História Cursoriam - Capítulo quatro

Remexeu-se mais uma vez sob as cobertas quando o celular voltara a despertar-lhe em um volume ainda mais alto do que há minutos atrás. Estava atrasada, sabia que estava, mas não queria levantar daquela cama tão cedo e quando a própria mãe viera tirar as cobertas fingira uma enxaqueca até que ela trouxesse remédio e dissesse para chamá-la caso piorasse. Não deveria mentir, sabia que não, mas o que acontecia no próprio interior era grande demais para que a mais velha entendesse sem querer causar uma enorme confusão.

Com o passar dos anos Sabine começara a suspeitar e notava isso em suas perguntas sobre coisas específicas, e por mais que não tivesse dito claramente que era a famosa heroína de Paris, tinha noção de que ela já deveria saber e exatamente por isso fazia questão de dizer o quanto admirava a famosa Ladybug. Os pais sempre sabiam sem precisar perguntar, isso era um fato.

— Não é incrível, Marinette? Ele realmente voltou! — ouviu a kwami exclamar alegremente enquanto pairava ao próprio lado. Desde que voltara para casa na noite anterior, a pequenina não parava de comentar o quanto impressionante era o fato do gato preto de Paris ter voltado, e por mais que desejasse comemorar junto dela, sentia-se incomodada com algo que não sabia dizer bem.

Sabia bem o quanto as pessoas poderiam mudar com o tempo, era a prova viva de que alguns anos de frustrações e experiências novas poderiam mudar qualquer um, mas não esperava notar detalhes tão impactantes no dono dos cabelos loiros, ou ao menos não queria de forma alguma que tivesse notado diferenças nele. Queria que ele tivesse continuado o mesmo e ter visto um pedaço tão importante de seu passado tão diferente fez que não conseguisse dormir confortavelmente.

Como se já não bastasse a ausência de seus sorrisos, pode perceber também que ele sequer se esforçara para tentar descobrir o que tanto desejava na época em que ainda eram pré-adolescentes inconsequentes; em momento algum ele dera alguma indireta sobre querer saber quem estava por baixo da máscara vermelha com bolinhas pretas, assim como fora ele quem avisara sobre o tempo estar acabando para ambos. Não estava acostumado a um Chat Noir que não lhe dava atenção como antes e isso fazia que o próprio doesse; sentia-se egoísta por sentir falta do foco do rapaz apenas em si.

Era claro que não poderia passar o dia sem se comunicar com ninguém e quando Alya fora fazer uma breve visita naquele dia, não negou nenhum de seus abraços quando contou com os olhos marejados todos os acontecimentos do dia anterior. Não havia problema em contar tudo sobre a própria identidade secreta para a melhor amiga, ela sabia melhor do que si que era uma pessoa terrível tanto para guardar segredos dela quanto para internalizar dores e por isso não mais se esforçou em esconder dela toda a verdade depois que a ausência do super-herói passara a machucar a ponto de não conseguir sair da cama durante a manhã.

— Parece que meu blog terá novos posts em breve!

— Alya, não brinca com isso. — falou durante uma breve risada enquanto empurrava a amiga pelo ombro. Por mais sério que o assunto fosse, sabia como ela não deixaria que ficasse triste e por isso aceitava cada uma das pequenas piadas de bom grado. Rir junto dela fazia-lhe um bem maior do que um dia imaginara. — Pode ter sido algo da minha cabeça.

— Ou então pode ter sido uma volta tão estranha que você está duvidando da sua sanidade mental. — os dedos da morena a dedilharem sua testa fez que risse novamente. Ela poderia estar certa, afinal, estaria mentindo se dissesse que a volta do loiro era algo que já esperava; o ter ali passara a ser algo tão fora do comum que mesmo agora duvidava que de fato tivesse estado naqueles braços na noite anterior.

Seria muito estranho dizer que queria que ele lhe carregasse do mesmo jeito que naquele momento? Havia o empurrado, lembrava-se bem, mas agora que sentia a brisa gélida que entrava pela janela entreaberta, daria de tudo para estar envolta pelos braços fortes e quentes novamente; para dizer a verdade, daria de tudo para que pudesse ter mais uma noite com Chat Noir.

[...]

