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História De carne e papel - Hansung IV


Escrita por: nunytales

Capítulo 4 - Hansung IV


Fanfic / Fanfiction De carne e papel - Hansung IV

 

Se Jimin não estivesse tão cansado naqueles dias, a ponto de dormir antes de colocar a cabeça sobre o travesseiro, sem dúvidas teria reclamado pelo menos três vezes de sua inquietação, questionando se sua cama estaria infestada de insetos para que ele não conseguisse ficar parado por tempo suficiente para cair no sono de uma vez por todas.

Até mesmo em seus ouvidos o som produzido pelo lençol e pelo colchão sob o peso de seu corpo a se mexer se tornava mais e mais irritante, mas Jeongguk não conseguia evitar - antes que ele pudesse considerar a ideia de conter o impulso de mudar de posição, ele já estava se movendo, encarando o teto de novo ou uma das paredes, diferente da anterior, ainda que todas parecessem a mesma coisa no escuro.

Os segundos se transformavam em minutos, os minutos criavam horas inteiras, mas não havia sinais de que o sono o venceria. Seus pensamentos ganhavam asas e voavam para longe, não importava que o objeto de suas divagações estivesse no cômodo ao lado.

Desceu da cama, dizendo a si mesmo que estava fazendo aquilo por culpa da sede sentida e que beberia um copo de água e somente isso, mas seus olhos transmitiam a verdade que seus lábios insistiam em manter selada, analisando a sala atentamente em busca da figura conhecida de um rapaz que não pertencia àquele tempo, àquele mundo, sem obter sucesso. Foi então que a porta do quarto vago - já não tão vago assim, ao que parecia - chamou-lhe a atenção. Não era preciso ser um gênio para ligar os pontos e perceber que algo estava errado.

Como se os olhares que não se sustentavam e que buscavam outra direção ao encontrar os seus não fossem provas o suficiente.

Mas não importava a quantas conclusões chegasse no espaço de tempo de um dia, nada parecia o bastante para explicar o que de fato estava acontecendo. Era difícil quando, por mais que a sensação temporal fosse similar à de uma eternidade, poucos dias haviam se passado desde que se conheceram. “Sequer faz uma semana”, pensava com amargura enquanto retirava as roupas lavadas da máquina e as agitava fortemente para se livrar do pouco de umidade restante bem como das rugas. Havia tanto a ser descoberto sobre Hansung ainda-

Não... Correção: Jeongguk não sabia coisa alguma.

Só teve real noção de como seu humor estava assombroso quando percebeu que Jimin havia deixado um copo com um post-it colado sobre a superfície perto do cesto de roupa suja que levara consigo para ao local.

Não sei o que aconteceu, mas as roupas não têm culpa de nada. Ah, e não precisa agradecer pelo suco~

Ao ler a mensagem, Jeongguk sorriu de um jeito que era mais mau-humor que qualquer outra emoção positiva - e ele até rebateria o comentário se Jimin tivesse falado aquelas palavras pessoalmente, lembrando o mais velho que, se sua pilha de roupas sujas naquele fim de semana era maior que o normal, a culpa não era sua.

Talvez por isso Jimin tenha deixado o copo sorrateiramente com um bilhete escrito, porque ele o conhecia e tinha consciência de que sua língua ferina não pouparia ninguém.

Voltou para o quarto e subiu a cama com rapidez, enrolando-se sob os lençóis em posição fetal. Apesar de não se sentir menos propenso a se perder em pensamentos, aos poucos o cansaço o foi vencendo. Não teve a melhor noite de sono e acordou mais indisposto que em dias de ressaca, mas o novo dia lhe trouxe uma nova perspectiva sobre as circunstâncias.

Ao sair do quarto na manhã seguinte, com a cara amassada, os cabelos apontando para a direção errada, Jeongguk deu de cara com Hansung a sair do banheiro. A boca de lábios ressecados abriu formando um “o” sem som enquanto Jeongguk prendia a respiração, de repente se sentindo desperto e de volta à noite anterior.

Murmurou um bom dia e levou uma das mãos ao cabelo por impulso, mas sem saber o que fazer com elas quando sentiu a textura dos próprios fios contra os dedos. Foi pego de surpresa pelo sorriso que surgiu, espontâneo, nos lábios alheios, encarando-o com cara de idiota, como se questionasse se o dia anterior realmente aconteceu.

“O quê?!”, indagou antes que pudesse ativar o filtro existente entre seu cérebro e a boca. Ainda que fosse um filtro de utilidade questionável, que permitia que muita coisa passasse despercebida, talvez fosse melhor que nenhum filtro.

“Seu cabelo-”, ele respondeu, esticando a mão para ajeitar-lhe os fios. Deu um passo para frente, a fim de alcançar seu objetivo, ao mesmo tempo que Jeongguk também o fazia, curioso e confuso, porém de bom grado, aceitando de antemão o que quer que o outro pretendesse fazer. Hansung hesitou por um momento, ao notar que eles estavam mais próximos que o pretendido. O ato de Jeongguk devia tê-lo surpreendido e não era para menos.

