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História Cursed Lovers - Ato XIV - Guerra


Escrita por: UchihaKonan

Notas do Autor


Antes quero sugerir que releia o capítulo passado, tentei ao máximo atar as duas pontas e acredito que faça um efeito melhor na compreensão se partir do anterior.
Perdão por estar ruim, ainda estou tentando entender que não nasci pra fazer isso haha

Capítulo 14 - Ato XIV - Guerra


 

 / GUERRA                                                                

 

Sakura sentiu Lorde Sasuke se agitar ao seu lado na cama, como vinha fazendo nos meses que seguiram a mensagem que ele enviara a Danzo. A cabeça de Kabuto tinha sido colocada numa arca de cedro com entalhes na forma do brasão Uchiha, um recado mais preciso que as palavras que poderiam ter sido escritas num pergaminho. E seu marido agora parecia atormentado pela incerteza do que havia feito.

O primeiro mês não mostrara nenhuma consequência do ato, mesmo assim Lorde Uchiha pedira para que as estradas de Konoha fossem fechadas e guarnecidas por homens em armas. Soldados vigiavam cada possível entrada da cidade e até mesmo moradores deveriam pedir permissão para Minato, o Capitão dos guardas da vila, para entrar ou sair do domínio. Corvos foram enviados às fazendas e pequenos castros mais distantes do vilarejo, pedindo-os para se manterem alerta a qualquer possível ameaça. Mas nada viera.

O segundo mês se mostrou mais alarmante, quando um dos batedores da estrada principal, responsável por interligar Konoha à sede do País do Fogo, foi encontrado morto e pendurado numa árvore seca. Nas mãos do corpo sem vida um pergaminho com o selo de Danzo tomava para si a autoria do crime. Um simples brasão causou aos outros soldados temor do que viria a seguir. Foi na mesma época em que as cartas chegaram, com pedidos de rendição e o pagamento do tributo, que dobraria. Sasuke nunca chegou a responder tais cartas.

Quando o terceiro mês veio, Danzo mandara as outras vilas não fazer negócio com Konoha e, se chegasse a ele a informação de que mantimentos eram enviados à vila, destruiria uma após outra. E, dessa forma, a fartura das colheitas deu lugar à escassez. Campos de milho, cevada e trigo tinham sido incendiados e os pastos com animais saqueados. Toda a rota de comércio tornara-se vazia e ninguém ousava enviar nada para Konoha. O abastecimento era feito pelos fazendeiros do domínio, mas não tinha o suficiente para abastecer por um longo tempo. As contas de Shikamaru previam suprimentos para no máximo três meses. Sasuke ordenara que os marinheiros e suas embarcações deixassem os portos e navegassem para buscar mantimentos em outros lugares. Entretanto, a única galé mercante que retornara tinha sido saqueada por piratas na costa do País dos Rios. Os outros se perdiam na tempestade ou então eram enviados com mensagens ameaçadoras.

O vislumbre da guerra que os atingia era mais doloroso que o da destruição. Dia após dia a miséria se espalhava pelo vilarejo e havia pessoas que desertavam e acabam virando alvos. Numa tarde, enquanto sentava-se abaixo do carvalho para o chá, acariciando com cuidado o inchaço que ganhava forma em suas vestes, Sakura viu o marido se aproximar, tão perdido que sequer a notara. Com uma pilha de cartas em mãos, ele se sentara à mesa sem dizer nada. A Haruno não pôde deixar de  notar o quão preocupado ele estava, mas evitando falar a ela o que sentia.

— Danzo mandou cercar a cidade — Sasuke disse por fim, quando sentiu a mão macia e quente dela o tocar —, diz que começará pelas casas à beira do rio. E, irá entrar ao poucos, massacrando tudo e todos, até restar o forte.

Sakura engolira em seco e sentira, como se fossem um, a dor e o peso da escolha que ele fizera. Da escolha que tinha feito por ela e seu medo de perder o único capaz de defendê-la daquilo que poderia ferir. Medo de nunca mais ver o homem que a fazia companhia e compartilhava de uma vida, agora unidos por toda a vida e além dela. Sentia-se culpada por não ter acatado a sugestão de Kabuto e se retirado, deixando-os negociar. Culpada por ter deixado a compaixão falar mais alto que o pensamento racional...

... mas Sasuke a prometera que seria diferente. E, crianças, não deveriam lutar para tornarem os outros poderosos. O preço da vida de alguém não deveria caber a um único ser, para desfrutar dela como bem entendesse. Olhara para o Uchiha, notando como ele próprio aparentava estar cansado e a forma como a tinha contado certa noite de sua vida passada. Um refém real, mantido para lutar, matar sem questionar e perder toda a inocência antes do tempo. Ainda assim a culpa não se esvaecia do âmago dela.

— Iremos vencer — Sakura o dissera por fim. — Podemos trazer as crianças e mulheres para o castelo, ficarão a salvo aqui. Se Danzo não encontrar ninguém para matar, então sua destruição será pequena.

— Sakura — ele dissera, tomando as mãos dela entre as suas —, não posso ganhar isso.

— Você pode! Sei que sim...

Ele sorriu de canto e ela levou as mãos dele ao ventre e seu volume. Os dedos dele se moveram carinhosamente pelo tecido, Sakura podia senti-lo sentir a esperança que brotava no interior dela.

