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História De luz e de sombras - Noite escura da alma


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


É inverno no inferno e nevam brasas
Por favor, escondam-se todos em suas casas
Pois o anjo caído voa com novas asas
(Raimundos)


(Capítulo reestruturado em 27/12/2016. Não houve desvirtuamento da história e sim esclarecimentos importantes sobre a transformação de Ben Solo após sua queda, essenciais para capítulos futuros)

Capítulo 11 - Noite escura da alma


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Noite escura da alma

Ele continuava caindo.

Parecia não ter fim sua queda. E os céus não lhe mandaram ventos de açoite. E não havia luz para lhe queimar os olhos. E não existia o azul das alturas para acolhê-lo. O firmamento o engolia em sua imensidão arenosa, onde se afundava, onde se perdia.

O ar em grãos lhe cortava a pele, árido, como arranhões intencionais. Ele sentiu vagamente a dor e o cheiro de sangue. Os céus pareciam esmagá-lo, o pesar em seu peito, empurrando-o ainda mais na sua descida.  Não conseguia respirar. Não queria mais respirar. Só desejava que tudo acabasse, que sua existência se extinguisse naquele momento suspenso, que sua queda encontrasse a paz da escuridão.

Um ruído cortando as alturas da superfície. Um movimento tremulando o céu granulado. Um pequeno grito abafado trazendo de volta um sentimento. Uma voz fazendo seu coração pulsar mais uma vez. 

Volte para mim. Volte por mim.

Uma mão agarrou seu pulso com força.

Como se caísse para o alto, viu-se sendo puxado para cima, rasgando os céus arenosos com dificuldade, os cascalhos ainda tentando detê-lo, deixando suas marcas por seu corpo.  Um arfar lhe chegou como uma brisa. E os braços que o envolveram lhe trouxeram mais uma vez calor e um perfume de flores selvagens.

*****************************

 Fazia frio na noite do deserto, mesmo dentro da pequena gruta. Rey esfregou os braços com as mãos, pois tirara sua sotaina cinza e a depositara encima de Ben, cobrindo-o como uma manta improvisada para aquecê-lo. Fizera também do lenço de sua vestimenta de padawan um tosco e pequeno travesseiro e rasgou parte de sua própria roupa que ganhara de Luke, a fim de ter um pano para limpar-lhe a areia do corpo e os ferimentos vermelhos entre as roupas rasgadas.

 A noite estava muito escura e as poucas estrelas vigilantes emprestavam parca luminosidade, principalmente para o interior da caverna. Um silêncio absoluto reinava ali, como se o tempo não existisse.

 O vulto de Ben não se mexia, o corpo desfalecido deitado perto de uma parede da gruta, a cabeça caída para o lado, os braços em abandono no chão de areia. Ela agora o mirava de longe, sentada a cerca de uns dois metros dele, observando-o, entre o espanto de ela ali se encontrar e de ele ali viver. Um mundo estranho, um reino perdido entre a ilusão do real e a concretude do inimaginável com um príncipe igualmente estranho a governar aquelas terras, vivendo uma vida sem precedentes.

 Como... como era possível passar dia após dia ali? Não, não havia como ver o passar do dia ou da noite. Não se podia medir o tempo. Era existir em um instante contínuo... uma pequena eternidade congelada.

  Enlouquecedor.

  Balançou a cabeça, procurando não pensar naquilo. Não tinha ideia de como Ben suportava ali permanecer.

 As sombras se adensavam e ela resolveu, então, ligar o sabre de luz que encontrara nos escombros do castelo destruído para  clarear o ambiente e talvez aquecê-lo um pouco.  Qual não foi sua surpresa por ele funcionar e lâmina cortar o ar, flamejante, em tons roxos, um calor de um fogo noturno.

  O sabre original de Ben.

  Arrumou pedras menores para servir anteparo para a empunhadura e depositou o sabre ligado ali, como uma lanterna, tendo o cuidado de deixar bem perto da parede, do lado oposto de onde Ben se encontrava, mesmo que a iluminação não ficasse a ideal. Podia ser um mundo de sonhos, porém os machucados em Ben sangravam e as próprias mãos dela se encontravam laceradas pela areia e pelo esforço de desenterrá-lo e puxá-lo das ruínas de areia até a caverna. 

 Não, não era o sabre original. Nada ali era real. Passou a mão pela rocha ao seu lado que a textura se assemelhava a de uma pedra, porém com era possível perceber que a densidade era diferente. Contudo, se não tivesse analisado com atenção, provavelmente não teria reparado a distinção. Se não soubesse que se achava em um universo mental, dificilmente descobriria que tudo não passava de uma miragem.