No entanto, depois de processar que uma permissão silenciosa lhe havia sido concedida, ele voltou a sorrir, passando os dedos pelos fios escuros do cabelo do universitário com uma cautela excessiva, típica de quem não via o tempo passar. De perto, Jeongguk podia notar pequenos detalhes no outro que ele nunca havia visto antes - na única vez em que tivera a oportunidade de ficar perto dele, fora capaz de ver apenas um vulto onde o corpo dele estava. Os olhos brilhavam como pedras preciosas lapidadas, de um castanho escuro intenso, e eram emoldurados por cílios longos, os quais podiam ser contados somente se eles pudessem ficar daquele jeito por horas. O nariz bem desenhado acabou sendo descrito por seus pensamentos como fofo apesar de achar que narizes, se observados tão atentamente, não passariam de uma funcionalidade sem importância estética - era até injusto consigo que o nariz do outro fosse tão bonito quando o seu ainda era a causa de parte de suas inseguranças. A boca, mesmo com lábios ressecados, não perdia a cor rosada e se abria em um sorriso travesso, que fez Jeongguk desconfiar dos motivos por trás daquele detalhe em especial, dando-se conta tarde demais que Hansung não estava mais a ajeitar seu cabelo.

“O que você tá fazendo?”, perguntou dando um passo para trás, para longe do alcance das mãos atrevidas que brincavam com a confiança depositada em seu ato de bondade, e tateou delicadamente o local para descobrir o que havia acontecido. A risada rouca e desprendida de Hansung ecoou em seus ouvidos, provocando um misto de deleite e de irritação em seu peito.

Apressou-se em procurar por um espelho para observar o próprio reflexo, sendo seguido por Hansung que, ainda rindo, repetia “nãos” com insistência, mas sem tentar impedi-lo de verdade - a mão que segurava a manga da sua camisa branca não aplicava a força necessária para evitar que Jeongguk entrasse no banheiro e visse as mechas que apontavam para cima, moldadas de modo que se assemelhavam a orelhas felinas.

“Você ficou fofo assim, Jeonggukie”, ouviu Hansung cantarolar em meio aos risos contidos, e Jeongguk fingiu não notar a forma carinhosa como ele pronunciara seu nome, transformando-o para que soasse mais afável.

“Fofo não é muito meu estilo”, rebateu, e, apesar de hesitar por alguns segundos, sabendo que poderia ver a expressão no rosto do outro transformar-se para uma de tristeza, Jeongguk passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os a fim de desmanchar o que havia sido feito.

Mas Hansung continuava sorrindo, daquela vez sem que Jeongguk pudesse sequer cogitar que tipo de emoção ou pensamento se passava por trás do rosto bonito.

Dando-se conta de que o banheiro era pequeno demais para os dois, Jeongguk precipitou-se para sair do banheiro, evitando a todo custo esbarrar em Hansung, que abriu o espaço necessário para que ele passasse, mas sem o seguir.

Jeongguk ainda olhou por cima do ombro, mas logo se repreendeu em pensamento por fazê-lo.

 

 

 

"Aonde estamos indo?", Hansung não demorou a questionar, embora Jeongguk tivesse esperanças de que ele só fosse perceber que não estavam seguindo o caminho habitual para a universidade apenas quando você tarde demais - impossível, claro, uma vez que ele sequer estava levando a mochila com o material que sempre utilizava durante as aulas.

"Você vai ver quando a gente chegar", respondeu de maneira misteriosa, mas apenas por não querer explicar que não estava se sentindo em condições de assistir às aulas do dia. Atribuía a indisposição à péssima noite de sono que teve - a qual não deveria ser nenhuma novidade na vida de um estudante acostumado a passar a madrugada estudando para as provas. No entanto, externar o pensamento poderia levá-lo a ter que responder mais perguntas, sobre os motivos por não ter dormido direito em primeiro lugar.

O caminho mais fácil sempre era mais tentador.

Hansung se resignou a andar ao seu lado, esperando pacientemente pela "surpresa" que Jeongguk havia preparado. Parecia estar de bom humor a julgar pela leveza de seus passos que davam a impressão de que ele estava saltitando. Em vez de se sentir incomodado pela energia demonstrado pelo outro quando ele se sentia tão desanimado, Jeongguk se viu respirando sem dificuldades e até mesmo um discreto curvar de lábios de que ele não tinha consciência surgiu como um reflexo de seu inesperado bom humor.

Mal sabia Jeongguk que a partir dali não ficaria apenas nos sorrisos discretos, os quais ele julgava serem imperceptíveis, mas, enquanto caminhava lado a lado com Hansung, ele já sabia que não se importaria em continuar daquele jeito.

No parque, perto do rio, caminhando embaixo das árvores cujos botões de flor começavam a apresentar cores características, indicando que em breve desabrochariam, poucas palavras foram trocadas entre eles, mas os olhares eram abundantes e os sorrisos não ficavam para trás. Hansung tinha um modo genuíno de apreciar cada descoberta, e Jeongguk o invejava por ser tão livre para expressar seu contentamento, sua surpresa, o desapontamento por ter que deixar o lugar que visitavam tão cedo - emoção que logo era substituída pela animação em conhecer algo novo.

Talvez tenha sido assim que Jeongguk foi contagiado a ponto de sentir os músculos em seu rosto doendo de tanto sorrir, esquecendo-se de si mesmo, das inseguranças e das barreiras que inevitavelmente construíra ao longo de seus vinte e poucos anos de idade.

Com Hansung, lugares que eram apenas uma parte de seu dia a dia sem graça se tornavam algo mais, e ele podia vê-lo com um novo filtro a cobrir seus olhos. Ele até sentia como se tivesse tido a melhor noite de sono em séculos.

Não havia uma só célula de arrependimento em seu corpo.

