1. Spirit Fanfics >
  2. Crying Lightning >
  3. Came down to the wire

História Crying Lightning - Came down to the wire


Escrita por: Lanaconda

Notas do Autor


Hola señoritas

Capítulo 35 - Came down to the wire


_ Você decaiu, Allie Betcher. - Clara me provocou ao se sentar no capô, seu corpo bem perto do meu. - Me deixou acostumada àquelas visões maravilhosas da Califórnia e agora me traz para encarar a pedreira perto da faculdade.

_ Você sabe, temos que aprender a valorizar os pequenos gestos.

_ Ah, mas eu valorizo. Só estou dizendo que me acostumei com certo nível de beleza e, sabe, depois que se está habituado a esse tipo de coisa é difícil voltar a se acostumar com coisas normais do dia a dia.

_ Bom, talvez tenha sido uma má ideia te levar até lá. Te fiz virar uma arrogante prepotente.

_ Nunca mais repita que foi uma má ideia. Dizer tal coisa é uma blasfêmia. - Clara bateu com os dois de seus dedos em meus lábios e os colocou para cima, num ritual de desculpas alheia tão habitual dela. Nós duas estávamos voltando a nossa antiga intimidade, mas ainda havia coisas que me deixavam intrigada.

Depois daquele dia em sua casa não conversamos mais sobre as coisas que disse em sua casa e Clara não me procurou por pelo menos dois dias, até que numa tarde ela apareceu em meu apartamento com lanches, folhas em branco e a postura de quem poderia salvar o mundo. Eu estava no quarto no momento e já havia ficado intrigada quando Mômma foi me chamar com um sorriso estranho em seu rosto

_ Clara está aqui e por algum motivo quer conversar com nós duas.

_ Espera, como?!


Me sentei na cama, mantendo o cobertor cobrindo boa parte do meu corpo. Os dias estavam sendo bem quentes para dormir com algo além de um simples conjunto íntimo. Mômma parecia sabe disso já que olhou ao redor do quarto e me jogou o roupão que ficava atrás da porta.

_ Se vista rapidamente e venha logo ou os salgadinhos vão acabar.

Não perdi tempo tentando escolher uma roupa ou até mesmo me arrumando. Eu não estava entendo nada e queria descobrir o quanto antes então estava terminando de por a camisa quando cheguei à sala.

Clara conversava com minha mãe, sentadas lado a lado de mãos dadas. Por um segundo me lembrei do que rolou com Olívia e senti um pequeno medo crescer em mim, mas assim que me viram as duas se voltaram para mim ainda sorrindo. Aquilo era estranho, principalmente porque ambas já não eram gentis comigo há muito tempo.

_ Olá, Alisson.

_ Clara. - Engoli em seco ao mesmo tempo em que abria e fechava os dedos das mãos, num ataque nervoso. - Acho que você pode tentar me explicar o que...

_ Relaxa, Allie. Eu vim te ajudar a resolver alguns dos seus problemas. - Clara se levantou, puxando Fernanda consigo. Voltou-se para ela e falou baixinho, mas ainda era possível para  o que eu escutasse com a clareza. - Você entendeu o que eu quero que você faça?

_ Sim, vou fazer agora mesmo. - Mômma concordou antes de seguir em direção ao seu quarto, em momento algum me olhando novamente.

Clara a observou saindo e então se sentou, pegando umas folhas na mesa de centro. Até aquele momento eu não tinha percebido a bagunça de folhas e canetas jogadas ali.

_ Agora é a sua vez, Allie.

_ Minha vez de...

_ Você pode esperar um momento, apressadinha? Por que não vem aqui e se senta ao meu lado?


Clara sugeriu e eu me aproximei, desconfiada com suas atitudes e tom de voz. Clara estava sendo legal, mas de uma forma muito estranha, nada parecida com seu jeito de ser. A hesitação era evidente em mim, principalmente pelo fato de eu ter me sentado a uma distância segura de Clara, evitando encará-la diretamente. Ela bufou antes de quebrar essa distância e pôs a mão em meu braço.

_ Deixa de bobeira, Allie. Sou eu, OK? Clara.

