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História Cure (Larry Stylinson) - Ninty One.


Escrita por: MillaWand e curlystylesx

Capítulo 96 - Ninty One.


Louis Tomlinson > 

Do lado de fora da janela gradeada, o céu estava coberto de estrelas, com uma lua subindo por trás de montanhas. Todos pareciam fascinados e apaixonados pela Lua, tanto que duas ou três pessoas dividiam as janelas do quarto. Tive vontade de ir até o grande piano velho e abandonado no qual se encontrava no corredor e tentar algumas melodias, mas o corredor é cheio de mulheres loucas com seringas em suas mãos, caminhando pra lá e pra cá. E também, eu e aquele apaixonante piano estávamos separados por uma porta de aço e uma mulher que nunca terminará de ler seu livro. Arrastei minha cadeira de rodas pelo quarto até chegar onde Enzo estava, dormindo profundamente, ainda em uma camisa de força. 

-Voltem para a cama. -Disse a enfermeira.  -Meninos bons estão dormindo a essa hora, não olhando a Lua através de grandes grades. 

-Não nos trate como criança, não somos uns loucos mansos, que tem medo de tudo. Sou furioso, tenho ataques histéricos, não respeito nem a minha própria vida, nem a vida dos outros. Hoje, eu quero observar a Lua e vou para a cama a hora que eu quiser, era assim antes de eu entrar aqui, e se quiser, vai ser assim. -Comentei e todos os outros pacientes ali me olharam assustados, assim como a mulher. -Você tem medo de mim? -Insisti. 

-Por que você não vai dar um passeio, mocinho, e me deixa aqui terminando meu livro? 

-Porque existe uma prisão, uma porta de ferro e uma carcereira que me impede. Ela fica sentada lendo seu livro, mas na verdade é pra manter as aparências. Você é só mais uma que o Governo contratou pra deixar aqui dentro apodrecendo e aplicando injeções em pessoas indefesas. É isso que você é. -Eu tremia, nem sei o motivo. 

-Imagina se vou ficar trancada aqui dentro com doentes mentais! A porta está sempre aberta. -Como a porta está aberta e não nos deixam sair? -Não nos leve a sério, nem precisamos de controle pra manter todos vocês na linha, temos comprimidos pra dormir. Você está tremendo de frio?

-Não sei, acho que deve ser coisa da minha cabeça...

-Então vá dar seu passeio. 

-Na verdade, o que eu gostaria de fazer é tocar piano. -Ela me encarou por alguns segundos.

-Você não pode, ele está no corredor e fará muito barulho. Não queremos causar furduncio entre os loucos e psicopatas. -Meu frio se tornou em soluços baixos, tímidos, contidos. Eu coloquei as mãos em meu rosto, chorando sem parar. A enfermeira deixou seu livro, pegou sua seringa e se levantou da cadeira. -Olha, você vai calar a boca ou eu vou precisar te colocar pra dormir? 

-Deixa o garoto em paz, você não viu que ele está triste agora? Continua lendo a porra do teu livro e deixa ele em paz! -Uma voz feminina soou no final da sala e passos pesados na madeira vieram até mim. Não levantei o olhar, continuei de cabeca abaixada mas senti uma mão acariciar meus cabelos oleosos. 

Ali ficamos nós dois, por quase vinte minutos, um chorando e uma consolando, um sem dizer porque chorava e a outra sussurrando umas coisas sem sentido. Os soluços finalmente terminaram. A mulher puxou a cadeira de rodas para perto de uma cama e se sentou de frente para mim. 

-Tenho um filho da sua idade. Quando você chegou aqui, cheio de soros e tubos, fiquei imaginando porque um moço tão jovem e lindo tentou suicídio. -Logo começaram a correr histórias por minha mente: A carta que eu havia deixado. Será que eles entregaram a Harry? Será que ele leu? Neste exato momento ele deve estar realmente pensando que cometi suicídio, ou que pelo menos deu certo, e se ele resplve fazer alguma coisa igual? Por que algumas pessoas resolvem ir contra as regras naturais da vida, que é não lutar pra sobreviver? -Por que você estava chorando? 

