História Dancing With The Devil - Ligação.

As nuvens corriam como lobos no céu, iluminadas por raios e trovões violentos. Acabei acordando com o barulho e pela iluminação lá de fora, deu pra ver Ed deitado num sono pesado e profundo. 4h50. Ótimo. 

Já faz muito tempo que não vou pra escola, apesar de querer continuar não indo. Eu não gosto daquele lugar. Já é quase maio e os dias têm sido mais ensolarados, apesar dessa tempestade de hoje. 

Tentei afastar os pensamentos da minha cabeça e dormir de novo. Não consegui, obviamente. Toda hora me lembro da reação de Ed ao entrar no hospital. Eu mal o conheço e ele já mora comigo. Que que eu tô fazendo com a minha vida...

Desci as escadas e fui até a cozinha. Peguei um maço de cigarros e um copo enorme de chá. Me sentei à mesa assistindo pela janela a chuva cair. Pensei em telefonar pra Lilith. Talvez ela saiba algo sobre o hospital, mas talvez isso seja uma péssima ideia também. De qualquer forma, quando eu não me arrependo das decisões que tomo? 

- Lilith? 

- O que você quer à essa hora da madrugada, Morgana? 

- Respostas. Sabe o sanatório St. Louis? Aconteceu alguma coisa lá? Tem uma energia péssima. 

- É claro que sim. Qual manicômio tem uma história boa, não é? Foi o de sempre: revolta dos pacientes, muita morte e sangue pra todo lado. Esse hospital foi construído em 1749, né? 

- Creio que sim, não tenho certeza. Alguém sobreviveu? 

- Duas enfermeiras, quatro pacientes com demência e um médico que adorava lobotomia. Claramente todos os mortos foram enterrados no local, já que se essa história chegasse às mãos da mídia seria um baita escândalo. Você sabe muito bem que todos os internados em sanatórios são esquecidos pela família. E os sobreviventes, não muito tempo depois, morreram lá também, e lá foram enterrados. Por isso tem um necrotério, por causa da lobotomia. Inclusive, eu se fosse você, tomaria cuidado. A lobotomia é legalizada e você definitivamente não está em boas mãos. 

- Você já decidiu o que vai querer no nosso acordo? 

- 2 mil dólares. Eu não sou um monstro horrível. Tô me esforçando pra entender o que tem acontecido com Stevie. Pelo que tenho observado, ele vai ser internado lá no St. Louis já já. 

- Você tá de brincadeira. - suspirei fundo - Bom, tudo bem. Obrigada. Até mais. 

- Até. Tome cuidado. 

Os motivos pelos quais Stevie seria internado eram óbvios: comportamento psicótico não te leva à outro lugar. Isso seria um enorme problema, como se eu já não tivesse problemas o suficiente... 

- O que você tá fazendo acordada? - Ed perguntou enquanto esfregava os olhos, encostado no batente da porta da cozinha. 

- A chuva. Você quer me contar o que aconteceu no hospital enquanto eu preparo nosso café da manhã? 

- Tá. Pode ser. 

Enquanto eu pegava os ingredientes da geladeira ele se sentou e acendeu um cigarro. Percebeu que o maço que antes estava lacrado, agora tinha 5 espaços sobrando. 

- Desde quando você fuma? - ele perguntou com aquele tom desafiador. 

- Desde que eu preciso afastar uns pensamentos horríveis. 

- Tudo bem. Eu cedi pelo mesmo motivo. Sobre a história do hospital: minha ex chamava Anne. Ela lutou contra o câncer por dois anos. Na quarta parte desses dois anos, ela começou a apresentar um quadro grave de depressão, então minha mãe a levou até o St. Louis. Depois de quatro ou cinco sessões ela começou a ficar estranha. Ficava cada vez mais quieta, aparecia com manchas roxas pelo corpo. Depois de 4 meses de sessões, ela tinha crises de pânico constantes. Dizia que os bichos do hospital vinham com ela pra casa, ela via coisas. Minha mãe cortou os medicamentos e parou com o tratamento, mas só piorou. Ela me obrigou a levá-la até o hospital certa tarde, e eu pude ver tudo o que ela via. Ela chorava sangue. Dois dias depois, se matou. Por isso que eu não gosto daquele lugar. Às vezes esses bichos me perseguem também. 

Um silêncio perturbador tomou conta de nós durante o café e o dia inteiro.