— Disse-me uma vez que há muito mais que luz e trevas para se temer — a Haruno o encarou —, então prove-me que há coragem nesse meio termo. Salve-nos, porque apenas você pode fazer isso.

A chama da vela bruxuleava sobre a mesa, iluminando o rosto claro e de traços finos de Konan. 

— Ela está esperando por uma criança — Karin disse, engolindo as palavras junto da cerveja —, por que não funcionou? Isso, quero dizer, Sakura grávida significa que possuem um laço, não é? Que se completam, como me disse.

— Sim — Konan assentiu e suspirou. — Também não entendo o que houve. Deveriam estar livre disso, afinal este é o acordo. A não ser que...

— O quê? — a ruiva se ajustou à cadeira e encarou os olhos amendoados da feiticeira.

— Todos cumpriram com suas partes do trato com ele? 

Karin suspirou e assentiu. Ela havia feito sua parte, há tanto tempo que ficara apenas os resquícios da lembrança do dia em que Madara a pedira para ir até a Ilha Solitária e trazer a ele a única pérola negra existente no mundo conhecido. Uma coisa horrível e retorcida, mas encontrara e ele a prometeu libertar assim que os outros cumprissem com suas partes. 

Suigetsu nunca contara-lhe o que tivera de fazer, mas vangloriava-se por ter feito antes de Lorde Sasuke, dizendo que isso provava o quão mais corajoso era. Entretanto, o Uchiha também tinha feito. Orochimaru estava morto, afinal, como Madara pedira. 

— Fizemos — engoliu outro gole da espessa bebida.

— Não havia mais ninguém no acordo? Um alguém secreto...

Karin a encarou surpresa e com os olhos arregalados, a respiração tornou-se ofegante e o sabor da cerveja amargo na boca. Na época, pensara em incluir seu amante na promessa, mas ele morrera antes de poder fazer algo. Entretanto, as palavras da feiticeira pareciam acusá-la.

— Suspeita de algo? — perguntou a ela —, ou de alguém?

— Entenda, Karin, criaturas como ele temem apenas uma coisa: não cumprir suas promessas. E se ele não fez, sabe que tem o tempo contado e com toda certeza faria algo para não acabar como cinza soprada ao vento, porque é o que acontecerá quando descobrirem que quebrou um acordo e detém a alma de vocês. Mas, temo que ainda esteja por aqui, não? 

— Madara não tem ido ao castelo, mas parece despreocupado.

— Então alguém não terminou a tarefa dele — a feiticeira lançou os olhos para a porta.

A outra virou-se para ver. Os bêbados da taberna gritavam, batendo nas mesas diante do pequeno espetáculo. Dois rapazes, cambaleando, tentavam um atingir o outro com socos e gritos de ameaças. O populacho ria e incitava a disputa. Ao mesmo tempo que um deles caiu sobre a mesa, espalhando as canecas de cerveja e taças par o chão, causando um estrondo e vozes ainda mais alteradas, a porta abriu-se e um figura coberta por um manto escuro e capuz deslizou até os fundos.

Karin arqueou a sobrancelha e o seguiu se dirigir até as escadas que levavam ao andar superior, onde os quartos para alugar ficavam. Coração Gelado era além de uma taberna, podia se passar um longo tempo naqueles quarto imundos por uma quantia grande de moeda. Mas a privacidade ao menos era mantida a sete chaves.

Deixou o visitante para lá e engoliu o último trago da cerveja, acenando para o rapaz servir-lhe mais.

...

Entrou sem bater e recebeu o olhar escuro e despreocupado de Madara, qual apenas suspirou e indicou a cadeira a frente. Sasuke rejeitou a ideia de se sentar e permaneceu em pé, retirando o capuz e notando quão bem vestido ele estava. O anel rubro brilhou contra a luz quando colocou a mão sobre a mesa que tinha em sua frente.

— Pensei que fosse Karin — Madara disse —, a vi lá embaixo, bebendo e se enchendo de tolices com aquela... — de súbito ele parou e, fosse por perceber que Sasuke não tinha interesse ou por algo a mais, calou-se e riu. — A que devo a honra?

— Imagino que já saiba das últimas notícias.

— Oh, sim. Alguém, que felizmente não sou eu, resolveu começar uma guerra e arriscar a vida de toda uma certa vila. Bem, as informações correm e me dizem que Danzo vem ai. Devo colocar uma roupa de veludo ricamente bordado para recebê-lo ou será melhor uma armadura?

— Poupe-me dos seus gracejos.

Madara ergueu as mãos em redenção e se inclinou na cadeira almofadada, encarando Sasuke com um fino sorriso nos lábios. Ele sabia, com toda certeza, o motivo de ele estar ali e apenas esperava, como um caçador aguardando o momento de atacar a sua caça. 

— Começar uma guerra, não esperava isso de você, Sasuke — ele riu e se inclinou sobre a mesa, com os olhos flamejantes e o sorriso ainda mais. — Sentiu falta dela — Madara sussurrou e o Uchiha o encarou, sem entender. — Da guerra. Sentiu falta da emoção, ação e do sangue pulsando quente em suas veias. Ah, todos temos em nós um desejo ardente pelas batalhas. E você a viu, desde sempre, cresceu no meio de tudo. Claro que sentiria falta... nem mesmo Sakura poderia substituir esse seu desejo.

— Não me conhece, Madara.