Pararam para comer em uma das barracas de comida que encontraram pelo caminho - Jeongguk pagou sem reclamar, ainda que Hansung tivesse demonstrado ser um buraco negro que devorava tudo o que encontrava pelo caminho.

Ele podia se acostumar com isso. Com a companhia, com aquele sentimento cálido em seu peito que se espalhava como os raios de sol aos poucos irradiavam luz e calor pelo mundo todas as manhãs.

Todavia, antes que concluíssem toda a rota planejada por Jeongguk, Hansung de repente deixou de irradiar a energia que parecia emanar de cada poro de seu corpo, seu olhar se tornou distante e a melancolia estava de volta às suas feições como uma sombra, e, exatamente como tal, não poderia existir sem a presença da luz.

“Qual o problema?”, questionou, repassando mentalmente os acontecimentos do dia, só para garantir que não havia feito nada de errado.

Hansung lançou um olhar breve em sua direção, logo voltando a fitar o caminho que tinham à frente - caminhavam lado a lado em uma rua em direção a um lugar onde pudessem jogar, Jeongguk prometendo que não iria se aproveitar da inocência do outro, mesmo sabendo que seria impossível não se divertir. O ato foi interpretado como um dar de ombros de quem não pretende responder, mas não era verdade. Hansung precisava apenas de um tempo.

“É só que… Fazer tudo isso tem sido tão divertido…”

“E como isso é um problema?”, Jeongguk insistiu, não conseguindo ligar os pontos que pareciam estar em pólos opostos do globo.

“Eu tenho medo de, quando chegar a hora, eu não querer ir”, explicou depois de respirar fundo. “Eu tenho medo de querer ficar aqui com você”.

Jeongguk não havia pensado sobre mudar a vontade de Hansung ao longo do processo, mas compreendia a linha de pensamento que o fizera mudar de humor de modo tão súbito - exceto a parte em que ele mencionava querer ficar com Jeongguk, o que era não apenas estranho, mas também impensável. Se tivesse uma escolha, ele não iria querer ficar consigo.

Hansung merecia algo melhor.

Ele por outro lado, era quem deveria querer Hansung por perto, contudo, o pensamento, o qual chegou sem pedir permissão, deixou-o alarmado, preparado para fugir da situação em que se encontrava.

“Mas-”, balbuciou antes que pudesse ir mais pensamentos intrometidos pudessem suceder aquele primeiro. “Mas você sente falta de casa, como- Como é a sua família? Eu não me lembro se alguma vez ouvi você falar neles”, riu nervosamente em uma tentativa de disfarçar o desconforto e de evitar bater na própria testar por parecer que ele mal podia esperar para se ver livre de Hansung.

Hansung fez uma expressão séria e pensativa, concentrando-se. Não deu qualquer sinal de ter percebido as intenções por trás das palavras atrapalhadas ou da risada incriminadora.

“Eu acho que falei que tenho um avô e um irmão…”, murmurou ao pensar alto, franzindo o cenho. “Eles são uma família como qualquer outra, eles se preocupam comigo e querem o meu bem, mas também conseguem me fazer sentir vontade de gritar de frustração até que minha voz desapareça”, explicou, dirigindo-se claramente a Jeongguk daquela vez. “Mas eles não são tão ruins quanto pode parecer…”

“Você ama os dois”, Jeongguk mencionou com o tom de voz mais suave que conseguiu reproduzir, curioso sobre os pais do rapaz, mas sem coragem de fazer mais perguntas. Já bastava de vergonha por um dia.

Além disso, como saber se ele podia ir tão a fundo em sua curiosidade? Não sabia que tipo de acontecimento separava dois conhecidos de dois amigos de verdade. Com Jimin veio de maneira natural, com os dois morando perto quando crianças e sem perder o contato por completo ao longo dos anos, vindo a se mudar para a mesma casa ao entrarem na faculdade.

Com Hansung, Jeongguk não tinha mais certeza de nada.

“Sim”, Hansung respondeu com um sorriso bobo de quem sentia saudades e não via a hora de voltar para a companhia daqueles que amava. Ou pelo menos foi isso em que Jeongguk escolheu acreditar, enterrando a inveja e a decepção pela consciência de que seria esquecido em breve.

 

 

 

Não era verdade que Jeongguk sempre quis ganhar um bichinho de pelúcia em uma daquelas máquinas caça-níqueis, mas ele fez Hansung esperá-lo e observá-lo tentando e falhando incontáveis vezes. Era verdade, no entanto, que ele era o tipo de pessoa que, quando colocava uma ideia na cabeça, se tivesse força de vontade o suficiente, não desistiria até conseguir.

Jeongguk nem conseguia mais lembrar, enquanto se estressava e respirava pesadamente, movendo os dedos a uma velocidade incomum e com uma força desnecessária, o porquê de ter pedido para pararem ali. A única coisa que importava era que ele queria um pequeno troféu para levar para casa - ele queria ver a cara de Jimin quando descobrisse, ia ser impagável.

"Deixa eu tentar", Hansung pediu em determinado momento, cansado de esperar sem fazer nada enquanto era esquecido, deixado de lado por aquele com quem estava. Jeongguk não o iria deixar tentar porque ele tinha um orgulho a manter intacto. Ele sequer era do tipo que deixa algo de lado para voltar a se concentrar tempos depois. Mas ele estava irritado e queria que Hansung pudesse experimentar na própria pele o que era ser vencido pelas invenções do século XX.

"Quero só ver", comentou enquanto afastava para o lado para que Hansung assumisse os controles.

