- Sente alguma dor?
Encontravam-se na sala principal da sede de Paideia, sentados em cadeiras rústicas em frente à uma mesa de pedra muito branca, onde depositaram alguns medicamentos para tratar os eventuais machucados do evento ocorrido mais cedo. O recinto seguia a tradição intimista e frugal dos jedi, numa versão de cores bem claras, com pouquíssimos móveis e nenhum luxo.
Luke examinava Ben com atenção e limpava seu rosto infantil com um lenço medicinal naquele momento.
- Estou bem, tio Luke. – sorriu Ben – A cabeça só está um pouco dormente. Você é que deveria se cuidar. – fez uma careta de nojo diante da ferida no mestre - Seu rosto está muito queimado. – e pegou um espelho junto com a caixa de lenços medicinais, passando para o adulto ver seu próprio reflexo. – Deve estar doendo.
Skywalker balançou a cabeça, meio surpreso com a queimadura em sua face esquerda, a pele avermelhada, já com formação de bolhas e inchaço. Porém logo o espelho foi retirado de sua mão pelo sobrinho de forma determinada, que começou a aplicar um spray à base de bacta no ferimento do mestre jedi.
- Nem tanto. – descansou sua mão humana no ombro de Ben. - Você me salvou. Agiu como um verdadeiro jedi. Estou agradecido e orgulhoso. – tocou-lhe no peito – Tem um bom coração, meu filho. Preocupa-se com os outros. Sacrifica-se pelos outros.
O semblante do menino se iluminou. Todavia, como todo o garoto de quase nove anos, a emoção o constrangeu. Voltou a aplicar o bacta, o cenho franzido e concentrado na tarefa.
Luke observava seu sobrinho com ternura e preocupação. O garoto era muito maduro para sua idade... até demais. As dificuldades que passara com a obsessão daquele ser maligno (que ainda não fora identificado) haviam acelerado o amadurecimento emocional de Ben. Por vezes, mais se assemelhava a um adulto no corpo de uma criança. E, coincidência ou não, seu porte físico corroborava com tal impressão, pois ele já se mostrava muito mais alto que as outras crianças de sua idade.
O menino estreitou os olhos verdes e mordeu os lábios, vagarosamente parando de aplicar a medicação no jedi à medida que a suspeita de uma ideia ganhava formato em sua mente.
- Seus olhos não foram atingidos. O laser estava muito perto... podia ter ficado cego. Usou o curato salva enquanto estava com os lasers perto de você?
O mestre jedi sorriu, lembrando das aulas que ministrou para os padawans, nas quais Ben se ocultava na Força para assisti-las furtivamente, já que, como um youngling, não lhe era recomendável ainda tais estudos avançados. Curato salva consistia em uma habilidade de cura que alguns jedis desenvolviam, chegando-se a curar ferimentos, minimizar ou anular toxinas na corrente sanguínea, alterar a percepção da dor. Em casos extremos, um jedi devidamente habilitado e treinado envolvia-se no estágio extremo do curato salva, a hibernação de cura, como último recurso para manter sinais vitais até o socorro lhes atender.
- Sim, meu caro youngling.
Ben baixou a cabeça, apreensivo, ignorando o bom humor de seu mestre.
- Usou apenas para proteger os olhos e não no rosto todo. Seus poderes enfraqueceram... – viu o sorriso do tio morrer. Prosseguiu devagar, as conclusões chegando conjuntamente com as palavras – Só percebeu o perigo quando aquela moça gritou. Só conseguiu ser rápido o bastante para salvar meus pais e não você também. – largou o bacta encima da mesa, apertando os lábios – Está fraco porque está me protegendo... Está perdendo seus poderes por minha causa.
Skywalker o encarou. Seu sobrinho era muito tenaz.
- Quando levantei a barreira de proteção em você no ano passado, canalizei parte de minha conexão com a Força para esse fim, como um rio represado para um afluente. Então, não estou perdendo meus poderes; eles apenas estão sendo mais utilizados para sustentar esse campo mental, mas me mantenho na Força.
- Uma outra maneira para falar que está fraco por minha causa. – resmungou o pequeno Solo, balançando a cabeça, inconformado.
