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História De carne e papel - Hansung III


Escrita por: nunytales

Notas do Autor


Vai ser uma viagem e tanto, então se preparem e boa leitura <3

Capítulo 3 - Hansung III


Fanfic / Fanfiction De carne e papel - Hansung III

 

Jeongguk nunca precisou de motivos especiais para perder a concentração nos estudos, e seu celular costumava ser o principal causador de sua ruína acadêmica.

Costumava.

Naquela tarde, no entanto, Hansung sentado sobre a cama de Jimin, enquanto segurava o exemplar gasto do livro de onde ele havia saído apenas alguns dias antes, conseguia ser ainda pior que a necessidade de verificar constantemente suas redes sociais. Ao contrário da ausência de qualquer novidade relevante com a qual se deparava a cada dois minutos – intervalo de tempo que se passava entre uma olhadela para o celular e outra, quando não decidia olhar a cada trinta segundos –, a situação de Hansung, embora constante, mantendo-se por longas, demoradas horas, contrastava com sua personalidade vívida e curiosa.

“Está com medo de voltar?”, Jeongguk perguntou, imaginando que o medo da perseguição que teria que enfrentar quando voltasse fosse ser o motivo por que ele se tornara taciturno de repente após o anúncio de Jimin no dia anterior. Estava evitando o assunto por ter percebido que não o deixava confortável – e ele não era uma pessoa tão ruim a ponto de insistir em temas difíceis que não lhe diziam respeito.

“Não é isso-”, respondeu e recebeu um olhar incrédulo de Jeongguk, que duvidava de que ele estivesse sendo sincero – não seria a primeira vez. Alguns dias ali, naquela realidade, não seriam suficientes para aplacar o temor demonstrado pelo outro quanto à rainha, não importava que os dias parecessem se arrastar por uma eternidade. “Certo, também é isso, mas é que–”, ele corrigiu, sem intenções de manter a resposta anterior, mas se deteve, deixando o quarto voltar a mergulhar no tipo de silêncio que era difícil de suportar por muito tempo. Hansung deslizava o dedo pelos detalhes em relevo da capa do livro em suas mãos, e Jeongguk se perguntava se ele estava ciente de que estivera fazendo o mesmo gesto por pelo menos cinco minutos sem parar. “É estranho pensar que eu não pertenço a esse universo. Eu não me sinto diferente de quem eu era, mas de repente o mundo que eu conheço não passa de um amontoado de folhas de papel formando um bloco– todas as pessoas que eu conhecia estão aqui dentro, até mesmo o meu futuro está aqui e... E eu me pergunto se, se eu olhar, será que eu vou saber o que acontece comigo quando eu voltar? Será que eu vou conseguir deixar meu avô orgulhoso ou será que eu vou encontrar um destino miserável e infeliz?”

Jeongguk ouviu a tudo sem interrompê-lo. Sabia que não era um bom conselheiro e que as palavras certas nunca lhe ocorriam com facilidade, ao contrário de Jimin, mas ouvir era algo que ele sabia fazer. A parte estranha era que ele conseguia compreender todas essas preocupações que povoavam a mente de Hansung – até suspeitava de que seriam as suas preocupações se fosse ele a ter saído de um livro direto para uma realidade diferente daquela com a qual estava acostumado.

“Qual o sentido de eu ter vivido se eu sou apenas um personagem de uma história saída da cabeça de alguém?”, adicionou em um murmúrio que Jeongguk foi capaz de escutar graças ao silêncio que predominava pela casa toda. Seus companheiros de moradia todos estavam cuidando dos próprios assuntos – trabalhando, ou saindo com alguém, ou estudando na biblioteca, enquanto eles estavam ali, no meio de uma crise existencial de um personagem ficcional.

Ou pelo menos era o que eles achavam que Hansung era, porque era a única coisa que conheciam.

“Nós não sabemos se você é real ou não…”, Jeongguk rebateu, com medo de dar voz àqueles pensamentos, mas não se deixando vencer pelo que sentia. Podia ver que Hansung estava aterrorizado e que, mesmo assim, tentava enfrentar tudo da melhor forma que conseguia.

“O que quer dizer?”, Hansung questionou com o cenho franzido, sem conseguir acompanhar seu raciocínio.

“Que você não pode dizer com certeza que não existiu”, tentou reformular o pensamento. Não era por ser ruim com palavras que ele não iria tentar melhorar o humor de Hansung. Preferia quando ele estava animado com o que podia descobrir assistindo televisão, era melhor que ter que lidar com os suspiros que ele soltava de vez em quando por causa de seu humor – estes eram ainda mais irritantes que seus questionamentos inocentes, os quais Jeongguk passara a achar divertido em algum momento durante a semana. “Você pode ter existido, muitos, muitos anos atrás, e ter tido uma vida longa com um final feliz, descendentes espalhados pelo país que se lembram de você como um ancestral importante a quem devem honrar”, explicou, começando a soar cada vez mais irritado – os motivos eram desconhecidos. “Você não pode dizer que não é real, porque nós não sabemos”, finalizou. Hansung continuava com uma expressão confusa no rosto, mas Jeongguk tinha certeza de que tudo o que tinha falado fazia sentido.

“Suponho”, ele cedeu, embora não parecesse satisfeito ou menos abatido.

