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História Crossed Histories - Borders


Escrita por: Gigi-do-Malik

Notas do Autor


Olá turma! ~ arroto do Luba ~ Como é que vocês tão? Tudo suave na nave?

Boom, não sei por onde começar - e não pensem nessas mentes mirabolantes "pelo começo"! Eu fiquei com um grande bloqueio nesse último tempo, foi uma luta terminar esse capítulo, até pelo tempo que demorou - eu fico com a consciência pesada se ficar muito tempo sem postar - mas acabei decidindo que focar na minha imaginação era mais importante, afinal, como eu vou postar se não consigo desenvolver a história? Admito que o fato de não ter muita gente lendo também ajudou nessa decisão, maaas... aqui estamos nós, vocês e eu e eu e vocês <3

Esse capítulo é um marco muito importante. Tipo, muito mesmo. É uma das milhares de coisas que eu tenho em mente desde o primeiro capítulo - e sim, já dei pistas sobre o que vai acontecer (capítulo 7, passado but não olhem antes de ler) assim como em outras. Espero que tenha ficado bom e emotivo, porque né rs Eu esperei muito por esse momento e espero que esteja na etapa certa

Aproveitem a leitura, bolinhos de cenoura s2

Capítulo 23 - Borders


Fanfic / Fanfiction Crossed Histories - Borders

                                     Lânia (Europa)

— Digam. Querer o quê? — ele repete.

Arregalo os olhos, lembrando de quando minha mãe apanhou por causa dessa maldita lenda. Eu ainda tenho coragem de cometer o mesmo erro que cometi no passado? Engulo seco, sentindo meu coração errar várias passadas e uma raiva descomunal me atingir. 

— Não seja curioso, senhor Bailke — Ed diz e arqueia as sobrancelhas, como se o desafiasse a algo.

Arregalo ainda mais olhos e penso em uma forma de tentar impedir uma possível briga.

— Hm — pigarreio — Edward e eu estamos decidindo a cor da próxima joia que quero ganhar. Ele disse que a dará para mim. 

— Ótimo — meu pai diz, desconfiado, mas abre um sorriso falso — Edward pode ter a língua afiada, mas é um cavalheiro.

— Obrigado — a voz de Ed soa irônica — Estou aprendendo com os maiores cavalheiros do reino. 

Não entendo o tom usado, tampouco a frase, mas o que eu posso fazer contra esse duelo? Apenas abro um sorriso sem graça enquanto fecho o livro de lendas o mais discretamente que posso e o empurro para um pouco longe de mim, evitando causar suspeitas que nos levem a problemas.

— Bom — bato as mãos no vestido, como se o arrumasse e me dirijo à Baltazar — O que faz aqui, papai? Está me procurando?

— Na verdade, sim e não — ele pigarreia — Estou em busca do príncipe. Vossa Magnificência manda que ele compareça imediatamente aos aposentos reais dele — meu pai olha no fundo dos olhos de Ed e continua, sério — Contratempos com a família. 

Edward se despede de mim somente com um beijo na testa e os dois saem tão rápidos como um raio, tão repentinamente quanto papai apareceu. Depois disso, tudo é um borrão.

Sou informada de que preciso permanecer no quarto até que amanheça e que o jantar será servido nos aposentos de cada visitante ou residente. Tomo banho na banheira que eu mesma preparo – as criadas não aparecem e concluo que estão ocupadas com o que quer se esteja acontecendo – e rezo para que o “contratempo com a família” não seja algo relacionado à Rupert. Temo tanto por isso que sinto como se houvesse uma mão enfiada dentro de meu peito, esmagando o coração, pouco a pouco com a angústia da dúvida. 

Compreendo Edward melhor do que em todas as vezes. Cada segundo é uma preciosidade. Cada minuto é um perigo. Cada hora uma incerteza. Juntos, eles formam um misto de sentimentos que não combinam, algo que o estômago não consegue digerir. Cada vez que a brisa sopra, o destino pode estar prestes a mudar. O exílio, o enforcamento, o açoite até a morte, o temido ‘empalador’¹, a decapitação... Podem obrigá-lo a usar um cinto de castidade. Podem matar Duarte na frente de Rupert ou então somente sumirem com ele. Podem fazer exatamente o contrário.

Não vou aguentar passar por isso, caso venha a acontecer. 