Não soube de onde tirou paciência para explicar como funcionava a máquina, porém ali estava ele, dando os mínimos detalhes do que precisava ser feito e até conduzindo a mão de Hansung no início, só para garantir que ele faria como o ensinado.

"Okay, mais uma vez, mas sem ajuda", pigarreou quando a garra soltou o bichinho de pelúcia antes de chegar à abertura que colocaria o animal de brinquedo no mundo exterior. Distanciou-se para não atrapalhar o outro e o viu errar uma segunda vez, permanecendo imóvel na frente da máquina mesmo depois que a garra de metal voltou para seu lugar de origem.

"Hansung?", chamou e então se aproximou para encostar a mão sobre o ombro do rapaz. "Ei", insistiu.

"Isso é terrível", ele disse, preocupando Jeongguk, mas se virou para encarar sua companhia e era possível ver que ele não parecia prestes a choramingar pelo fato de não ter conseguido, como Jeongguk havia imaginado apenas poucos segundos antes. "Eu quero tentar de novo", adicionou, surpreendendo o estudante, que piscou algumas vezes, reconhecendo um pouco de si e da própria competitividade nas palavras e na aura que emanava dele naquele instante.

"Vamos revezar, então, uma vez para cada. Quem conseguir vence", sugeriu com um ar divertido.

"Vence o quê?", Hansung indagou interessado, forçando Jeongguk a pensar mais um pouco. Porque vencer era uma questão de sentimento. Tornar-se vitorioso por si só era o que importava para Jeongguk a maior parte do tempo, mas Hansung não estava satisfeito com isso simplesmente.

"Eu não sei, o que você quer?"

“Hmm... um favor”, rebateu, e Jeongguk podia ver a expectativa transbordando através de pequenos detalhes - o maior deles sendo o lábio inferior firmemente preso entre os dentes. Fazia Jeongguk se preocupar mais em tentar decidir se ele estava respirando em vez da aceitação ou rejeição do pedido.

“Muito bem, um favor”, concordou, arregaçando mangas imaginárias da camisa que estava usando, preparando-se para ser declarado - por si mesmo, mas quem se importa - vencedor.

O acordo renovou seu entusiasmo e sua sede de se sair bem-sucedido de suas tentativas, mas foi apenas alguns turnos depois que um deles conseguiu afinal conquistar um dos prêmios oferecidos pela máquina.

Jeongguk comemorou dançando enquanto Hansung se aproximava, derrotado, para recuperar o coelho cinza que a garra de metal havia capturado. Ele tinha um bico nos lábios - no qual Jeongguk não prestou atenção - e abraçava o animal como se buscasse nele o apoio necessário para superar a derrota.

“Ele é tão cruel, Sr. Cinzento...”, Jeongguk ouviu Hansung murmurar e sentiu vontade de sorrir da forma como ele já nomeara o coelho e o tomava por confidente. Lembrou-se de como o outro confessara que ele era mais gentil do que imaginava, e logo a vontade de passar desapareceu, substituída pela vergonha.

“Você pode ficar com ele. De lembrança”, concedeu, colocando uma das mãos no bolso da calça e fungando, já não mais animado com a vitória como segundos antes. “E porque eu sou uma pessoa generosa, eu vou conceder o favor que você queria me pedir”, concluiu, vendo os olhos de Hansung brilhando com a perspectiva de sair ganhando apesar de ter sido vencido nas habilidades manuais.

“Tem certeza?”, questionou, embora não desse sinais de duvidar do que lhe estava sendo dito. Parecia mais uma confirmação.

“É-e, o que você queria?”

“Eu mal consegui dormir noite anterior”, ele começou, desviando o olhar para encarar a rua, seguindo com o olhar algumas das pessoas que passavam ao redor. “Então eu queria dividir a cama com você de novo”, completou timidamente.

Porque o destino tem um senso de humor bastante interessante, foi justo naquele momento que umas senhoras passaram por eles, lançando olhares esquisitos após ouvirem o que Hansung havia dito, murmurando palavras que certamente eram reprovadoras - não era preciso ouvir para saber. Jeongguk engasgou com a própria saliva e sentiu o rosto em chamas com a ideia que cruzou seu pensamento, mas Hansung parecia alheio ao que acontecia diante de seus olhos, inocente em seu pedido e em suas intenções.

“Você disse que ia me conceder o que eu queria pedir”, o rapaz o lembrou, franzindo o cenho por receio de que a reação de Jeongguk era sinal da promessa quebrada.

“E eu vou, mas agora- Agora vamos tirar uma selca”, sugeriu de pronto, ansioso para mudar de assunto, ao que Hansung concordou de imediato, esquecendo-se, conforme o plano, do assunto da cama. Jeongguk retirou o celular do bolso apressadamente e aproximou-se de Hansung, abrindo o aplicativo da câmera. Ele não era completamente avesso à ideia de tirar fotos e até arriscava quando estava de bom humor - quando achava que sua aparência estava decente, digna de ser registrada em dados. Não foi nenhum surpresa dar de cara com a própria imagem no visor do aparelho, entretanto o mesmo não podia ser dito de todo o conjunto de elementos que via a acompanharem-na naquele retângulo.

Hansung ao seu lado. Hansung abraçado com o coelho cinzento. Hansung passando o braço por cima do seu ombro. O fato de serem praticamente da mesma altura colaborava para que ele não tivesse que ficar na ponta dos pés, tampouco abaixar o corpo de um modo desajeitado.