“E você estava sangrando”, adicionou, o pensamento lhe ocorrendo só naquele instante. “Como você pode não ser real quando parece ser feito do mesmo material que eu e Jimin?”, indagou empolgado. Era uma jogada da qual ele particularmente gostava e se sentia confiante no poder de sua argumentação. Sabia que alguém que não era real jamais poderia se machucar de verdade.

Como resultado, Jeongguk observou Hansung tocar o braço no local onde a ferida começara a cicatrizar por baixo do curativo. Deveria estar lembrando o aspecto do machucado no dia anterior, lembrando a dor de se chocar contra o chão depois de cair por descuido em um par de degraus inconvenientes. Aquilo pareceu convencê-lo de algum modo.

“O que você acha que eu vou encontrar se eu abrir o livro?”, ele indagou já soando mais como costumava soar em dias normais, desviando sua atenção do braço ferido para voltar a encarar o livro com interesse renovado. Jeongguk tinha certeza de que ele ainda não estava se sentindo melhor quanto à própria existência, mas era um começo.

“Eu não sei”, replicou. Nunca havia pensado muito sobre o que aconteceria se Hansung o abrisse, confrontasse a própria história. Talvez ele até pudesse voltar para casa, sendo reclamado de volta pelo livro sem que Jimin precisasse continuar sua pesquisa, e então eles poderiam deixar a lembrança de Hansung desaparecer em meio a tantas outras que haviam ficado esquecidas em um canto qualquer de suas memórias. Como se a passagem dele por suas vidas fosse apenas um sonho estranho demais para ser conservado.

Hansung, levado pela curiosidade que seu questionamento provocara, abriu o livro devagar, como se temesse que os soldados reais saíssem das páginas da mesma forma que ele havia feito. O espaço deixado pelas folhas que faltavam desde que o rapaz aparecera estava bem visível no meio da encadernação, um buraco na história contada por Kim Yushin.

Mas Hansung não foi levado de volta para dentro, e a constatação produziu um sentimento novo no peito de Jeongguk, que ele não sabia como chamar ou o que fazer com.

Os olhos do rapaz percorreram as páginas, os parágrafos, os símbolos ali impressos em tinta sobre as folhas amareladas, tentando encontrar algo que despertasse seu interesse em ler, mas Jeongguk logo estava se levantando da cadeira que ocupara pela última hora, sem prestar atenção em nada do que deveria, e fechou o livro sobre o colo de Hansung de uma só vez, tomando-o para si, antes que o outro chegasse a se fixar em algo.

Agiu por um impulso. Não sabia dizer de onde havia saído ou por que havia surgido, tudo o que ele sabia era que não foi capaz de resistir e que não tinha uma explicação a dar quando Hansung o encarou, frustrado e irritado, com olhos que eram pura confusão e mágoa.

“Anh, talvez não seja uma boa ideia”, ofereceu a título de explicação, abraçando o livro contra o próprio corpo com um dos braços ao passo que bagunçava os cabelos com a mão livre. “Em vez de ficar aqui, por que não vamos lá fora passear um pouco?”, sugeriu, sabendo que seria suficiente para trazer o ânimo de Hansung de volta – ou pelo menos ele assim esperava. “É melhor fazer a vida valer cada segundo, não é?”, adicionou com alguma hesitação, vendo que Hansung continuava o encarando como se prestes a choramingar.

Suas palavras, embora não tivessem tido o efeito de mudar o humor do outro de imediato, fizeram-no baixar o olhar na direção do chão. Jeongguk esperava que ele estivesse ponderando sobre aceitar sua sugestão, no entanto, por um momento, chegou a acreditar que ele não iria aceitar. Hansung permaneceu calado por tanto tempo que ele estava quase insistindo – o quarto, apesar da temperatura agradável, começava a se tornar sufocante demais e abafado demais, e tudo o que Jeongguk mais queria era sair dali, arrastando Hansung consigo.

“Tudo bem”, aceitou afinal, e até mesmo sua expressão facial havia mudado ao concordar, dando indícios de que em breve ele voltaria a ser o Hansung que Jeongguk conhecera.

E eles iriam ficar bem – sair seria melhor que continuar afundando em pensamentos indesejados. Melhor que sufocar pouco a pouco.

 

 

 

O silêncio os perseguiu mesmo quando se afastaram do quarto onde a conversa de antes deveria ter sido deixada. Jeongguk ainda não acreditava que estava mesmo acompanhando Hansung em uma volta pela vizinhança, mesmo tendo inventado desculpas para não o fazer não muito tempo antes.

Soube que estavam se aproximando do parquinho onde as crianças costumavam brincar sob a supervisão de mães e babás somente pelo barulho de risadas e de gritos cada vez mais altos. Hansung também deveria ter identificado os sons, já que parecia procurar a sua origem com olhos curiosos, a melancolia de antes tendo desaparecido sem deixar qualquer vestígio.

Exceto pela lembrança que ficara na mente de Jeongguk.

As crianças que brincavam no lugar não deveriam ter muito mais que cinco anos, algumas eram até mais novas que isso. Jeongguk não sabia dizer se Hansung alguma vez já havia visto uma parquinho como aqueles, mas ele parecia interessado no lugar, já que parara de andar tão logo eles passaram em frente.