Luke se enrijeceu. Ben, em sua simplicidade e sagacidade, havia captado, de certo ponto de vista, a verdade. A Força se fazia presente como uma vibração viva, uma energia pulsante em todos os recantos de seu corpo e alma. No entanto, o jedi a sentia mais lenta nos últimos tempos, como uma onda preguiçosa, um mar tranquilo, sem a vivacidade de antes. Seus reflexos não eram tão mais rápidos, sua percepção e visão não se faziam mais eloquentes como até o ano passado. Não deixara de ser um jedi, mas nem de longe era o que já fora antes.
Não havia como ser diferente. Quando Luke construiu a muralha de proteção, não imaginava a magnificência do poder que assediava Ben. Ao firmar seu sobrinho no campo vibracional de defesa, o jedi passou a sentir o poder daquele ser maligno, esmagador pela fúria por ter sido descoberto e detido; a pressão, o ódio descabido, o Lado Sombrio como uma serpente deslizando na cúpula protetora, procurando incansavelmente uma brecha. A cada deslizar daquela energia sombria, a cada tentativa de corroer a proteção, a cada ímpeto empregado para destruir a barreira, Skywalker sofria o baque em sua alma e corpo, pois chamara a luta para si. Açoitado constantemente por aquele mal cada dia mais forte, mais belicoso, mais voraz, não havia outra saída a não ser direcionar maior corrente da Força para a sustentação da muralha, num constante fluir de seus poderes para essa batalha.
Como o fundador da Nova Ordem Jedi, como um dos responsáveis pela queda do Império, como o filho de Vader, não se encontrar pleno em seus poderes implicava em muitos problemas, com desdobramentos que poderiam ganhar contornos perigosos. Inimigos oportunistas escondiam-se apenas à espera de seus deslizes, sentia isso. A Nova República herdara o ressentimento para com os jedis, rancor esse da época anterior à ascensão de Palpatine ao poder. E sua aversão abraçava uma nova roupagem naqueles dias, com uma polidez ferina, dissimulada e ameaçadora, agravada pela revelação e divulgação da paternidade sombria do atual mestre da Ordem Jedi. Simpatizantes da era imperial lhe nutriam um ódio feroz, tanto pela sua ação na queda do Imperador quanto por ser o filho traidor que derrotara o próprio pai, Darth Vader.
Tornar-se menos poderoso na Força o deixava vulnerável, expunha ao risco as novas gerações de jedis e abria o flanco dos Skywalkers, tanto como indivíduos, tanto quanto representantes de uma nova esperança para melhores tempos na galáxia. Transformava Ben em um alvo para todas as maledicências, fanatismos e violências. E por isso também a criança se mudara para Paideia.
Luke assumira essa jornada solitariamente, pois Leia se recusara a seguir as trilhas da Força. Lamentava sua decisão, embora compreendesse os ideais republicanos e democráticos da irmã e sua premente necessidade de atuação na política, e também soubesse que seu temperamento nem de longe se enquadraria no direcionamento da Ordem, a não ser por uma grande vontade e vocação.
Todos os caminhos de futuros possíveis convergiam para ele, Luke. Olhares vigiavam seus passos, aguardando-lhe um tropeço para imporem seus interesses e mesquinharias. A vida de um Skywalker não lhe pertencia inteiramente. Seus atos e omissões, suas alegrias e iras, suas escolhas possuíam um poder de promover eventos encadeados de grande proporção, podendo beirar à catástrofe. Assim fora com seu pai. Assim o era com ele e Leia. Assim seria com Ben.
E assim seria com quem viria após ele.
Luke piscou duas vezes, voltando de um breve mais intenso mergulhar na Força, trazendo, contudo, nenhuma imagem ou informação mais concreta e sim apenas a forte sensação do inevitável.
Ben estava à sua frente, observando-o e esperando. Conhecia o olhar vidrado de seu tio quando ele era laçado em uma visão ou pressentimento e aprendera a ficar calado e aguardar.
De volta de suas elações, o mestre jedi foi ao fundo dos olhos da criança com uma compaixão tão grande que seu coração se confrangeu: como deixar Ben sem nenhuma proteção...? No momento, configurava-se de um lado todas as suas responsabilidades excepcionais e, do outro, a segurança física e espiritual de Ben. Luke só contava consigo mesmo para amparar o menino quanto aos perigos do Lado Sombrio. E a única forma que se apresentava era aquela: torna-se mais fraco para fortalecer Ben.