Quando saio do banho, estou tremendo e chorando. É um choro leve, poucas lágrimas, mas carregado de significado. Tudo o que quero é que alguém bata à minha porta e diga que Rupert está bem; o que está acontecendo. Mas não acontece. Passo toda a noite acordada, paralisada, sem mexer nenhum músculo tencionado. Quando os primeiros raios de Sol surgem, já estou de pé. Angustiada, visto qualquer roupa de qualquer jeito. Meus devaneios vão longe.

Tenho vontade de sair, mas o corredor está tão silencioso que sei que ninguém ousou sair ainda. Isso me faz hesitar. Deixa-me nervosa. Com um bocado de coragem, abro a porta e espio lá fora. Deserto, escuro e silencioso. Sem ousadia, torno a fechá-la e ando em círculos por tanto tempo que posso cavar um túnel subterrâneo.  

Até que alguém bate na porta. É Rupert, para minha alegria e alívio. Mas ele não parece feliz como eu. Seus olhos estão inchados e vermelhos. Ele me abraça forte e chora em meu ombro. Fico tão desesperada que volto a chorar. Rup nem sequer explicou nada.

— Ela está mal. Muito mal — ele balbucia entre soluços.

— Ela? — pergunto, confusa. 

— Minha mãe — ele se afasta, fungando, e sua mão escorre pelos fios ruivos — Ed não quis contar a você, mas ela está grávida de novo e tem noites muito complicadas. Papai não deixa nem que ela saia do quarto. Fica de repouso absoluto o tempo inteiro. Já faz meses. Não sei se ela aguenta perder outro filho, Ebe — Rupert nem me espera ter reação e continua falando, sem parar — Pior: tenho medo que ela vá junto. Eu também não vou aguentar. 

A cada palavra, sinto como se Rupert se desmanchasse mais, como se ele estivesse tirando centenas de pesos de suas costas, somente para colocá-los nas minhas. De repente, todo o clima ficou pesado e fúnebre. É como se dissessem que era minha mãe, ali, em seu possível leito de morte. Mas é isso que Adelaide sempre foi: uma segunda mãe.

Olho no fundo de seus olhos verdes claros e entendo a dor, também estou sentindo ela. Abraço-o forte, mostrando no aperto como queria protegê-lo desse sentimento; livrar todos nós dele. Penso que Rup já sofre demais, tem fardos em demasia para carregar; não merece perder a mãe, uma pessoa tão boa e adorável, com um coração tão grande que sei de onde os filhos Sheeran
herdaram tanta compaixão e amor. 

Penso também que Adelaide é boa demais para este mundo, mas não merece partir dele de modo tão abrupto. Ela ilumina tudo e todos ao seu redor. É uma pessoa cativante, inspiradora, confiante. Alguém que tenho orgulho de ter conhecido. Traz à tona o melhor de cada um. Faz com que nos sintamos bem somente por ouvir algumas poucas palavras, por ver seu sorriso largo e sincero dirigido a você. Não quero perdê-la. Não posso perdê-la.

— E-eu quero vê-la —digo, perdida nas palavras e nos pensamentos. 

Ele pensa alguns instantes no que acabo de dizer. Sei que sua cabeça está cheia de coisas, mas se ela irá partir, quero me despedir.

— Venha — ele segura minha mão, mas mal tem força para puxá-la. Parece tão desnorteado que só aumenta minha vontade de chorar — Querem mesmo que você vá vê-la. Mamãe pediu todas as pessoas queridas lá. 

Fico emocionada ao ouvir a última frase. É diferente quando você ouve que é mesmo querido por alguém que ama nessas situações. Fico grata pela consideração: ela pensou em mim em um momento como esses, em que mais um filho pode estar prestes a morrer. De alguma forma, sou importante para minha rainha.

Mal consigo aguentar a ansiedade até que finalmente chegamos na ala de quartos real. Parece surreal. Diferente do restante do castelo, lá está agitado e cheio de pessoas, abafado e até mesmo os criados tem o semblante carregado de preocupação. Quando paramos em frente à porta, minhas pernas travam. Não consigo nem levantar o braço para girar a maçaneta. Rupert e eu nos entreolhamos e respiramos fundo, mas antes que um de nós pudesse agir, a porta se abre.

Lillian sai de lá, com o rosto inchado e molhado por lágrimas. Ela carrega uma bacia cheia de panos molhados e ao nos ver dá um sorriso triste e um cumprimento de cabeça, para então seguir seu caminho de cabeça baixo. Nesse momento, muitas coisas fazem sentido.