"Você quer ir até lá?", questionou. Se ele não estivesse tão interessado assim, pelo menos eles poderiam seguir em frente, procurar por outros lugares que pudessem interessar a Hansung em sua tentativa de se distrair da crise existencial que tivera.

Então Hansung se virou para encará-lo com um sorriso enorme no rosto. Um sorriso tão sincero e bonito que lhe iluminava todo o semblante e lhe chegava aos olhos para colocar ali o brilho característico de quando ele se empolgava com algo - ou era o que Jeonggguk imaginava que aquele brilho significava.

"Eu posso?", indagou, como uma criança com medo de desobedecer aos pais, e Jeongguk revirou os olhos, incapaz de lidar com a imagem à sua frente por muito tempo.

Ele parecia tão adorável-

"Por que não poderia?!”

Como assim, adorável?

“Quer dizer, talvez os brinquedos não consigam aguentar seu peso, mas-", interrompeu o que ainda tinha a dizer, porque Hansung já não mais ouvia suas explicações apressadas e desnecessárias. Andava de um modo que dava a quem o visse a impressão de que estivesse saltitando na direção do parquinho.

Adorável.

Jeongguk teria se sentido ofendido se fosse qualquer outra pessoa, se as circunstâncias fossem outras. Mas naquele momento, ele apenas olhou para os lados, como se procurasse por alguém que pudesse repreendê-lo - por invadir um local destinado a crianças pequenas quando ele havia muito deveria ter perdido o interesse nos brinquedos que mal podiam suportá-lo, não por qualquer outro motivo; que outro motivo seria?

Vendo que não havia ninguém que se encaixasse nessa descrição, Jeongguk não viu outra alternativa a não ser seguir Hansung, observando-o enquanto ele se sentava em um dos balanços vazios, segurando as correntes com as duas mãos. Sentiu vontade de empurrá-lo com delicadeza, perguntando-se se seria capaz de ouvir a risada dele em seus ouvidos ou se iria assustá-lo com a atitude, porém colocou as próprias mãos no bolsos da calça que usava, controlando a vontade o melhor que podia.

“Eu realmente gosto de crianças”, ouviu Hansung murmurar e deixou que seus olhos se fixassem nas miniaturas de gente que corriam de um lado a outro sob o olhar atento das mães.

Uma rajada de vento mais forte soprou, bagunçando-lhes os cabelos. Jeongguk precisou virar o rosto para proteger os olhos de qualquer sujeira que pudesse entrar ali, e quando olhou de volta para Hansung, notou que mechas de cabelos longos espalhavam-se em diferentes direções, algumas caindo sobre os ombros largos, contrastando com o tecido claro do moletom que ele estava usando naquela tarde - mais uma peça de roupa que pegara emprestada, aumentando ainda mais a pilha de roupa suja que Jeongguk teria que lavar depois.

Mas a roupa suja não importava naquele momento - ou pelo menos era a última coisa na mente de Jeongguk, que desenterrou uma das mãos do bolso da calça e esticou na direção do ombro de Hansung. A bagunça dos fios de cabelo o incitava a arrumar, a organizar, colocando-os de volta no lugar a que pertenciam sobre as costas dele. A meio caminho, no entanto, Jeongguk hesitou, percebendo que não era de seu feitio esticar a mão e tocar o que bem entendesse - quem bem entendesse. Foi um momento de questionar o que estava fazendo e o porquê de estar fazendo, mas seu cérebro também não era muito bom com respostas.

Antes que ele fosse capaz de encontrar sequer uma linha de raciocínio para solver aquelas dúvidas, Hansung estava se levantando do balanço e se afastando.

“Aonde você vai?”, questionou, esquecendo-se da mão e da estranha vontade que sentira, mas Hansung sequer se virou para oferecer uma explicação. Em vez disso, ele continuou andando na direção de onde as crianças brincavam animadamente. “Você vai ser confundido com um estranho se se aproximar dos filhos alheios assim”, murmurou mesmo sabendo que não iria ser ouvido e se sentou sobre o balanço para observar o desenrolar dos acontecimentos de camarote.

Hansung se aproximou e parou a alguns metros de distância, com um sorriso no rosto que era só parcialmente visível do lugar onde Jeongguk estava. Falou algumas palavras para as miniaturas de gente que o encaravam com receio, ouviu uma das mães dizer alguma coisa para ele e em questão de segundos, era como se Hansung fosse mais uma das crianças que brincavam no parquinho. Jeongguk se perguntava como ele conseguira, mas logo os questionamentos foram sendo esquecidos pouco a pouco, substituídos pelas imagens que presenciava.

Decididamente melhor que sufocar pouco a pouco.

Seu plano envolvia permanecer no balanço até que Hansung se cansasse de brincar e dissesse estar pronto para voltar para casa. Em nenhum momento, portanto, imaginou que veria o outro andar na sua direção com passos apressados, segurando a mão de uma garotinha que parecia prestes a começar a chorar agarrada ao ursinho de pelúcia que carregava consigo. Esperava que Hansung não estivesse tentando levá-la para casa.

“O que aconteceu?”, Jeongguk questionou, tentando não fazer acusações sem saber dos fatos, especialmente quando parecia que a garotinha se agarrava à mão de Hansung como se disso dependesse a vida dela. A pergunta foi o suficiente para que ela abrisse o berreiro, derramando grossas lágrimas pelo rostinho rosado.