 Olhou ao redor. Sim, tudo uma criação plasmática mental. Luke já lhe dissertara sobre tais formações e até demonstrara quando a trouxe para os arredores de sua mente em uma de suas aulas para ela. Por mais que seu mestre lhe desse as explicações lógicas de como existir um mundo palpável dentro da mente, se fazia estarrecedor ali tocar e sentir algo que, na verdade, não existia por si. E mais surpreendente ainda pensar na edificação de um deserto, de um mundo, com todos os detalhes, as minúcias, o cuidado e esmero em criar um lugar o mais próximo do real. Originar uma criação plasmática daquela magnitude e precisão demandava um nível de conhecimento e poder incríveis, bem como uma força e controle excepcionais para mantê-lo.

 Um controle que falhara de alguma maneira e deixara em ruínas um castelo de areia e seu criador soterrado abaixo dele.

 Achava-se em Paideia com Luke quando foi abraçada por uma dor profunda, sentindo-se desvanecer, o mestre jedi procurando segurá-la ao seu lado e acabando por se diluir em seus braços. Arrebatada quase que instantaneamente para aquele mundo, para aquelas ruínas, viu-se naquele deserto sem nada compreender, até sentir uma força vital fraca, mas familiar a chamando através dos destroços arenosos. Sem refletir, seguindo apenas o chamado, pôs-se a escavar dentre os escombros do palácio com afinco, usando as próprias mãos, até encontrar Ben desfalecido e submerso naquele mar acastanhado. 

 Não sabia, no entanto, se fora arrebatada ou se ela mesma, em um reflexo, lançara-se para lá. Ou até ambas as alternativas trabalhando em conjunto. Sua ligação com Ben criança havia se estreitado de tal forma que ele a percebia e desejava interagir totalmente com ela. Talvez essa aproximação tenha tido repercussão no futuro... ou sempre houvera entre eles e só agora, quem sabe, ela começava a despertar e se tornar acessível.

  Ali se encontrava o refúgio de Ben, sua casa e reino... dentro do império  de Kylo. Engoliu em seco. Estava também da mente de Kylo, em um esconderijo ainda não invadido,  pertencente ao domínio de Ren. Bastava ultrapassar as fronteiras para invadir o território de seu inimigo, andar por seus pensamentos, desejos e horrores. Arrepiou-se só em levantar imagens do que poderia encontrar.  Tentador... e perigoso.

   Expirou profundamente e suas mãos foram automaticamente para os bolsos e pegou umas ligas de cabelo para fazer seu penteado costumeiro. Sentia-se mais ela mesma assim em vez de deixar os cabelos soltos, como Luke pedira e ela atendera. E somente nesse momento, apenas nesse momento, olhou com toda atenção para Ben.

   Evitara-o logo de início esse contato maior. Resgatara-o das dunas e dera-lhe um abrigo, limpando-lhe as feridas, sem, no entanto, permitir-se aproximar-se emocionalmente dele, como se cuidasse de um desconhecido por empatia e obrigação.  Tinha medo. Era uma contradição de emoções ainda não conhecidas, outras já familiares e pressentimentos ocultos. Afeiçoara-se ao Ben criança e com profunda compaixão, para logo depois a sombra turvar parcialmente esse sentimento quando soube que ele, Ben matara sua mãe, e ainda sendo um menino. Ou um acidente, ou Kylo já agindo ou outras milhões de razões possíveis; não importava. O que se construíra lentamente agora trincava-se... até, pelo menos, saber o que acontecera.

 Chegou mais perto de Ben, as luzes arroxeadas iluminando seu semblante. Ele não era mais o adolescente da visão que ela tivera lá no depósito, da ilha. Era um homem de vinte oito ou trinta anos, o rosto muito pálido e livre da grande cicatriz de batalha. Duas rugas já se faziam presentes entre os cenhos, como se ele pensasse demais ou sofresse demais. Os cílios eram muito espessos, o que sombreava seu olhar verde, fato esse ela constatara mais de uma vez na vida real. Havia um pequeno tremor no canto de sua boca, indicando um estado permanente de tensão. Os cabelos negros e vastos insistiam em cair-lhe nos olhos, como em sua infância.

  Isso era perturbador. Algumas dessas características ela já vislumbrara na vida real no rosto de Kylo. Talvez em alguma ocasião Ben estivesse , mas ela não tinha ciência na época para poder identificar, só ficando com a sensação estranha de uma mansidão e desolação na face de seu algoz em alguns momentos. Suas roupas não eram de um jedi – o que a intrigou. Se ele não plasmou tal vestimenta, significava que não mais se identificava com ser um jedi...? Sua roupa não era negra, mas de um azul tão escuro que podia ser confundido com a escuridão: calça e camisa simples e um par de botas de cano longo.

