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Lânia (Europa)
"Rupert estava beijando uma pessoa. Ou melhor, um homem."
Nunca me imaginei em uma cena tão constrangedora quanto essa. É exatamente como se minha respiração tivesse parado por longos segundos. Como se perdesse total controle sobre os atos de meu corpo.
Honestamente, fico sem reação. E acho que Ed percebe, pois logo puxa nossas mãos entrelaçadas e tenta me arrastar para longe. Mas meus pés se recusam, eles se fincam no chão como se houvesse raízes prendendo-os, me mantendo firmemente colada ao chão. Infelizmente, acho que nunca pensarei em Rupert da mesma forma. Isso é tão... repugnante!?
Meus olhos percorrem a cena enquanto minha boca se abre em um perfeito ‘O’.
Ambos estão sentados no mesmo banco que antes eu ocupava. As mãos de Rup repousam na cintura do rapaz que, por sua vez, tem as mãos no rosto do meu melhor amigo. Eles se beijam ferozmente, como se pudessem fazer isso poucas vezes ás escondidas ou então como se transbordassem de uma saudade intensa.
Sinto um mal estar no estômago, com a certeza de que se não sair logo daqui poderei vomitar toda e qualquer coisa que cheguei a engolir desde ontem.
Ele se tornou tudo o que repudiamos hoje, tudo o que a Igreja vai contra! Rupert só pode estar doente. Isso é uma doença. Pelos céus! Eu preciso avisar alguém. O que fizeram com meu melhor amigo!? O que houve com o menino doce que eu conheci? Ele não era assim. Rupert Sheeran não é assim!
Viro meus calcanhares com o intuito de sair correndo, mas Ed simplesmente me segura pelo braço, com os dedos fortemente fechados. Ele não parece surpreso, sua expressão está mais para zangada. Talvez com a falta de descrição de seu irmão ao fazer isso ao ar livre. E aí eu percebo.
Ed já sabia.
E há grandes possibilidades de ter apoiado a loucura de seu irmão. Por Deus, esses garotos não têm um pingo de juízo?
Analiso os campos, procurando por guardas. Pensei que talvez eles ajudassem, mas a surpresa é totalmente inevitável ao perceber que não há nem mesmo um sequer guarda por toda a imensidão verde que nos cerca. Que droga!
— Nem pense em fazer isso! — Ed diz, como se pudesse ler minhas intenções.
— Solte-me — ordeno, virando de costas. Eu não quero ser obrigada a ver meu melhor amigo aos beijos com um homem. Um homem! Com certeza a pena para isso, seja lá o que isso for, em Cantberg deve ser a morte. Charles sempre foi extremamente rígido com todas as leis e normas, ele pouparia seu próprio filho? Ele sabe? Ficará com raiva? Eu preciso avisar, posso ser posta como cúmplice se isso vier à tona. Além do mais, Rupert sempre foi como um irmão para mim, eu não posso vê-lo fazendo tal estupidez e ficar quieta. Isso é uma doença nojenta, sem noção e repugnante. A igreja diz e reforça que...
— Você não entende — ele diz, baixo e autoritário, interrompendo minha enxurrada de pensamentos. Seus olhos adquirem um tom mais escuro, o que me leva a crer que ele está com raiva ou muito assustado.
— Tem razão, não entendo — admito, falando mais alto do que deveria — E eu também não quero entender. Agora, se me der licença, Vossa Alteza.
Faço uma reverência, expressando raiva nos atos e olho mais uma vez para a direção de Rupert. Eles não se beijam mais. Agora Rupert me olha com os olhos arregalados, assim como seu amante. Pois é, acho que acabei gritando alto demais.
— Phoebe, volte aqui. É uma ordem! — Ed chama meu nome repetidas vezes assim que viro as costas, mas eu estou tão absorta em minha raiva que não dou ouvidos — Droga!
{...}
A confinação no quarto está funcionando muito bem essa tarde. Tranquei-me aqui há horas. Ed não veio me ver, Rupert não me procurou e minhas criadas não deram as caras. Realmente, foi melhor assim. É melhor esfriar a cabeça antes de fazer alguma besteira impensada ou ser demasiado grossa com alguém.
Jogo-me para o outro lado da cama como estive fazendo na última meia hora, desde que resolvi deitar. Mas o sono não vem. Estive me esforçando demais em manter a mente ocupada, não quero que a imagem de Rupert se repita na minha cabeça tantas vezes até que eu chegue em um limite e vomite.
Além das janelas e dos muros, o pôr-do-Sol está próximo. As memórias do dia anterior vêm como flashes lentamente, enquanto eu falho miseravelmente em barrá-las.