— Não, não o conheço — voltou a se afundar no estofado, seguindo Sasuke que caminhava de um lado ao outro na sala. — Mas reconheço um desesperado. Na maioria das vezes, eles batem. 

— O que o faz pensar que estou desesperado? 

Sasuke o encarou, apreensivo e fazendo o orgulho se retorcer no interior. Ponderara por um longo tempo se devia ou não ir até ele. Mas, realmente era um dos desesperados e só o restava uma única pessoa no mundo. 

— Está aqui — Madara riu. — Diga-me... nãopeça-me e te darei. Conhece as regras, é claro.

— O que irá querer dessa vez?

Ele sorriu e encolheu os ombros, pensando.

— Ora, na primeira vez trouxe-me uma espada de grande valor — ergueu o  indicador numa contagem —, por Orochimaru não me deu nada, ainda. Temo que terei de dobrar o preço, se quiser vencer Danzou. Aceita?

— Me diga o que quer — Sasuke se aproximou da mesa e espalmou ambas as mãos enluvadas na madeira entalhada, encarou Madara, que apenas sorriu —, diga-me o seu preço e decidirei se irei aceitar ou não.

— Você precisa de mim, se quiser ver seu herdeiro nascer. Eu irei pedir algo, mas não hoje ou agora, conhece os meus...

A porta abriu-se de repente e num estrondo. Sasuke girou a cabeça para a entrada e viu Karin, ofegante e furiosa. Ela permaneceu na porta, olhando para ambos com uma ira que estava prestes a  romper e causar o caos.

— Querida Karin, imaginei que fosse vir me ver, mas nesse momento...

— Cale a boca — ela disse e os olhos foram de Madara a Sasuke. — Foi você. Traiu a nós todos...

O Uchiha abriu a boca e deixou de olhá-la, fitava a mesa em que suas mãos continuavam e voltou-se para Madara que tinha o sorriso enfraquecido e empalidecia mais a cada segundo.

— Não os trai — Sasuke disse em defesa —, contei a Suigetsu e ele concordou.

Os passos dela soaram mais altos conforme vinha furiosa na direção do Uchiha. Com força, ela o agarrou pelo casaco e levou até a parede, batendo as costas dele contra a pedra. A dor não veio, mas ela ainda o apertava, agora segurando com ambas as mãos a gola do casaco. Esquecera-se de que Karin um dia tinha sido uma guerreira, capaz de qualquer coisa e de ferir sem precisar de aço. A mulher tinha navegado os mares conhecidos, comandado uma tripulação e mais tarde se envolvido com a guerra, então força não a faltava.

Via o quão brava ela estava, os olhos ardiam e os nós dos dedos se tornavam opacos de tanta força que ela fazia para segurar Sasuke ali.

— Vocês não tinham o direito de escolher por mim — ela disse, em tom baixo e seco —, não tinham...

— Eu sei — Sasuke disse e tentou se soltar dela, que apenas o puxou uns centímetros longe da parede e tonou a batê-lo contra a rocha. — Pare! Sei que não queria isso.

— Não sabe de nada! — Karin gritou e os olhos em pura ira tornaram-se marejados. — Acha que pode decidir por mim? Acha? Quero a minha liberdade! Ouça-me bem...

— Solte-o, Karin — Madara disse.

Ela lançou um olhar desdenhoso a Madara, desprezando a existência dele e sua ordem.

— Já o mandei ficar calado.

— Quando terminarmos  terá o que quer — Sasuke disse e a mulher riu.

— Sua guerra, termine você — ela cuspiu as palavras —, ajudei-o em tudo. Tudo! A única coisa que pedi foi isso, ser mortal outra vez e livre dessas... dessa vida inútil que me deram!

Não havia o que dizer a Karin, realmente havia traído a confiança dela e apostado a vida de todos por uma vingança sem sentido, agora que via. A culpa por ter perdido todos não era de ninguém, senão dele próprio e das escolhas que fizera naquela noite, aceitando a opção de Madara e viciando-se nessa possibilidade de fazer a justiça pelo mal que o causaram. Mas esqueceu-se de que a eternidade seria apenas dele, não dos outros. Não do pai, da mãe ou do irmão. Era Sasuke o culpado de sua própria vida. Suas escolhas, suas consequências.

Gostaria de ter dito isso a ela, mas, ao que Madara se aproximou e tentou tirar as mãos de Karin que o prendiam, a mulher girou em toda a sua fúria e acertou o rosto do outro com um soco que o forçou a virar o rosto para o lado. Cambaleando, ele caiu e segurou-se na mesa. Sasuke apenas observou a trilha de sangue no chão e nos dedos dela, que agora o libertara.

— Faça outro acordo — Karin disse para Sasuke —, obrigue-o a me libertar. Ou então contarei a Sakura que veio negociar sua alma com Madara por causa da guerra. Vamos, faça o acordo!

— Não dirá nada a ela — disse, em tom ríspido.

— Não? Pois arrisque-se e verá.

Sasuke lançou um olhar para Madara que já se levantara e com as pontas dos dedos retirava o sangue que escorria pelo fino corte nos lábios. Surpreendeu-se ao notar o quão humano aquele homem parecia, quando deveria ter mais de centenas de anos de vida. Mas ignorou essa curiosidade por um tempo, porque não estava disposto a perder Sakura. Então, como se todo o orgulho armazenado pelo anos antes tivessem de ser engolidos à força, decidiu que faria, ainda que o preço pudesse triplicar seu valor e tornar-se escravo dessa condição.