Rupert entra primeiro e vai direto para o leito da mãe. Meus pés ficam presos durante mais alguns instantes no chão, como se tivessem grandes raízes prendendo-os ali. Os olhos percorrem o quarto até encontrar o olhar de Edward sobre mim. Ele tem os olhos inchados e está sentando em uma cadeira, na beirada da cama. É o pingo de coragem que faltava para que eu entrasse.  

Antes que eu possa me dar conta, a distância que antes nos separava é encurtada rapidamente, como se eu tivesse voado até ali. Sou movida por sentimentos de compaixão e desespero. Paro em frente à cadeira de Ed e agacho-me, olho fundo em seus olhos vermelhos pelo choro e aperto sua mão, levando-a até meus lábios e depositando um beijo singelo ali. 

Seus olhos fecham e ele aprecia o carinho, para então abrir um sorriso que cortou meu coração em mil lugares distintos. Levanto-me e chego mais perto de Adelaide, que está pálida e fraca, com olheiras e a pele molhada pelo suor, mas exibe o mesmo sorriso encantador e cativante para mim. Ela me olha e bate a mão no colchão da cama, sinalizando para que me sente. Faço isso e pego sua mão.

— Você está tão linda, pequena Phoebe — ela sussurra, sua voz nada mais é que um fio fraco e rouco — É bom ver você de novo. 

— Digo o mesmo, minha rainha — abaixo minha cabeça como cumprimento. Observo todos os detalhes de seu rosto, quero que ele fique bem gravado na mente. Meus olhos se enchem de lágrimas, pouco a pouco, conforme ela se esforça mais uma vez para sorrir.

— Quero que...  — ela tosse e uma criada traz um copo d’água — quero que cuide dos meus garotos. Eles são muitos especiais, especialmente Rupert. Ele é um garoto muito diferente e isso o assusta. Independentemente do que aconteça, prometa para mim que cuidará deles, Ebe. 

Fico sem reação, com a boca entreaberta e a cara mais confusa de todo o século. Ela está se despedindo? Está mesmo pedindo isso para mim?

— Adelaide — respiro fundo, tentando, em vão, controlar o choro — Não... você não precisa se preocupar com isso. Estará aqui para cuidar deles o quanto for necessário.

Olho para Edward em busca de apoio, mas ele nega. Seus lábios mexem, sem emitir som, um “Eu tentei”. 

— Você e o.... o bebê. Vocês ficarão bem. Precisa ter fé, minha rainha — aperto sua mão e fixo meus olhos nos seu, mostrando o máximo de apoio e sinceridade que posso — Eu acredito nisso, você também precisa acreditar que não será como nas outras vezes.

— Você não sabe — ela nega — Já posso senti-lo me deixar também. Oito filhos perdidos após o parto! Tenho um útero amaldiçoado.

O ar me deixa mais uma vez. Não sei o que posso dizer para fazê-la mudar de ideia.

— Seu útero não é amaldiçoado, rainha. São tragédias que aconteceram e não pode se culpar por nada disso. Por nenhum deles. Estão no céu agora, junto ao Senhor. 

— Edward e Rupert são meu grande milagre. Eu os amo demasiadamente. Preciso saber que ficarão em boas mãos, que cuidará do meu filho mais velho com amor e zelará do mais novo como se fosse seu próprio irmão. Você não prometeu ainda, Phoebe.

— Você tem os melhores médicos aqui — argumento — As últimas novidades da medicina. Pessoas treinadas, boas no que fazem. Vão salvar vocês dois. Estarei rezando para isso.

Ela leva minha mão até os lábios e dá um beijo singelo, assim como fiz com Edward. Sua boca, além de pálida, apresenta uma frieza que chega a me assustar.

— Reze. É a única coisa que pode me dar forças agora.

Fico mais alguns minutos ao seu lado, acariciando seus cabelos ruivos e segurando sua mão, trocando algumas poucas palavras de consolo e motivação enquanto somos observadas pelo rei, os príncipes, meu pai e mais algumas pessoas da corte real. Eu nem mesmo tinha notado a presença deles até certo momento.

De repente, um vazamento ocorre. O rei Charles mantém sua postura ereta, mas seus olhos demonstram pavor. Ele sabe o que significa, embora eu não. Rapidamente, todos os homens são postos para fora da sala. Os gritos começam. Fico desorientada, sem saber o que está acontecendo. Colocam minha rainha na posição de parto e Lillian entra, afobada. 