Eu simplesmente não posso ter me apaixonado em tão pouco tempo.
Afinal, o que é o amor? Como se ama alguém? Como se ama um príncipe e o quão comprometedor isso pode ser?
Dou meu dia por acabado. Havia planejado passear pelos campos depois de decretar minha confinação indefinida a fim de esfriar a cabeça, mas recordei do cenário que vi mais cedo e perdi a vontade. Também pensei em ir ao Salão das Mulheres, mas o medo de encarar Lillian e ser ameaçada foi mais forte que a coragem. O Grande Salão também não pode ser considerado um dos lugares mais seguros. Talvez a biblioteca me acolha de braços abertos… É um lugar imprevisível, Ed sabe do meu amor por livros, mas ele não deve imaginar que lá será o novo esconderijo.
Mais algumas lembranças me vêm à mente de quando éramos crianças. Meu coração se aperta ao pensar em Rupert, mas não posso evitar as memórias que descem aos montes como as cascatas de uma densa cachoeira. São lembranças boas, não me recordo de ter lembranças ruins com os príncipes.
Nossa brincadeira preferida era esconde-esconde. Não haviam regras a serem seguidas nem preocupações. Nada além de apostas para ver quem ganharia.
Edward sempre foi o melhor nos jogos, sempre foi melhor em tudo. Mas eu e Rup não ficávamos tão para trás. Meu esconderijo preferido era a cozinha, ao lado de todos os fornos e guloseimas fornecidas por lá. As cozinheiras ajudavam-me a esconder por entre os balcões, elas adoravam brincar conosco. Fora o detalhe de que, sempre que descíamos, poderíamos comer ou pedir o que tivéssemos vontade. Com o tempo, ficou previsível demais para onde eu iria sempre que brincássemos e tive de mudar, mas não abandonei nada por lá.
Infelizmente, também não posso evitar lembrar do recente episódio inesperado na cozinha, que foi um momento constrangedor e hilário. Lembro-me de ficar sem reação e na hora não percebi, mas analisando hoje, tudo está tão diferente. Será que as madames das brincadeiras ainda trabalham por lá, servindo quitutes para o rei? Será que elas se lembrariam de nós, mesmo depois de quase quatro anos?
Gostaria de ter aproveitado mais aqueles momentos, mas quando completei uma idade um pouco mais avançada, as brincadeiras mudaram. Os garotos, sendo mais velhos, inventaram novas distrações. Foi exatamente nessa época que Ed confessou me olhar com outros olhos. Nós começamos a nos envolver inocentemente e um tempo depois eu fui embora. E nunca achei que voltaria devidas as circunstâncias em que nos fomos. Foram os anos mais longos da minha vida, mas também os mais velozes. Os mais hostis em relação a saudade.
E olhe aonde estamos hoje. Todos nós.
Levanto com pressa da cama, tropeçando em meus próprios pés até o armário de roupas no canto direito do quarto. Vasculho os cabides e encontro um vestido simples e confortável, vermelho e sem arranjos, apenas com pequenos bordados dourados no busto e um decote mínimo. Suas mangas vão até os cotovelos e, apesar de calor, a barra chega a encostar no chão. Para minha grande sorte, ele não precisa ser usado com um corpete nem espartilho. Não espero mais nada para puxá-lo e ir até a frente do espelho.
Sempre soube me vestir muito bem sem o auxílio das criadas, então em poucos minutos o chamise branco está jogado no chão do quarto e o novo vestido modela minhas curvas.
Porém a simples habilidade que tenho com roupas, não é a mesma que tenho com cabelos. Passo longos minutos decidindo o que fazer com ele, já que depois de rolar e rolar na cama, está parecendo mais um ninho de passarinho. Faço a trança mais desengonçada da minha vida e enrolo-a em um coque. Poderia ter ficado melhor, então faço uma nota metal para treinar depois com as criadas e, como já estou ficando estressada, resolvo descer de uma vez. Na verdade, não ficou tão deplorável assim.
Enquanto caminho pelos corredores e passo pelos guardas, uma súbita ansiedade toma conta de mim. Eu sei que Edward gosta de ir à Biblioteca Real para fazer seus trabalhos como príncipe, então tomo conhecimento, talvez tarde demais, que traí a mim mesma escolhendo este lugar. Aos poucos, minhas mãos ficam trêmulas e suadas. Enxugo-as discretamente diversas vezes no vestido em um curto período de tempo. Assusto-me com a capacidade do que Edward consegue fazer com meus sentidos. Talvez eu realmente não queira fugir e sim ser encontrada. Mesmo depois do acontecido com Rupert.