O dedo de Jeongguk escorregou registrando o exato momento em que Hansung passou o braço por seu ombro e seu olhar na direção do outro, como se questionasse o que estava acontecendo com o olhar.

“Não é isso que as pessoas fazem para tirar selcas? Jimin fez exatamente assim no outro dia…”, ele colocou o indicador sobre o queixo, pensativo, e deu um passo para trás.

“Tá tudo bem, eu só não esperava, só isso…”, Jeongguk explicou enquanto procurava as fotos tiradas na galeria. “Nenhuma delas prestou, vamos tirar outra”, balbuciou e voltou para a câmera, esticando o braço para ajustar o enquadramento novamente. Daquela vez, Hansung se aproximou com cautela. Jeongguk até pensou que ele não tentaria repetir a pose anterior, mas logo o braço dele estava passando por sobre seus ombros.

Foi necessário somente um clique, mas aquele segundo foi capturado com perfeição. O sorriso contido da vez era de Jeongguk, que, apesar de ter concordado com aquela invasão de seu espaço pessoal, não sabia como reagir. Hansung, por outro lado, estava radiante, exibindo uma dentição invejável na imagem que apareceu na tela quando o rolo de câmera foi aberto.

“Agora você tem uma lembrança também”, Hansung comentou orgulhoso, e Jeongguk se viu concordando enquanto seus olhos traçavam os contornos do rosto bonito que sorria ao lado do seu.

 

 

 

Jeongguk pensou em comer sorvete, mas estava ficando tarde e ele começava a pensar sobre os gastos que havia efetuado durante o dia, motivo por que sequer comentou. Hansung, sem saber o que estava perdendo, andava ao seu lado satisfeito, brincando com uma das orelhas de Sr. Cinzento e cantarolando, contente.

Invejava-o. Enquanto Hansung não dava qualquer sinal de cansaço, Jeongguk estava se arrastando naquela volta para casa que parecia nunca chegar ao fim. Era até cansativo observar como os passos do outro eram o exato oposto dos seus, e, sério, ele deveria parar de se importar, prestar atenção, mas a energia para desligar seu sensor de movimentos alheios era inexistente. E quanto mais energia ele economizasse: melhor.

Hansung foi o primeiro a notar Jimin sentado no sofá com cara de quem contempla todas as respostas importantes da vida, do universo e tudo o mais, sem saber o que fazer com elas.

Jeongguk deveria ter percebido o que isso significava.

Em vez disso, ele permaneceu parado na entrada, demorando-se para retirar os tênis que usara durante o dia - gostava da sensação de liberdade nos pés após um dia cansativo. Hansung, por outro lado, chutou os tênis para fora do pé e qualquer jeito, ainda se acostumando com o modo como o objeto funcionava e se atrapalhando no processo. Pronunciou o nome de Jimin em uma animação inumana, mas só foi ouvido em uma segunda tentativa, quando Jimin, desviando os olhos do nada e os focando na figura sorridente, cumprimentou-o sem retribuir a efusividade de seu hóspede, fato que poderia facilmente ser atribuído ao cansaço.

“Vocês estão chegando tarde”, Jimin comentou e seu olhar recaiu sobre o coelho que Hansung apertava contra o próprio corpo.

“A gente pegou um desvio”, Jeongguk replicou, passando direto até a geladeira a fim de saciar a sede que sentia.

“Desvio… Certo”, repetiu, concordando sem opor argumentos, e não era preciso olhar para saber que ele estava sorrindo, daquela vez com um pouco mais de bom humor que seu cumprimento inicial. “Gostei do coelho”.

“É uma lembrança”, Jeongguk conseguiu ouvir Hansung falando apesar de seu tom de voz baixo e dos outros sons da casa - a máquina de lavar sendo iniciada enquanto Mark lavava as próprias roupas, e a voz de Youngjae cantarolando no quarto.

“Uma lembrança…”, Jimin repetiu. “Que pode ser necessária em breve”, revelou. Mesmo estando perto da geladeira, naquela cozinha que emendava com a sala sem a interferência de nenhuma parede, Jeongguk foi capaz de ouvir com perfeição o que havia sido dito e até mesmo esqueceu o que estava fazendo perto da geladeira, seu intento esquecido graças às palavras do mais velho.

“O que quer dizer?”, Jeongguk questionou voltando até a sala para encará-lo e garantir que iria ouvir que estava enganado, que sua interpretação do tom de voz de Jimin significava apenas que ele os estava lembrando de que aquele não era o lugar de Hansung, em vez de anunciar que tinha a resposta que iria colocar todas as pessoas de volta em seus lugares.

“Que eu descobri como Hansung pode voltar pra casa- Ou pelo menos acho que descobri porque parece surreal demais”, respondeu, confirmando as suspeitas de Jeongguk. Hansung, sentado ao lado de Jimin no sofá, encarava o coelho cinza como se não tivesse ouvido que em breve poderia deixar aquele mundo estranho para rever seus parentes. “Mas como não poderia acreditar no impossível depois do que aconteceu?”

O silêncio pesou sobre eles, denso e perturbador. Hansung deveria estar feliz, mas Jeongguk tinha muitas dificuldades em acreditar no que acabara de ouvir, mesmo que a existência de um personagem ficcional em sua vida em si já fosse difícil de conceber.

“C-como?”, murmurou baixo, em dúvida sobre se realmente gostaria de saber como Jimin poderia ter tanta certeza ou se estava apenas curioso sobre o método descoberto.