Cada uma das pessoas parece ter um papel a fazer: algumas das damas estendem um lençol sobre as pernas de Adelaide; outras pegam panos e ficam atrás das parteiras, preparando-se para a chegada do bebê; Lillian e mais duas mulheres se encarregam de secar o suor da rainha. Tudo é uma correria que não compreendo. O que posso fazer é segurar sua mão, e uma mulher adverte que não é uma boa ideia, que ela vai apertar muito. Mas não recuo, não posso fazê-lo.

E quando os gritos de dor e pavor recomeçam, sinto uma necessidade maior que a razão de dizer a ela, pois caso acabe mal, não conseguirei me perdoar de dar-lhe paz quando foi a única coisa que ela pediu a mim.  

— Eu prometo, Adelaide. Cuidarei deles para você. 

.........

Corra além dos rios, correndo por toda a luz
                   Sinta-a quebrar e queimar, até que todos os colidam
                        Acenda um fósforo e acesse o fogo, brilhando até o céu
                 Como tudo se resume novamente
                  ​Como tudo o que vem de novo, ao som 

O som do vento está sussurrando em seu ouvido
                Você pode sentir, isso vai voltar?
              Através do calor, com o frio, continue a correr até nós estarmos lá
          Nós estamos indo para casa agora

Ouça as vozes que nos cercam, ouça-as gritando
             Nós estaremos clamando por misericórdia, sairemos chorando
                Queime as pontes na nossa cidade até o ponto em que se afogam
          Estamos voltando para casa
                 Home II - Dotan

.........

                                        Lavern & Lânia (Europa)

Fiquem paradas, não se mexam — uma voz diz.

Os músculos tensionados relaxam um pouco e uma rápida confusão mental atinge toda minha cabeça.

— Você me assustou — sussurro.

— Certo, que seja. Não se mexam.

— Norman, o quê...

Passarinho, fique quieto ou vou errar o alvo propositalmente. 

Ouço Barbra bufar e remexer-se inquietamente. O ruído de algo cortando o ar é ouvido e logo em seguida alguma coisa cai no chão num baque seco.

— Esquilos? — Barbra olha horrorizada para o pequeno animalzinho a nossa frente com uma fecha atravessada na barriga.

— Precisamos nos alimentar e não confio totalmente nas bruxas para isso. 

Ele passa por nós duas e cata-o do chão. Arranca a fecha rapidamente e amarra o animal junto aos outros três que carrega consigo.

— E afinal, você come isso desde sempre. Não precisa fazer essa cara enojada, Barbra.

— Comer é diferente de vê-lo sendo morto a sangue frio! Norman, você é um assassino de jovens esquilos bonitinhos! — ela protesta, tornando algo simples uma completa epidemia mundial.

— Ótimo, passe fome da próxima vez.

— Não dê as costas para mim assim!

— Ou então você pode recolher esquilos em decomposição para jantar. Eles devem ter algumas larvas, mas acho que você prefere assim. Ou então posso passar horas procurando um esquilo idoso somente para satisfazer seu bom senso — ele ignora as palavras dela e continua andando com seu jeito marrento.

Começo a rir baixinho, evitando que a situação se volte para mim. Eles são tão idiotas quando querem...

— Larvas? — a careta dela fica pior e juro que achei que ela vomitaria — Esquilo idoso? Qual é, Norman! Como é que você sabe quando um esquilo é idoso?

— Não sei e não quero saber. Como é que você atura ela, Pho?

— Não sei e não quero saber — repito, saindo do lugar e apressando o passo antes que Barbra comece a reclamar sobre mim também.

— Ah, então é assim? Um complô contra mim? É assim que agradece minha forma de conter a curiosidade e não perguntar nada, Phoebe? Céus, preciso do Max! Ele é o único que me entende!

— Aposto que ela está naqueles dias — cochicho para Norman, que me olha com um olhar cumplice.

— Aposto um cervo que isso é só o nível normal de chatice dela.

— Fechado — pisco para ele. 

— O que estão cochichando? — ela passa entre nós dois com os braços entendidos, mandando cada um para uma direção diferente e se pondo no meio — É algo sobre mim? Algo que não posso saber? Não estão conspirando contra Malena, não é? Não podem fazer isso!

— Barbra — chamo e ela me olhou, agitada — Respire, está bem? Apenas respire.

Ela bufa e agarra nossos braços.