— Liberte-a — Sasuke disse —, ela cumpriu com a palavra. Sou eu quem o devo.

— Tem certeza disso? — ela perguntou.

Olhou para a ruiva, que tinha as expressões pálidas e sérias. Os cabelos rubros dela encontravam-se num amarfanhado medonho, com tranças a caírem livre pela bagunça. Lembrou-se da primeira vez que a vira, com um surrado chapéu escuro, desbotado pelo tempo, as roupas de couro ainda mais gastas e a maneira como brandia a espada gritando aos seus subordinados. Tinha imaginado o quão longe ela iria para ter o que queria, sem piedade. Mas, de repente, ao olhar para ela nesse momento, via-a hesitar e não compreendia.

— Faça, Madara, deixe-a ter o que quer — Sasuke falou sem tirar os olhos de Karin, que deu um passo a mais, insegura. — Eu nos coloquei aqui e vou tirar — disse mais para ela que para Madara. — Mas não tomarei um minuto a mais da sua vida.

Ela abriu a boca para dizer algo, mas calou-se e olhou para Madara, que se colocou ao lado de Lorde Sasuke.

— Libri vos.

Karin piscou quando a brisa entrou pela janela e a tocou a face, sacudindo os cabelos. Não houve nada de especial, assim como não tivera da outra vez. Uma frase e estava feito, com apenas a coragem de provar que era real como garantia. 

Mesmo insegura das palavras de Madara e temendo, tirou a adaga do cinto e puxou a manga da casaca que fazia uso. A pele clara cintilou na luz do ambiente, demorou mais do que gostaria para fazer o aço deslizar pela carne, abrindo uma fenda que em instantes tornou-se vermelha e úmida. Esperou, atenta a qualquer movimento, para ver se a ferida se recuperaria. Mas a dor veio e o sangue continuava a fluir, sem mostrar intenção alguma de parar para a fenda se fechar e cicatrizar em questão de minutos.

Permitiu-se um sorriso e guardou a adaga ao cinto, virando as costas para os dois homens. O sentimento que deveria ter dentro de si para este momento solidificou-se e em seguida se diluiu ao mar de terror que tinha sido contido por anos, a sensação de estramento e medo do desconhecido, do que viria depois do fim a preencheu e quando deu por si já estava cruzando o salão movimentado, repleto de vidas que um dia iriam se acabar sem ao menos saber para onde iriam o que ocorreria.

Da janela da torre, viu o cavalo vir a galope, ligeiro o suficiente para fazer a poeira erguer-se numa cortina que ocultava aquele que montava o animal. A pressa demonstrava a importância da mensagem que o cavaleiro trazia. Sasuke apertou as mãos em volta da rocha, inclinando-se um pouco na amurada para tentar ver quem vinha. Mas não foi possível.

Encontrou o rapaz de cabelos loiros e olhos extremamente azuis ofegante, ainda montado e tomado por um desespero que seus olhos cristalinos revelaram ao se encontrarem com os do Uchiha. 

— Há soldados inimigos marchando pela estrada principal, milorde — ele disse num disparo, misturando as palavras com sua respiração entrecortada. — Catapultas. Batedores dizem que trazem catapultas, que há centenas de milhares de homens com lanças e arqueiros que se instalam nas sombras.

— Diga a Minato para...

— Ele está morto — o rapaz disse num fio de voz. — Ele... meu pai... um grupo atacou o portão da lua e ao tentar conter acabou ferido.

Lorde Sasuke calou-se, reconhecia agora o filho de Minato e como tomara o lugar do pai nos tempos de guerra. Com um aceno de cabeça, Kakashi surgiu ao lado dele.

— Irei até a vila, encontre Sakura e não a deixe sozinha — ele disse —, entende?

— Sim, meu senhor.

Não demorou para que o corcel do Uchiha fosse selado e partisse em direção da vila. Madara o tinha prometido uma vitória, gostaria de ver com os próprios olhos como aconteceria. Dez mil soldados, tinha-lhe dito, todos para obedecerem as ordens e manter Konoha a salvo que qualquer ataque. Uma promessa por centenas de vidas.

Sakura viu quando Lorde Sasuke deixou o castelo, montada numa égua que cavalgava suavemente e em passos medidos, tinha saído para buscar ervas e plantas medicinais na redondeza do castelo. O volume abaixo do vestido mostrava que o tempo se aproximava e, seguindo as ordens de Tsunade, não deixaria para se preparar de última hora. Karin a acompanhara, montada num garanhão castanho que ia à frente. Mas ambas pararam na estrada ao ver o Uchiha ir apressado e seguido por um par de guardas além de Naruto.

Curiosa, ela fez sua égua ir mais ligeira em direção da entrada do castelo, onde Juugo estava.

— Ele foi à vila? — perguntou ela a Juugo.

— Lorde Sasuke foi, milady. Diz-se que os inimigos avançam em direção dos portões.

A Haruno olhou para a estrada que levava a Konoha e deixou a cesta que tinha em mãos atingir o chão. Virou o cavalo em direção do caminho e bateu os pés rapidamente para fazê-la ir mais rápida. Karin não se demorou para se aproximar e ficar lado a lado de Sakura. A ruiva nada disse, de certa maneira compreendia o que ela desejava.