“Eu consegui encontrar Kim Yushin, ele me explicou que somente a história poderia levar de volta o que pertence a ela”, Jimin respondeu. “Nós podemos tentar isso amanhã, quando nem Mark nem Youngjae estiverem por perto- E nem é certeza dar certo, então não acho que deveríamos ter esperanças”, adicionou, como um pensamento que lhe ocorreu somente naquele momento. Talvez para não frustrar Hansung se acaso seu método não funcionasse.

“Acho que amanhã-”, Jeongguk tentou ser razoável, mas Hansung foi mais rápido, mais assertivo em sua afirmação e o interrompeu antes que pudesse concluir o que queria dizer.

“Se não é certeza dar certo, então vamos tentar hoje”, ele disse, altivo e seguro de si, com um aura diferente, como se de repente todos os anos que se passaram desde a sua suposta existência e aquele dia tivesse recaído sobre sua pessoa, tornando-o bem mais velho do que seu corpo parecia. Por um instante, Jeongguk viu o nobre que ele era, nos olhos intensos e decididos, na boca que formava uma linha reta, sem qualquer indício do sorriso que sempre surgia ali como se tivesse morada permanente naqueles lábios cheios. Havia até esquecido o que queria dizer enquanto o observava, em choque. “Eu não deveria permanecer aqui por mais tempo”, acrescentou o que queria dizer com os olhos fixos em Jeongguk, só para desviá-los em direção ao chão no instante seguinte.

“Você tem-”, Jimin começou, mas interrompeu-se a meio caminho de concluir a frase que tinha em mente. Seu tom era de dúvida e de desconfiança, e, se Jeongguk o conhecesse o suficiente, diria que ele pretendia perguntar se Hansung tinha certeza do que dizia, mas poderia ser só o coração de Jeongguk falando mais alto. Era o que ele queria perguntar a Hansung afinal. “Razão”, concluiu.

Jeongguk observou enquanto Hansung se desfazia das roupas - suas roupas - e as trocava pela vestimenta com que chegara ali dias antes. Não sabia se ele não conseguia se vestir sozinho ou se ele estava apenas distraído a ponto de demonstrar dificuldades com os detalhes, com laços que precisavam ser amarrados firmemente para que ele não acabasse por vestir um bolo de tecidos sem qualquer lógica.

Largou o celular, o qual estava sem uso em sua mão, e desceu da cama, de onde observava a tudo sob a fachada de indiferença de sempre. Segurando firmemente um dos ombros do rapaz, Jeongguk o virou de forma que ficassem frente a frente e, sem justificativas, ocupou-se de ajeitar o que estava torto ou frouxo aos seus olhos. Hansung se permitiu ficar aos seus cuidados, mas, a cada vez que Jeongguk levantava o olhar para encará-lo era para vê-lo mudar rapidamente a direção na qual seu rosto apontava.

Estava fazendo aquilo só por não conseguir ver Hansung sendo tão desastrado por muito mais tempo, mas era Jimin quem deveria estar ajudando, não ele. O pensamento o deixou tão irritado que acabou por apertar demais o último laço, o que segurava tudo junto ao corpo do outro. Ouviu um gemido escapar dos lábios alheios, mas não ouviu qualquer reclamação, tampouco emitiu um pedido de desculpas, como sabia ser devido. Em vez disso, deixou o quarto para ver onde raios Jimin havia se metido afinal.

Encontrou-o na cozinha, segurando um copo de água sobre o balcão, mas sem fazer qualquer menção de levá-lo aos lábios a fim de ingerir seu conteúdo.

"Você está bem?", Jeongguk questionou, esquecendo-se por um momento de que estivera irritado pelo desaparecimento do mais velho.

"Estou", ele respondeu, sorrindo - mas era um sorriso falso, Jeongguk podia dizer. "Hansung está pronto?"

"E esperando", afirmou, mas Jimin não se moveu. Era um dos raros momentos em que ambos trocavam olhares e sabiam exatamente o que estavam pensando, embora nunca fossem admitir que pensassem de forma igual.

O barulho da porta do quarto sendo aberta os alertou para o fato de que não estavam mais sozinhos, mas era apenas Hansung que os procurava.

"Pensei que tivessem esquecido de mim", ele resmungou com uma expressão de tristeza e de chateação exagerada, uma imitação perfeita de uma criança carente que se vê sozinha longe dos pais.

"Vamos acabar logo com isso", Jimin murmurou, abandonando o copo meio vazio. Ele deu um tapinha no ombro do mais novo ao passar por ele e, dirigindo-se a Hansung, comentou: "Como eu poderia me esquecer de você?".

Sua voz era gentil e doce, fazendo Hansung desfazer a careta que havia criado para fingir que estava realmente com pressa para partir. Jeongguk tinha certeza de que Jimin também conseguia notar aqueles pequenos detalhes, tinha certeza de que Jimin também podia sentir que as circunstâncias estavam estranhas, porém ele não dava sinais de que iria desistir. Hansung também não.

Então por que ele era o único a achar que era uma má ideia?! Queria gritar que eles não precisavam fazer aquilo, mas a voz não saía.

Viu a porta do quarto se fechando com Hansung e Jimin dentro do aposento e percebeu que a sensação em seu peito não era apreensão pela iminência de enfrentar o desconhecido, não era receio do que poderia acontecer acaso uma força mágica superior aparecesse na casa normal e medíocre em que moravam.