_ Olha, se isso é um tipo de retaliação pelo o que aconteceu eu no seu apartamento...

_ Não é exatamente sobre isso, mas tem relação com as coisas que você falou. Quando comentou que queria mudar, eu acreditei em você e eu realmente quero te ajudar. Hoje vamos tentar resolver isso aqui com a sua mãe, num outro momento a gente vai tentar com o resto da família e com qualquer um que você tenha machucado.

_ E quanto a nós duas?

_ Eu ainda não estou pronta para falar sobre esse elefante branco em específico. Mas eu posso te ajudar com isso aqui, pode ser?


Na verdade eu queria desesperadamente conversar sobre isso, mas eu sabia que não poderia forçar Clara a fazer qualquer coisa que ela não quisesse. Então dei de ombros pegando um pastel do pote que exalava um cheiro tão bom que fazia minha barriga roncar de vontade.

 

_ Bom, estou curiosa com como você pode fazer com que a minha família me aceite novamente.

 

_ Para isso, você vai precisar fazer algo simples. – Ela pegou uma das folhas e me estendeu. – Eu quero que escreva o que você sente. Em relação a sua família, aos seus irmãos e as pessoas da sua vida. Fale sobre o que aconteceu nos últimos meses, coisas que você gostaria de dizer a todos eles, mas que talvez não tenha tido coragem ou oportunidade.

 

_ Então você quer que eu escreva sobre mim?

 

_ Quero que você ponha esse orgulho besta de lado e abra seu coração. Você pode fazer isso?

 

_ Acho que sim.

 

_ Ótimo. Fernanda também está fazendo o mesmo e vocês duas vão ler e falar sobre isso.

 

_ Essa é a sua grande ideia?

 

_ Faça primeiro e depois a gente vê se dá certo ou não. Agora deixa de brincadeira e escreva, escreva tudo.

 

E então escrevi tudo o que um dia já quis dizer para Mômma e confesso que foi um dos meus textos mais tocantes. Tinha de tudo, de desculpas pelo o que passou até promessas que eu queria muito cumprir e uma parte de mim esperava que Mômma se sentisse bastante tocada com tudo.

 

E então Fernanda voltou para a sala. Ela estava do seu jeito, pés descalços e cabelos soltos, coisas que a tornavam a mulher que era, junto ao sorriso. Só que esse sorriso não estava presente. No seu lugar estava presente uma decepção tão grande que era evidente em cada palavra que ela dizia, lendo do seu pedaço de papel. Eu imaginava todas as coisas que se passavam na cabeça de minha mãe, mas a diferença entre imaginar e realmente ouvir foi tão forte que eu me senti tão pequena a ponto de me afogar num copo ridiculamente raso. Quando Mômma enfim olhou em meus olhos, terminando seu discurso onde ela mostrava que se culpava cada dia pelas minhas escolhas, eu tinha certeza que seus olhos estavam tão vermelhos quanto os meus.

 

E, de alguma forma, reuni dignidade o suficiente para voltar a falar.

 

_ Foi bem difícil ouvir essas coisas, mais do que eu poderia imaginar. Eu sei que fiz coisas bem ruins e sei que elas tiveram suas consequências.


_ Eu quis dizer que muitas pessoas sofreram bastante até chegar nesse momento aqui e que se você continuar com essa merda, não vai ter valido de nada. Claro que tudo isso poderia ter sido evitado se você não tivesse arrumado tudo quanto é tipo de problema, mas já que elas aconteceram você pode tentar ser melhor, aprender com seus erros. Acho que assim você pode pedir desculpas a eles. Afinal, o que você quer dizer quando se encontrar novamente com Giulia? Com Breno? Com Aline? – Ela se inclinou para sussurrar as próximas palavras, mas ainda assim elas pareciam se infiltrar em mim da mesma forma que se ela usasse um megafone ao lado do meu ouvido. – O que você vai dizer à Aline? A mulher que hoje desistiu de você, mas que já fez de tudo para que você tivesse chance de ter o que tem, de ser alguém melhor do que quem você é hoje?

