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História Crônicas e contos de um adolescente suicida - Sem-Ti-Mental


Escrita por: Luciuslestrange

Notas do Autor


Uma personagem altamente forte!

Capítulo 17 - Sem-Ti-Mental


Fanfic / Fanfiction Crônicas e contos de um adolescente suicida - Sem-Ti-Mental

Era mês de setembro. As floreiras de Willianne estavam repletas de botões de rosas. Quando ela tinha planejado aquele espaço do apartamento com Gabriel,  com todas as cores de parede e quadrinhos de super-herói, onde ela pensou que plantaria toda a sorte naqueles vasinhos de plástico, mas acabou por ter como única companhia, as rosas e crisálidas. Adulava-as, cuidava delas com um carinho de mãe. O clima morno que fazia tão bem a elas a enjoava, era fresco demais, era uma coisa nem muito quente nem muito fria. "nem barro nem tijolo", como diria um amigo.
Hoje porem, levantou da cama apenas para rega-las e voltou a deitar, isso deveriam ser umas dez horas. Elas estava pronta para morrer, ali. Morrer por um confuso amor que ela de uma forma muito sutil (que nem ela mesma conseguiu impedir), acabou por perder.
Ela sorriu, tirou a máscara de dormir dos olhos, ela estava molhada o que quer dizer que chorou grande parte da noite, mas agora estava lá, acordada e com os pulsos intactos. Isso a fazia cada dia mais forte, era uma metáfora, dormir ao lado de uma tesoura. Poderia ter se matado a meses, mas aguentou, chorou para dentro e para fora. Era estranhamente decidida.

Era forte. Isso ainda a mantinha viva e sã. As vezes, achava-se até um pouco metida as vezes, com aqueles olhinhos imbecis que ela insistia em pintar de preto. Gabriel sempre dizia que ela era temperamental, que ela deveria mandar a psiquiatra aumentar as miligramas dos remédios que ela tomava. Ela ria, mas ficava chateada, sabia que ele no fundinho do falava serio.  Isso a incomoda, ninguém entendia as razões daqueles remédios todos. Será que ninguém saca que ela é a mais prejudicada ? Que as crises nervosas que ela tem, os ataques de bipolaridade atacam única e exclusivamente a Ela não precisava de nada daquilo, nem dos remédios, nem das opiniões tolas e nem do desgraçado do Gabriel!

Olhou de soslaio para o porta-retrato ao lado da estátua da bailarina. Fazia uma cara que ela queria colocar uma foto só sua ali, uma foto linda que ela estava com um vestido de rendas branco uns cabelos leônicos e um olhar de melancolia e determinação. Uma amiga tinha tirado e editado única e exclusivamente pra isso. Ela estava toda em P&B. Ela ficava linda em preto e branco. Um amigo dizia que ela tinha um sei-lá-oque de cantora de fossa. Ela ria. Tinha um gosto musical bem amplo, mas que não entravam Maysas e Dalvas e Dolores. Como tudo na sua vida, a música era de altos e baixos - devido as crises de ansiedade- estava em uma fase bem "Los Hermanos". Ia dormir ouvindo o  Ventura e acordava com o Bloco do Eu Sozinho. O rádio estava com um pequeno momento de paz, mas ela logo calçou as pantufas de sapo e o roupão roxo e saiu do quarto.
Ela parou no meio do apartamento, sabia que era o meio pelo fato dela e Gabriel terem desenhado uma rosa dos ventos no teto. Era linda! Era dourada e vermelha e tinha versos da canção de Chico Buarque "Rosa dos Ventos." Exigência de Gabriel, que era apaixonado por Maria Bethânia. "1972", disse ele ao rapaz  que desenhou a rosa no teto "em 1972 Maria Bethânia lançava o show Rosa dos Ventos, no Teatro da Praia."

Ali, parada no meio do apartamento, com a obra de Chico Buarque na cabeça sentiu-se infinita. Não precisava mais de remédios e Gabriels, era plena o su

E eis que o telefone residencial toca atarantado no quarto de dormir. Ela resolve não atender, larga toda aquela coisa infinita no concreto e vai até o rádio da cozinha . Era um rádio velho, desses cinzas que mais parecem uma caixa de abelhas. Pega liga-o na tomada e aperta um botão qualquer. Ouviu o ruído do disco e nada. Quando ia ver, o telefone tocou novamente e muito emburrada ela foi atende-lo. Quando ouviu o primeiro "Alô",   uma voz começou a percorrer o apartamento:

O quanto eu te falei
Que isso vai mudar
Motivo eu nunca dei
Você me avisar, me ensinar
Falar do que foi pra você
Não vai me livrar de viver... ��

- Willianne, oi aqui é o Gabriel. - ela tinha reconhecido pelo identificador de chamadas, mas quis atender. Sentiu uma coisa muito parecida com as recorrentes crises de ansiedade que tinha.