Jamais deixaria o menino sem resguardo; não havia nenhuma dúvida nesse tocante. A grande questão se bifurcava em dois pontos: até quando o campo de proteção guardaria Ben da influência maligna? Luke sentia as fissuras surgindo... E, por outro lado, como defender o garoto tanto daquele ser tanto quanto dos inimigos visíveis que não tardariam a chegar, caso percebessem que o grão-mestre jedi se encontrava descoberto?
Não... existia outra maneira de proteger Ben. Muito mais eficiente, porém com um risco imenso: briseadh an anam, a quebra da alma.
- Não tenha medo, tio Luke. Ficarei bem.
O jedi meneou a cabeça e suspirou. O futuro estava sempre em movimento, dizia Yoda. Entretanto, o que viria acompanhava os instantes presentes, consolidando-se a cada segundo do agora, até chegar a um ponto cristalizado no qual se tornava inevitável. Era necessário romper o encadeamento de eventos, a fim de mudar a sombra do futuro que ali se projetava.
O garoto se virou distraidamente para o lado, fora do alcance de Skywalker, e ficou curioso. Fixou o olhar para o canto da sala por um momento e um sorriso tímido e cúmplice enfeitou sua expressão. Luke acompanhou o movimento do pequeno na mesma direção e nada viu além de um longo banco e uma estante encostada na parede com algumas relíquias jedi. Franziu a testa, como se, por um lapso de segundo, tivesse captado algo familiar, muito familiar.
Voltou-se para o sobrinho, perguntando silenciosamente o que estava acontecendo.
- Ali – apontou para o canto da sala, para o banco – A moça de olhos verdes. Eu a vi quando era mais novo. Hoje também, de relance, antes de Chewie me encontrar no arbusto. Lembra que já te contei sobre a moça? Também sonho com ela de vez em quando. Ela está aqui, agora, me olhando.
- Consegue se comunicar com ela?
- Ela não fala nada comigo. – soltou uma pequena risada divertida – Mas acho que ela vê a gente conversando e fica confusa, pois tem momentos que ela fica piscando de forma engraçada.
- Ben, você vê mais alguém com ela?
- Não... – hesitou – Mas parece que tem alguma coisa. Só não consigo enxergar.
- Podem ser fantasmas da Força, embora... – ele também ficou em dúvida – não sei.
Ben abriu um largo e alegre sorriso.
- Não, tio Luke. Ela não é um fantasma.
- Como pode ter tanta certeza? – o jedi também se descontraiu com a vivacidade da criança.
Os olhos verdes escuros de Ben brilharam de uma forma que Luke nunca tinha presenciado, tal a intensidade e luminosidade na Força.
- Porque sei que vou vê-la de verdade. De algum jeito, um dia, eu e ela nos encontraremos.
******************
- Inaceitável! Inaceitável!
Han e Leia adentraram pela porta da sala da sede de Paideia apressadamente e em discussão, não dando a atenção devida ao jedi e ao youngling tal sua concentração na conversa. O casal deu um beijo rápido e distraído na testa do filho e a princesa começou a andar de um lado para o outro, irritada consigo mesma, enquanto seu marido procurava acalmá-la, seguindo-a em seu percurso ansioso dentro do recinto.
- Já verificamos os três atiradores novamente agora. Não possuem nenhum artefato de condicionamento comportamental, escuta ou localizador. Inclusive fizemos essa checagem antes de eles entrarem na Milenium, antes de viajarmos para cá. Tente se acalmar!
- Como não consigo ver nada neles? Não consigo enxergar o que pensam...! Parecem que não reagem à Força! Poderiam ter algum bloqueador ou condicionador que os programaram para nos matar? – cerrou os dentes e balançou a cabeça num tique antigo – Eu falhei. Sentia-me segura em Paideia e relaxei nos procedimentos. Mas não existe lugar seguro. Nem em terreno jedi é permitido descuido.
Luke e Ben se encontravam um pouco mais afastados, ainda sentados perto da mesa branca, assistindo a agitação dos Solos de longe. O menino observava a discussão de seus pais e baixou a cabeça.