Dizer que me senti como uma merda seria muito fácil, porque ainda assim seria um elogio. A verdade é que era impossível dizer como me senti, porque foi como se algo sugasse qualquer pequena esperança de que eu não tinha ferrado tudo para sempre. Eu movia meus lábios, mas nenhuma palavra tinha força o suficiente para passar pela garganta. Me desculpar já não parecia mais uma opção.

_ Bom. – Clara engoliu em seco, claramente também estava afetada pelas palavras de Fernanda. – Se ela consegue ainda assim levantar da cama e passar o dia, você também pode superar, Allie.

A habilidade de falar palavras ainda não voltou e o silêncio se instalou ali. Clara como sempre tentou me encorajar a falar dos sentimentos enquanto eu me afundava em humilhação.

_ Diga algo, Allie.

_ Não consigo.


_ Você está com vergonha?

_ É obvio! Como eu poderia não estar? Eu fui uma completa idiota.

_ Sim, mas você pelo menos tomou o primeiro passo, certo? Você vai seguir em frente?

_ Claro que vou!
– Dessa vez eu falei diretamente para Mômma, afinal era ela quem mais sofreu com isso. Perdeu a família, a esposa e ainda por cima foi obrigada a dividir o teto comigo por mais um tempo. – Eu farei o que você quiser. Qualquer coisa, em qualquer condição.

_ Eu não preciso de muito. Só gostaria bastante que você, Allie, tentasse se redimir com Aline e ouvisse com seriedade as coisas que ela tem para você. E que também voltasse a conversar com uma psicóloga.

Respirei fundo, uma parte de mim já estava pronta para retrucar, mas Clara foi bem mais rápida e tampou minha boca num movimento rápido, empurrando minha cabeça em direção ao sofá. Ela tinha morado comigo por meses, então conhecia bem a minha aversão por psicólogos. Mômma também sabia, mas eu sabia que ela achava que seria o melhor para mim naquele momento, sem contar que havia punições bem piores do que ser obrigada a falar sobre mim por cerca de uma hora.

_ Não posso dizer muitas coisas no nome dela, mas tenho certeza que ela vai aceitar.

_ São minhas condições.
– Fernanda soou bem sincera e uma parte de mim tornou a acreditar que poderíamos passar por aquilo. Quis dizer isso, mas ainda havia uma mão me impedindo.

_ Mmmmmf mmf – Tentei falar em vão, sem mais lutar contra a mão dela em minha boca. – Mmmmf prrra!

_ Como é? – Clara aproximou o ouvido da minha boca, fingindo prestar atenção ao o que eu tinha falado. – Ah, sim. Fernanda, ela disse que está muito empolgada em resolver isso tudo.

Fernanda sorriu para Clara, parecendo completamente satisfeita com ela e o seu modo de lidar comigo. Clara, por sua vez, estava radiante e também não estava preocupada em me soltar. Seu sorriso ficou ainda maior quando Mômma voltou a falar, antes de se levantar e sair da sala.

_ Você, minha querida, fez um trabalho perfeito com Allie. Se soubesse a teria mandado para você antes, para fazer com que ela parasse para pensar antes de agir desse modo.

A observei indo embora e esperei pacientemente que Clara tivesse o bom senso de tirar a mão da minha boca.

_ Pensei que você estivesse do meu lado.

_ Ah, qual é. Pelo menos fiz Fernanda sair daqui sorrindo. Eu te ajudei, você estava isso aqui de sair perdendo muito mais.

Clara estendeu o polegar e o indicador da mão esquerda e a distância era bem pequena, contribuindo para a dramaticidade de sua expressão e voz. Isso me fez sorrir, querendo ou não.

_ Sim, você me ajudou. Você sempre faz.

_ Você não merece, mas o fiz.

_ Sim, você é fenomenal, Clara.


Eu estava tão perto quanto ela permitia, havendo assim pouca distância entre qualquer parte dos nossos corpos. Eu a observava sem medo e ela o fazia também. Era como se fossemos regidas pelo momento, suspensas num estado de compreensão profunda e complexa. Dali era possível acompanhar cada mínimo movimento do seu rosto, mas eu não liguei muito para quando ela piscou ou quando sua sobrancelha se moveu levemente. Eu acompanhava seus lábios e quando os molhou delicadamente com a língua.