Esse assunto precisa ser esclarecido. Eu sei disso desde a hora em que o vi no campo, mas a repulsa foi maior. Ás vezes, pode ser melhor não saber. Não tenho certeza se conseguirei aturar isso, tampouco me aliar a eles e esconder este segredo. Não é do meu feitio ir contra meus próprios princípios, embora eu realmente não queria prejudicá-lo em nenhum sentido.
A decepção é maior ao cruzar as grandes portas da biblioteca e encontrá-la vazia, somente com inúmeras prateleiras de livros. Há um senhor atrás de uma mesa, ele tem a idade avançada e logo sei que é o responsável pelo lugar. Observo em volta e tudo o que vejo são estantes que vão do chão ao teto, divididas tochas acessas queimando por todo o local e várias mesas com livros abertos e empoeirados.
Insegura, caminho até uma das mesas grandes e marrons, sento e pego o primeiro livro a minha frente. Ele é extremamente grosso e está fechado, a poeira fazendo contraste com as chamas da tocha mais próxima e com os adornos cautelosamente traçados por sua capa.
Abro a primeira página e uma nuvem de poeira me atinge. Tusso, enquanto abano com as mãos perto do nariz e meus olhos se fecham evitando contato também. Quando a poeira abaixa, olho para o livro e outra camada de sujeira está presente ali. É, definitivamente, o livro mais velho que já vi. Não é possível enxergar nem mesmo o título. Levanto com cuidado da cadeira e tomo certa distância, crio coragem e deixo que meus dedos escorram por suas páginas. Outra nuvem sobe, mas desta vez não sou atingida.
{...}
Descobri que o tema do livro é Mitos e Lendas de Cantberg, tendo como este o título. Os contos são mais que interessantes e tenho certeza que passei mais do que miseras horas escondendo-me por aqui.
A noite tomou conta de tudo e até cheguei a conversar um pouco com o senhor velho que cuida daqui. Ele disse que esse é um dos livros banidos no reino, ou pelo o menos era há um tempo atrás. O senhor McField explicou que o Rei Marcos III, antepassado Sheeran que reinou três linhagens de reis antes de Charles, considerou que os livros não eram tão perigosos quanto já foram julgados um dia e isso me deixou com uma pulga atrás da orelha, afinal, o que tem aqui que já foi tão perigoso a ponto de ser proibido!? Optei por não perguntar e descobrir por mim mesma.
Um único exemplar. Só há um exemplar deste livro por todo o reino ou por qualquer lugar do vasto mundo.
O senhor McField também me advertiu para ter cuidado pois, por mais que não seja mais um dos livros proibidos, os reis ainda o temem. E acho que Charles não gostaria de me ver lendo algo assim.
“— Não estou autorizado a deixá-la ler isso, jovem. É por esse motivo que peço que tenha demasiado cuidado; há muito mais nas entrelinhas do que realmente vemos. Não deixe que lhe peguem com ele, estou abrindo uma grande exceção. Eu sei quem você é agora e o que irá se tornar amanhã. Sua áurea oculta inspira grandeza. ”
As palavras dele não foram exatamente um conforto. Significou um aviso e uma nova confusão para pensar. Pude perceber que ele olhava para os lados com o canto dos olhos o tempo todo ao falar, como se fosse um ligeiro segredo e precisasse de cautela e sabedoria ao escolher para palavras certas. E eu me peguei em uma charada. Afinal, “há muito mais nas entrelinhas do que imaginamos”...
Foi uma mensagem, não sou estúpida a ponto de não perceber. E ele sabe que entendi. Agora, só resta saber o que ele realmente quis dizer. O senhor McField conseguiu me deixar assustada e com mais mil toneladas na cabeça para pensar.
Ouço um trovão e logo um raio cai, iluminando toda a extensão da gigantesca biblioteca. Dou um pulinho de susto na cadeira e não demora mais que dois minutos para que barulho da chuva possa ser ouvido, ecoando pelas paredes ocas do cômodo vazio.
Pego um pequeno prato com uma vela em cima que está do outro lado da enorme mesa e ando a passos largos em direção a tocha mais próxima. Com cuidado, deixo que o pavio da vela encoste nas chamas da tocha. Quando ascende, viro meus calcanhares e ouço um barulho oco ecoar por toda a Biblioteca Real.
Certo, agora tenho motivos reais para ficar assustada.
Algo parece ter se movido. Não são passos nem algo caindo, mas o barulho é muito semelhante ao de páginas passando. Volto cautelosa para meu assento com o olhar em todos os cantos da sala. Não vejo nada de diferente e acabo relaxando os músculos, que não percebi que estavam tensos.