-Quando eu tomei os comprimidos, eu queria matar alguém que detestava. Não sabia que existia, dentro de mim, outro Louis que eu saberia amar. 

-O que faz uma pessoa detestar a si mesma? 

-Talvez a covardia, o medo de estar errado, de não fazer o que os outros esperam... Ou simplismente ser inútil, você me entende? -A mulher assentiu e suspirou. A enfermeira abriu a porta e chiou alguma coisa, já irritada.

-Vão conversar lá fora, vocês estão atrapalhando minha leitura. 


Ela não poderia ter me perguntado isso. O que ela quer, entender por que eu chorei? Será que essa mulher não entende que sou uma pessoa absolutamente normal, com desejos e medos como todo mundo? 

Enquanto eu era empurrado pelos corredores, iluminados por lâmpadas fracas que falhavam a todo momento (o que me dava muito medo, deixava o ambiente com cara de manicômio abandonado), eu me toquei que não conseguia mais controlar meu medo. Preciso me controlar, sou alguém que leva as coisas a sério até que cheguem ao fim. É verdade que levei as últimas consequências a sério, mas agora não tenho mais tempo pra isso, eu PRECISO achar uma maneira de sair daqui de dentro e tentar falar com Harry. Ele deve sentir minha falta, e eu sinto muito a falta dele. 

Vou tentar superar meus defeitos simples, só pra ser derrotado nas coisas importantes e fundamentais. Pra sair daqui de dentro, eu não precisava de nada mais e nada menos que auto-controle, não demonstrar agressividade e também não demonstrar loucura. Talvez isso ajude, já que pensam que sou louco. 

Muito bem: eu poderia ter impressionado muita gente com minha determinação e força, mas aonde eu havia chegado? No vazio, na solidão completa. Na ante-sala da morte. O remorso pela tentativa de suicídio voltou, e tentei afastá-la com firmeza. Porque agora estou sentindo algo que nunca tentei demonstrar: Ódio.  Esse lugar não passa de algo físico como grades, paredes, enfermeiras e agulhas, ou pianos velhos no corredor, eu quase podia sentir meu peito explodindo de ódio. Eu queria colocar fogo nesse lugar com todo mundo dentro. Deixei que o sentimento viesse, sem saber se isso seria bom ou não. Sentado nessa cadeira e sendo arrastado de um lado pro outro, com o olhar tão perdido e pensamentos absurdos, eu sim pareço um louco nesse momento. Começei dando tapas em meu próprio rosto, depois me balançar na cadeira pra tentar cair no chão, mas a mulher que me guiava rapidamente segurou meus braços. 

-Me solta, ME SOLTA! -Gritei, me debatendo ainda mais e dando gritos agudos. 

-Para! Se te verem assim vão te levar pra sala isolada e te deixar lá! -Odiei tudo que pude nesse momento. A mim mesmo, a cadeira que não caiu, a mulher que me segurava, as luzes que piscavam e meus gritos. Eu estava internado em um hospício, e podia sentir porque os seres humanos se escondem de si mesmo e dos outros, porque somos educados apenas pra amar, aceitar, tentar descobrir uma saída, evitar conflitos. Em dado momento, começei a sentir ódio também da pessoa que mais amo em minha vida: Harry. O excelente namorado que me acordava de manhã e me guiava pelos corredores até a sala de aula, aquele que me esperava pra jantar, aquele que não se importava com que os outros falavam e usava botas surradas todos os dias. 

Como eu posso odiar quem apenas me deu amor? Pensei, confuso, querendo corrigir meus sentimentos, mas foi tarde, não consegui mais controlar e isso foi soando aos poucos... Teve um momento que minha mente concluíu que queria vê-lo morrer, outra hora concluíu que não me fazia bem... Outra hora que eu deveria morrer e deixá-lo livre. É um absurdo, eu nunca quis isso a ele e nem a mim, é contra as leis da minha mente. 