Pensou que estava preparado para dizer adeus a Hansung tão logo encontrassem uma forma de mandá-lo para casa, porém ele nunca havia se sentido tão despreparado na vida, nem mesmo quando o final do ensino médio se aproximava e todo o seu futuro o esperava, com todas as incertezas e receios naturais daquela fase rondando sua mente.

Apressou-se em entrar no quarto somente para ver Jimin sentado à escrivaninha, com o livro descansando aberto a um lado, um pedaço de papel à sua frente e uma caneta à sua mão. Eram materiais tão ordinários que ele se permitiu respirar aliviado. Que loucura seria acreditar que algo tão comum quanto uma caneta e um papel seriam capazes de reverter a mágica que trouxe Hansung para aquele mundo.

"Você chegou bem na hora", Jimin  comentou em tom de troça e, respirando fundo, pousou a caneta sobre o papel. "Depois de passar um tempo em companhia de seus anfitriões", ele disse depois de respirar fundo, anunciando as palavras que transcrevia para a folha em branco. "Hansung pôde dizer adeus aos seus novos amigos, voltando para seus familiares, de quem sentia muita falta”.

Ao terminar, ele pegou a folha de papel e a colocou entre duas páginas aleatórias do livro. Jeongguk podia jurar que conseguia ouvir as respirações pesadas e ruidosas deles três, mas podia ser apenas sua imaginação lhe pregando uma peça naquele momento tão crucial.

“É só isso?”, perguntou, cansado de esperar, enquanto os segundos se arrastavam, por um milagre que não acontecia. “Eu acho que interpretei errado o que o sr. Kim me disse, eu-”, mas Jimin nunca chegou a concluir o que pretendia dizer uma vez que a capa do livro se abriu com força, como se manuseada por uma mão invisível e furiosa. Em seguida, as páginas foram passadas rapidamente ao passo que una rajada de vento surgida de lugar algum, bagunça os cabelos dos três presentes e impedia-os de enxergar os contornos do quarto. Foi quando Jeongguk percebeu que Hansung estava se desfazendo, transformando-se lentamente em folhas de papel a partir dos pés.

Hansung também notou o que estava acontecendo consigo e olhou para baixo. Pelo perfil de seu rosto era possível ver que ele estava assustado. Jeongguk se perguntava como ele havia conseguido chegar ali, se não havia notado ao ser transportado entre as duas realidades pela primeira vez.

Ocorreu-lhe que seria a última vez que veria aquele rosto de sorriso fácil e que o lembrava de manhãs tranquilas em que ele podia ficar deitado na cama até tarde. E antes que pudesse compreender o que estava fazendo, antes que pudesse registrar que não estavam sozinhos, Jeongguk esticou o braço e puxou Hansung até que ele colidisse contra seu corpo em um abraço desajeitado. Ouviu seu nome escapar dos lábios do outro, os fonemas abafados contra a sua camisa.

Era o momento de dizer palavras bonitas que pudessem ser levadas depois do adeus. Seria uma pena se Jeongguk não soubesse articular o que sentia e acabasse enfiando os pés pelas mãos.

Mas porque nem sempre o destino era um carrasco e porque algo em Jeongguk talvez tivesse mudado, ele soube exatamente como amenizar o amargor do momento quando sentiu as mãos de Hansung agarrando-se ao tecido da camisa que usava, como se estivesse arrependido de ter pedido para que testassem a descoberta de Jimin ainda naquela noite.

“Você ainda me deve um favor”, murmurou. “Por ter vencido mais cedo”.

“Devo”, Hansung concordou, ainda com a voz abafada por sua camisa. Pelo menos ele parecia menos assustado, usando um tom de voz mais suave, e, mesmo que a vontade de Jeongguk fosse de apertá-lo contra seu corpo, aspirando o cheiro de seu xampu nos cabelos dele pelo resto da noite, ele estava mais tranquilo. “O que é?”, ele indagou curioso, e Jeongguk podia senti-lo sendo desfeito em suas mãos.

“Não me esqueça”, conseguiu responder com um soluço, enquanto os braços dele desapareciam. Hansung finalmente o encarou, afastando o rosto de seu ombro, com um sorriso nos lábios e um brilho úmido no olhar, como se estivesse a ponto de chorar. Àquela altura, ele era apenas uma cabeça flutuante em meio à névoa que se formava em decorrência do processo que o estava levando embora.

“Mesmo depois que eu morrer, eu vou lembrar, prometo”, Jeongguk ainda pôde ouvi-lo balbuciar, antes de desaparecer por completo, deixando o lugar que ocupava no quarto vazio, com as últimas folhas sendo atraídas de volta para o livro, o qual foi fechado com um barulho alto ao final.

Não ousou olhar para Jimin, não queria saber que tipo de expressão ele tinha no rosto depois de tudo o que havia acontecido, mas Jeongguk não poderia bloquear de seus ouvidos o som da voz dele, delicada, a cortar o silêncio deixado entre eles.

“Talvez devêssemos ter esperado...”

Mas estava tão tarde, e Jeongguk estava tão cansado, que ele apenas deu de ombros, indiferente, embora o amargor em sua boca atestasse que aquele comportamento era uma farsa.

“Está feito agora”.