“O Sorvete está ferido e a Yerim está triste”, Hansung explicou, embora a parte sobre a menina estar triste fosse bem óbvia. Yerim levantou o ursinho com as duas mãos, extendendo-o para que Jeongguk desse uma olhada no ferimento. Ela fungava e tentava parar de chorar, mas as lágrimas não paravam de se formar nos olhos pequenos. “Foi um acidente, Youngbin não queria machucar o Sorvete”, continuou a explicação, apesar da incredulidade do outro em acreditar no que ouvia.

“Por que você não a deixou com a mãe dela, Hansung?”, indagou enquanto levantava para ver o estrago causado em Sorvete. O material branco que o preenchia escapava de um rasgo perto do braço, como se as duas crianças tivessem literalmente feito um cabo de guerra com o pobre bicho de pelúcia.

“Eu disse a ela que você podia consertar”, Hansung balbuciou, tímido de repente, o que fez Jeongguk encará-lo em uma velocidade anormalmente rápida.

“Você o quê?!”, arqueou uma das sobrancelhas e esperou que ele repetisse o que havia acabado de dizer, como se precisasse que as palavras fossem ditas de novo para que fizessem algum sentido. “Por que você disse isso?”

Como se notasse que algo estava errada, a garota, Yerim, voltou a chorar com todo o poder de seus pulmões, soluçando e balbuciando palavras ininteligíveis. Jeongguk queria que ela se calasse, afinal, choro de criança nunca era um som agradável, mas ele tinha certeza de que não seria capaz de fazê-la se calar. Em vez disso, ele suspirou e passou a mão pelos cabelos, frustrado.

“Porque você sabe cuidar de ferimentos, Jeongguk. Você podia colocar aqueles adesivos de curativo no Sorvete”, ele sugeriu de um jeito que fez o outro sentir vontade de sorrir - se não fosse a vontade de dar meia volta e voltar para casa, talvez ele o tivesse feito.

“Mas ele é só um animal feito de tecido, por que ele precisa de curativo?”, argumentou, tentando manter a voz baixa para que Yerim não o ouvisse se referir ao ursinho daquela forma. No entanto, era difícil dizer se havia conseguido quando ela continuava fungando e chorando ali ao lado deles.

“Por que ele não pode ter um curativo? Ele está ferido igual a mim, por favor, Jeongguk!”, insistiu. Já não parecia mais tão adorável quanto antes.

Com um suspiro, Jeongguk deu meia volta e se afastou, retornando alguns minutos depois com um curativo o qual ele colocou no ursinho de Yerim. A garota sorriu animada ao ver que seu Sorvete estava recebendo tratamento, e Hansung parecia contente e satisfeito - Jeongguk ousava dizer até que ele estava orgulhoso, embora não conseguisse imaginar o motivo exato.

Quando voltavam para casa alguns minutos depois, depois que Hansung se cansou de brincar com as crianças no parquinho, o silêncio entre eles era bem mais tranquilo e relaxado que aquele que os perseguiu durante a ida.

“Existem coisas boas na vida”, Hansung murmurou pouco antes de entrarem, sem esperar que Jeongguk entendesse de imediato ou o respondesse. Somente depois de muito tempo o rapaz seria capaz de compreender o que seu estranho hóspede queria dizer com tais palavras, mas, naquele início de noite, ele apenas viu o outro desaparecer dentro de casa, deixando-o aturdido do lado de fora da porta.

 

 

 

Pouco tempo havia se passado desde a chegada de Hansung, mas o tempo ao lado dele começava a parecer mais e mais natural, como se aquele mundo fosse a realidade a qual o rapaz pertencia.

Apesar dos fios longos de cabelo, sua aparência parecia mais mundana. No início, talvez por conhecer sua origem, Jeongguk enxergava nele uma criatura que não tinha um lugar certo ali. Hansung era uma existência estranha e inconveniente, e, se ele olhasse para aquela figura por longos períodos de tempo, Jeongguk poderia jurar que via na pele dourada uma textura similar aquela encontrada nas folhas de papel que os livros possuíam.

Enquanto observava ele interagir com Mark, Youngjae e Jimin naquela noite de sábado, no entanto, o que ele via era apenas um rapaz inocente demais para o próprio bem, que não aparentava conhecer maldade, com um sorriso capaz de desarmar a pior das caretas de desagrado. Jeongguk não sabia o que ele era, mas não podia negar que ele era humano - a conclusão o deixava desconfortável e levantava questionamentos que, desconfiava, apenas seu criador poderia responder.

Percebeu que estava encarando por mais tempo que o considerado normal quando Hansung desviou o olhar de seus novos amigos para devolver-lhe o olhar - com um pouco de curiosidade e confusão bem perceptíveis nas feições bonitas. Com um franzir de nariz desconcertado, Jeongguk virou o rosto a fim de fitar o celular, só para ter o papel de parede do Homem de Ferro o julgando com o brilho azul e frio que saía do capacete do lugar dos olhos.

Abriu o primeiro aplicativo que viu pela frente - um jogo - e fingiu estar ocupado com as funções disponíveis. Era temporário. Uma distração para disfarçar a vergonha que sentia e um motivo para Hansung voltar a se concentrar na brincadeira de que participava com os outros três.