O amor que não pedia nada em troca conseguiu me encher de culpa, eu sou tão mal agradecido por tudo, era um amor que tentamos esconder de tudo e da podridão do mundo, ignorando que um dia ele iria se dar conta disso, e não teríamos força pra lutar contra todos. 

Odiei tudo. A biblioteca com seu monte de livros cheios de explicações sobre a vida, que nunca serviram pra nada, as noites que precisei passar acordado em festas e com pessoas que fingiam ser meus amigos por graus de status, os professores, química, português e a casa de chás. 

-Eu não sei, ele só ficou desse jeito do nada! -A mulher tentava responder as enfermeiras que agora tentavam me conter. Cada uma delas segurando meus braços e me impedindo de me estapiar. 

-Levem ele pra sala de isolamento! Rápido! -Elas começaram a me segurar, quase me levantando da cadeira e me arrastaram. Eu nem precisei lutar, só deixei que elas me arrastassem até um lugar que nunca vi. Esperaram um segundo para que a porta se destrancasse e eu fui provavelmente jogado pra dentro da sala, no chão frio. Fiquei deitado por alguns segundos, olhando a Lua pela pequena janela (e única) que havia ali. Os sons dos grilos do lado de fora me ensurdeciam, tanto que começei a chorar de ódio e gritar para que eles calassem a boca. E como sempre não funcionou, ninguém me ouve daqui de dentro, por que você acha que é uma sala de isolamento? 

-Você disse que era pra sempre Harry... Você cansou de lutar? Você me disse pra ser forte, e olha quem caiu primeiro... -Começei a falar baixinho e soluçar contra o chão frio. -Cansamos? Você consegue me ouvir? Não me deixa aqui sozinho, eu sinto a sua falta... Quero te ver...  -Fiquei em silêncio, vivendo meu momento presente, deixando que o amor ocupasse o espaço vazio que o ódio deixara. Quando senti que cheguei o momento de parar de sofrer, virei-me para a janela que mostrava a lua e cantei baixinho, soluçando algumas vezes, não me importei de desafinar, eu queria muito que ele ouvisse isso e visse o quanto eu o amava, mas eu estava perdido aqui dentro, e Harry em algum lugar de Oxford, a quilômetros de mim. E isso só me fez sentir mais dor emocional. 

Nessa noite eu chorei até que conseguisse dormir, com frio, sozinho e sem amor. 

*****


-Tenho que comprar um novo chaveiro. -Abri os olhos com dificuldade e o sol batia em meu rosto. O barulho da porta se destrancando chamou minha atenção. Virei meu rosto e vi duas enfermeiras que entravam aqui na sala isolada, carregando bandeijas de remédios. Fiquei imóvel enquanto outra arrastava a cadeira de rodas aqui para dentro. 

-Hora do café da manhã. -A outra disse e colocou a bandeija apoiada no chão, pegando vários comprimidos. Segurou meu rosto com as mãos e apertou minhas bochechas de uma maneira que eu abrisse minha boca, e depois jogou todas as cápsulas para dentro. As cuspi no chão rapidamente e ela me deu um tapa no rosto, me fazendo gemer.

-Ei, não bata nele, se alguém saber que você agrediu algum paciente, te demitem. -A mulher deu de ombros, pegando os remédios do chão e enfiando um por um em minha boca.

-Ou você engole isso ou irá passar mais uma noite aqui dentro, com frio e sozinho. -Engoli os remédios em seco. Eu tentei me matar com comprimidos e eles me curam com comprimidos???? 

-Já engoli. -Falei baixo. 

-Ótimo. Agora levanta daí que tem gente querendo te ver na recepção. 

-Judith, ele não consegue levantar sozinho. -A outra enfermeira bronqueou. 

-Os outros conseguem.

