Ontem me peguei pensando o que de fato eu serei quando chegar ao grande e fatídico momento no qual serei obrigada a escolher o que farei com a minha vida. O problema é: eu não quero escolher. Que graça teria, para alguém inconformado como eu, limitar minha capacidade em apenas uma terrível escolha? O que eu faria com o restante de mim se eu estivesse enclausurada pelo resto de minha breve existência à monotonia de uma rotina pré-estabelecida por uma profissão qualquer?
Não estou desmerecendo os engenheiros e matemáticos, de maneira nenhuma, muito menos os tão heroicos médicos; apenas digo que minha vasta mente não cabe em uma profissão tão fechada às possibilidades. Os matemáticos têm como barreira suas fórmulas exatas cheias de limites. Os engenheiros encontram-se limitados pela própria realidade; os médicos, pela impossibilidade de falhar.
Eu não quero me limitar, eu quero transbordar. Que minha alma se transborde ao tratar de assuntos que têm o Infinito como limite, que fogem à realidade, e que me permitem falhar quantas vezes for necessário. Eu quero mudar quantas vezes precisar, explorar cada pequeno canto de minha mente inquieta, nadar no mar de possibilidades incomensuráveis.
Assemelho-me ao camaleão, que tudo pode ser dependendo do que pede a situação. Insistem que eu seja verde. Acham que são delírios minhas vontades de ser azul, rosa, vermelha, amarela, roxa, preta com bolinhas brancas. Forçam-me a escolher o que vou ser. “Verde não!”, eu grito contrariada, mesmo tendo em consciência a segurança que o tom esverdeado me traria, as possibilidade de camuflagem na natureza. Jamais busquei segurança, no entanto. Sempre vivi à beira de um precipício de vontades perigosas jamais realizadas, próxima demais de causar minha própria ruína.
Mas eles insistem no verde, no caminho pré-traçado, na rotina pré-estabelecida. Não, verde jamais. Não quero ser verde. Eu não quero ser. Ser algo pressupõe que não sou todas as outras coisas; não ser algo, por outro lado, me permite ser tudo mais o que houver para ser. Então eu peço perdão, mãe, mas eu quero não ser.
Portanto, eu não serei o comum e monótono verde, que pinta tantas paisagens por aí, para que assim eu possa ser o excepcional azul, o doce rosa, o incrível vermelho, o raro amarelo, o impressionante roxo, o insano preto com bolinhas brancas. Eu quero ser escritora, pois o escritor pode ser o vilão, o herói e a vítima, tudo ao mesmo tempo. Quero me limitar ao Infinito, fugir das barreiras que a realidade impõe, e falhar quantas vezes for necessário antes de finalmente acertar, porque nunca é tarde demais para consertar uma palavra aqui e outra acolá. Eu quero ser o camaleão que jamais se contenta em ser da mesma cor que todos os outros lagartos, que se transforma conforme o necessário. Minha alma é transmutável, uma mente que transborda em enxurradas de letras. Anseio por morar em meu próprio Universo de delírios ilimitados frutos de minha imaginação. Ah, como é doce essa ilusão.
Esses são os devaneios inúteis de um camaleão, que cobiça o não ser, que é preso em sua inconstante liberdade, que se recusa a ser verde, que rejeita o escolher.
Pode até parecer insanidade, mas são esses devaneios que me mantém sã, afinal de contas.
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