- Hey, eu to ouvindo a sua respiração - disse ele - eu só quero saber se eu posso ir ai hoje. Queria pegar a sétima temporada do The Big Bang Theory, acho que você esqueceu de encaixotar.

Ela quis dizer alguma coisa, mas o silêncio comeu as suas palavras todas. Cada resquício foi engolido pelo medo sem controle que estava sentindo. Não era uma das suas muitas crises de ansiedade, ela reconhecia como ninguém, aquilo ia além.

- Ok - disse ela como se só conhecesse essa palavra.

Quando ela desligou o telefone, apenas desabou. Literalmente desabou, foi como se tivesse perdido o movimento das pernas temporariamente. Ele estava em estado de choque, tinham terminado a cerca de dois meses e ele nem tinha lembrado de sua presença. Muito pior, tinha excluído do Facebook todas as fotos que tirou com ela. Todos os dias ela abria as lembranças e ao menos tinha uma postagem relacionada a eles. Ela tentava fugir, mas o destino sempre a fazia sofrer. Sempre tinha alguém que ligava pra ela perguntando sobre ele, se ela ainda se pronunciava com ele entre outras coisas. Ela dizia que não e as pessoas estalavam os olhos; provavelmente pensa que ela era louca ao ponto de não recebe-lo, mas Deus e o Diabo eram testemunha que durante séculos a fio ela esperou algum sinal dele, mas não tinha. Quando ligou para os amigos eles não respondiam e a família dizia apenas que ele tinha ido para fora do país. Esperou que um dia, por estranha ironia recebesse o convite do velório do mesmo.
Mas agora a situação era diferente, ele tinha voltado atrás, ele queria uma ligação qualquer com ela. Chegava a ser até meio irônico, depois de duas semanas ele brotar e pedir a sétima temporada da série. Não adiantava mais, eles tinham esgotado todas as reservas de algo que eu não teria veia poética para descrever. Da parte dela, ela já tinha chorado tudo o que tinha pra chorar, não tinha vontade de fingir que perdoou ou tentar ficar em branca paz. Era capricorniana, era pessimista por natureza. Sabia de todos os seus inúmeros defeitos. Sabia que era ciumenta,  viciada  naquelas porcarias de remédios e histérica. Mas o que podia fazer ? Era absurdamente dependente daqueles remédios, quando não os tomava sentia a sensação do que era a morte.

De tanto eu te falar
Você subverteu o que era um sentimento e assim
Fez dele razão pra se perder
No abismo que é pensar e sentir...��

 

Resolveu então se arrumar de uma vez por todas. Precisava esquecer suas próprias conjecturas. Pensou por um momento que queria ouvir "Father and Son", mas aquela onda de Los Hermanos tinha percorrido todas as veias belas dela de poesia. Estava em "alfa." Sabe aquela coisa de estar meio dormitando, mas ainda ouvindo vozes ? Então, isso é alfa e Willianne estava em alfa com Los Hermanos.
Precisava ser rápida. Deixou as pantufas por lá mesmo e foi até o quarto. Era bonito, batia uma claridade insuportável. As vezes em tom de pilhéria até o ex cantava:
"Luminosa manhã, pra que tanta luz ? Dá -me um pouco de céu, mas não tanto azul...  ��."
Não era um quarto desorganizado. Tinha um bom tamanho, uma boa cama uns quadros de flores ridículos que Gabriel odiava (ele queria ter forrado as paredes com jornal), uma prateleira enorme de madeira repleta de livros, um criado mudo com uma jarra d'água e umas trinta cartelas de remédios, um guarda-roupa espelhado e um biombo. Ela se olhou num dos espelhos e tirou suas próprias conclusões: Os longos cabelos negros estavam desgrenhados, os olhos castanho-escuro estavam mais fundos do que nunca, a pele estava cheia de acne (qual o quê, as pessoas ainda tem acne aos vinte e dois!) e a boca estava toda machucada. As noites em que passou em solidão, a falta de alimentação abaixou a imunidade.
Mas não queria saber de mais nada, queria apenas escolher uma roupa bonita o suficiente para esfregar na cara dele que tinha superado. Pegou a primeira coisa que tinha no armário. Sorriu ao ver o tal vestido  de rendas brancas, ela tinha usado aquilo no primeiro encontro dos dois.
Conversavam de quando em quando por um amigo em comum, até que um dia resolveram tomar um café, ali na Rua Augusta. Ela pediu um café espresso e um cheesecake de morango. Ele só pediu uma água sem gás. Ela queria ir embora, ele tinha estragado uma regra dos encontros, deveria ter pedido alguma coisa, pareceu que ela era imensa. Mas no fim, deu tudo certo.
Debaixo da cama, pegou uma sapatilha preta simples e calçou.  Lá, de vestido de rendas brancas, sapatilha preta simples e cabelos desgrenhados, notou uma certa poesia no seu suplício. Era até cômico, mas ela tinha uma glória de ver-se naquele estado, estava viva, era uma sobrevivente do caos. Sentiu os olhos umedecidos de água, mas não chorou nem procurou abrigo nos remédios. Passou um batom rosa nos lábios machucados e saiu do quarto.