Tudo que restara da passagem do Uchiha era a poeira e marcas dos cascos batendo contra a terra. Não encontraram vivalma pelo caminho. Sakura bem quiser ir mais rápido, mas sua égua não iria e não fari bem ao bebê. As dores nas costas dos últimos tempos a tomavam por completo, havia dias em que passava mais tempo deitada que em pé. O inchaço revela-se um certo incômodo nas tarefas que gostaria de realizar. Mesmo assim, nesse momento desejava mais que tudo estar no vilarejo e ver o que acontecia. 

Era a sua culpa, dizia a si mesma toda vez que vinha um mensageiro ou alguém os noticiava do saques que ocorriam nas fazendas mais afastadas. Boa parte dos castros tinham sido abandonados e a população de Konoha triplicara, ninguém achava seguro ficar longe da companhia dos guardas e do exército que Sasuke dizia ter conseguido para defendê-los.

Passavam pela colina, da qual já se podia ver os telhados de sapé e o subir das fumaças das chaminés das casas do vilarejo, quando um ruído as atingiu. Karin, ligeira como uma águia, fez sua montaria girar na direção dos berros altos daquele que vinha logo atrás. Sakura forçou a égua a diminuir o passo e tudo que fez foi suspirar ao ver Kakashi, vermelho como pimenta, cavalgando mais rápido do que pudera.

— Sakura! — ele gritou e ambas pararam. Karin, que tinha levado a mão para a espada no cinto, baixou a guarda ao reconhecê-lo. — Sakura!

Ela o encarou, aguardando o que tinha a dizer, apesar de prever a ordem que romperia os lábios finos do homem.

— Tem de voltar.

— Não — a Haruno disse e bateu o pé de leve, fazendo a égua tornar a trotar em passo moderado. — Não retornarei, quero ir ao vilarejo e, Karin, se ele tentar me impedir, pare-o.

— Lorde Sasuke disse para ficar no castelo, Sakura — Kakashi disse. — A levarei de volta.

O cavaleiro tentou avançar mas a ruiva puxou a espada da bainha, o que o fez recuar um pouco com seu cavalo. Kakashi Hatake fungou e moveu os lábios sem dizer nada.

— Deixe-a ir, Kakashi — Karin disse, quando a Haruno já estava mais distante. — Venha conosco, se o quiser e desejar cumprir sua ordem. Mas deixe Sakura fazer o que quer.

— Por que a defende?

— Eu a coloquei ao lado dele, tenho minha parcela de culpa também — a ruiva disse e fez sua montaria ir mais rápida.

Os portões do vilarejo encontravam-se fechados e cadeados. Uma incrível multidão se apinhava nas grades, sendo contidas pelos guardas e soldados que tentava parar o motim. Gritos  de ordem e violência surgia cada vez que um dos moradores de Konoha empurrava o portão para abrir passagem.

O desespero tomava conta de todos, Sakura foi mais rápida e, ainda que a barriga a pesasse e diminuísse a velocidade dos passos, saltou de sua montaria e se alocou ao lado dos guardas. Viu os rostos sujos e cansados repletos de terror e medo. Crianças de colo berravam nos braços das mães, os pequenos se encolhiam nas saias e entre as pernas dos pais. Idosos se arrastavam em bengalas improvisadas, adultos carregavam aquilo que podiam salvar e levar consigo para um possível refúgio.

A Haruno olhou face por face, todos lamentando às suas maneiras, desesperados e desamparados. O que cruzava a mente da multidão? O terror da guerra, a morte dos entes queridos, as perdas... ela não sabia dizer.

Segurou a barriga com ambas as mãos, protegendo-se enquanto ia na direção dos soldados que prendia as pessoas.

— Abra os portões — ela disse —, deixe-os ir.

— Temos ordem para manter fechado — um dos guardas disse.

— Eu disse para abrir os portões — Sakura elevou a voz e o soldado a olhou, com um riso travesso e ousado nos lábios. Pôde notar o desprezo dele ao constatar que era apenas uma mulher grávida.

— Não — o guarda disse, sorrindo e arreganhando os dentes —, não sigo ordens de uma mulher.

O guarda riu e então levou os olhos para a direção de Kakashi que chegou apressado, seguido por Karin. A ruiva se colocou ao lado de Sakura e pousou a mão no cabo da espada. Havia algo de ameaçador na mulher, que fez o sorriso dele morrer aos poucos.

— Acredito que ouviu a Senhora Uchiha da primeira vez — foi Kakashi quem disse. — Faça o que ela pede, ou Lorde Sasuke ouvirá sobre isso.

Mesmo irritado o guarda passou a ordens aos outros, que acabaram por descadear o alto e fortificado portão de ferro. Enquanto a passagem era aberta, Sakura tornou a montar e, mesmo que quisesse negar, a dor que a atingiu a forçou a repreender qualquer reação que alarmasse aos seus companheiros. De cima do cavalo, com a pontada a lhe atingir o baixo ventre, ergueu-se reta e aumentou o timbre.

— Vão para o castelo — ela disse —, todos que não puderem lutar! Mulheres, crianças e os moribundos. Aqueles que puderem e souberem manejar armas, fiquem e lutem por suas casas!