— Vamos logo nos juntar aos outros. Está anoitecendo e estou ficando com frio.

— Que mudança radical de humor — comento baixinho.

{...}

Ás vezes, sinto que há um muro cercando todos os lados. Sinto-me sem ar e sem chão. Começo a sentir falta de ar enquanto um mal estar toma conta de meu coração e meus olhos encaram uma paisagem vazia e evasiva enquanto minha mente vaga longe.

Uma parte totalmente traumatizada.

Como se aquele muro separasse a velha e a nova Phoebe. A velha acabou me privando de certos sentimentos e deixou um buraco profundo que faz com eu me sinta frágil. A nova só consegue sentir o medo, a adrenalina e o pavor, quer conhecer o gosto doce da vingança. Não acho que ela consiga sentir algo como sentia antes de ser corrompida a força, mesmo que tente incansavelmente.

Porque o escuro assusta. É lá que nossos piores medos se escondem. E sinto que estou numa escuridão sem fim, incapaz de fazer com que eu enxergue um palmo a frente do nariz.

E meus pés tentam correr, mas correm muito no mesmo lugar. Gera exaustão. E o tempo passa e pareço estar sempre lá, sem mover um músculo sequer desde a última tentativa. É exaustivo para a mente também entender o que está acontecendo consigo mesmo.  É exaustivo procurar razões e tentar justificar. Até mesmo o sentimento é exaustivo.

Não sei se há maneira de escapar. É como tentar fugir da morte quando ela decide que é sua hora. Tudo o que você quer é se sentir vivo, mas sente que algo morreu ou está prestes a isso. 

— Sonhando acordada de novo, Phoebe? — saio de meus devaneios e encaro Norman, que está com a sobrancelha franzida.

— Desculpe. O que disse? — coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha e rodeio meus braços ao redor do corpo, como se eles pudessem me proteger do que eu mesma causei.

— Nada, eu não disse nada — ele sorri — Mas você parecia longe. Quer conversar?

Mordo o lábio inferior e fito o chão por longos segundos.

— Norman, eu.... 

— Olhe, sei que não sou tão amigável como o Max pode ser, mas sabe que pode contar comigo em todas as horas, não sabe?

— Sei. Eu sei — coloco a mão em seu braço, como se quisesse confirmar que eu realmente sei — Você é sempre uma grande ajuda nas minhas confusões mentais. Não posso desvalorizar isso. Nunca.

Sorrimos amarelo um para o outro. 

— Bom — ele pigarreia, ajeitando a postura forte, potente e intimidadora de sempre — Estou indo verificar o perímetro. Por que não vem comigo?

— Agora?

— Agora.

— De novo?

— De novo. Não podemos nos descuidar, cabeça de vento.

— Tudo bem — levanto e ele fez o mesmo — Vou avisar o resto do grupo. Te encontro em breve.

— Não demore — adverte. Reviro os olhos.

— Sossegue, Reedus. 

Caminho o pouco espaço que me separa do restante das pessoas e avisto Max tentando acender uma fogueira. Depois de tanto tempo fingindo sermos outras pessoas, é engraçado ver nossas formas normais assumirem o controle por muito mais tempo que as horas da noite.

— Ei, estou indo checar o perímetro com Norman. Não demoramos.

— O.k. — Max diz — A fogueira estará pronta daqui a pouco. Não vão longe, ou morrerão de frio antes de voltarem. 

Ri nasalmente e viro os calcanhares. Encontro Norman um pouco distante da área que as bruxas definiram como segura e vamos andando em silêncio por um bocado mais.

— Barbra disse que tem achado você distante — ele comenta.

— É melhor assim.

— Tem algo incomodando você.

— Ela me julgaria se soubesse.

— É sua melhor amiga.

— Justamente por esse motivo.

Ele não diz mais nada por um tempo. Demos a volta pelo lugar demarcado e quando estávamos quase chegando ao acampamento, sinto uma necessidade absurda de pôr o que me tanto me incomoda para fora. Ao menos parte disso. 

— Matei uma pessoa — confesso, baixinho — No castelo.

Reedus para de andar e seus olhos me analisam cautelosamente.

— Está tudo bem — soa reconfortante — Já fizemos isso antes. Muitas vezes.

— Não... Você não... Não entende, Norman — passo a mão pelos cabelos sujos — Foi... assustador. A sangue frio. E-eu... estava fora de mim. 

— Ele tinha algo para atacar você?

— Uma lança.