Acabou sendo uma ótima escolha vir para cá, para distração. Nas últimas horas, me enchi de mais histórias e contos que em toda minha vida. Não lembrei dos problemas, não lembrei de Rupert e sua doença, dos momentos com Ed, da saudade de casa… nada! Esses são problemas para me preocupar depois, pois agora minha única vontade é ler. Um grande privilégio concedido a poucos.
Volto minha atenção ao livro e me surpreendo ao ver que ele está em uma das últimas páginas. Mas... eu ainda não estou chegando nem ao meio!
Arregalo os olhos. Estive lendo lenda por lenda e até aquelas que já conhecia, reli. Não há explicações lógicas para o fato. Engulo seco, analisando a próxima lenda. E talvez não tenha me surpreendido tanto ao ver de qual se trata. O único motivo que martela na minha cabeça, além de como, foi porquê.
“Eu sei quem você é agora e o que irá se tornar amanhã. ”
Na página aberta, o título reluz com a luz da vela e diz o seguinte em letras marcantes: “The Estienne’s Blade”.
A Lâmina de Estienne. O mito da libertação de Cantberg.
.........
Isso é uma bobagem, é tão ruim
Devo estar paralisado, para te desejar tanto assim
Me fortalecendo, me enfraquecendo
Me tira do sério como se não houvesse nada
Você era meu sol, você era meu mundo
Eu era seu melhor amigo e você a minha primeira
Partindo meu coração pouco a pouco
Há um motivo para isso, sim
Você não sabe o que é capaz de fazer comigo
Sim, você roubou meu coração
E tudo o que tenho é um buraco onde ele costumava ficar
E agora que você tem outro para me substituir
Mas ele não é o cara certo
Você não sabe o que é capaz de fazer comigo
Sim, você me deixa paralisado
Numb – Nick Jonas
.........
Lânia Europa)
“Somos interrompidas pelo barulho da porta. Mais uma vez.
Quatro guardas entram em duas filas, divididos em dois. Marcham até saírem do rumo da porta e logo o rei Charles entra, seguido por Ed.
Respiro fundo, agora com reais dificuldades para manter a respiração. Todos os meus pensamentos evaporam, inclusive a ideia de não lutar por Edward.
Não posso desviar os olhos.”
Encaro-o fixamente, como se ele realmente pudesse ver toda a discórdia que eu venho carregando durante todos esses longos dois anos.
Eles marcham até os tronos. Estou encarando-os tão fixamente que não percebo quando todas aquelas pessoas se curvam. Eu sou a única que continua com a postura ereta e de pé. Com os cabelos sujos e bagunçados, suada, roupas imundas e um par de botas. Meu maior desejo é que Edward Christopher Sheeran possa me ver neste momento. O estado que trouxe sofrimento a todos.
Não posso deixar de observar, em meio a tanto ódio, que ele só ficou mais bonito. Sua coroa agora é diferente da época em que nos casamos. Provavelmente está mais pesada, com mais ouro e pedras brilhantes. Há um crucifixo depositado no centro de todas as coisas minimamente arquitetadas, que é ligado por vértices grossas que também são moldadas de ouro e pedras. Uma coroa maravilhosa.
Seus cabelos ruivos parecem queimar ainda mais e me pego pensando se eles são continuam macios como antes. E seus lábios rosados parecem um imã atraente demais para aguentar a pressão. Ed está usando uma capa vermelha sangue e tem um cetro na mão direita. A espada de ouro está presa em sua bainha. Aquela espada pode ser considerada sagrada por algumas pessoas, mas depois que Ravermom chegou em minhas mãos, ela é só mais uma lâmina qualquer forjada para mais um dos muitos reis que já existiram.
Ele está tão engomado. Antigamente, só se vestiria assim se fosse obrigado. Mas sempre achei que ele fica lindo com todas essas regalias. Com a postura intocável e o olhar duro para todos a sua volta. Ele fica sexy. Nunca me arrependi de ter dito-lhe essas palavras enquanto havia tempo e sou agradecida por sempre ter aproveitado ao máximo os momentos ao seu lado. Mesmo que eu não lute, Edward Sheeran foi meu melhor erro.
A velha sensação arrebatadora de que meu coração vai sair pela garganta em algum momento – tão desaparecida –, faz-se presente como se nunca houvesse realmente ido embora. Eu o sinto saltitar livremente em meu peito. Não lembro mais da raiva ou do ódio, tudo o que me resta justo na pior parte é apenas a grande saudade. Não consegui me repreender por sentir isso. As coisas aconteceram rápido demais e, quando dei por mim já estava a quilômetros longe, fugindo de seu pai.
Ed e seu pai seguem junto dos guardas para seus respectivos tronos.