-É diferente. -As duas estavam quase discutindo, mas a boazinha pareceu mais inteligente e não continuou com isso, me ajudando a levantar do chão e sentar na cadeira. Me deu um copo de água que deveria ser tomado com os remédios e agradeci com a cabeça, a vendo sorrir. 

-Você não deveria dar tanta bola pra eles, não passam de loucos. 

-Você não passa de uma desocupada, te contrataram pra tratar deles mal? Eu fui contratada pra cuidar, e não pra agredí-los. -Eu fui puxado pra fora da sala e o clima esquentou rapidamente. A sala era refrigerada, aqui fora me sinto bem melhor. -Ignora ela, não foi porque quis. 

-Pelo menos é melhor que a mulher do livro. -A enfermeira riu.  

Nós chegamos até a recepção do 'hospital' e fui deixado um pouco sozinho. Quando vi Ivy e Samantha passando pelo grande vidro que separava o corredor da sala, suspirei aliviado por saber que não haviam me esquecido aqui. Ivy empurrou a sala e seu olhar parecia tão triste e afastado, mas mesmo assim ele não mediu esforços e me abraçou, meio desajeitado mas abraçou. 

-Ai meu Deus, como você está? -Samantha rapidamente perguntou, empurrando Ivy para que fosse a vez dela de me abraçar. 

-Eu estou bem, obrigado por perguntar. Pensei que tinham me esquecido. 

-Não, não... -Ivy suspirou, sorrindo largo e me abraçou novamente. Não sei porque toda essa empolgação dele, mas é como se eu conseguisse sentir que há algo errado com os dois. -É que aconteceram umas coisas ultimamente, nós realmente pedimos perdão por não poder vir ver você esses dias. 

-Tudo bem, pelo menos vocês vieram... Cadê o Maru? Ele não veio? -Os dois trocaram olhares e Samantha desviou o olhar rapidamente, olhando para um canto aleatório da sala. 

-Ele... Está ocupado com umas coisas na escola. Resolveu voltar pra lá sabe... 

-Ah, então ele me esqueceu aqui. -Abaixei o olhar, cabisbaixo. 

-Não foi isso Louis, só que... Ele virá te ver em breve, eu prometo. 

-Eu estou cansado de promessas Samantha, elas nunca se realizam. -Ela suspirou, assentindo. 

-Ei, como você está, de verdade, eu quero saber. 

-Olha Ivy, eles me dão muitas injeções e remédios, eu fico preso quase vinte e quatro horas e mal me dão o que comer. -Ele se ajoelhou ao meu lado. 

-Eu sei que pode parecer difícil, mas não conseguimos tirar você daqui. Vamos tentar novamente, eu tenho certeza que vamos conseguir. Pode esperar mais um pouco? 

-Claro. -Assenti. -Ei, você por acaso foi visitar o Harry algum dia desses? -Ivy abaixou a cabeça e comprimiu os lábios. 

-Eu fui sim. Ele está bem agora. -Samantha pigarreou e se virou de costas, indo até a janela. -Eu acho melhor você tomar um remédio garota, sua garganta deve estar bem ruim.

-Não está tão ruim quanto suas mentiras. -Ele sorriu de leve, tentando ignorar os comentários dela. 

-Que mentiras Ivy? O Harry não está bem? -O encarei, confuso. 

-Sim, ele ficou bem, eu prometo. -Assenti. -Mas nós precisamos conversar com umas pessoas ali na sala do lado, a gente volta pra se despedir de você, ok? 

-Sim. -Ele se levantou e piscou. Samantha saiu da sala rapidamente. Eu sabia que algo não estava tão bem. Fiquei sozinho ali, parado, esperando que os dois conversassem. E eu consegui ouvir tudo. 

-Nós somos tipos... Os responsáveis por ele nesse momento. Queremos saber o estado em que ele se encontra. -A voz abafada de Ivy era quase que impossível perceber tristeza.  