 Franziu a testa e soltou um profundo suspiro. Era a primeira vez que realmente via Ben... não mais em um momento do arquivo temporal de lembranças em sua vida de menino ou em segundos fugazes nos olhos contornados pela cicatriz de Kylo Ren e sim ele, apenas ele. Apesar das mesmas feições conhecidas no rosto do Cavaleiro de Ren, era alguém totalmente diferente. Havia ali no semblante dele uma mansidão, lembrando a de Luke, porém magoada, arranhada. Muita dor gravada em seus traços jovens, acompanhada por uma coragem e força impressionantes. O medo também ali fizera morada nos lábios contritos, mas um medo dirigido a si mesmo, como se sempre se contivesse por algum motivo. Como Luke, Ben carregava todo o peso de uma grande responsabilidade e não se eximira dela; suportava sua decisão e todas as consequências sozinho. Uma vida solitária em um deserto dentro de si mesmo.

 Era estranhamente comovente e ela não tinha ideia como reagir a tudo aquilo.

 Inclinou-se sobre ele, percorrendo seu olhar nos traços dele detidamente e sem pressa. O receio que antes a constrangia se diluía a cada instante, enquanto a familiaridade daquele semblante se fincava, algumas imagens de seu próprio passado piscando, um tempo no qual ela e ele sorriam um para o outro sem temor, a confiança no se dar as mãos, a alegria de simplesmente estarem um ao lado do outro.

  Houvera uma vida para eles um dia.

 Ele se mexeu, gemendo. Lentamente abriu os olhos e deparou-se com Rey encarando-o, um pequeno sorriso triste. Permitiu-se o silêncio, fitando profundamente aqueles olhos verdes claros que sempre o enterneceram desde que ela era um bebê e depois uma criança alegre e carinhosa. Entretanto, aqueles mesmos olhos agora pertenciam a uma jovem mulher da qual ele não acompanhara os anos finais da infância, o período da adolescência e a entrada na juventude. Muito foi o que ela passou sozinha em Jakku, sem memória, sem amigos, sem amparo. Havia muita raiva ali, naquele piscar rápido de olhos, muita mágoa e confusão, guardadas sob as areias do planeta deserto e solitário.

 No entanto, ela ainda ali se encontrava naquele pequeno sorriso triste; conhecia sua essência, sua beleza, mesmo toldada por todos os acontecimentos e ressentimentos. Ele sabia quem ela era, mesmo que Rey duvidasse de si mesma, emaranhada no esquecimento e na avalanche dos novos fatos que traziam estilhaços de passado. Não poderia auxiliá-la nessa situação. As lembranças retornariam a ela, de uma forma ou outra; contudo seria ela quem avaliaria a si mesma, redescobrindo-se, equilibrando-se, retornando ao seu âmago, não mais igual e sim amadurecida, forjada e plena, aperfeiçoada em si mesma.

 Ben também soltou um profundo suspiro ao lembrar onde se encontrava e como ali chegara. Tudo ruíra. Todos os seus planos, o caminho do futuro possível que abraçara, tudo esfarelado em suas mãos. Kylo sabia de sua existência, mas provavelmente não possuía consciência de toda a situação, de quem ele, Kylo Ren, era realmente. Não vira ainda a verdade... Caçava algo que ele talvez acreditasse que fosse uma parte luminosa teimosa que adquirira vontade própria, um espectro de seu antigo eu que ainda insistia na luz. Todavia, cresse no que fosse, Kylo não desistiria de buscar esse resto de luminosidade para destruir.

 Virou o rosto para a parede, a mandíbula tensa, a testa franzida, a luz arroxeada do sabre a lhe sombrear a expressão.  Mais do que estratagemas e previsões destruídas... ao perder o controle, ao dar morte misericordiosa de forma brutal para aquelas mulheres, ele percebeu uma terrível verdade, uma verdade que já se deparara em seus anos de adolescência e que, no entanto, se recusara a admitir e a fazer: não havia como agir plenamente na luz sem beirar o fracasso. Não existia uma forma de ele enfrentar as trevas com sucesso apenas com a luminosidade. Sempre os princípios luminosos o deteriam naquele ponto de limite, no fio da navalha, naquele ponto crucial onde se temia imergir na escuridão... deixando de fazer o que que deveria ser feito por temor de se perder no Lado Sombrio. 