Ah, seu pai! Ele destruiu tudo o que eu tinha, é dele que mais sinto ódio. Toda a admiração, lealdade ou qualquer outro sentimento bom que nutri por ele durantes anos seguidos, virou pó em poucos segundos quando as coisas desandaram. Um segundo falso pai, pois o primeiro também não mostrou muito afeto e amor para comigo. Ambos preferem a monarquia a uma filha como eu, uma rebelde.
Edward senta-se ao lado de Lillian. Logo atrás, estão os velhos ditadores do poder. O trono de Charles e Adelaide fica dois degraus acima, significando união e lealdade, honrando o velho reinado deles e o de Ed e Lillian fica logo abaixo. Eles significam a potência do poder e superioridade sobre o reino que tem juntos neste novo reinado. O poder que nós dois tínhamos juntos...
Valentim é conduzido para as mãos da aia mais próxima. Pelo menos, a aia que escolhi continua a mesma. Comiotto deve saber que as pessoas mais qualificadas já estão contratadas em seus devidos postos: as melhores comidas já são servidas em todo o castelo e assim se segue em uma lista extensa. Um reino bom, por isso ela escolheu não mudar nada. Menos, logicamente, minha forma de governo. O resto, ela deve se contentar. Mesmo que não seja o suficiente para seu ego, ela quer se tornar igual a mim. E, bom, ela acha que conseguiu. Mas nunca vai ser igual a mim.
Christopher pega a mão de Lillian com um sorriso estampado no rosto, ela sorri de volta e eles olham para os súditos que tem os olhos focados em cada movimento deles. Parece sincero. Tudo parece sincero demais para minha mente tentar arranjar formas de negar a verdade.
Sinto uma flecha no coração, eles estão mesmo juntos. Verdadeiramente juntos. Todas as esperanças que nasceram e se fixaram como raízes em meu coração, com a possibilidade de uma possível volta se esvaem rapidamente. Tão rápido quanto o Sol dá lugar à Lua ou quanto as queimadas demoram para dizimar um plantio inteiro. Como um relógio demora para soar e anunciar o próximo minuto ou segundo. Tão rápido quanto demorei para me apaixonar por Edward.
O rei cochicha algo no ouvido de sua acompanhante, ou melhor, futura esposa. Lillian solta um sorrisinho discreto, como as regras de etiquetas reais dizem que devem ser e faz um gesto com a mão direita chamando uma criada. Minutos depois, estão com taças de vinho nas mãos.
— Ele vai ficar ali, sentando e bebendo vinho? — Jade vira-se indignada para as amigas, assustando-me um pouco e desviando o olhar daquela visão dolorosa — Ele não vai dar um comunicado? Eu tenho afazeres!
Com afazeres, ela quis dizer: “tenho uma fugitiva presa num feitiço. Se não for nada importante, me deem licença porque preciso ter uma conversa séria e cometer traição ajudando ela a invadir o castelo superprotegido do rei para uma vingança pessoal. ”
Começo a rir da ironia idiota de meus pensamentos. Não é a hora certa.
Jade me olha de soslaio e abano as mãos, indicando que não é nada importante. Eu, com certeza, devo ter minhoca na cabeça ao invés de um cérebro. Só rindo para não cair aos prantos agora mesmo.
Mordo o canto dos lábios, meu velho costume e com toda a determinação e coragem possível olho para o lugar dos tronos novamente.
Uma senhora que reconheço como uma das damas de Adelaide chega perto das meninas, ela está com um belo vestido e suas mãos postas atrás das costas, com graciosidade.
— Não se preocupem — ela ri, levemente — Edward só nos convocou aqui para poder desfrutar das boas companhias disponíveis. Nada alarmante, ao menos desta vez. Vossa Alteza anda confinado ultimamente, está precisando de uma conversa de rendimento. Que tal ir falar com ele, Jade? Ele gosta da sua companhia e dos diálogos que proporciona.
Parece que Jade levou um tapa, seus olhos se arregalam e ela engole seco.
— Minha senhora, sinto muito, eu realmente adoraria, mas estou um tanto atarefada hoje. Por que você vai no meu lugar, Alexa?
Gênia, não tem coisa melhor para inventar... Chego mais perto, colando ao seu lado e tendo total acesso ao seu ouvido, caso ela precise de mim. Porém, Alexa assente surpresa.
— Ah, sim. Ótimo. Querida, queira acompanhar-me, por favor — a senhora estende o braço para Alexa, que logo o entrelaça e elas parecem iniciar uma conversa animada quando nos dão as costas.
— Por que o rejeitou? — pergunto, baixinho.