- É o jeito deles – contemporizou Luke – Estão muito preocupados com a nossa segurança.
- Meus pais continuam pensando que sou algo ruim, tio Luke. – murmurou, sério – Sempre tiveram medo de mim. Não adianta o que eu faça; acham que vou ficar igual ao meu avô.
Ben se voltou na direção onde se encontrava a moça de olhos verdes, fitando-a significativamente em uma indagação silenciosa, e ela piscou os olhos rapidamente, agitada.
Luke se pôs em pé num rompante e uma onda vibracional oriunda dele atingiu sua irmã e seu cunhado, como um vento eletrificado, fazendo-os se calar, surpresos. Poucas vezes nesses últimos anos Luke se irritou, ficando visível seu aborrecimento em menos ocasiões ainda. Porém, era a primeira vez que sua exasperação se materializava e era dirigida a alguém.
- Por favor. – pediu o jedi, controlando-se, a voz com resquícios de impaciência nos semitons – Foi um dia atribulado e cheio de preocupações. Temos muito a descobrir e a ponderar. Pegarei um chá para todos nós para acalmarmos os ânimos.
Leia acompanhou a saída do irmão para a copa com os olhos, cingindo os lábios, intrigada.
- Não comece a imaginar coisas, Leia. – disse Han, aproximando-se dela e abraçando-a pela cintura – O garoto não é só um jedi; é um homem em primeiro lugar. Não sei como já não nos pegou pelo pescoço durante todos esses anos, pois motivos lhe demos mais do que suficientes para isso.
- Ele está muito só... – sussurrou ela, pensativa. Virou-se para o filho, querendo trocar ideias com ele e viu uma mágoa enorme e justa no verde escuro daqueles olhos. Sua garganta ficou travada. Resolveu falar outra coisa – Não vai acompanhar seu tio para ajudá-lo a trazer o jogo de chá?
- Ele precisa ficar sozinho por um tempo. Tio Luke voltará bem.
Leia se surpreendeu com o tom maduro de seu filho de menos de nove anos. E também lhe ficou claro o nível de intimidade e cumplicidade que tinha com Luke, um tipo de relacionamento que ela queria ter com o filho. Alegrou-se por constatar essa ligação tão íntima, mas sua satisfação foi toldada por uma amargura e ressentimento.
- Ele está solitário há muito tempo. – interpôs Han – Na verdade, nunca vi o garoto com alguém.
- Não era nesse aspecto ao qual eu me referi, mas... – Leia juntou as mãos, reflexiva – talvez fosse bom ele ter alguém. Ele poderia ter um refúgio de suas preocupações e... – seu rosto se suavizou – talvez um pouco de felicidade.
- Bom – Han se sentou ao lado do filho e sorriu-lhe, procurando se aproximar – seu tio baniu as regras de celibato para os jedis. Não tem ninguém aqui que está apaixonada por ele?
Ben levou um empurrão carinhoso do pai e quase perdeu o equilíbrio. Riu da brincadeira de homens, mas era estranho ter isso com o pai, já que a distância entre ambos era tão, tão grande... Todavia, viu o esforço de Han em superar suas próprias dificuldades e tentou parecer natural e responder de acordo.
- Pai, eu sou apenas uma criança!
- Uma criança que já tem um ar meio caído por alguém, vejo isso. Vai, garoto, conte para mim: quem é a menina?
Ben olhou para o canto da sala em especial, onde a moça de seus sonhos arregalou aqueles lindos olhos verdes e o menino ficou corado.
- Pai – disse para Han, imitando inconscientemente os trejeitos de seu tio, falando de modo muito adulto – Posso lhe afirmar que não há ninguém entre os membros de Paideia que me chamou atenção. Quanto ao tio Luke, seria melhor perguntar a ele.
Os pais se entreolharam, impressionados.
Luke adentrou pela sala com uma bandeja, onde havia um jogo de chá elegantemente simples. Seu semblante se achava controlado, mas não sereno.
Skywalker serviu o chá nas canecas, cada qual com uma cor diferente, para todos à mesa, a fumaça saindo dos recipientes, o odor adocicado perfumando o ambiente.