Os olhos desesperados ganharam um brilho e assim foi feito. Algumas mulheres ficaram e correram de volta ao vilarejo, pois ficariam, jovens e fortes fizeram o mesmo trajeto. Uma parte ia para as muralhas do vilarejo e outras para qualquer direção onde pudessem encontrar armas. Enquanto outra parcela da multidão se pôs a caminho do forte Uchiha. 

Sakura não pôde deixar de notar os olhares agradecidos e cintilantes numa esperança.

Outra dor a atingiu, mas não deixou-se enfraquecer. Passou pelas pessoas, entrando na vila e enquanto avançava, seu olhar cruzou-se com os olhos verdes como os seus. Hikaru estava apoiado num pilar, com as roupas gastas e os as feições mais velhas do que ela podia recordar-se. Ambos se observaram por um tempo, talvez cogitando se devessem ou não trocar alguma palavra.

Mas o momento passou quando Kakashi surgiu ao lado dela.

— Dê a ordem para que as pessoas que não puderem lutar se dirijam ao castelo — disse-lhe ela. — Encontrarei Sasuke.

Kakashi fez uma reverência e trotou através da multidão, falou com alguns guardas e desapareceu de vista.

Um caos instalava-se aos poucos próximo dos portões. Naquela área era praticamente impossível de se andar sem esbarrar em alguém, o que forçou Sakura a saltar de sua égua e caminhar. Karin vinha ao lado, observando tudo e como uma sombra a guardá-la. A Haruno ainda lutava contra as primeiras reações do seu corpo e evitava deixar que parece estar sentindo alguma dor.

Passando pela porta de uma pousada, apoiou-se num pilar e respirou profundamente. Um ai não pôde ser contido, sentia-se completamente imobilizada pela dor que a acometia. Fechou os olhos e buscou equilibrar-se, mas ao pensar que iria atingir o chão na queda, sentiu os braços firmes segurá-la. Abriu os olhos e viu Karin a guiar por entre as pessoas, até alcançarem uma casa mais afastada que tinha a porta aberta.

Gritos vinham da pequena construção. Mesmo com dor, Sakura olhou para a direção da casa e viu um homem vestido com armadura diferente e desconhecida tentar pegar uma moça que fugia de seus braços, colocando uma mesa entre ambos. Karin deixou a Haruno sentada nos degraus e puxou a espada, entrando e atingindo-o com um só ataque. Ele se estatelou ao chão e a mulher saiu às pressas.

Sakura viu os cabelos escuros e arroxeados dela num amarfanhado. Os olhos perolados estavam completamente assustados e uma parte do vestido fora cortada. Ela parou ao ver a Haruno, completamente alucinando com a dor, já se entregando de vez ao que não podia segurar. Agarrada ao ventre, começava a chorar.

— E-ela vai dar a luz — disse a mulher e logo se abaixou junto de Sakura. Virou-se para Karin. — Ajude-me a levá-la para dentro. Precisamos de água e panos limpos!

Ambas carregaram-na para o interior. O lugar não tinha o luxo e parecia mais simples do que  se podia imaginar ao olhar o exterior. Tomada pelo macio da cama de penas, Sakura sentiu o corpo aliviar-se do peso mas se encher de contrações ainda mais terríveis. Quis gritar, espernear e chorar, porém se manteve firme e viu o movimento das duas outras em busca de água e pano.

— Precisamos de Tsunade — disse a de cabelos arroxeados. — N-nuca fiz isso...

Karin suspirou e jogou o cinto com a espada de lado, para se aproximar da Haruno. Deixou a bacia com água do lado e umedeceu um pedaço de linho, para colocá-lo à testa.

— Vá chamar Lorde Sasuke — Karin disse e a outra arregalou os olhos. — Diga-o que a criança está para nascer — ao notar que ela não se movera, suspirou pesado. — Rápido!

Correndo, ela se foi, restando apenas as duas.

— Sakura, ouça-me, precisa ser forte e respirar profundamente. Entende?

Entre um gemido e outro de dor assentiu.

— Agarre-se aos lençóis e quando eu mandar, empurre.

Karin espaçou ambas as pernas de Sakura, ganhando visão da abertura e a forma como já encontrava-se com centímetros de dilatação. A ruiva se colocou diante das pernas e por longos minutos viu a Haruno gritar pela dor, esforçando-se a criar forças para trazer a criança ao mundo. Cada vez que ela gritava, Karin a induzia a forçar ainda mais e empurrar.

Já começava a ter uma abertura maior quando Sasuke chegou, ofegante e se jogando ao chão do lado da esposa. Ele a olhou, surpreso por vê-la naquela posição e suando, além de gritar sem parar a cada vez que forçava a criança para fora. Estático, o Uchiha olhou de Sakura para Karin. Notava-se claramente como a cena o espantava e deixava-o confuso sobre como ocorreria em seguida.

— O que eu faço? — ele perguntou por fim.

— Segure a mão dela, já será algo — a ruiva disse e sorriu ao ver a cabeça surgir. — Isso, Sakura, mantenha-se assim.

A Haruno apertava a mão do marido com a mesma força que usava para empurrar. Cada pontada de dor a fazia contorcer-se na cama e fechar os olhos, atentando na respiração que deveria controlar. Na última investida, pensou que não suportaria uma outra, até que o pequeno choro encheu o espaço e o corpo relaxou-se numa dor anestésica. Mergulhou num estado de calma e se deixou amolecer na cama por um longo tempo.