Seu plano se mostrou infrutífero antes mesmo que pudesse afastar a mente dos pensamentos sobre o hóspede que fazia as vezes de seu primo. “O que está fazendo?”, ouviu Hansung perguntar por sobre seu ombro e se sobressaltou, quase deixando o celular cair sobre a mesa. Esperava que pelo menos pudesse ter ouvido o outro se aproximar, visto que este não era exatamente silencioso, mas Jeongguk definitivamente não estava mais funcionando em seu estado normal.

“Eu estou ocupado”, rebateu, sem saber o que mais poderia dizer. Hansung já tivera tempo para se surpreender com o conceito de telefone móvel e, apesar de não entender muito bem, pelo menos parecia aceitar a invenção como mais uma das muitas surpresas que sua estadia ali proporcionava.

“Isso eu posso ver, bobo”, Hansung replicou de um modo que fazia Jeongguk imaginar o sorriso a suavizar suas feições com perfeição. “Eu só queria ouvir você falar sobre o que eu não sei…”

“Por que eu faria isso?”

“Você parecia estar precisando de companhia”, murmurou, apoiando o queixo em seu ombro em um gesto que ultrapassava todas as barreiras de espaço pessoal que Jeongguk costumava estabelecer para si e para as outras pessoas, mas surpreendentemente ele não sentia vontade de afastar Hansung - não ainda. “E você sempre parece feliz quando me ensina algo novo”.

“Eu gosto de ficar sozinho”, respondeu com o mesmo tom de voz baixo utilizado pelo outro, não vendo necessidade de elevar a voz quando seu interlocutor não o fazia. Além disso, gostava de não precisa se esforçar para ser ouvido, e, com a distância que eles estavam, ser ouvido não seria um problema. “E eu não pareço nada”, adicionou, mesmo sabendo que secretamente gostasse do sentimento de saber mais que alguém.

“Hmmmm”, Hansung soltou, e Jeongguk pôde sentir a vibração que o corpo dele emitia devido ao contato do queixo dele em seu ombro. O rapaz deveria estar pensando em uma resposta que fosse adequada, mas de repente aquele contato entre eles se tornou demais para Jeongguk.

Precisava se livrar dele urgentemente ou-

“Ei, vocês dois!”, Jimin gritou do lugar onde estava sentado ao chão da sala, e foi o suficiente para que Hansung abandonasse a posição em que estava para olhar na direção do outro, com as costas eretas. Jeongguk sabia que deveria estar contente por ver seu espaço pessoal livre da presença de intrusos, mas era inegável que sentia em seu ombro a falta que aquele contato deixara. “Vamos tirar selcas!”, Jimin anunciou ao perceber que a atenção dos dois estava voltada para si e levantou o celular como para ilustrar o que dizia.

“Sel… cas?”, Hansung indagou, incerto sobre o que a expressão poderia significar. Mark e Youngjae franziram o cenho, estranhando a reação do rapaz uma vez que aparentemente todo mundo conhecia e adorava tirar selfies. Todo mundo menos Jeongguk.

“Não, obrigado”, Jeongguk respondeu sem se dar ao trabalho de pensar muito sobre a proposta. Não era incomum que se recusasse a tirar fotos, nunca se sentia confortável com o ato e sua falta de jeito para a coisa sempre ficava bem visível na imagem capturada. Além disso, claro que não gostava da própria aparência e não via motivos para tê-la guardada.

“Vem, Hansung! Precisamos pelo menos registrar esse momento”, Jimin insistiu e esperou com expectativa por uma reação. “Não é nenhum bicho de sete cabeças e você não precisa fazer nenhuma pose, só se sentar ao meu lado, hm?”

Hansung hesitou. Olhou na direção de Jimin e depois para Jeongguk enquanto tentava decidir o que fazer a seguir, porém resolveu se juntar aos outros rapazes com passos cautelosos, deixando Jeongguk para trás.

Era óbvio que ele não sabia o que estava fazendo, sentando-se ao lado de Jimin de maneira desajeitada, como se esperasse que alguém lhe dissesse que estava fazendo algo errado e de que forma deveria se comportar. Jimin o envolveu com o braço da mão livre, puxando-o para perto de maneira carinhosa e amigável, ao passo que Mark e Youngjae se juntavam à dupla para que coubessem na fotografia a ser tirada.

Jeongguk acompanhou o desenrolar daquele momento apesar de sua demonstração anterior de desinteresse, ignorando os resmungos de Jimin sobre seu comportamento pouco sociável com facilidade, acostumado que estava com as repreensões do mais velho. Observou quando os cliques foram feitos - um, dois, três, todo mundo sorrindo, clique, clique, clique - e viu Hansung encarar Jimin com uma expressão atônita.

“Você se saiu bem”, Jimin anunciou com um sorriso que ia de orelha a orelha e que lentamente foi imitado por Hansung, especialmente quando o dono do celular virou o objeto para que as fotos fossem apreciadas pelos olhos atentos do hóspede. “Eu vou guardar de lembrança, um amigo que jamais será esquecido”.