Ela me olha e tenho certeza que ficou minimamente surpresa ao perceber que, sim, eu gostaria observar aquela conversa. Jade revira os olhos e se vira para as damas.
— Que alívio! — Grace diz, soltando o ar — Pensei mesmo que ele fosse anunciar a droga do casamento hoje...
As demais presentes assentem e iniciam uma conversa paralela sobre como estão felizes pelo alarme falso até... Jade interrompê-las.
— Desculpem-me, mas preciso mesmo ir. Tenho um problema para resolver. Se Ed der minha falta, por favor, avisem a ele que tenho um compromisso inadiável com uma pessoa.
A primeira a assentir é Grace, então todas as damas trocam sorrisos forçados e reverências. Jade vira as costas rapidamente e segue até a entrada do Grande Salão. É um pouco complicado andarmos no mesmo ritmo e quando consigo atravessar a porta da frente – por pouco não fico para trás, trancada lá –, ela já está virando o próximo corredor.
{...}
Estendo minhas mãos sobre o fogo aconchegante, sentindo-o esquentar minha pele fria. Jade encara fixamente o chão. Não quero interferir, ela deve estar pensando em coisas importantes.
— Então — segundos depois, ela puxa assunto, virando-se para mim — Você ainda não disse no que precisa da minha ajuda.
Cutuco as brasas com uma vareta fina e suspirei fundo. Estamos sentadas no chão dos aposentos dela, que ficou quieta e aérea desde que saímos do Grande Salão. Poucas palavras foram trocadas. Além das portas, no corredor, há dois guardas vigiando o quarto da senhorita Thirlwall. Isso deve ser tão cansativo para ela. Quatro paredes são a única coisa que nos impedem de sermos presas neste exato momento.
— Você também não disse porque Edward está te cercando com guardas todo o tempo.
— Sou a protegida dele — dá de ombros, como se não importasse. Mas percebo de cara que sim, importa.
— Tudo bem, não precisa contar — a curiosidade começa coçar, mas decido que é melhor respeitar o espaço dela. Ficamos muito tempo afastadas e agora não posso simplesmente exigir que ela me conte tudo sobre sua nova vida. Afinal, eu também estou omitindo detalhes sobre a minha.
— Não é isso, eu quero contar. Só é.... complicado.
Torço o canto da boca, não sei o que falar.
— Então descomplique. Conversar é bom, Jade e eu sei que você não tem ninguém para falar sobre certos assuntos. Eu estou aqui e não tenho pressa para ir embora.
— Certo. É sobre Lillian.
— Eu já imaginava — é minha vez de dar de ombros — Esse assunto é mais fácil do que você pode pensar. Agora, simplesmente me conte.
— Ela... está nos vigiando. Todas as velhas damas — começa cautelosa, fazendo caretas e estreitando os olhos — E isso é tudo o que sei.
— Por que... — minha voz falha — Por que não me avisou?
Uma ira inimaginável me atinge em cheio como um forte soco no estômago. Sinto repulsa, nojo, ódio… Mais ainda do que pensei que pudesse sentir.
— Sabe que essa não é a pergunta certa, não é? Na realidade, acho que ela está morrendo de medo de suas seguidoras. Antes que você me corrija, nós ainda te apoiamos e te seguimos. Mesmo sem notícias. Tentamos manter sua chama viva por aqui. E Grace, ela anda contando histórias sobre uma jovem guerreira que deixou toda sua vida para trás somente para apoiar a causa que acreditava.
— Parece que ficamos ainda mais loucas do que antes — comento, soltando um risinho e sou acompanhada por Jade. Mas a tensão não foi aliviada, ela continua pairando sobre o ar - Estou muito orgulhosa de todas vocês.
Eu não posso deixar passar os agradecimentos, pois meu coração é confortado instantaneamente. Ela poderia ter avisado antes. Talvez, saber disso tivesse evitado uma tonelada de sentimentos desnecessários.
— Eu sei que está. Nós estamos também, por tudo o que tem feito.
Sorrimos e nos abraçamos bem apertado. Ah, como eu senti fala dela. De abraços e momentos sinceros como estes.
— Enfim — pigarreio — Preciso que ache uma entrada para que possamos invadir.
Jade franze as sobrancelhas e pega o graveto da minha mão, cutucando o fogo.
— Só isso? Pensei que tivesse um papel mais importante para mim — ela sorri, travessa — Mas já sei onde, não precisa se preocupar.
— Na verdade, não — mordo o lábio inferior — É um pouco mais complexo que isso. Mas eu vou precisar te contar uma longa história. Quero que fique por dentro de tudo.