Olhou para Karin e a viu enrolar a criança num manto, sujando de vermelho o tecido claro. Sakura se entregou a uma respiração mais calma e se permitiu sorrir. Mas nunca deixou de segurar a mão do Uchiha, que acariciou os cabelos dela e beijou a testa. De olhos cerrados ela jurou que o tinha visto sorrir.

— Uma menina — Karin disse ao se aproximar. 

Lorde Sasuke levantou-se e a Haruno o viu tomar o embrulho dos braços da ruiva, que tinha a camisa suja e também parecia cansada. Ela sorriu para Sakura.

— Sarada — Sasuke disse, com a pequena nos braços —, o que acha?

— É um lindo nome.

E, ambos sorriram, em meio ao caos.

Sakura teve a filha nos braços e notou o quão parecida era com o Uchiha. Sorriu ao ver a pequenina tão suave contra seus braços, contendo o choro ao receber o seio aos lábios, sugando-o com voracidade. Nunca havia se sentido tão parte de algo e alguém como nesse breve momento. 

Deslizava os dedos pelo cabelo negro da filha, sentindo os olhos do pai em cada detalhe da menina. Por um breve momento houve paz onde a guerra começava, a família estava unida e pareciam eternos. Até tudo romper-se e o estrondo chamar a atenção. Sasuke ergueu-se instintivamente e se colocou à frente da esposa e filha. No mesmo instante Kakashi chegou, arfando e esgotado de uma longa correria.

— O portão... explodiram... eles estão aqui — Kakashi disse entre um suspiro e outro. — Suigetsu está no portão do vento, estão tentando derrubar a muralha...

O Uchiha olhou para ambas as mulheres de sua vida e foi só com o consentimento de Sakura que deixou a si mesmo ir. Por ele teria ficado ali, em pé na porta para evitar que qualquer um ousasse se aproximar.

— Fique aqui, Kakashi, nada ou ninguém deve se aproximar das duas, entende?

— Às suas ordens.

— Karin, vá e veja se Suigetsu precisa de auxílio — a ruiva tomou a espada que jazia no chão, junto dos lençóis sujos e da bacia d'água e dirigiu-se ligeira para a saída.

A Haruno acenou para ela, que parou na porta uma última vez para lançar um olhar rápido à garotinha que ajudara a trazer ao mundo. Dentro de Karin havia a certeza de que tinha feito a coisa certa até esse momento, uma certeza que a preenchia e fazia sua vida ter sido válida. Sorriu e devolveu o aceno, saindo pela porta e se despedindo de ambas pela última vez.

Sasuke foi em seguida, não sei antes beijar Sakura como se dependesse da força dela para enfrentar o que havia do outro lado. Acariciou os fios negros de cabelo da filha e partiu. 

As horas correram e o dia deu lugar à noite. Podia se ouvir os gritos, batidas e explosões na distância. Enquanto Sarada se movia inquieta nos braços da mãe. Hinata, dissera o nome por fim, ajudara Sakura a limpar e embrulhar a filha num tecido limpo e quente, para que pudesse dormir tranquila. Mas os ruídos exteriores transformaram o ato impossível.

Hinata acabou por cair ao sono, enquanto Kakashi olhava pela janela o vilarejo. Em momento algum ele demonstrara interesse emd eixar seu posto, algo nele a dizia que mesmo se pedisse ele não o faria.

— Obrigada por mais cedo — ela disse e o homem se virou para ela, encarando-a. — No portão...

— Eu sei — respondeu, com a mesma frieza de sempre.

A mulher calou-se e baixou os lhos para o bebê, mas sentia o peso do olhar dele em si. Sabia que Kakashi ainda a observava, entretanto, jamais compreendera sua mania de tratá-la com cortesia fria. Não se davam bem, isso era verdade, apesar de ela jamais tê-lo dito ou ofendido.

Ponderou por instantes se deveria perguntar ou então permanecer assim, mas a coragem a dominou.

— Odeia-me, não é?

Kakashi arqueou a sobrancelha e cruzou os braços ao peito, encarando-a num silêncio gutural. O homem a pareceu surpreso pela questão, até baixar a guarda e suspirar, retornando ao seu posto na janela e aparentemente a ignorando. Sakura desistiu de dizer algo ou desculpar-se por ter perguntado, até ele resmungar.

— Não, não a odeio — disse-lhe. — Me faz lembrar dela... da sua mãe.

— A conheceu?

— É — ele murmurou. — É, conheci sim. Salvou-me duas vezes.

A Haruno deixou o sorriso se dissipar, sentindo a melancolia na voz do cavaleiro. 

— Uma vez me salvou de uma febre terrível, que levou meus irmãos pro buraco — Kakashi encolheu os ombros e jogou a cabeça para trás. — Depois... ela... — ele pigarreou. — Ela morreu para impedir que eu levasse um ataque no peito — o cavaleiro bateu a palma no metal da armadura, estalando-a. — Bem aqui. 

— Eu não sabia...

— É, eu sei que não — o Hatake se encolheu ainda mais. — Você me lembra ela, porque é corajosa. Ou louca. Mas o fato é que não tem medo. Sua mãe era assim, às vezes olho para você e penso que se ela não fosse corajosa, ainda estaria viva e tudo seria diferente... — ele se calou por um instante, Sakura abriu e fechou a boca sem nada dizer. — Queria poder te proteger, mas não se pode defender alguém de si mesmo, pode?