_ Eu posso jurar que você está tentando ser charmosa.  – Ela comentou baixinho, sem se mexer muito.

_ Acho que você já sabe muito bem que eu sempre tento ser charmosa com relação a você. Às vezes é só para ser ousada, ou para me sentir assim.

_ Você sabe o quanto isso é arriscado.

Quando olhei sem entender, Clara pôs um dedo em meu queixo, atraindo ainda mais minha atenção.

_ Você sabe, podemos nos beijar e tudo mais. – Ela completou, sua voz atingindo um tom de sussurro maroto que eu mesma poderia usar nas minhas tentativas de flerte. Eu sentia meu coração martelar forte no peito e acabei perdendo a capacidade total de fala enquanto Clara dominava a situação, tornando a falar.

_Você quer me beijar, Allie?

Pisquei agora, bem consciente de onde estava. Clara estava bem perto de mim, com seus braços me rodeando e se sustentando ainda no capô. Ela parecia esperar a resposta de uma pergunta que eu não havia escutado.

_ Você quer me beijar agora, Allie?

_ Sim.

Ela sorriu e se afastou, empurrando os óculos mais para perto do rosto antes de erguer os braços para cima, dramatizando como sempre.

_ Finalmente uma resposta! Pensei que você tinha morrido por dentro. Você anda bem pensativa ultimamente e esse seu silêncio não é nada característico.

_ Talvez eu só perca as palavras quando estou com você.

O modo como ela sorriu mostrou que entendeu a provocação no meu tom de voz. Deixei meu corpo tombar para trás, apenas para poder descansar sobre o para-brisas. Nesse pequeno movimento a vista a minha frente pareceu se abrir e o céu se tornou ainda maior. Não era a melhor vista do mundo, assim como Clara já havia notado, mas também não era tão ruim assim.

_ Fico lisonjeada, mas ainda assim preocupada.

_ Não é nada. – Deixei que uma das minhas mãos fosse até Clara e subisse um caminho lento pela camisa dela, ate sua nuca. Ela me olhava por cima dos ombros, o sorriso escondido, mas obviamente estava ali. – A vista daqui é bem melhor.

Em poucos segundos, Clara estava ali, deitada ao meu lado. Ficamos paradas, corpo ao lado de corpo, enquanto compartilhávamos um momento de silêncio observando o seu, mas era impossível manter meu olhar ali quando preferia estar encarando outra coisa. Clara pareceu perceber, tanto que retribuiu meu olhar na mesma intensidade, porém por um tempo menor, já que voltou a olhar para cima.

_ Eu queria poder dizer algo engraçado e inteligente.

_ Eu sei que você vai pensar... – Ela engole em seco, pousando as mãos cruzadas sobre o peito, que subia e descia num ritmo mais acelerado. Não era preciso olhar para seu rosto para saber que ela respirava fundo algumas vezes. - em algo. Em algum momento.

Não havia planos a serem traçados. Qualquer planejamento já tinha sido abandonado. As palavras já não habitavam minha boca, não pela primeira vez desde que conheci Clara.

 

_ Não sei se consigo.

 

_ Então não fale nada. - Uma de suas mãos tocou minha bochecha e o arrepio que passou por todo meu corpo me fez pareceu tão potente quanto um choque de alta voltagem. Me levantei num impulso, querendo ter pelo menos um instante de pensamento claro sem que fosse levada apenas pelo desejo. Aquela era Clara, não era Olívia, muito menos uma garota qualquer. Havia mais em jogo ali do que em qualquer outro momento. - Esse tempo longe foi estranho demais. Eu meio que sentia falta de você lá, tirando a parte que o sofá ficou livre para assistir televisão. Mas era estranho fazer café de manha e não ter ninguém acordando irritada por eu estar fazendo barulho demais. Você realmente fez falta, Tales também sentiu.

 

Ela envolveu os braços ao meu redor e encostou a cabeça nas minhas costas fazendo com que eu deixasse de lado qualquer pensamento que pudesse me impedir. Deixei minha cabeça tombar para frente e até mesmo mordi o lado interno do lábio enquanto me permitia aproveitar o momento.