— Claro, tudo bem. Só um momento — Jade olha para a porta, estende a mão e logo o som de uma tranca descendo pode ser ouvido. As vantagens de ser uma bruxa... — Pode falar.
Então, de repente, tenho a impressão de que será só mais uma noite no castelo em que estaremos fofocando e sorrindo e, no final, Ed estará me esperando em nossa cama, pronto para levantar no meio da noite quando Valentim acordar. Ele sempre foi um pai coruja.
Acabo cutucando uma ferida aberta e decido focar no que realmente é importante. Esse tempo é passado, apenas memórias, nunca voltará. Minha vida nunca mais vai ser perfeita daquela forma. Nunca mais vou ser realizada em todos os sentidos. Não da mesma forma que antes. Nunca mais vou ter a sensação maravilhosa de que sou bem-vinda em algum lugar, pois sempre haverá pessoas para me julgar ou odiar. Os sorrisos sinceros nunca serão mais do que breves momentos. Uma vida sem paz, sem fim.
— Bom — sacudo as mãos no ar, em um ato explícito de nervosismo. Não sei por onde começar — E Rupert, tem notícias dele?
— Não, ninguém tem permissão para chegar perto — ela parece tão abalada quanto eu — Espere, não vai dizer que...
— É, sim.
— Rupert está trancado na torre leste, com turnos de guardas a cada duas horas. Isso vai ser extremamente difícil — ela franze a testa, esperando minha reação. Apenas respiro fundo e me preparo para a próxima pergunta.
— E Marcus?
— QUÊ? — sua voz sobe duas oitavas — Você realmente perdeu o juízo, Phoebe!? E se Ed descobrir, ele vai ficar irado...
— E Marcus? — repito, interrompendo-a.
Ela pisca várias vezes, ainda não acreditando, mas cede com uma bufada.
— Acho que sabe onde encontrar ele.
— É, acho que eu sei. Obrigada.
— De repente, não estou tão mais empolgada para o plano.
Rio levemente.
— Não diga bobagens. Mas se realmente não quiser fazer parte, tudo bem. As coisas mudaram e eu precisaria de você, mas....
— Você realmente perdeu o juízo — ela revira os olhos — Eu não perderia isso por nada! Mesmo que... Marcus faça parte.
— Parece que ainda gosta de encarar um desafio — brinco, mandando uma piscadela.
— Desafio é meu sobrenome, madame Sheeran!
{...}
— Então, deixe-me ver se entendi direito: Emma, a tal bruxa, vai distrair os guardas enquanto eu e Melina evacuamos vocês para dentro?
— É Malena — corrijo — E sim, exato. É exatamente isso.
— Que seja... E o que elas tanto querem aqui?
— Hm... — mordo o lábio inferior, repreendo-me por saber que ela perguntaria sobre isso e não ter inventado nada adiantado.
— Vai dizer que não sabe? Por que não estou surpresa? — arqueia as sobrancelhas.
— Nós temos um trato. Elas querem pegar algo que está aqui dentro, mas não sabemos o que é.
— Sabe que isso pode ser importante para você ou para Edward ou te envolver diretamente, não sabe?
— Sei, eu sei os riscos — Mas também sei os riscos que corro se não aceitar, completo mentalmente — Então, o que acha? Posso ter certeza da sua participação?
— Não há como voltar agora, de qualquer forma — ela sorri de lado e eu reviro os olhos.
— Falando assim, parece que está se sentindo obrigada a algo.
— Não — ela me olha do modo mais sério que pode — Mas não estou. Esse é o meu jeito de dizer sim, Phoebe. Quero correr esse risco e muitos outros para provar para o rei e para o povo que eles sempre estiveram errados ao lhe darem as costas. Estou pagando para ver quando as coisas começarem a ficar feias, todos vão correr para a “libertadora” novamente. E eu não quero ser uma dessas pessoas, quero poder ter o orgulho de dizer que não saí do seu lado por todo o tempo que pude permanecer.
Um sorriso triste brota em meus lábios.
— Eu não me importo — refiro-me ao fato do povo ora me rejeitar, ora precisar de mim.
— Sei que não, mas deveria. Deveria mesmo, Phoebe. É sua vida, seu orgulho — nego, ainda sorrindo. Vendo que não conseguirá me convencer, ela bufa e muda de assunto — E Ravermom?
— Ravermom? — ri, com meu sorriso se intensificando.
— É. Você não contou essa parte da história, só o plano. Suponho que tenha conseguido, claro. Ou esteja muito perto disso. Todos viram o raio de luz misterioso no alto do Monte de Azra.
— Eu consegui — afirmo.
Jade dá um pulo do chão e tapa a boca para não gritar. Pensei que seus olhos fossem saltar das órbitas.