 

 

 

Enquanto tentava dormir, sentindo-se cansado demais para conseguir relaxar, Jeongguk lembrava o pedido feito por Hansung, para que dormissem juntos, com pesar. Mesmo achando que não conseguiria pregar os olhos por um minuto sequer, ele acabou adormecendo em algum momento da noite, caindo em um sono sem sonhos que mais parecia ter durado apenas dez minutos, quando, na verdade, horas inteiras haviam se passado. Logo era hora de voltar à rotina normal sem um personagem de um livro para acompanhá-lo para todos os lados enquanto descobria um mundo completamente novo e cheio de possibilidades. Ele não deveria sentir a ausência de Hansung dado o pouco tempo que conviveram juntos, mas a realidade dificilmente conseguia superar as expectativas propostas por seu cérebro, racional e prático.

Prestar atenção às aulas nunca foi tão fácil e seguir diligentemente com seu cronograma não era um problema. Ele até tinha tempo para jogar no celular com tranquilidade sabendo que estava em dia com as matérias da faculdade. Havia se tornado um exemplo de aluno não por vontade expressa de o ser, mas por saber que era melhor se manter ocupado que permitir que lembranças e pensamentos inconvenientes lhe tirassem o sossego de espírito. Sua renovada produtividade era útil até mesmo na hora de dormir, quando, esgotado, mal percebia o momento exato em que caía no sono - provavelmente antes mesmo de sua cabeça encostar no travesseiro. Pouco importava que Jimin mantivesse a luz ligada a fim de manter seu velho hábito de ler antes de dormir.

O mais velho não mencionou o nome de Hansung pelos dias que se seguiram, tendo guardado sua cópia de Hyangdo fora do alcance da vista. Ele sequer falava no sr. Cinzento, o coelho que Jeongguk dera a Hansung, mas que acabara por ficar esquecido sobre a cama do mais novo, como um sinal de que eles não haviam imaginado o que aconteceu. Mas era difícil não notar quando ele encarava a criatura peluda com um olhar longínquo, tão distante quanto seus pensamentos, que certamente visitavam um amigo que os dois tinham em comum.

Aos poucos se tornava cada vez mais fácil acreditar que tudo não havia passado de um sonho - ou de uma alucinação coletiva, o que era mais adequado considerando que Jimin também havia participado de tudo, bem como Mark e Youngjae, esses últimos em menor escala. Jeongguk se recusava a acreditar na hipótese de que Hansung nunca existira e acabava por se permitir adormecer agarrado ao coelho, incapaz de olhar a galeria do celular, receando encontrar uma foto sua com nada além de um espaço vazio onde o outro deveria estar.

Com a vida seguindo um ritmo tão lento e imutável, termos que Jeongguk jamais pensou que usaria para se referir até mesmo a um período atribulado de provas que viera e fora embora como qualquer outro, foi uma surpresa encontrar um rapaz segurando uma caixa enorme na porta de casa ao chegar de mais uma de suas aulas. Era o primeiro sinal de mudança em dias- semanas, mas era difícil compreender o que aquele sinal realmente significava.

Jeongguk se perguntava para quem seria aquele pacote - provavelmente Mark havia gastado o pouco que conseguia com os empregos de meio período em equipamentos para algum projeto novo, nada relacionado com à faculdade, e pelo simples prazer de brincar com o sossego dos outros, como havia feito quando construíra um drone depois de passar noites em claro, à base de café com energético.

“Onde eu assino?”, questionou ao se aproximar, pronto para receber o pacote e levá-lo para dentro, tentando descobrir, ao balançar a caixa, o que seria daquela vez. Ao ouvir sua voz, o rapaz se virou rapidamente, encarando-o com confusão estampada em todas as suas feições, e foi nesse exato instante em que o mundo parou.

“Como?”, ele rebateu em um tom de voz tão familiar que fez o coração de Jeongguk doer como se tivesse sido atropelado por um trem. O cenho franzido se tornou ainda mais pronunciado ao perceber que não obteria uma resposta tão cedo, porque, encarando-o com uma expressão de choque, Jeongguk permanecia parado onde estava, esquecido de pacotes e de drones construídos em casa. “Você está bem?”, a confusão foi embora de sua expressão facial em um piscar de olhos, dando lugar à preocupação.

O rapaz então deixou a caixa no chão e se aproximou de Jeongguk para garantir que a resposta para sua pergunta era positiva, mas, justo quando ele estava perto o suficiente para esticar o braço e tocar Jeongguk, a voz de Jimin o fez congelar no lugar, assustado.

“Hansung? É você? Como?!

Mas Hansung, ou alguém muito parecid- idêntico a ele, não dava sinais de entender o que estava acontecendo.

“Está falando comigo?!”, pausa, durante a qual Jeongguk julgou que Jimin estava respondendo à pergunta com um aceno de cabeça, porque logo em seguida o rapaz disse: “Mas meu nome é Kim Taehyung…”


Notas Finais


- FIM DA PARTE I -

_________________________

SURPRESA!

Esse foi o famigerado capítulo em que eu chorei, mas chorei feio e na cena em que o Hansung e o Jeongguk estão sendo pessoas felizes por aí(?). Vai entender...

Foi uma viagem bem grande, não é? Eu juro que não sei bem o que pensar, então seria pedir demais se vocês pudessem me dizer o que acharam?

Além disso: oh, então é assim que as pessoas sentem ao publicar dois capítulos de uma vez. Feels kinda nice.

Queria deixar aqui meus agradecimentos pelos comentários e pela paciência e dizer que eu amo vocês e que eu li tudo o que me foi escrito e que eu fiquei muito feliz, muito obrigada!! Vou responder todos, vou, sim.

Muito obrigada por terem chegado até aqui também e, hm, até a próxima atualização?


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