro tem uma pequena abertura. Prendo meu cabelo num coque, bebo água do copo que está na cabeceira. Ligo a Tv, desligo as luzes e finjo que vejo algum daqueles canais. Deixo em um que estava passando um filme em que garotos tem que correr por corredores para descobrir uma passagem para o mundo real, onde descobrem algo que na verdade é mentira e eles caem feito idiotas. Muita gente morre e eles são levados para uma cidade desértica. Já ‘vi’ esse filme umas 4 vezes, eles já devem estar pensando que adoro esse tipo de cultura estranha que do lado de fora todos amam e são fanáticos.
Tento prestar atenção no que eles estão falando, pelas vozes já imagino quem são. Dra Jane –devia estar mais perto da janela-, aquele cara de óculos que é muito estranho e sempre que consigo vê-lo está usando uma camiseta que tem o desenho de uma caixa azul retangular escrito ‘Tardis’ não faço a mínima ideia do que isso quer dizer mas chuto que é o nome dele. Também está a única pessoa com um pouco sotaque naquele lugar a Sra Dragomir, uma Russa, que tem um tom de voz e um jeito de falar que parece sempre estar com raiva. E por último o Sr Augusto – o chefão- se ele está aqui a essa hora da noite é porque eu posso estar perto de sair daquele lugar. Pelo o que os outros loucos dizem no refeitório ele só fica na janela das pessoas no primeiro dia e no último, se aqueles loucos estiverem certos eu vou embora. Se não estiverem, eu vou esganar eles amanhã.
Sra Dragomir bate na mesa.
--Não concordo com essa loirinha, esta menina aí não está nem perto da hora de ir embora! Ela está muito robótica, pode estar nos enganando por todos esses dias. –Como odeio essa mulher, nunca a vi, mais aposto que tem cara de mal comida misturado com um chimpanzé.
--Me desculpe Sra Dragomir, mas essa menina só tem evoluído nos últimos anos e não tem como você dizer que é mentira. Se quiser ter certeza podemos fazer testes nela. –Que tipo de testes essa loira louca está pensando em fazer em mim?
--M-mas nós n-não temos mais o gás para fazê-los dor-dormir... –Disse o ratinho de laboratório que vai ter a garganta cortada se for pegar esse treco.
--Acho que está na hora. Sra Dragomir prepare a sala de cirurgia, Douglas vá pegar o gás e Dra Jane fique aqui e procure pelo número de telefone de algum responsável por ela, iremos ligar para essa pessoa mesmo se der que ela ainda está louca. –Disse o chefão, que logo depois do que disse saiu batendo sua bengala, logo atrás foi a Sra Dragomir e o tal do Douglas. Não faço a mínima ideia de quem ele é, mas o Tardis também saiu. Só tinha “eu” e a Dra Jane naquele lugar.
Eu não queria participar da cirurgia, testes ou qualquer caralhos que eles pensam que podem fazer comigo.
De repente a janela, que antes estava embaçada, ficou normal para que eu possa ver como está lá dentro. A Dra até ligou os microfones de dentro daquela salinha. Fiquei pensado que aquilo possa ser um dos testes ou algo do tipo, então iria fingir que não ligo para aquilo.
--Tarja? Eu sei que pode me ouvir, não finja nada se não faço com que aquela cirurgia dê errado e você fique aqui por mais 10 anos. –Disse a loira maldita.
Me viro na direção dessa vadia egocêntrica, quem ela pensa que é? Posso hackear o sistema desse lugar e fazer ela cair mais rápido do que se levantou.
--Sim, Dra? –Sorrio com o sorriso mais fingido de todos para aquela vaca.
--Ah pelo amor de Deus, pare com esse sorriso falso, te deixa parecendo uma hiena. – Que que ela disse? Ai que vontade de quebrar esse vidro e esmagar a goela dela –Olha, você deve estar me odiando, mas por minha causa que você vai ter a chance de ir para a sala de cirurgia e então vai poder voltar para sua casa. Um obrigada seria muito apropriado. –Ela falava tão naturalmente que nem parecia maluca.