Ao ouvir a promessa, algo em Hansung se apagou. Ele continuava sorrindo- claro que continuava sorrindo. No entanto, faltava naquele rosto algo que era inerente à personalidade jovial do outro, algo que era inegavelmente Hansung, e Jeongguk disse a si mesmo que ele apenas estava recordando que em breve iria embora, que logo voltaria para a realidade que conhecia, para encarar os medos e os perigos que o aguardavam.

Não havia se passado uma hora quando Jimin publicou a foto no instagram. #Bros, dizia a legenda, a hashtag solitária responsável por assegurar o lugar que Hansung havia conquistado na vida deles no curto espaço de tempo desde sua chegada. Na foto, todos eles sorriam, embora transmitissem sentimentos diferentes. Mark parecia tímido sob o enfoque da câmera, a expressão de Youngjae mais parecia uma careta e Jimin ria, divertido.

Como era de se esperar, Hansung era aquele que não sabia o que estava fazendo naquela foto, mas, ao mesmo tempo, era possível notar que ele estava no lugar onde gostaria de estar, ao lado de pessoas em quem ele confiava e que lhe eram preciosas. Jeongguk passou o dedo sobre o rosto dele na imagem em sua tela em um impulso ao qual ele se rendeu sem pensar duas vezes, com uma delicadeza que os outros não seriam capazes de reconhecer em sua personalidade. Ainda assim, o cuidado empregado no gesto não foi capaz de impedir que a foto fosse curtida por acidente.

Ao perceber o que havia feito, olhou para o aparelho como quem observa a própria vida passando diante dos olhos. Não importava que ele desfizesse a curtida, Jimin certamente já deveria ter recebido a notificação - e um olhar na direção do outro foi suficiente para confirmar aquela suspeita.

Jimin sorria como se soubesse exatamente o que se passava na mente de Jeongguk - uma percepção errada, baseada em um acidente. No entanto, para surpresa do mais novo, ele não comentou nada sobre o acontecido, voltando a passar os olhos pela tela do celular, embora mantivesse a mesma expressão convencida.

Jeongguk deitou a cabeça sobre a mesa, escondendo o rosto entre os braços, e ali permaneceu pelos primeiros segundos enquanto a mortificação o consumia, só para se levantar no instante seguinte, a fim de procurar o abrigo do quarto - mesmo que este fosse dividido com o demônio que ele tinha por hyung.

 

 

 

Com exceção de quando adormecera no sofá, não teve uma só noite em que Hansung não tivesse dormido no chão do quarto dividido por Jeongguk e Jimin. Nem mesmo o frio, que o lençol não deveria ser capaz de aplacar, ou a falta de conforto o convenceram de que utilizar o quarto vago era uma boa ideia, optando sempre por um lugar em que pudesse se sentir menos solitário, ainda que sua companhia não fosse capaz de acordar mesmo sob a iminência do apocalipse.

Jeongguk estava acordado quando a porta foi aberta e Hansung entrou andando na ponta dos pés. A luz estava apagada, mas era possível distinguir pela silhueta a quem pertenciam os passos cautelosos - Mark e Youngjae também não costumavam invadir quartos alheios na calada da noite quando ficavam bem mais confortáveis nas respectivas camas.

"Para alguém da realeza, você é bem pouco exigente sobre o lugar onde dorme", Jeongguk comentou com um suspiro e ouviu um baque surdo acompanhado de um sibilo de alguém que havia acabado de se machucar e não queria gritar de dor. "Você tá bem?", questionou, projetando o corpo para frente, só o suficiente para ver o vulto que, sentado ao chão, segurava o pé com as duas mãos como se assim fosse conseguir aliviar a dor que sentia.

"Você me assustou", acusou com um murmúrio exaltado. Era a primeira vez que via Hansung realmente com raiva - ou sentindo algo que se assemelhasse a isso -, mas o acontecimento durou somente alguns segundos. Logo o outro estava emitindo um som baixinho que lembrava Jeongguk de filhotes de cachorro ganindo. "E eu não sou da realeza", admitiu em um tom tão baixo, que somente pôde ser ouvido graças ao silêncio em que a casa se encontrava.

"Um nobre, então, não muda muita coisa", comentou, ajeitando o corpo sobre o colchão e encarando o teto. Pensou ter ouvido o outro suspirar e jogar o travesseiro sobre o chão, deitando-se em seguida, mas podia ser só sua imaginação lhe pregando uma peça, fazendo-o ouvir o que ele achava que deveria estar acontecendo.

"Eu tenho minhas prioridades e conforto não é uma delas", Hansung rebateu teimosamente de onde estava, e Jeongguk se perguntava se as palavras eram dirigidas a ele ou se o outro estava apenas pensando alto. De qualquer jeito, ele as absorveu, conectando-a a fatos passados - nada que ele já não tivesse feito antes, embora não se importasse o suficiente para oferecer a própria cama. Isso seria ridículo, mal havia espaço ali para uma pessoa. Seria impossível acomodar duas.

"Posso dormir com você?”, Hansung questionou depois de alguns segundos de silêncio, pegando Jeongguk de surpresa, de modo que a resposta veio em sons estranhos - Jeongguk engasgando com a própria saliva, Jeongguk tossindo, Jeongguk gaguejando. Antes que se desse conta, Hansung estava subindo até sua cama e se acomodando no pouco espaço disponível, forçando-o a afastar se quisesse evitar qualquer tipo de contato com o corpo alheio.