-Ainda não sabemos. Precisamos de mais uma semana. -A pessoa que conversava com eles era bem direta. -Ontem ele acabou tento um ataque estérico e passou a noite em uma sala isolada, sozinho. 

-Por que vocês fizeram isso? -Samantha perguntou.

-Ele precisa saber as consequências de seus atos. Eu sei que não é um ato que pode ser controlado, mas pelo menos assim ele aprende a lidar um pouco. Não o temos só de paciente aqui, temos mais de cem pessoas que precisam de atenção, não podemos deixar noventa e nove sozinhos e lidar com uma só. 

-Nós dois não sabemos porque ele fez isso. -Ivy dizia em prantos. -Nós eramos todos carinhosos e estávamos lidando bem com as coisas, estava indo tudo bem. Embora tivéssemos alguns problemas em ambiente escolar, não era motivo pra tentar o suicídio. 

-Vocês dois precisam entender que não é só por coisas sociais que as pessoas cometem esses 'erros'. Pode ser coisa da mente dele, algum problema que acabou criando na cabecinha dele, a maioria dos casos é isso. 

-...E mesmo assim ele tentou se matar. 

-Não fiquem surpresos, é assim mesmo. As pessoas são incapazes de entender a felicidade. Se desejar, posso lhes mostrar as estatísticas do Canadá. 

-Canadá? -Samantha perguntou e sento a surpresa em sua voz. 

-Veja bem, vocês vieram aqui não para saber como ele está, e sim para se desculparem pelo fato de que ele tentou suicídio. Quantos anos ele tem? 

-Dezoito, eu acho. 

-Ou seja: um homem já, que já sabe bem o que deseja, cuida de sua própria vida e toma suas decisões. A quanto tempo ele mora sozinho? 

-Eu não sei, somos só amigos dele! -Samantha disse com a voz mais elevada. 

-Eu não tenho a menor ideia. -Ivy concluíu. -Agora nós podemos ir embora? Acho que essa conversa já deu. 

-Já, já. -Disse a pessoa, meio irritada com as interrupções. -Mas eu quero que vocês entendam uma coisa: Nunca digam que entendem, porque vocês não passaram por isso e não sabem o quão é difícil. Quando ele dizer ''estou triste'', vocês digam ''então fique feliz''. Isso ajuda. 

-Entendi muito bem. -Ele respondeu. -E se o senhor está achando que não serei capaz de cuidar dele, pode ficar tranquilo, nunca tentei mudar minha vida. 

-Que bom. -O doutor mostrava um certo alívio. -Imagina se todos vocês fossem iguais a ele... Bom, você ao menos já imaginou um mundo onde, por exemplo, não fôssemos obrigados a repitir todos os dias as mesmas coisas? Se resolvêssemos, por exemplo, comer só na hora que tivéssemos fome, como as donas de casa e os restaurantes se organizariam? 

-Seria uma confusão muito grande. -Ele respondeu. 

-Você gostaria então de ficar sofrendo as mesmas coisas durante horas? Se sentindo triste e tendo pensamentos absurdos? Como você se sentiria? 

-Triste. 

-Então, é desse jeito que ele se sentiria se você ficasse cuidando dele. Sem contar que uma pessoa só não daria conta dele, é por isso que aqui dentro ele está bem melhor. 

-Podemos ir embora agora? -Samantah perguntou e ouvi alguns barulhos. Segundos depois os dois estavam de volta à recepção. 

-Então, a gente precisa ir agora. -Ivy sorriu de leve, seus olhos um pouco vermelhos. 

-Vocês voltam amanhã? 

-Não sabemos, Mariana também quer te ver, quem sabe na próxima semana a gente volta? -Assenti, dando um abraço a Ivy. Eu nunca gostei dele ou fui com a cara dele, mas ele parece tão preocupado comigo que não consigo ter ódio dele. Abracei também Samantha, ela estava bem mais calma com ele e não parecia tão preocupada. 