--Se me conhece por todos esses anos deve saber que eu não vou falar nem um ‘valeu’, então me responde Dra: Por que diabos você quer me ajudar? –Se ela queria que eu não fingisse, iria ser direta.
--Por que? Ah... claro, porque eu conheço a menina que dizem que você assassinou, eu vi o que aconteceu. Eu sou... uma amiga dela. Trabalhava na polícia na época. Me lembro muito bem de como seus pais queriam que você sumisse da vida deles, mesmo tendo uns 10 anos ou 11, aquilo meu deu tanta raiva que quis te ajudar. Arrumei um jeito de entrar nesse lugar e subi de poder até chegar no máximo para te fazer sair daqui. –Ela fez uma pausa enquanto folheava algum tipo de livro. –Sabe, Isabelle sempre me encheu o saco dizendo que conhecia um Corvo. Descobrir que você era esse corvo fez muito sentido. – Fiquei encarando aquela louca e me perguntando como que ela vê um pássaro numa pessoa, igual Isabelle via.
--Ah claro, agora tudo faz sentido, principalmente o fato de minha amiga ter me dito que eu sou um corvo e que devo salvar as pessoas. Você é doida? Eu não sou uma super-heroína e muito menos um pássaro. – Sai da cama e fiquei em pé encarando aquela mulher.
Ela deu uma gargalhada que fez meus ossos tremerem.
--EU sou maluca! E você? O que faz num hospício? – Ela fez uma pausa me encarando enquanto me deixava com mais raiva dela por ela estar certa. – Vou explicar para você o que significa ser um corvo (já que você é mais burra do que eu pensava). Ser um corvo é trazer a morte para aqueles que merecem e eu sei muito bem que tanto eu quanto você sabemos quem matou Isabelle e que ele deve ser o primeiro. Então, se eu te livrar daqui você vai fazer isso? – Ela me perguntou me fazendo congelar lembrando daquela noite, balancei a cabeça assentindo com o que ela perguntou.
Logo depois ouvi um barulho de bengala e um sapato fazendo atrito com o chão. O chefão e o rato voltaram. A loira que agora eu duvidava ter o nome de Jane, fez o vidro ficar embaçado e desligou os microfones novamente. E eu voltei a ficar como estava antes.
--Dra Jane, eu trouxe o gás. –Tardis disse ofegante e continuou a fazer barulho com o tênis.
Achei estranho ele ter feito isso se esse era o trabalho do Douglas, talvez o Tardis apunhalou o Douglas pelas gostas matou ele só para poder entregar o gás. Ou o Douglas é um preguiçoso e mandou o Tardis fazer isso para ele.
--Coloque no lugar dele, mas com cuidado. –Ela o advertiu e logo depois começou a andar em direção ao chefão. –Sr Augusto, aqui está o telefone da tia dela, foi a única pessoa da família dela que eu achei. O dos pais dela parece ter... –Ele a interrompeu enquanto lia o número, sussurrando.
Ele deve não ter aprendido como lê sem falar.
--Eu sei o que aconteceu com os pais, muito obrigada Dra Jane. Vou esperar na minha sala enquanto vocês arrumam ela para a cirurgia. –E então o velhote saiu da sala.
O jeito como ele disse que sabia o que aconteceu com os meus pais me deixou instigada. Eu já sabia há um tempo que meus pais haviam cancelado o telefone ou algo do tipo, porque tentei ligar para eles, sempre fiquei me perguntando quando mais nova por que eles não voltavam? Por que não me ligavam? A única coisa que consegui pensar é que tinham fugido de mim e foram para um lugar muito longe da vergonha que eles criaram. De repente senti um cheiro estranho, meus sentidos foram ficando frágeis, parei de pensar em meus pais, em Isabelle e na Dra. A última coisa que pensei foi em corvos.
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