- Agora – chamou a todos com um gesto – Vamos conversar. Será uma longa tarde.
***********************
Ben estava exultante.
No meio dos adultos, sentia-se importante e aceito. Era uma reunião relevante, com assuntos graves na galáxia e ele lá se encontrava, participando como um membro daquele conselho temporário.
Quase não aconteceu dessa forma. Antes de começarem a debater as questões, sua mãe, apreensiva em tê-lo ali naquele momento de avaliação e talvez até de decisão – afinal, era uma criança e um youngling – quase o mandara sair.
- Ben é uma criança... não quero envolver meu filho nesses assuntos. – havia dito ela.
- Ele já está envolvido de qualquer forma. – argumentou Luke seriamente – Além do mais, apesar de ser apenas um menino, teve maturidade e força suficientes para salvar minha vida hoje.
A princesa não se deu por vencida.
- Segundo o regulamento da Academia, ele não poderia participar, pois é apenas um youngling.
- O que será imediatamente corrigido neste momento, pois eu o aceito como meu padawan.
O casal Solo se estarreceu com a notícia e com a postura determinada e seca do mestre jedi. Olharam assustados para Luke. Ele estava irreconhecível.
Ben arregalou os olhos nem tanto pela notícia, mas pela postura de seu mestre. Levantou-se, sentou-se ao lado de seu tio e pousou sua mão na mão humana de Luke, angustiado.
Talvez tenha sido justamente aquela expressão temerosa e o gesto gentil que trouxeram Skywalker novamente à razão. Ele respirou profundamente, os olhos cerrados e, quando voltou a encarar sua família, já era possível perceber o retorno de sua costumeira mansidão.
- Perdoem-me. Não tenho como justificar meu comportamento.
Leia o fitou com preocupação. Os irmãos Skywalkers travaram uma conversa telepática, uma discussão amorosa mas argumentativa. Ela cerrou os dentes, com resistência em aceitar as razões de Luke. No fim, no entanto, as expressões se amenizaram em ambos, o carinho emoldurando-lhes os semblantes.
- Não tem problema, Luke. – Han deu o seu charmoso sorriso torto – A vida não é fácil nem para um jedi.
Luke os olhou com afeto e Leia assumiu a palavra.
- Ben é um Skywalker e deve participar de tudo, como Luke falou. – fez uma referência ao irmão, conformada - E também concordo com a sua designação para padawan, apesar de ser com quatro anos de antecedência. – dirigiu-se ao filho – Então, preste atenção e o que não entender, pergunte, está bem? E se não sentir à vontade com alguma coisa, nos fale.
Ben concordou com um balançar rápido de cabeça.
Então, lá estava ele, já como um padawan e em uma conversa sobre os conflitos da galáxia. E mais feliz ainda, pois a moça de olhos verdes resolvera agora ficar no lugar vazio do banco ao seu lado, como se quisesse protege-lo e apoiá-lo. A vibração dela era como um farfalhar de um arbusto e o menino quase pôde sentir-lhe o perfume de flores silvestres.
O casal Solo expôs a situação demoradamente, pois muitos aspectos e detalhes compunham a conjuntura geral. Luke os escutou com atenção, sem interrompê-los nem por um instante, focado. O menino absorvia o que dito, também buscando, tal como o tio, ordenar mentalmente os assuntos, sentindo ao seu lado que a moça procurava fazer o mesmo.
Ao fim da explanação, todos se serviram de mais uma caneca de chá em silêncio. Luke olhava um pouco para cima, sentindo as oscilações no ar, como se as palavras ditas tremulassem no éter, o significado dos acontecimentos pulsando por detrás delas, tudo interligado em uma teia. Entretanto, sua visão foi imprecisa e cambaleante e, portanto, não confiável. Lamentou internamente não estar pleno em seus poderes para ter um quadro ordenado dos acontecimentos em vários níveis de significação, mas logo afastou de si esse lamurio.
- Pois bem. – iniciou ele, prático – Temos vários fatos .
“Primeiro: a Confederação do Comércio está pressionando vários planetas chaves quanto à circulação de células de combustível e metais próprios para construção de naves e armas. Há suspeita de acúmulo de recursos para um fim bélico.”