“O que-”, Jeongguk tentou questionar tarde demais sobre o que estava acontecendo- o que você está fazendo, quem disse que você podia simplesmente subir, mas Hansung estava se acomodando e suspirando contente sobre o colchão, enrolando-se no lençol que trouxera consigo. Tudo o que o dono da cama conseguiu fazer foi permanecer parado igual a uma estátua, com as palavras presas no fundo de sua garganta sem a menor intenção de sair. Era possível que seus pulmões fossem os únicos órgãos a funcionar corretamente em seu corpo, todos os outros apresentando algum defeito que, apesar de o manterem vivo, faziam-no se sentir um tolo.

“Você não precisa se preocupar mais”,  Hansung falou antes que ele conseguisse descobrir como retirar todas as reclamações de seu peito. “Obrigado, Jeongguk”, adicionou com um tom de voz baixo e, céus, ele parecia estar realmente contente por estar deitado ali.

“Eu não estava”, rebateu, redescobrindo como falar.

“Tudo bem”, comentou como se se resignasse, tranquilizador. “Eu logo devo ir embora, não é?”

“Você não parece muito feliz…”, podia ser apenas impressão sua, mas imaginou que ao ouvi-lo falar sobre ir para casa o tom seria um pouco mais animado, como ele costumava ser, não melancólico como ele soava naquele momento - a melancolia, Jeongguk sabia, não combinava com Hansung.

“Não é isso… Eu entendo que preciso voltar- não, eu quero voltar. Eu sinto falta do meu avô e do meu irmão, eu realmente sinto, mas-”, suas palavras encontraram uma interrupção súbita que mais se assemelhava a um soluço, e a respiração pesada do outro indicava que talvez ele  não estivesse completamente preparado para dizer o que pensava. “Eu acho que vou sentir sua falta quando eu for embora”, confessou, mesmo contra todos os receios que guardava no peito, mesmo que depois precisasse se encolher sobre o colchão enquanto pensava no erro que havia cometido.

Não era possível ver o rosto dele devido à escuridão, a qual a luz que vinha de fora não conseguia anular, mas era difícil não perceber quando o barulho do lençol na noite silenciosa e as oscilações no colchão denunciavam o que acontecia, claro como se a própria luz do dia estivesse a iluminá-los.

“Hansung…”, chamou porque não sabia o que fazer ou dizer. Como ele deveria reagir em circunstâncias como aquela se ele sequer sabia como ser um bom anfitrião?

“Quer dizer, eu vou sentir falta de Jimin também. E Mark e Youngjae, da televisão- Até da Yerim e do Sorvete, é… É”, apressou-se em complementar, mas, qualquer que fosse o efeito desejado por ele, Jeongguk não conseguia notar uma alteração que fosse. Tudo continuava parecendo meio… estranho. “Parece loucura, não é? Eu passei, o quê?! Três dias aqui?!”

“Eu sinto como se fosse uma eternidade…”, Jeongguk se viu balbuciando. Talvez porque fosse mais fácil quando ele não podia ver como os orbes castanhos se abririam em espanto ao fitá-lo.

“Precisamente...”

Jeongguk estava de olhos fechados e pôde perceber o padrão irregular de respiração com facilidade. Engraçado, pensou. Ele parecia um bichinho assustado.

“Eu pensei que fosse ser um peso morto quando cheguei. Que minha presença não fosse bem-vinda, mas vocês me provaram que eu estava errado”, a voz dele surgiu de modo inesperado, desviando sua atenção para o significado das palavras. Jeongguk sabia que não era merecedor delas, ele nunca o tratara com boa vontade, sempre o vendo como uma presença desagradável.

“Jimin”. Por outro lado, Jimin havia sido aquele que tratou Hansung com alguma decência, demonstrando cortesia, interesse por seu passado. Havia sido Jimin a compartilhar o que sabia que Hansung precisava conhecer sobre o mundo com paciência e delicadeza. Comparado a ele, Jeongguk podia se considerar o pior exemplo de ser humano. “Eu não fiz nada, tudo foi Jimin...”

“Você é mais gentil do que imagina…”, Hansung rebateu como quem acredita por inteiro no que fala, com um sorriso gentil a adornar os lábios bonitos - e Jeongguk não precisava vê-lo para saber. Viu o suficiente daquele sorriso no tempo que passaram juntos para recriá-lo em pensamentos.

“E você não sabe o que diz”, resmungou, fingindo que não estava se sentindo envergonhado pelo comentário, mas a sensação de queimação na pele de seu rosto era inconfundível.

“Você vai sentir minha falta?”

“O quê?!”, cuspiu o questionamento de maneira intuitiva, mesmo que tivesse ouvido e entendido muito bem o que Hansung queria dizer.

“Minhas mais sinceras desculpas, eu não deveria-”, adotou aquele tom sério e contrito que acabava assumindo sempre que se via em uma situação difícil, quando achava que diplomacia era a melhor saída. Jeongguk sequer se surpreendeu quando o ouviu, permitindo-se sorrir pela familiaridade do comportamento. Além disso, achava engraçado como o outro parecia um robô pré-programado, embora tivesse vindo de um lugar no tempo onde o conceito de tecnologia era extremamente limitado.