Quando sexta chegou tentou ao máximo não fazer esforço para se arrumar, não queria que o modelo pensasse que perdia tempo tentando ficar ainda mais bonita para ele, e por isso limitou-se a um vestido de tricoline com estampa floral e sapatinhos num mesmo tom de rosa que predominava a vestimenta, o que também foi repetido num pequeno acessório no cabelo para que prendesse a própria franja que já chegava aos próprios olhos. Estava certa de que havia se vestido como em qualquer outro dia em que ia para a faculdade, mas soube que falhara quando o pai perguntara para onde ia tão bonita, o que causou um enorme rubor nas próprias bochechas e uma saída apressada de casa. Tinha certeza que havia esquecido algo, mas não daria meia volta para ouvir perguntas sobre o namorado, o qual sequer tentara ligar depois do ocorrido. Sabia que deveria falar com ele, mas não tinha tempo e por isso continuou a andar com pressa.

Apesar de ter dito para Adrien não se atrasar, acabara por ser quem entrara no campus correndo naquele dia; era um fato que tinha sérios problemas com o relógio todas as manhãs e esperava que o estudante de artes cênicas entendesse o motivo de ter chegado ali vinte minutos depois do que havia sido combinado dias antes. Não que desejasse que ele soubesse o quanto estava nervosa por ficar ali apenas com ele, era um sentimento que não abandonava-lhe desde mais nova, porém suspeitava de que naquela altura do campeonato ele já soubesse o motivo de corar tanto quando estava próxima.

— Te ver correndo assim me trouxe uma nostalgia incrível. — o ouviu comentar assim que pediu desculpa pelo atraso e notar a risada em sua voz fez que sorrisse e indicasse com um leve gesto de cabeça o caminho para que fossem até o estúdio.

Naquele dia não iriam até o balcão, não era possível alugar o espaço novamente por conta do custo não valer a pena para apenas uma hora de ensaio, mas não viam problema algum em utilizar o estúdio que a universidade disponibilizava para os alunos de fotografia em moda. De certa forma gostava daquele lugar, trazia um ar acolhedor e por mais que as paredes fossem brancas, sentia-se mais calma tanto para ligar a câmera disponível quanto para poder ficar no mesmo ambiente que Adrien. Ademais, gostava de como a ausência de cores dava mais liberdade para o ensaio.

O amigo estava lindo, não negava. Estava desacostumada com o seu estilo mais despojado e livre, mas gostava de como aquela calça jeans rasgada nos joelhos combinava com sua camiseta de alguma banda e com os cabelos levemente bagunçados pelo vento forte que entrava pelas janelas. Notava uma liberdade nele no geral, como se ele tivesse se libertado de muitas amarras com o passar do tempo, e mesmo que tivesse curiosidade para saber tudo o que havia acontecido em sua ausência, não ousou perguntar nada enquanto andavam lado a lado. Sabia que as garotas que andavam pelos corredores olhavam para ambos, algumas mais para Adrien do que para o fato de estarem juntos, e o fato de ouvir alguns elogios de conhecidas fazia que tivesse mais vontade de rir do que sentir vergonha por parecer algo mais com o rapaz próximo de si.

— Seremos apenas nós dois?

— Bem... Sim. O Nath não quis vir. — tentou mentir enquanto organizava as tintas sobre uma mesa de tampo de granito onde também deixaram as bolsas e outros materiais que iam precisar. Pensando agora no namorado, ou quase-namorado, preocupou-se com o fato de que não o via desde o dia que brigaram, contudo não pode dar tanta atenção a esses pensamentos quando tinha um modelo olhando o que fazia com curiosidade.

— O que pretende fazer?

— Vou pintar as roupas e você. Espero que não seja alérgico.

— Não sou.

— Perfeito. — a própria animação fora percebida pelo rapaz e ver o sorriso deste direcionado a si fez que se apressasse em pegar as roupas na arara de roupas para entregá-lo. Quando o vira desabotoar a calça jeans que usava arregalou os olhos e jogou as peças em seus braços, rapidamente o virando de costas para que não visse mais nada além do pequeno pedaço da cueca preta que ele usava. — Não se troque aqui! Vá ao banheiro! — exclamou enquanto o empurrava para uma porta próxima. Sua risada continuava melodiosa e gostava de ouvi-la novamente, apesar de no momento estar quase explodindo de vergonha.

Assim que ele disse ser apenas uma brincadeira e ter trancado a porta pela qual entrara, encolheu-se no chão e levou as mãos até os cabelos. Céus, o dia mal havia começado e sabia que estava perdida.