“Segundo: o Senado se encontra em um cenário de disputa e tendência centralizadora do poder, ao invés de reparti-lo com os sistemas.”
“Terceiro: as populações de diversos sistemas se encontram insatisfeitas com o processo democrático, cansadas da burocracia e não tomada de decisões e o caos decorrente, lembrando com nostalgia os tempos imperiais. Constam manifestações explícitas pró-império.”
“Quarto: existe uma desconfiança com ressurgimento da Ordem Jedi face ao seu aspecto místico e possível – na visão deles – militância ”.
“Quinto: o comércio escravo tem se intensificado e se organizado, sugerindo que não mais são ações isoladas de grupos individualizados e sim uma rede de tráfico humano, com a tendência ao rapto e sumiço principalmente de crianças. Não há como precisar o número de desaparecidos, o que é um dado preocupante. Embora a queda do Império tenha ocorrido há pouco mais de uma década, não há como definir se a população de vítimas seja só desse período ou esteja em conjunto com os sumidos antes da Batalha de Endor.”
“Sexto: em alguns dos cativeiros encontrados e libertados por vocês, foi constatado um número substancial de pessoas sensíveis à Força sem treinamento.”
“Sétimo: Os três ex-cativos trazidos recentemente para Paideia parecem não ser influenciados pela Força, Não apresentaram, porém, nenhuma demonstração de treinamento na Força ou expressão de algum poder nela.”
Han apoiou as costas na cadeira, fazendo-a balançar ritmicamente para frente e para trás, revirando os olhos, os lábios cingidos.
- Tenho um mau pressentimento. Tirando a questão dos cativeiros, comércio escravo e dos sensitivos da Força agrupados...
- Os bastidores da formação do Império. – rugiu Leia, cerrando os dentes.
- Naquela época foi a criação do exército de clones. Hoje pode ser de escravos. – disse Ben, dando os ombros, como se fosse óbvia a comparação. – ante a surpresa de sua família, ele confessou, constrangido – Tenho estudado a história da formação do Império. É uma das matérias ensinadas aos padawans.
- E como... – iniciou sua mãe, zangada. Balançou a cabeça e resolveu abandonar a reprimenda, irritada e resignada.
- Ben está certo. – ponderou Han, piscando o olho para o filho – Faz todo o sentido.
- Muito embora – Leia descansou os cotovelos na mesa e juntou as mãos – todos os fatos poderiam ter vários tipos de correlações e chegarmos às mais diferentes conclusões, há uma força que une todos os acontecimentos, como se fossem orquestrados. – fitou firmemente o irmão – Eu sinto.
Apesar de não ter sido treinada nos ensinamentos da Força, a princesa possuía uma forte intuição. Aliada à sua experiência política, a afirmação dela soava como uma sentença.
- Partindo dessa premissa, que também concordo, – retomou Luke - inferimos, então, que existe uma articulação para a construção de outro império galáctico. Talvez, infelizmente, com algum remanescente Sith oculto no comando.
Um arrepio lhe subiu pela coluna e um insight iluminou sombriamente sua alma. Ben. Evitou a todo custo olhar para seu sobrinho, para não levantar suspeitas ainda não confirmadas. A força maligna que assediava insistentemente o garoto desde sua tenra idade poderia ser o mesmo vulto escuro que manipulava todos as ondas de eventos das quais falavam... E quanto mais pensava sobre essa hipótese, mais ela se robustecia, uma peça naquele quebra-cabeça sinistro. Que papel aquele ser da escuridão destinava a Ben naqueles planos...? O que ele faria com seu menino? Transformá-lo-ia em um aprendiz sombrio? Um Vader renascido?
Um suor frio lhe molhou as mãos. O Lado Sombrio era traiçoeiro, espreitando e insinuando-se, transvestindo-se de motivos luminosos justificáveis... Acabava-se fazendo o mal trilhando os ditames do bem. E quando as trevas se revelavam sem disfarces à sua vítima, já era tarde demais.
O padawan vigiava discretamente seu mestre, percebendo nele a súbita palidez e a tensão nas mãos. Um tremor na Força com aroma de flores selvagens se tornou mais forte e a criança encarou a moça de olhos verdes ao seu lado.