De tanto eu te falar
Você subverteu o que era um sentimento e assim
Fez dele razão pra se perder
No abismo que é pensar e sentir ��

Quando saiu do quarto, pensou em tomar um vinhozinho, mas a campainha logo tocou.
Foi horrível. Uma crise tremenda de ansiedade tomou conta, sentiu o corpo endurecendo e a garganta secando profundamente. Queria sair e gritar, mas até para isso não conseguia, estava tão entregue ao momento o em que vivia. aquela coisa que ia apertando o coração até esmerilhar-se. A campainha tocava insistentemente e ela lá, ridícula e parada no meio da rosa dos ventos. Quando viu, ele tinha entrado com a chave que ainda tinha. Ele a abraçou com força ao vê-la parada lá. Sabia que quando tinha esse tipo de coisa era punk. Ela não sabia nem chorar no ombro do menino. Mas depois de uns três minutos ela tomou conta de seu próprio corpo. Foram se afastando gradativamente e sentando nos sofás brancos.
Ela deu uma boa olhada nele. Estava mais bonito do que nunca. Tinha deixado a barba cheia, tinha uma cabeleira de água e plâncton e os olhos claros reluziam mais que o Farol da  Barra. Estava simples e gracioso com seu All Star preto desbotado seu jeans da mesma cor e um casaco muito bonito cinza.

- Eu não sabia que você ainda tinha a  chave - disse ela fitando o chão de azulejos antiderrapantes. - eu vou precisar trocar as fechaduras ?

- Não, obviamente que não. Eu vim devolver a chave também, sei que você não quer mais me ver aqui...

Ela estava parada, sabia que ia começar a chorar como uma retardada, antes disso porém, foi até o quarto e apanhou uma cartela de remédios. Ele não pode deixar de ralhar:

- Se você não tiver força de vontade o suficiente para parar  essas suas crises, se  entupir de remédios não vai ajudar nem um pouco.

- Você sabe que eu tenho transtorno de bipolaridade, emocional e síndrome do pânico. Você acha que sem os meus remédios eu vou conseguir viver ? - sua voz ia erguendo exaustivamente - você não sabe o que é não poder ir até um bar ou coisa assim, porque você sabe que vai ter crises e não quer atrapalhar, que não pode ir a um cinema, pois tem medo de ficar parada ali até o fim do filme. Não poder ir a uma porcaria de um show. Você sabe que eu tive uma bosta de um ataque na merda do show do Oswaldo Montenegro! Mas não  Leonardo Gabriel, você sequer pensa como é pra mim continuar viva. Você nessa sua coisa de poeta bem quisto, estudantezinho de Sociologia.


Ela é mais sentimental que eu
Então fica bem
Se eu sofro um pouco mais ��

Ele se sentiu horrível, por mais que compactuasse com essa coisa de homeopatia, sabia que era um terreno minado para Willianne. Ele levantou e a abraçou com força. E ela correspondeu e conseguiu até chorar. Não foi um característico choro histérico, mas foi um choro silencioso e molhado.
No fundo, ele amava ela e ela amava ele, mas ia além disso tudo. O universo que os pariu, tem um outro destino para eles. Não poderão se tocar nem se beijar, a não ser em uma outra dimensão.
Ainda no abraço, Willianne não pode deixar de constatar:

- Ninguém nunca vai entender o que aconteceu aqui. Tudo que nós contarmos para nossos amigos ou, no meu caso, psicanalista, será a superfície de todo esse universo cósmico. A mágoa e o desamor em meu peito tomou proporções continentais, e morreu junto com uma série de outras coisas. O pessoal da tua faculdade vai dizer que eu fui fraca e boba, que não cooperei... Mas eu não podia e não posso cooperar com alguém que faz joguinhos psicológicos, como se eu fosse uma boneca. Mas eu não quero que você saia daqui como uma mágoa de mim, você nunca esteve a fim de me entender e essa nunca do a sua obrigação. Você me ensinou que eu posso sobreviver às minhas doenças, porque eu sobrevivi ao nosso relacionamento que era uma forma diferente de relacionamento abusivo. Sobrevivi a devastação que você foi na minha vida. Mas passou, você só foi uma metáfora na minha vida, uma metáfora ruim.

Ela nem notou que ele nem estava mais lá, mas ficou feliz por ter sido forte o suficiente para dizer tudo aquilo. Por mais fofa que ela fosse, ainda era Willianne Rodrigues Ribeiro, que ninguém sabia nada.



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