ANTES
Annabel Blanche, 2010 — Bedford, Indiana
— Eu costumava a ler, ler muitos exemplares... Mas aí, eu parei. — concentrava-me em arrumar as pétalas que se destacavam por estarem dobradas de um modo peculiar; o vermelho vivo desfocava-me do assunto tediante em questão.
— Por que você parou, senhorita Blanche? — perguntou mecanicamente, assim como as últimas perguntas que havia feito. Ao ler ou anotar algo em sua caderneta, abaixava levemente seus óculos para poder ver sobre eles, ato o qual me incomodava severamente. Deixei o buque de rosas trabalhado que estava em seu escritório de lado, focando-me em sua figura.
A postura da minha nova psicóloga me intrigava; ela não se mostrava interessada em meus assuntos, não me via como um livro fechado, como diz minha mãe. Ela não se importava, e ao contrário de me agradar, apenas me deixava mais ansiosa para que nossas consultas chegassem ao fim. Talvez, assim como minha mãe, ela apenas me veja como a menininha que sofreu pela perda do pai, mas ninguém conhece a real história.
— Blan-chée. — corrigi sua pronúncia incorreta, estalando a língua em seguida. — É origem francesa, sabia? Me mudei para Paris aos 11 anos, naquela época ainda pensava que tinha o mundo aos meus pés. — ri amargamente com este pensamento infantil, mais engraçado ainda realmente algum dia ter acreditado.
— Vejo que seu aniversário é daqui um mês, pensa em comemora-lo em algum outro lugar fora aqui? — ela olhou para mim, ajeitando-se em sua poltrona. Desencostei-me da inconfortável cadeira que me era oferecida, apoiando os cotovelos em minha coxa, e sustentando meu rosto com as mãos. Procuro pelo relógio com os olhos, o qual era constantemente mudado de lugar, percebendo que a consulta já havia acabado ao avistá-lo.
— 5 horas, em ponto. — indico o relógio com meus olhos. — Mesmo horário semana que vem?
— Mesmo horário, Annabel. — ela fecha sua caderneta, que fica parcialmente aberta pela caneta que marcava a página de nossa consulta. A maioria das vezes, acreditava ser pensamentos aleatórios que ela tinha diante seus pacientes, pois não aparentava realmente se importar com o que era dito naqueles longos 60 minutos.
Saio do pequeno consultório, avistando, em seguida, minha mãe me esperando do lado de fora. Ela abre um breve sorriso ao me ver, e se levanta vindo até mim.
— Você sempre acaba no horário certinho. — lança-me um olhar de reprovação, o qual faço questão de ignorar.
Seguimos nosso caminho em silêncio. Mantinha-me concentrada nas pequenas gotículas que se formavam na janela, e, eventualmente, acabavam por embaçar o vidro. Lembro-me nitidamente que as usava para desenho com os dedos, ou até mesmo para frases bobas dedicadas aos meus pais.
Respiro fundo ao lembrar dele. A tristeza invadia meu peito como um furacão, sufocando-me por dentro. Porém como tudo, o tempo ensinou-me a reprimi-la em mim. O único alívio que tinha nesse momento é que ao terminar o ano estarei me mudando, deixando tudo isso, e começando uma vida nova.
O carro vai desacelerando lentamente, indicando que havíamos chegado, e, consequentemente, acordando-me de meus pensamentos. Despeço-me de minha mãe com um beijo em sua bochecha. Pego algumas revistas que haviam em seu porta luvas para me proteger da chuva que me esperava no percurso entre o carro e o velho prédio.
Dou alguns passos apertados, quase como uma corrida, com o intuito de alcançar rapidamente a entrada. Coloco as revistas em minha bolsa, tirando o casaco e olhando-me no grande espelho que havia ali; apenas alguns segundos de chuva foram suficientes para, praticamente, encharcar as pontas de meus cabelos. Balancei a cabeça, reprovando o fato das revistas terem apenas coberto a raiz. Encaminho-me ao elevador, pressionando seu botão impaciente. Detesto elevadores.
O toque estridente do celular me pega de surpresa, fazendo-me dar um pequeno pulo de susto. Olho para o visor e o nome da minha mãe brilha visivelmente, havia acabado de descer de seu carro e já estava recebendo sua ligação. Atendo já resmungando sem paciência.
— Annabel, espero que se lembre de amanhã à noite. Te quero pronta as 7h em ponto. — diz autoritária, encerrando a chamada em seguida. Meu sangue ferve ao me lembrar do indesejado compromisso do dia seguinte, porém procuro não me estressar por agora, e deixar a preocupação para algumas horas antes.
Olho novamente para o elevador percebendo que ele ainda demoraria mais do que estava disposta a esperar. Fui em direção as escadas, chegando lá em cima em um tempo muito menor. Estava ansiosa para voltar a leitura do livro que estava lendo. Lembro-me que peguei a mania da minha tia, a mania de praticamente devorar os livros, o que resulta em ter que reler para realmente compreende-lo. Ela passava horas trancada no quarto, lendo suas páginas sem fazer nenhum barulho. Ela tinha o hábito de apenas beber aguá de garrafas, nunca copos. No final da tarde, havia uma fileira vazia em sua mesa. Sempre achei estranho, talvez até meio perturbador, porém, hoje em dia, me encontro repetindo todos os seus passos.
Pego o livro em minhas mãos, colocando algumas mechas de cabelo atrás da orelha para que não me atrapalhassem. E assim pretendia passar o resto da minha noite.
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