— Legitima defesa, Phoebe. Você estava se defendendo.

— Ele não me atacou. E não acho que o fizesse. Eu simplesmente o matei.

— Ele tinha visto você.

— Norman — seguro seus braços. Ele não está entendendo — Eu estava com raiva, está bem? Vi o pobre guarda e descontei toda minha raiva nele. Aquelas vozes de antes falaram na minha cabeça, disseram coisas horríveis. O estripei e escrevi com seu sangue na parede da Sala do Trono. Não foi defesa. Não tente justificar meus erros. 

Ele para por algum tempo, analisando o chão. Parece uma eternidade. Justamente a reação que eu temia.

— Desculpe. Não deveria ter te contado.

— Phoebe... — começa, mas o corto antes que ele fale como sou horrível.

— Peço que não conte a ninguém. Por favor. Não quero mais ninguém me olhando dessa forma.

Apresso o passo e tento segurar as lágrimas quando chego até os outros. Aninho-me junto a uma árvore mais afastada, mas que pode proporcionar o calor que o fogo emana. Observo as estrelas durante um tempo e Emma traz alguns pedaços de carne para mim.

Devaneio o máximo que posso, sempre tentando justificar que o que não posso. Afinal, o que eu poderia ter mudado para evitar todo esse laço cheio de nós?

Eu poderia ter me ressentido menos, certo? Não paro de pensar que as coisas só estão assim porque não medi o ódio que sinto. Não imaginei que ele me traria isso. Não pude imaginar, nem nos piores pesadelos, que ele seria a causa dessa barreira horrível que me incomoda há tanto tempo que não posso nem mesmo contar. Perderia a noção, se o fizesse.

Eu também poderia ter controlado as emoções. Ou pelo menos, tentado. Sei que a indignação e a raiva são indispensáveis, algo que se tornou pessoal muito rápido, mas que se transformou em ódio em tempo recorde. Ódio do governo, do pai de Ed, de Lillian, do próprio Ed.... Eles tentaram me destruir, mas eu mesma fiz isso. Sinto o gosto amargo da derrota nos lábios.

Um mar de ressentimentos. 

Ainda por cima, sinto ódio de mim mesma por ter me entregado tão facilmente. Edward deve ter rido da minha cara durante dias inteiros. Deve ter sido muito fácil ter meu amor em suas mãos novamente. Muito fácil me ter. Um troféu. Um contrato.

Mas eu vou me vingar de todos eles. E sinto o cheiro desse momento cada vez mais próximo.

.

.

.

Mal vi quando o dia amanheceu. Nos apressamos em apagar os restos da fogueira e deixamos o ar encarregado de levar a fumaça cinza clara para longe. Catamos nossas coisas e corremos para longe. O medo constante do inimigo estar perto é assombrador.

Coloco a bolsa nas costas e a seguro como se minha vida dependesse disso. Também evito o olhar de Norman o máximo que posso.

Depois de algumas longas horas de caminhada, Max e Malena avisam que cruzamos a fronteira do estado de Lavern com Lânia. Bem de longe, posso sentir o cheio familiar de casa. O gramado verde, o cheiro da terra molhada e fofa, as montanhas e os relevos...

Nós evitamos Lânia o máximo que pudemos durante a fuga. Ir direto onde o poder se concentrava não parecia estupidez, era. Cruzamos a fronteira pouquíssimas vezes, sempre em vilarejos tão próximos que poderia ser considerado ainda estarmos em Lavern ou em Vozu. Não era a paisagem da porta do inimigo. Ao menos, não parecia. 

— Chegamos antes do previsto — Malena volta-se para nós com um sorriso no rosto. Poucos passos depois, o cenário toma forma.

A correnteza do rio que escutávamos a quase uma légua, deixa de ser somente um som melodioso e podemos ver suas águas fortes bem à frente de nossos olhos e sentir os respingos em nossas peles.

— Bom, já cruzamos a fronteira, mas fiquem atentos a partir de agora. Depois do rio Short é onde o perigo se esconde — ela continua.

— Eu diria que merecemos um banho, mas aqui é traiçoeiro — Barbra comenta, lançando um olhar cúmplice para mim. Detalhes do passado e piadas inteiras feitas deles pode ser a melhor coisa extraída disso, se analisarmos todos os lados. Não podem haver só lembranças ruins. 