— Não brinque comigo! — avisa.
— Eu não estou brincando, Amélia! Já faz mais de uma Lua que estou com ela. Muito mais, mas não estou contando.
— Céus, Phoebe! — sussurra de forma exagerada, como se estivesse mesmo gritando — Eu não consigo acreditar! Você conseguiu mesmo, parabéns!
Então, seus braços me envolvem em outro abraço caloroso enquanto ela rodopia nos conduzindo por todo o quarto com uma alegria que contagia todo o meu ser por alguns instantes.
— Para esclarecer: nunca duvidei de você, nem por um segundo!
— Eu sei — ri.
Quando finalmente pegamos a espada, a empolgação foi inevitável. A sensação de poder e dever cumprido era ótima. Mas, principalmente, a felicidade. Ela nos motivou ainda mais durante um tempo determinado.
Eu e Jade nos soltamos e sento em sua cama, macia e leve como pena. Eu senti falta das regalias do castelo nos primeiros dias, foram tempos terríveis. Mas olhando agora, isso é somente uma cama. Luxuosa ou não, ainda é uma cama. Fui obrigada a aprender ver o mundo de outra maneira e não me importar somente com coisas bonitas. E essas lições são mais valiosas do que a maioria das pessoas pode imaginar.
Após alguns minutos de silêncio, um barulho atinge o quarto e nos assusta. É a porta, parece que vai ser arrombada.
— Jade, abra essa porta agora!
Olho para ela, assustada. Edward. Ainda não tinha ouvido sua voz, tão linda e rouca ao extremo. Causa arrepios só na primeira impressão. Pisco diversas vezes, atordoada. Levanto da cama num pulo e encaro minha amiga estática.
— Eu sei que está aí! Amélia, não me faça arrombar essa porta. Se você abrir, as coisas serão bem melhores.
Em poucos segundos, minha respiração fica totalmente descompassada.
— Não tenho escolha — ela move os lábios, sem som algum. Faço o mesmo ato, soando um “Tudo bem” e deixo que Jade destranque a porta. Edward entra como um furacão, deixando todos os guardas para trás. Ele passa e tranca a porta novamente.
Tento não fazer movimentos bruscos, somente para minha própria precaução. Não estou com medo do que Ed fará, mas sim de ter um ataque e avançar para cima dele, correndo o risco de dar lhe vários tapas. Ou beijos. Christopher veste outras roupas agora, menos engomadas e muito mais confortáveis. A camisa de algodão branca com alguns dos botões abertos me chama atenção, fazendo lembrar do dia em que nos reencontramos no castelo quando voltei após três anos distante. Ele veste algo parecido e agora estamos nos reencontrando de novo. A calça, por sua vez, faz contraste com a blusa, em um tom de marrom escuro. Aquela maldita coroa ainda está em sua cabeça, porém isso só me deixa ainda mais louca. Ele está... excepcionalmente sexy.
Barbra disse que o tempo curaria minhas feridas, mas eu não me curei nem um pouco. Nada mudou. Ao que parece, as coisas só pioraram desde então. E continuam piorando.
Jade continua calada, apenas faz uma reverência trêmula enquanto Ed respira fundo.
— Onde ela está? Eu preciso vê-la! — seus passos vão encurtando a distância dos dois e logo eles estão cara a cara. Jade puxa todo o ar em volta e bufa em seguida.
— Ela quem? Não há ninguém aqui! — Amélia sempre foi muito convincente quando preciso e, se eu não a conhecesse bem, pensaria que ela estava mesmo dizendo a verdade.
— Phoebe! Eu sei que ela está aqui neste quarto. Revele-a pra mim, Jade.
Tenho certeza que vou vomitar. Por favor, acho que não ouvi bem.
Edward agarra os braços dela e a sacode, somente o suficiente para que ela saia delicadamente do lugar. Meu marido parece estar fora de si. E foram poucas as vezes em que o vi desse jeito.
— Por favor — ele suplica — Eu preciso ver ela. Saber se está bem. Ver com meus próprios olhos.
Encaro o chão ao ver seus olhos marejados e os lábios avermelhados. Mais um pouco e eu juro que desmoronarei. Não posso ser uma muralha gigante de pedra em todos os momentos, posso?
Assinto e Jade me dirige um olhar incrédulo. Ed funga e olha para minha direção, curioso. Ter seu olhar sobre mim me deixa queimando entre brasas. E ele nem sabe que está realmente me vendo. Não sabe que eu estou bem ali na sua frente.
Seus dedos se afrouxam nos braços de Jade e ele corre os olhos pelo quarto, continuando a me procurar.
— Estou pronta, Jade.
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