_ Você sabe que isso me distrai de modo infernal. – Senti meu rosto ruborizar em questão de segundos. – Me deixa numa tremenda desvantagem.

_ Eu sei – disse ela, de novo permitindo-se um leve sorriso sobre a pele da minha nuca. – Talvez eu quisesse que nós estivéssemos em terreno familiar esta noite.

_ Podemos nos familiarizar em outro lugar. – O tom sugestivo estava implícito em minha voz e fez com que ela sorrisse.

_ Ah, é?! E para onde nós vamos agora?

_ Não sei, talvez para casa?

_ Para a minha casa, você quer dizer, né?!

_ Bom, já que você insiste... Ou sei lá, podemos ficar aqui.

 

Isso foi o que fez Clara se afastar e me olhar, surpresa e desconfiada.

 

_ No carro?

 

_ Bom... É. - Expliquei, torcendo para que a ideia não parecesse tão boba para Clara. Deixei isso de lado ao citar seus olhos. - Tem um cobertores aí dentro e se a gente descer os bancos pode até ficar meio confortável.

 

_ Você não prefere, sei lá, um colchão? Travesseiros? Um lugar onde tenha paredes para barrar o frio?

 

_ Na verdade, não. 

 

_ E você não vai acordar amanhã, reclamando de dores nas costas e tudo mais?

 

_ Agora você está fazendo drama. - Rebato logo, gargalhando do modo como sua expressão parecia desconfiada. - Se você não quer é só falar. 

 

_ Não, eu quero. Pode apostar que eu não ligo de dormir aqui.

 

_ Então vem, está começando a esfriar.

 

Rapidamente puxei os bancos para baixo e abri o porta-malas para pegar os dois cobertores e o pequeno travesseiro que sempre levava junto. Além disso procurei na mala por blusas de frio e me xinguei mentalmente por não encontrar nenhuma. Clara ajudava a forrar os bancos e, quando acabou, abraçou seus joelhos ao me ver usando as blusas para cobrir o espaço onde ficava o freio de mão e o câmbio. Sorri rapidamente antes de parar ao lado da porta para observar meu trabalho final.

 

_ É, acho que dá para a gente passar a noite.

 

_ Torcendo para que nenhuma das duas acione o freio sem querer. - Clara pontuou ao pegar no banco de trás algumas batatas que sobraram do nosso lanche da tarde e que trouxemos junto. Ignorei seu sarcasmo e entrei no carro, terminando os últimos ajustes. O motor ganhou vida apenas para que eu fechasse todos os vidros, menos o teto solar, que deslizou ao se abrir e o céu aparecer no nosso campo de visão.

 

_ Agora sim, serviço completo.

 

_ Pois bem, Allie. Você tem seus encantos, sabe agradar uma garota, mesmo sendo uma vacilona.

 

A provocação estava ali, mas eu sabia que Clara estava gostando. Ela sorria, os dentes aparecendo por uma pequena abertura de seus lábios e os olhos por trás dos óculos também compartilharam do seu humor.

 

_ Flores e chocolate são para os fracos, minha querida Clara. 

 

_ Então foi assim que você conquistou a Olívia? Dizendo essas coisas e trazendo ela aqui, para passar a noite no seu carro?

 

_ Por que falar sobre ela, Clara?

 

_ Bom, você me falou sobre o que aconteceu na sua casa depois. Eu acho que preciso te contar uma coisa sobre ela e sobre Duprê também.

 

_ O que é?

 

_ Primeiro eu preciso que você me prometa que vai me escutar caladinha, sem ficar me interrompendo para fazer qualquer comentário ou piadinha desnecessária, tá?

 

Olhei bem para ela e, apesar do tom de brincadeira na minha voz, tentei parecer verdadeira. Eu me conhecia o bastante para saber que seria impossível.

 

_ Isso é como pedir para um cachorro não latir, mas posso tentar evitar a maior parte deles.