— Não vou perguntar porque está dizendo isso — Max olha para ela — Imaginar vocês atolando o pé ou perdendo os sapatos enquanto soltam gritinhos histéricos que damas riquinhas dariam é hilário. E, definitivamente, não são as duas mulheres que estão comigo hoje.

Nós rimos, Barbra nega com a cabeça e continuamos até algumas pedras que facilitam o cruzamento do rio. As mesmas pedras que eu e Palvin atravessamos na fuga. Nunca poderia me esquecer delas ou confundir o lugar exato onde ficam. É uma cicatriz enorme na memória. 

— Venha, eu te ajudo — Norman surge ao meu lado e estende o braço. Olho-o, desconfiada, mas imagino que é somente o sentimento de culpa aflorando nele. Ou um disfarce, não sei bem.

Apoio meu braço no seu e pulo na pedra gelada pela água corrente. Meus pés desestabilizam e eu me desequilibro, levantando uma perna e bambeando a outra. Um dos braços tenta segurar a bolsa com alguns suprimentos importantes e evitar que caía e seja levada pela correnteza. Por sorte, antes que eu tivesse uma queda, os braços fortes de Reedus me seguram.

— Precisa ter cuidado onde pisa, guerreira — ele diz, depois que volto a posição normal.

— Não vou esquecer isso — sussurro, mais para mim mesma e dou-lhe as costas, seguindo os passos de Emma, que está um pouco à frente.

— É um bom lugar para pescar — ela vira para mim e diz — Vejo trutas enormes.  

— Não está aguentando a fome, Alarcon? Já está demais para você?

Ela me olha torto durante alguns segundos e abre um sorriso cínico de lado.

— Posso mostrar o que seria demais para mim. E você não vai gostar.

— Meninas, parem! — ouço a voz de Malena gritar ao fundo. 

Emma revira os olhos e segue o caminho com o mínimo de cautela possível, passando pelas pedras traiçoeiras sem medo algum. Imprudente, ela sabe que é exatamente os seus passos que devemos seguir...

— Quem foi que deixou a Emma ir na frente? — Barbra resmunga.

— Calada, loura. Ninguém pediu sua opinião.

Sem incidentes maiores, atravessamos o rio e entramos na floresta densa revestida por longos pinheiros. O cheiro lá dentro é agradável e frio, como se sussurrasse coisas em nossos ouvidos.

Um sentimento reconfortante – e estranho – de lar atinge meu coração. De pertencer a algum lugar. A familiaridade das coisas. 

— Segundo o itinerário, chegaremos no vilarejo de Vernale no meio da noite.

— Não acha mais seguro usarmos o feitiço de agora em diante, Malena? — pergunto. As probabilidades de sermos descobertos no Estado do Rei, como Lânia é conhecido, são ainda maiores. Principalmente depois de Oscar descobrir que viemos para cá.

— Não sei... Ainda estou pensando nisso. Vocês preferem ser capturados como os Renegados ou como os causadores da Nova Revolução?

— Pergunta intrigante — Max elogia — Mas, na verdade, prefiro não ser pego. Obrigado.

— Nova Revolução? É assim que estão chamando? — Emma zomba.

— Revolução, Era da Revolução, Nova Revolução... Eles precisam nomear os acontecimentos, Emma — eu explico. 

— Ele precisam agir, não dar nomes idiotas ao que damos duro para fazer. Não quero receber nomes idiotas, quero ação. Quero invadir o castelo, deixar aqueles desgraçados morrerem de fome e, se pudermos, quero libertar todos os presos no calabouço!

— Mas... quer libertar criminosos? Por quê?

— Porque ouvi falar que muitos suspeitos revolucionários estão indo para lá. Gente inocente, que só não quer morrer de fome! Além do mais, os marginais que estiverem lá podem dar uma ajudinha também, não acha!?

— Emma, perdeu a cabeça? Ladrões, assassinos, estupradores! Não vamos deixar que liberte essa gente! — Barbra protesta.

— Então vamos botar o castelo abaixo e eles vão ficar lá?

— O calabouço é resistente o suficiente para mil ataques. Vamos deixá-los lá, a mercê da própria sorte. Não quero ter mais esse peso na consciência — digo, encerrando o assunto. Não me importo com a raiva de Emma ou com a desaprovação de alguém. Os dignos terão uma segunda chance, alguém se encarregará disso. Ao menos, é no que eu preciso acreditar.

No meio do anoitecer, pouco antes do Sol subir, chegamos a cidadezinha de Vernale. As casas bastante conhecidas com o telhado inclinado tomam forma em meio à luz das tochas acessas por todo o lugar.