-Eu vou esperar por vocês, estarei aqui sempre. -Eu os vi sair da sala e me dar tchau pelo grande vidro. Se nem eles sabem o que eu tenho por que eu saberia? 

-Mandem chamar o moço do suicídio. -Parecia ser o mesmo homem que conversou com Ivy e Samantha agora. Ele acabou de sair no corredor e falar com uma enfermeira, que imediatamente entrou na recepção e empurrou a cadeira pra fora, talvez me direcionando até a sala ao lado, onde os dois estavam. 

O tal homem se sentou sobre a cadeira e a enfermeira retirou uma delas que estava ali, para que eu ficasse bem perto da mesa. Fiquei bem de frente com ele e el saiu, encostando a porta.

-Então você é meu probleminha? Qual seu nome? -Não quis responder no começo, mas depois murmurei baixo. -Muito bem Louis. -Ele pegou uma garrafa de água que estava no chão e colocou sobre a mesa. -Você vê esta garrafa meio cheia ou meio vazia?

-Meio vazia. -Respondi sem vontade e ele balançou sua cabeça negativamente.

-Você é pessimista. Otimistas veriam esta garrafa como meio cheia. Vamos lá, você acha sua vida meio cheia ou meio vazia? -E do nada eu começei a chorar. O homem apenas suspirou e esperou que eu chorasse o quanto eu quisesse, algumas vezes sussurrando para mim desabafar e contar tudo que estava entalado. 

-Estou bem... -Comentei depois de longos cinco minutos, que não pareceram acabar nunca. 

-Eu sou um psicólogo, mas finja que não sou. Não quero que me olhe como uma pessoa que está sendo paga para te ouvir, finja que eu não estou aqui e diga tudo que você sente, quais são suas mágoas, suas dores, seus sentimentos. Vamos garoto, não é difícil. Diga tudo que está preso em sua mente, abre seu coração. -Respirei fundo. 

-O problema é que eu falho em tudo. Não consigo ter sucesso em nada, eu sou inútil até pra me matar, esse é o problema. Eu nunca consigo fazer nada. Mas força de vontade não me falta. Ah como eu tenho vontade de pular aquele muro e sair daqui, me perder pra sempre, sem ninguém... 

-Qual teu maior sonho? -Ele me interrompeu. 

-Meu maior sonho?... Eu sempre tive vontade de escrever um livro, não sobre minha vida, mas eu sempre tive vontade de inventar uma história... Onde duas pessoas tentam concluir os obstáculos da vida, sabe... -Respirei. -E no final dar tudo errado porque... A vida é assim né, tem seus altos e baixos. As pessoas sempre esperam que tudo irá dar certo, mas elas precisam entender que nem tudo é como elas desejam. 

-Hmm... E o que te impede de realizar esse seu grande sonho de escrever um livro? Eu acho que você tem muito potencial, sairia um bom trabalho daí. 

-O que me impede... Eu nem sei, até já tentei escrever mas... Nunca consigo nada, não consigo transferir as ideias da minha cabeça pro papel. 

-Por que você não se baseia em sua história de vida? Que tal? O final não deu certo, né? 

-Você tem razão... Ei, você é muito esperto. -Comentei. 

-Eu sou um psicólogo, é minha obrigação ser esperto, e bem atento. Me conta um pouco da sua história. 

-Não. 

-O que tem de mais nela? 

-Tudo, eu não gosto de falar sobre isso. 

-Então você gostaria de escrever em vez de falar? -Assenti. -Mas você me disse que não consegue colocar as ideias da sua cabeça no papel. 

-Mas eu nunca disse que tentei. -Ele assentiu. 

-Então que tal eu der um prazo a você, tipo, uns dias, e depois pode me entregar uma parte da sua história, se eu gostar, você se baseia nela para seu livro? 