 

_ Obrigada. É que é foda, Allie. Eu até sinto uma coisa muito estranha só de imaginar que tudo poderia acontecer de novo. Meus problemas com Olívia começaram quando conheci Kaio, que, assim como você, também era estrangeiro, muito animado, extrovertido, com essa pose de quem pode fazer tudo o que quer quando quer. E as semelhanças não param por aí, ambos são bonitos, tinham certa fama e dinheiro. E vocês dois são meus amigos.

 

_ De quem você está falando?

 

_ Kaio Montenegro. Você já deve ter ouvido falar desse sobrenome. Fernanda apoia uma das instituições filantrópicas dessa família e já fez várias propagandas para o grupo bem antes de eu entrar na faculdade. Mas enfim, Kaio veio morar aqui há uns dois anos e foi uma espécie de celebridade na cidade e, claro, na faculdade, mesmo que não fizesse algum curso lá. Tales já o conhecia desde uma festa em que estavam e com isso ele passou a frequentar lá em casa. Eu podia ter brigado, mas Tales tinha acabado de se mudar também e eu quase não saia da faculdade. E, querendo ou não, com o tempo a gente passou a conversar e incrivelmente a ficar juntos.

 

Por alguma razão, Clara deu risada parando de ficar se movimentando. Ela suspirou ao ficar lado a lado comigo, tão próximas quando era possível nos bancos.

 

_ Eu era uma idiota, ele queria algo sério, mas eu não pensava naquilo durante esse tempo. Queria estudar, sempre gostei e ficar com ele era apenas uma forma de me distrair. Fui eu quem mandou ele viver a vida também, não se prender a mim já que eu não poderia dar o que ele queria. Então não liguei quando ouvi os boatos de que estaria se encontrando com Olívia, a Miss Odontologia.

 

_ Mas Olívia faz direito, até já se formou, está no mestrado.

 

_ Depois que ela voltou de viagem sim, mas antes ela já passou por Relações Públicas, Farmácia e estava com um pé em Turismo. E naquela época ela estava com a cabeça nas bocas alheias, principalmente na boca bem cuidada de Kaio. Por um tempo achei bom, ele parecia feliz, continuava brincalhão e bem humorado, até sua primeira prisão. Não vou ser hipócrita, no nosso apartamento tinha maconha, bebidas, de vez em quando tinha até uns doces, mas era apenas entre a gente, não tinha risco de sair dali. O problema é que Kaio usou numa festa onde estava com Olívia e quando foram parados numa blitz tinham mais de duas cartelas de ácido com eles. Como se não fosse o suficiente, ele tentou subornar o policial. Foram presos na hora, Olívia se safou já que sua família era bem conhecida, mas Kaio passou a noite na prisão.

 

_ Você não...

 

_ É claro que briguei com ele, disse que o dinheiro não poderia consertar tudo, que ele tinha que maneirar, mas ele não escutou. Óbvio que ele não escutou! - Clara soltou uma risada amargurada enquanto enrolava parte do tecido do cobertor em suas mãos. - Naquela época ele fumava o mesmo tanto que Eloísa, talvez até mais e tinha Olívia no seu ouvido falando e falando...

 

_ Duprê me disse que vocês duas tiveram um lance rápido.

 

_ Não foi exatamente um lance, ficamos umas duas vezes, nada importante. Ela tem seus charmes e eu tinha muita merda na cabeça. Estava com raiva de Kaio por não perceber o que Olívia fazia e Duprê... Bem, você sabe que ela é linda, mesmo sendo uma maroleira de primeira.

 

Não tinha como negar, então dei ombros e soltei um murmúrio para que ela continuasse.

 

_ Enfim, duas semanas depois Kaio se envolveu no acidente com o racha. Não saiu no noticiário que encontraram garrafas de cerveja no carro e uma caixinha com um pó branco. Ele poderia ter errado como fosse, mas sei que Kaio não mexia com cocaína, mas não podia dizer o mesmo de Olívia.

 

_ Espera, você tá me dizendo que Olívia...

 

_ Eu não sei Allie, sinceramente. Aquela caixinha chegou lá de alguma forma e foi a responsável pelo o que aconteceu com Kaio. Olívia não estava dentro do carro, mas era tão culpada quanto. As pessoas falam disso por aí, todo mundo sabe a verdade, mas preferem ignorar. Tanto que você estava com ela quando aconteceu contigo e ainda assim nada acontece com ela.