As palavras dele a tocaram com uma surpresa única. De todos os motivos que pensara e até chegara a tomar reais, esse era o mais impossível de se imaginar. Sakura não chorou, sorriu por saber que se assemelhava em algo com a mãe, ambas dominadas por uma coragem indubitável. Pela primeira vez entendia o quão próxima dos pais era.

— Obrigada — disse ela por fim e Kakashi sorriu, mesmo de costas soube que ele sorria.

Os primeiros raios de sol vieram envoltos por uma camada densa de poeira e fumaça branca. Deidara tinha feito um espetáculo e tanto com suas explosões para uma emboscada inimiga. Soldados ainda lutavam, inúmeros homens batendo um na arma do outro com fúria, agarrando-se no desejo de viver e na esperança de se consagrar vitorioso. 

Karin encontrara Suigetsu no portão, como tinha dito Kakashi. Lutaram por horas, mas para eles pareceram séculos. Com os braços doloridos e sujos, ele se deixou cair no chão e passou a mão empoeirada na testa, marcando uma trilha lamacenta na testa suada. A mulher de cabelo rubros se apoiou à espada e pela primeira vez em horas engolira uma lufada de fôlego com bom gosto, sentindo-se viva em anos.

— Fez muitas baixas, hã? — Suigetsu indicou as manchas de sangue nas mangas da camisa, quando ela tirou a casaca fétida e pesada.

— Oh, isso? Não. Ajudei Sakura no parto.

— Desde quando sabe como trazer crianças ao mundo? — ele arqueou a sobrancelha, encarando-a por baixo da camada de poeira.

— Duzentos anos, não os gastei atoa como você — ela rebateu. — Teve uma alquimista certa vez, precisava de ajuda com a filha... bem, três moedas de prata, né?

— E depois culpa-me pela ambição...

Ela sorriu, suas forças tinham se esgotado com a última onda de ataques, a quantia de inimigos ali era surpreendente. Todos tinham em si sede de sangue, o que levou todas as energias dela. Karin idealizava uma cama macia, um banho quente e uma refeição saborosa, empurrada para baixo com uma boa cerveja preta. Sonhava acordada.

Suigetsu baixou os olhos e fitou a terra, riscando com os dedos a poeira, desenhando círculos e triângulos, rabiscando e se perdendo naquele ato sem sentindo. Havia algo que ele gostaria de dizer a ela, confessar nesse momento que se encontravam tão descontraídos da realidade que os cercara nos últimos tempos. A mulher o tinha deixado de lado, transformado a amizade de anos em poeira soprada. O que reforçou o sentimento adormecido, se fundindo à culpa e o desencorajando a fazer algo a respeito.

Mas ali, juntos, depois de horas de batalha, não deveria haver mais nenhum atrito capaz de separá-lo de seu desejo de confessar a verdade. Pigarreou e a encarou, notando-a observá-lo.

— Podemos partir num navio de guerra, quando acabarmos — ele disse, recebendo os olhos cintilantes dela em sua figura. — Soube que contratam no País dos Rios, seria uma boa voltar a navegar...

— É, seria... — Karin sacudiu os ombros. — Suigetsu, olha... quando me deixou da outra vez...

— Foi estupidez — ele completou —, sempre coloquei meus interesses à frente dos desejos. Pensei que a acharia no mesmo lugar, me esperando. Mas a vida segue, Karin.

— Eu esperei, mas nunca voltou. Então parti.

Ambos se calaram, deixando apenas os olhares se encontrarem e completar as sentenças que nunca viriam. 

— Sinto muito — Suigetsu disse.

Ela sorriu e fechou os olhos num piscar, os cabelos vermelhos caíram na face empoeirada dela. Olhando apenas para ela, ele nunca viu quando o ataque veio, tinha se perdido na visão da mulher por quem tinha se entregado e apaixonado incontáveis vezes. Mas quando um dos inimigos veio, correndo e com a lança pronta para ser atirada, o tempo atravessou os limites e a levou para sempre.

O alívio que sentira ao ver que ela fora atingida, mas ainda respirava, o fez se recordar de logo o ferimento se curaria e Karin estaria inteira. E nada aconteceu. O inimigo acabou por ser derrotado e se juntou à pilha de corpos. 

Suigetsu ficou esperando pela reação da ruiva, até a tosse e o sangue escapar dos lábios finos e ela se curvar, caindo de joelhos na areia. De súbito e num salto, levantou-se e criando forças, correu até ela. Abraçou-a e afastou os cabelos para ver o rosto uma última vez.

— Karin?

— E-eu... eu consegui... — ela grunhiu de dor, se agarrando com força ínfima às veste dele —, v-vou... encontrá-los...

— Não! — ele a segurou firme, desesperado. — Não, ei, olhe para mim. Logo vai estar em pé...

Karin riu e gemeu de dor, se contorcendo e encarando os olhos dele.

— Não seja tolo — ela sussurrou —, acabou. Não me espere mais.

— Não... não assim — a sacudiu, quando os olhos começaram a perder o brilho. — Vamos navegar, terá um navio só para você e irá governar sua própria tripulação. Podemos voltar àquela ilha e...

... e já não havia mais vida na mulher.



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