-Ok. -Ele pegou um monte de papéis e colocou em minha frente. -Papéis. O primeiro passo para você começar. -Pegou o lápis e colocou em cima dos papéis. -Segundo passo, lápis. O terceiro passo é sua imaginação, acha que consegue pelo menos fazer um primeiro parágrafo? 

-Eu posso tentar. -Ele assentiu, esperando que eu fizesse alguma coisa. Peguei o lápis e pensei, rabiscando algumas palavras sem nexo. -Tentei. 

-Deixe me ver. -Ele pegou o papel e analisou a frase escrita. 

''Nunca faça promessas, elas nunca serão cumpridas, ao menos que você fique vivo.''

 

-Não quero vê-lo. Eu já cortei meus laços com o mundo. -Foi difícil dizer aquilo ali na sala da recepção lotada, na presença de todo mundo. Mas a enfermeira tampouco fora discreta, e avisara em voz alta que Enzo queria me ver de qualquer maneira. Disse que ele era capaz de tudo por isso. Não queria vê-lo porque nós dois iríamos sofrer. Era melhor me considerar morto, eu sempre odiei despedidas.

 Algumas pessoas desapareceram de onde vieram, e voltei a olhar o sol pela janela. Não, isso é loucura, estou perdendo a cabeça. Mal terminei de pensar nisso, senti uma pontada no braço, que ficou dormente. Vi o teto rodar, não pode ser: um ataque de pânico pós injeção. 
Entrei numa espécie de euforia, como se a morte me libertasse do medo de morrer. Pronto, estava tudo acabado. Talvez eu devesse sentir alguma dor, mas o que era um minuto de agonia, se tornou em confusão. Eu morreria em silêncio? A única atitude que tomei foi de fechar os olhos, odiaria morrer de olhos abertos encarando o teto. 

Mas um ataque de pânico parecia ser diferente do que estou passando agora, a respiração começou a ficar difícil, e horrorizado, começei a descobrir que eu estava prestes a passar por meu maior medo: asfixia. Eu ia morrer como se fosse enterrado vivo, ou estivesse me afogando, sem ar, sem forças. 

A cadeira veio pro lado com meu corpo e senti uma pancada em meu rosto, eu havia caído no chão. Continuei fazendo força pra respirar, mas o ar não entrava. Pior que isso, a morte não vinha, eu estava inteiramente consciente do que acontecia, continue vendo cores e formas, os gritos de exclamação pareciam distantes, como se vindos de bem longe daqui. Fora isso, tudo era mais real, o ar não vinha, e a consciência não ia embora. 

Senti que alguém agora me virava de costas, mas agora eu perdi o controle do movimento dos olhos, eles rodopiavam demais, as cores eram várias e chegava a doer tudo.  Aos poucos, as imagens foram perdendo o foco e as cores, e quando a agonia atingiu meu ponto máximo e minhas mãos tremiam sem parar, gritei, deixando todos ali assustados. 

Começei a vomitar descontroladamente. Passado o momento de quase morte em uma sala de espera, alguns dos pacientes riam de mim, me deixando constrangido, incapaz de me mexer. Um enfermeiro entrou correndo e me aplicou uma injeção de calmante. 

-Fique tranquilo, já passou. 

-EU NÃO MORRI! -Começei a gritar, voltando a vomitar e sujando todo o chão ao meu redor. Virei de frente para o enfermeiro e peguei a seringa de sua mão rapidamente, enfiando a seringa direto em minha bochecha, sem me importar. -Por que você não me aplica veneno logo, sabendo que estou morrendo? -Ele tentou tirar a seringa de mim, mas a agulha estava em minha bochecha. 

-Dem-lhe outro calmante, rápido! -Ele disse para alguma médica ou enfermeira. O enfermeiro, porém, estava chocado. Talvez ele nunca tenha presenciado uma coisa assim. Uns outros agarraram meus braços me impedindo de me mexer e tiraram a agulha de mim com cuidado, enquanto seguravam minha cabeça contra o chão. Aplicaram até a última gota de calmante na veia de um braço imundo. 



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