 

_ Porra, Clara. Eu... Eu não sabia de tudo. Já tinha ouvido falar sobre o acidente, Tales tinha me dito também, mas eu não sabia que vocês eram amigos. – Me lembrei de quando estávamos na Califórnia, durante um rolê no Mustang e Clara disse que não tinha sido apenas Tales quem perdeu alguém. Agora fazia mais sentido. – Muito menos sabia que você era apaixonada por ele.

 

Clara não me olhou, nem para discordar ou se explicar, e foi assim que soube que realmente era verdade.

 

_ Eu realmente me importava com ele e eu não pude ajudar. E então você entrou na minha vida e tudo então passou a se repetir. Tudo bem que quando te conheci você já tinha esse seu lance com a Olívia, mas foi difícil.

 

_ Me desculpa.

 

Clara sorriu e pegou minha mão, segurando junto a sua enquanto me espremi ao seu lado no mesmo banco, ignorando as pontadas provocadas pelo metal do câmbio contra a pele das minhas costas.

 

_ A culpa não é sua. Eu nunca te disse, mas esse foi um dos motivos de eu ter te deixado ficar lá em casa. O fato de querer te proteger e de saber que poderia tentar minimizar os efeitos de Olívia na sua vida. Não deu muito certo, mas minha mente está limpa quanto a isso.

 

Eu poderia tentar descrever como me senti em palavras, mas nada poderia chegar aos pés de tudo o tomava meu coração. Me estiquei e dei um beijo na bochecha de Clara, demorado, repleto de carinho e sentimento. Ela estava sorrindo quando me afastei um pouco para olhar bem em seus olhos.

 

_ Olívia pode ter tudo, mas ela nunca será como você, Clara. Eu peço perdão por não ter enxergado isso antes.

 

_ Voltamos as palavras bonitas e flertes rápidos?

 

_ Com você, sempre.

 

Clara respirou fundo e movimentou a cabeça tentando relaxar a musculatura do seu pescoço e, sem hesitar, pus minhas mãos em seus ombros. A satisfação de vê-la relaxando instantaneamente ao meu toque foi o que me fez sorrir e dar um beijo na pele descoberta e quente de seu ombro. Ela suspirou quando o fiz e foi o que me deu motivação para continuar.

 

_ Você está tremendo.

 

Notei quando Clara se aconchegou ainda mais perto de mim. Tentando fazer o mínimo de movimento, estiquei os dedos do pé alguns centímetros na esperança de conseguir apertar o botão para fechar o teto do carro e, quem sabe, ter alguma sorte em acertar logo em seguida o que ligava o ar quente.

 

_ Você também não está quietinha agora. – Ela resmungou, mas não havia irritação em sua voz. Só resquícios do humor agradável e sereno da noite. Ela percebeu que eu a olhei depois de ter falado isso. – O quê, vai ficar me encarando ai agora? Você sabe que eu não gosto.

 

_ Bom, eu gosto de encarar você – respondi brevemente, sem afastar o olhar um centímetro sequer.

 

_ E eu gosto de amendoim salgado, mas não quer dizer que eu vá ficar comendo sempre, não é mesmo?

 

_ Você não vai me fazer parar de encarar assim.

 

Ela não falou mais nada, porém um pequeno sorriso se instalou em seus lábios. Não havia muito a mais a ser dito então um silêncio agradável se instalou.

 

Pela primeira vez na noite reparei em algo que não fosse Clara. Como nós havíamos terminado aqui eu não sabia dizer. Bom, do ponto de vista racional, eu sabia como havíamos chegado a esse lugar físico e momento em especial, mas não em como nosso relacionamento de tornou isso. Clara se movimentou sobre meu corpo, bem imersa no seu sono tranquilo. A pele quente esquentava mais do que qualquer cobertor e eu sabia que independente do frio que eu pudesse sentir ela seria como um aquecedor humano contra mim.

 

O incrível era que ali, com os vidros embaçados, nossos corpos juntos, no banco de trás do meu carro, era melhor do que qualquer quarto que eu já tenha frequentado.