“Eu vou”. Definitivamente mais fácil quando ele não podia ver as feições da outra pessoa - Jeongguk fingiu que esse era o único motivo para se sentir tão confortável.

“Nós deveríamos fazer aquilo”, Hansung comentou em meio a um bocejo, lutando contra o impulso o melhor que podia. A falta de especificidade foi atribuída ao sono, e Jeongguk tentou não pensar demais, ciente de que “aquilo” poderia ser qualquer coisa.

“Aquilo o quê?”

Selca”, sussurrou com a voz parecendo aguda e distante. Deveria estar bem perto de adormecer, uma questão de segundos até que tivesse atravessado completamente aquele ponto borrado que separava a realidade do mundo dos sonhos.

“Oh...”

Pensou em dizer que não gostava de fotos e recusar o pedido como ele sempre fazia quando Jimin pedia, mas- “Claro”, garantiu suavemente antes que pudesse terminar de refletir sobre o que estava concordando em fazer. Contudo, em vez de surtar sobre todas as implicações de sua resposta, afinal, estava indo contra todos os seus princípios, chamou-lhe a atenção o fato de que não obtivera nenhuma reação do outro, quando esperava pelo menos uma exclamação entusiasmada. “Hansung?”, chamou a fim de confirmar suas suspeitas, recebendo como réplica o silêncio das respirações lentas e estáveis de Hansung e de Jimin.

“Eu não acredito que realmente deixei ele dormir na minha cama”, suspirou, tentando ajeitar-se o melhor que podia no espaço que estava disponível.

 

 

 

Jeongguk sonhou com a morte de Hansung - sangrenta e triste e sufocante. O rapaz estava em seus braços, convulsionando enquanto a vida se esvaía aos poucos de seu corpo. Seus olhos eram um retrato bastante fiel do que acontecia consigo, a vitalidade deixando os orbes castanhos ao passo que estes se tornavam cada vez mais vítreos, mais opacos.

Acordou de repente, puxando o ar com força para os pulmões ao mesmo tempo em que se sentava sobre a cama. Suas roupas estavam coladas ao seu corpo pelo suor, bem como seus cabelos, que grudava em sua testa e em sua nuca de um jeito desconfortável e que o fazia se sentir nojento.

No entanto, seu estado era a última de suas preocupações. Notou que o espaço na cama ao seu lado estava vazio e que seu coração, o qual batia acelerado desde que ele conseguia se lembrar, começou a doer de um jeito estranho, que fazia um nó se formar em sua garganta.

Atrapalhou-se para desenrolar o lençol das pernas e desceu da cama de um pulo, sem tempo a perder com todos os degraus da escada do beliche. Não sabia aonde estava indo, mas sabia que precisava de uma resposta, mesmo que a pergunta não estivesse clara na sua mente recém-desperta.

Um suspiro escapou de seus lábios em meio a um soluço ao ver a televisão ligada, porém teve suas esperanças destruídas no instante seguinte ao perceber que era Youngjae quem assistia ao programa matinal de domingo, com uma cara de quem não havia pregado o olho durante a noite.

“O que aconteceu?”, o rapaz perguntou, mas Jeongguk não se preocupou em respondê-lo. Também não se preocupou em entender o que estava acontecendo, não era hora para isso. Seu coração comprimia mais e mais dentro do peito, ao mesmo tempo em que tentava acompanhar seu ritmo em batidas desenfreadas a dispersar adrenalina por todo seu organismo.

Procurou no quarto vago e no banheiro. Voltou ao quarto em que dormira, só para ter certeza de que não deixara nada passar despercebido, de que não nenhum lugar deixara de ser inspecionado.

Somente quando abriu a porta da lavanderia Jeongguk pôde respirar aliviado. Suas pernas deram sinais de que desistiriam de sustentar seu peso, e ele precisou se apoiar contra a porta para impedir que seus joelhos cedessem. Hansung estava sentado sobre o banco perto da janela, observando o lado de fora com a cabeça apoiada sobre uma das mãos, alheio ao que se passava com Jeongguk.

Quando Hansung olhou em sua direção, desperto do transe em que se encontrava pelo barulho de seu corpo a colidir contra a porta, Jeongguk lembrou que não estava ali para contemplá-lo. Impelido por uma força que ele não sabia ainda possuir, lançou-se até ele em passos rápidos e pesados. Não tinha a menor ideia do que faria quando o outro estivesse ao seu alcance, mas sabia que precisa fazê-lo.

Seus joelhos finalmente cederam quando ele chegou bem perto do banco e seus braços se moveram como se tivessem vida própria, envolvendo Hansung e o puxando para si. Era uma cena estranha, que não tinha explicação ou razão de existir, mas estava acontecendo mesmo assim.

“Jeong… guk?”

Ouviu o nome ser pronunciado como um sopro de confusão e de desvelo, e somente naquele instante, em que apertava ainda mais o aperto de seus braços, Jeongguk notou, ao fechar os olhos, que outro líquido umedecia sua pele, deixando rastros molhados em seu rosto.

O gosto salgado das lágrimas dominou sua boca, mas ele respirou fundo, contou até dez e se permitiu esquecer todas as preocupações - com o que estava fazendo, com o pesadelo, com o que faria se por acaso alguém os encontrasse ali e com seu coração, que, apesar de aliviado, ainda não estava realmente em paz.



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