História Cover Boy - O teu passado se lembra, o teu passado não esquece.

~Flashback.

Eram três da manhã e nós ainda estávamos acordados. Eu adorava observar os pingos da chuva que caia na minha janela, e me sentia ainda mais melancólico colocando uma música de fundo. Eu estava feliz. Depois de muito insistir, consegui fazer com que minha família viajasse no feriado, estava exausto de ficar apenas em casa. Tudo o que eu queria agora, era descansar. O clima no carro era bom, estavam todos conversando, alegres e empolgados pelo que estava por vir quando chegássemos. Meus pais estavam ali, e meu irmão, Jinhwan, também. Nós somos bem amigos desde que me conheço por gente, e até onde me lembro dessa viagem, a gente havia dormido.

Me lembro de ter acordado, exausto e com frio. Eu não sentia minhas pernas, e havia sangue por todo meu corpo. Eu queria me virar e entender o que havia acontecido, mas eu não conseguia. Aquela sensação de impotência, aquele desespero... Tudo me fazia ficar cada vez mais fraco.  A última coisa que me lembro, era de ter ouvido um barulho estrondoso de sirenes.

Eu havia ficado apagado por dias, e quando acordei naquela maca, eu simplesmente queria saber de tudo, mas não consegui formular uma frase sequer, os medicamentos eram fortes, de alguma forma. E novamente, fui apagado. Eu não sei até hoje ao certo quantos dias eu fiquei internado, mas lembro muito bem de uma frase que ouvi durante um de meus "despertares":

“Ele não pode saber que Jinhwan está morto, não nesse estado.”

Eu não conseguia distinguir o que era realidade e o que era alucinação, minha cabeça pesava. Um dia, finalmente, eu acordei de vez. Não me deram medicamentos para voltar a dormir ou qualquer outra coisa, e eu me sentia mais forte. Quando tive coragem, eu perguntei. Ela tentou mudar de assunto, mas eu insisti. Meu outro irmão, Shin, era muito insensível. Não que eu estivesse ligando pra isso no momento; eu só queria a verdade.

“Sim, ele morreu.”

Meu corpo reagiu de forma que eu sentisse uma dor imensa, como se tudo aquilo se repetisse. Jinhwan estava morto, eu estava há dias preso em um hospital. Motivo? Eu tinha sido egoísta. Tantas coisas passaram pela minha cabeça, tantas dúvidas, tantas respostas...  E eu simplesmente não sabia lidar com aquilo. Antes de me darem mais algum remédio pra me apagar, eu implorei, que deixassem eu ao menos, no funeral.

Não sei se foi a melhor coisa a se fazer. Meu peito doía, aquilo não entrava na minha cabeça. Não entrava na minha cabeça que eu tinha perdido meu melhor amigo, meu irmão. Eu não aceitava que tudo isso tinha acontecido. Meu corpo estava repleto de machucados, eu tinha um corte gigante na cintura. E até hoje, quando me olho no espelho, eu sinto nojo. Eu sinto que fui culpado. Eu devia ter ido no lugar de Jinhwan, eu devia ter morrido ali. Lembrar seu sorriso, as coisas que me dizia, nossas brigas... Aquilo tudo me machucava. 

E eu, hoje, prefiro manter as pessoas afastadas de mim. Eu não mereço amor ou amizade de ninguém. Eu fui culpado por machucar não só Jinhwan, mas minha família inteira. Eu fui culpado de fazê-lo ir viajar quando ele tinha prova, fui culpado de ter deixado sua mulher e seu filho à deriva.

Isso tudo foi culpa minha, tudo culpa de Lee Sungjong.

E por mais que eu tente, é impossível esquecer.

         ~ Flashback off.

Ainda era madrugada, e eu tinha escola no dia seguinte. Eu apenas não conseguia dormir, então decidi que ficar no computador seria a melhor coisa. Eu conversava com um garoto de Seul, seu nome era Sunggyu. Ah, aquele menino... Se ele fosse meu inimigo, eu estaria completamente fodido. Ele é a pessoa que mais me conhece, que sabe tudo sobre mim. Definitivamente: tudo.

Eu já estava de saco cheio, e ele tinha ido dormir. Por que tão fraco?! Não custava nada ficar acordado mais um pouco. Liguei em uma das minhas músicas favoritas, ela me encorajava pra viver o dia seguinte. O que tem sido difícil desde 7 de maio de 2010. Por algum motivo, eu acabei lembrando do que tinha me acontecido há seis anos atrás. Eu tentei ligar, eu chamei várias vezes pelo chat, mas Sunggyu não acordava. Grande filho da puta, eu estava em uma crise e pela primeira vez, ele não estava lá.

Senti minha cabeça pesar, há muito tempo eu odiava ir pra escola. Eu sofria bullying por inúmeras coisas, poderia até listar. Não queria preocupar minha mãe com essas coisas, era só inventar que estava sempre doente, ela não ficava em casa, então não teria como saber se era mentira ou não.

Tomar um banho seria ótimo, eu provavelmente me acalmaria. Ou não. Daquela vez, não funcionou. Nada funcionava naquela maldita noite. 

“Sim, ele morreu.”

Mais uma vez essa frase tomou meus pensamentos, e por mais que eu quisesse, não conseguia parar o efeito delas. Um sentimento destrutivo tomou meu corpo por completo, eu não estava são. Eu estava com raiva, saudades, nojo e ódio. Como podem tantos sentimentos se misturarem dessa forma? Por que justo comigo?

Quando me dei por conta, aquele banheiro estava destruído, e minha mãe simplesmente paralisada na porta. De fato, surtos psicóticos haviam se tornado parte do meu cotidiano, e eu odiava aquilo. Antes de tomar algum calmante, lembro de enviar uma mensagem para Sunggyu:

“Eu preciso de você.”

Acordei de manhã com um dos meus gatos pulando em mim, aquele cômodo estava uma bagunça. Levantei devagar e fui à procura de algo para comer, eu nem sentia tanta fome, mas pra tomar o medicamento sem quase morrer, era necessário. Enquanto eu colocava uma água pra esquentar e fazer meu chá, ouvi um som de notificação vindo do meu celular. Eu, comumente, acho o barulho que o KakaoTalk faz pra notificar, muito fofo. Mas eu estava completamente de mau humor, e aquele "Katalk" me irritava.

[Sunggyu-hyung]: Você está bem?! Eu acabei dormindo...

Ah, você jura, Sunggyu?

[Sungjong]: Sim, estou bem... Me desculpa, não quis te preocupar, hyungnim.

Eu não poderia culpá-lo por aquilo ter acontecido, o hyung também tinha sua vida, tinha com o que se preocupar.

[Sunggyu-hyung]: Eu te amo, pequeno.

Confesso que sempre que ouvia aquelas palavras, eu paralisava. Meu coração batia forte, e eu simplesmente nunca soube o que responder.

[Sungjong]: Coitado.

Quando olhei, a pouca água que eu havia colocado, tinha evaporado. Então decidi comer qualquer coisa que achasse, e ir pro computador.

[Sungjong]: Hyung, conhece escolas em Seul?

[Sunggyu]: Conheço. Por que?! Está pensando em vir pra cá?

[Sungjong]: Talvez.