 

De manhã, quando entrei no apartamento onde estava morando com Mômma, a encontrei deitada no sofá, dedilhando sua canção favorita de Jorge Vercillo em seu violão favorito. E então ela sorriu para mim ao se sentar, batendo a mão no lugar ao seu lado. Eu ainda não estava acostumada com essa sua mudança de postura quanto a mim, mas uma parte de mim adorava o fato de ela estar tentando e essa parte também estava com saudades dos mimos e carinhos.

_ Onde você estava?

 

_ Passei a noite com Clara.

 

_ Não a machuque, Allie. – Mômma disse e apesar do tom tranquilo suas palavras eram sérias. - Ela é especial, você sabe. Não é o tipo de pessoa que a gente encontra sempre. Ela se importa o bastante contigo para ignorar suas burrices, mas também te impede de cometer novas. Isso é algo para se manter, é raro e todos passamos a vida querendo achar algo parecido.

 

_ Eu sei, se um dia a machucar novamente vou me sentir uma merda. Mas e você? Ontem foi a reunião na escola dos garotos, como eles estão?

 

Perguntei ansiosa por qualquer tipo de informação sobre meus irmãos e até mesmo de Aline. De todos, só mantinha contato com Breno, já que foi o único que me procurou depois de tudo.

 

_ Eles estão bem, só Giulia precisa de um pouco mais de esforço.

 

_ E Aline? Ela foi ontem, vocês se viram?

 

_ Sim. – Fernanda parou até mesmo de dedilhar enquanto ela desviava sua atenção para outra parte do apartamento. – A gente conversou um pouco.

 

_ E se acertaram?

 

_ Bom, já está tudo acertado. Estamos nos separando.

 

_ E você vai deixar isso acontecer assim? – Minha voz saiu baixa, porque pela primeira vez na vida eu realmente tinha medo da resposta de Fernanda. Eu não sabia o que esperar.

 

Fernanda gargalhou amargamente e então ela sua voz saiu tão carregada quanto seu sorriso. Só então percebi que estava prendendo o fôlego e eu puxei o ar, ainda ofegando.

 

_ Sou louca por ela, não só pelo instinto, mas por escolha. Você não entende, Allie? Eu não quero me separar, só que Aline quer. Eu tentei conversar, mostrar que isso não era o certo e ela não quis ouvir. Eu a amo o suficiente para dar o que ela quer, sem me importar com o quanto isso doa em mim. É como se eu tivesse 16 anos novamente e estivesse permitindo que ela decidisse meu futuro. Se ela disser apenas uma palavra, eu volto para ela num segundo, mas não posso correr atrás se ela não quiser. Não vou mais forçar, nem contrariar os desejos dela.

 

_ E isso te torna alguém muito forte.

 

_ Do que adianta ser forte sem ter ao meu lado a pessoa que mais amo na vida?

 

Entrei no outro quarto pensando se Mômma se sentia como eu. Se ela sentia Aline ali como fumaça, como um fantasma na sala, como um cheiro em sua roupa. Presente em cada momento e cada ação. Se agora que estavam longe uma da outra ainda se lembravam dos beijos e carinhos. Mas, principalmente, pensava em como Fernanda teve a coragem e força de ignorar todo sentimento e ir embora, pensando muito mais na mulher da sua vida do que ela mesma. Considerando a felicidade dela e ignorando a sua própria.


No fundo eu me perguntava como funcionava o coração dela com toda essa situação. Se em um momento ela pode querer Aline, depois de não querê-la, depois de querê-la de novo, mesmo contra a vontade, querendo evitar todo o sofrimento.

 

De repente senti o peso das minhas escolhas. Tanto com a minha família, quanto com Clara, tudo dependia de mim mesma e isso, mais do que qualquer coisa, provocou uma pressão fria em meu peito capaz de me deixar tremendo e assustada. Clara se encaixava na minha vida e se ajustava aos meus desejos de amizade e amor, assim como Aline para Mômma, mas eu nunca poderia enfrentar algo como Fernanda estava lidando. Eu não era forte o suficiente.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...