— Suponho que atravessaremos agora, não é mesmo? — Norman quebra o silêncio.

— Sim, é o mais seguro a se fazer. Não levantaremos suspeitas. E ainda não decidi o que fazer quanto ás aparências, então...

— Neste caso, vamos logo — concordo — Não quero que ninguém mais seja preso ou coisa pior.

Antes que pudéssemos voltar a caminhar, Malena estende o braço na frente de sua ajudante.

— Não. Você fica, Emma. Preciso que use o feitiço que combinamos para emergências e pegue suprimentos. Compre, não roube. Temos moedas o suficiente. 

— Feitiço para emergências? — Barbra indaga e enquanto todos observamos, Emma assente pacificamente.

— É. Sempre que ela tocar em alguém, tomará a forma dessa pessoa. Mas é somente para casos realmente extremos.

— Estamos em um caso extremo? — Max pergunta, com a sobrancelha arqueada.

— Vocês não acham que morrer de fome é um caso extremo? — ela sorri de lado — Aliás, passaremos direto de Vernale até Susand. São três cidades e não pretendo demorar mais do que dois dias até lá.

Assentimos.

— Essa é minha deixa — Emma se despede e desaparece atrás das árvores. 

— Phoebe, Barbra — Malena continua — Acho importante informá-las de que vamos passar por Luniandes. Se não me engano, é a cidade natal de vocês.

Engulo seco e procuro a face de Barbra, que faz a mesma coisa comigo. Murmuro levemente um “Vai dar tudo certo” para ela, impedindo a mim mesma de desabar somente para não permitir que Palvin faça o mesmo.

— São as fronteiras da vida — ela afirma convicta e encerra o assunto. Mas somente eu entendi o real motivo da frase. 


Notas Finais


Playlist:https://www.youtube.com/watch?v=oTVKeVReIgc&index=25&list=PLA-tSOmDx5ECxYzB0fMLCCwIQCA88KEmI

Empalador: "punição em que as vítimas eram, primeiramente, desnudadas e, então, literalmente enfiadas de baixo para cima numa estaca pontiaguda. Em similiar posição, eram deixadas sobre os muros. Atroz era a agonia dos infelizes que sobreviviam por diversos dias até a morte por hemorragia."
http://www.historiadigital.org/curiosidades/30-instrumentos-de-tortura-e-execucao-medievais/

Adelaide é interpretada por Rene Russo: http://www.beforeandafterceleb.com/wp-content/uploads/2015/02/Rene-Russo-plastic-surgery-before-and-after-face-photos.jpg

Como esse capítulo ficou? Bom? Ruim? Horrível? Normal? Digam nos comentários, para que eu possa ter uma ideia
Na verdade, espero que vocês tenham ficado surpresos kkkkkk

E não faço a mínima ideia de como instigar a curiosidade de vocês, como em todas as vezes... Maaaas, será que o irmãozinho do Edward e do Rupert vai morrer? O que vai acontecer com a Adelaide, já que afinal, ela ainda está viva? Qual é o próximo passo dos Renegados, no presente? O que a Barbra quis dizer com a última frase e como a relação da Phoebe com o Norman vai ficar agora que a bomba-relógio já está contando os minutos?

Indicações do capítulo:

Stupid Wife, da @Horse , com Carmen. Gente, é tããão bom, tão gostoso de ler. Eu fiquei muito surpresa com essa história, achei muito criativa e legal. Sugiro que vocês leiam, caso estejam procurando algo assim:
https://spiritfanfics.com/historia/stupid-wife-3331913

E Hell bewteen Us, da @monicv , com Daryl Dixon de TWD. A fanfic conta uma história de amor bem confusa e difícil de suas pessoas que não sabem expôr suas emoções e vivem sofrendo por isso. Eu não paro de ler rs Aliás, não tem nada melhor que uma rainha do apocalipse, né?
https://spiritfanfics.com/historia/hell-bewteen-us-3410291

Queria fazer o favor de pedir pra vocês divulgarem CRH pra quem sabe que gosta do Ed, sério, eu vou ficar muito agradecida se puderem fazer isso por mim.

Até o próximo capítulo, bolinhos XxGigi ☪☮ɘ ✡أ☯†
PS: quem ler, POR FAVOR, comenta alguma coisinha, porque além de motivar, me deixa muito - tipo, MUITO - feliz <3


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