- Preocupa-me essa junção de prisioneiros sensitivos da Força... – continuou Luke, escondendo sua agonia - e os três agressores de hoje, aparentemente imunes à influência da Força. Existem boatos de experimentos genéticos com a manipulação da Força realizados por um antigo Lord Sith, Darth Plagueis
- Encontramos alguns dados nos holopads destruídos nos cativeiros, inclusive no que recolhemos os três canalhas. – informou Han, ao escutar os grunhidos em seu intercomunicador – Chewie conseguiu recuperar algumas informações e já vem para cá. Pediu para que mostrássemos o que encontramos com os prisioneiros pois parece que têm alguma ligação com os dados encontrados – depositou três pingentes dourados na mesa.
O brilho da joia resplandecia na mão fria de Luke quando ele a pegou. Era o símbolo da Flor de Lis. Uma vibração correu pelo seu corpo, como um presságio e ele ficou atordoado, pois a sensação que pulsava dentro de si era um amálgama de felicidade e dor.
- Eu já vi isso. – exclamou Ben – A moça de cabelos negros, aquela que me ajudou lá no descampado quando eu... – engasgou – Bom, ela tinha essa joia no cordão em seu pescoço.
- Esse é o símbolo da Casa Real de Ren. - Leia se exasperou - Han, como é que você não me mostrou isso? Ela não foi interrogada por você? Luke?
- Eu nem a conheci. – murmurou o jedi, estranhando suas palavras. Era fato ainda não ter visto ainda a moça, mas, ao mesmo tempo, soava como uma inverdade.
- E por que seria? – seu marido gesticulou com as mãos, desculpando-se – Ela ajudou nosso filho, não parecia ser uma ameaça. E eu acabei de mostrar os pingentes, não é?
A princesa pegou abruptamente o intercomunicador, impaciente.
- Chewie, me escute. Traga aquela moça que estava ao lado de Ben. – uma saraivada de urros abafados – Sim, isso mesmo. Aquela. – outros grunhidos mais suaves. – Não me interessa se ela é bonita ou o que quer que seja. Traga ela para cá.
Han se encolheu diante do olhar furiosa de sua mulher.
- Não me encare assim. A garota é... é bonita e Chewie gostou dela.
- Ah, foi Chewie que gostou dela ou foi você? – rosnou ela.
Luke não ouvia mais a discussão de ciúmes do casal e nem mais sentia seu sobrinho o mirando, intrigado. Como um violoncelo tocando em notas baixas, Skywalker sentiu uma expectativa o envolvendo, o coração batendo como um tambor ritmado e pulsante, uma dor no soar de semitons de notas em um piano, uma música dolorosamente linda e quase insuportável abraçando todo o seu ser. Mal conseguia respirar, o tempo suspenso para algo... algo que ele sabia, ele sentia que se aproximava inexoravelmente.
A porta se abriu, a imensa figura de Chewbacca adentrando na sala após se abaixar para não bater a cabeça no umbral. Quando, após uns urros, ele se pôs de lado, Luke pôde ver a moça que o wookie trouxera.
Seu coração falhou em uma batida, morrendo por um momento. Os cabelos negros dela caíam como uma cascata em grandes ondas até à altura de seus seios. Os olhos amendoados eram de um azul claro, circulado por um tom mais escuro nas bordas; mas, ao centro, perto da pupila, uma explosão de um verde com gotas amareladas. A pele era clara, suave e os lábios cheios num tom claro de rosa. O vestido longo e branco, solto, apenas franzido no busto, a deixava mais delicada. As mãos pequenas se apertavam, nervosas.
Uma vermelhidão subiu pelo pescoço de Skywalker. Escondeu suas mãos tensas por debaixo da mesa, cerradas. A mandíbula se tensionou, ele abafando um suspiro.
Luke semicerrou seus olhos por um instante, franzindo a testa, um contorcer dentro de seu espírito. Naquele momento congelado apenas para ele, pôde sentir toda a emoção que o assolava sem piedade; pôde enxergar as implicações de uma decisão já tomada, como se houvesse sido decretada há muito tempo. Não havia como argumentar.
Ele abriu os olhos lentamente e encarou a moça de longos cabelos negros. Ela lhe respondeu o olhar, também emocionada e temerosa.
E Luke aceitou o inevitável.
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