Não seria, portanto, um ato egoísta? Deter-se para se salvar e permitir que o desastre ocorresse para salvar sua alma?  Que muitas vidas se fossem para salvar a si mesmo? Isso não contrariaria a própria luz, um paradoxo bizarro?

Ah, havia a grande questão de acabar por ser perder nas sombras... e, nesse momento, os objetivos luminosos de esvaírem e se distorcerem em tal grau que se escureceriam. Perder a si mesmo e perder a meta inicial. Realmente... o mais horripilante  momento que um jedi temia: perder tudo. Luke enfrentara esse segundo sombrio na luta com Vader e renegara as trevas ao perceber que se tornaria o próprio pai caso cedesse. Entretanto, ao recusar-se a prosseguir no caminho, entregara-se à morte nas mãos do Imperador e lá ele perderia...! O que o salvara fora a redenção de Anakin e também a tropa rebelde em destruir a Estrela da Morte. Caso Vader não tivesse se rendido ao amor do filho, a explosão da Estrela da Morte acabaria com todo o dilema. 

Então... necessariamente não fora o ato de abnegação de Luke que vencera as trevas em termos gerais, em termos da repercussão na galáxia e nas bilhões de vidas envolvidas. O ato do mestre acabara por tocar seu pai, que culminou na morte do Imperador, sim... Porém, se Vader tivesse se mantido firme, se não tivesse se redimido, a responsabilidade do fim do Império pertenceria à Frota Rebelde, às armas. 

Arriscado. Luke havia arriscado demais. Havia encostado no precipício e sem grandes chances de vitória. Ele tinha vencido a si mesmo, sua escuridão, com certeza. Entretanto, mesmo com essa vitória pessoal, não implicaria com toda a certeza no sucesso total e para todos. 

O limiar. Andar na corda bamba, no limite... Seria possível usar as trevas em nome da luz sem imergir na escuridão? Ser cruel o bastante para fazer o que deveria ser feito sem afundar-se totalmente nas sombras...? Ben poderia ter salvo muitas vidas na sua adolescência se tivesse... se tivesse...se tivesse sacrificado algumas vidas. Mas, não. Não cruzara o limite e todos haviam morrido. Todos.

Eis toda a questão, no fim. O que levava os jedis a temerem tanto o Lado Sombrio era o medo do descontrole... e mais: de não admitir que as trevas podiam servir a luz, enquanto quem as usasse assumisse seus atos sem disfarces, sem remorsos, com foco constante em seu objetivo maior. A plena aceitação de sua escolha, sem temor, o impediria de se afogar no Lado Sombrio? Abraçar os atos que cometeria sem recuos, com plena consciência. Sacrificar a desejada pureza luminosa em prol dos outros. Sacrificar a si mesmo.

Seria capaz de ser tão cruel para ser bom?

*****************************************

  Reuniu forças e sentou-se, entre caretas de dor, encostado na parede da caverna. Por um instante ficou a mirar  a abertura da gruta, a noite escura, quase sem luz de estrelas. Seu rosto se enrijeceu, tenso, algumas veias no pescoço saltaram e os cílios lhe sombrearam o olhar. As ideias assentavam em sua alma vagarosamente, camada por camada, acomodando-se, solidificando-se. Uma rigidez crescia no interior do seu peito.

   Rey o olhou durante todo aquele tempo, vendo seu rosto assumir uma expressão sombria gradualmente. Não era a maldade em si, mas uma determinação assustadora...  e ela involuntariamente prendeu a respiração

    Ben voltou se rosto para ela, a expressão fechada.

    - Não devia estar aqui.- encarou a moça duramente – Kylo está lá fora, à minha procura. Em algum momento ele descobrirá meu deserto.

    Rey enrijeceu-se. Suas ações se tornaram lentas e refletidas, em vez do impulso de fúria que passou a assolá-la desde que chegou na ilha. Havia um perigo ali na face de Ben, inesperadamente algo assustador que ela nunca havia visto antes. Em Kylo, rigidez era pintada por um mal; em Ben, havia uma certeza quase que mortal. Contudo... um indício de mansidão ferida ainda brilhava em seus olhos, como a que lutar para se manter viva. 

      - Vou enfrentá-lo. – disse a verdade, procurando também tocar Ben de alguma forma. Estou perdendo-o.

       Repentinamente, um pequeno sorriso irônico repuxou os lábios de Ben, as sobrancelhas levantadas.

       - Você, enfrentá-lo? O que Luke está fazendo com você? Iludindo-a?

       Ela estreitou os olhos verdes, mas não de raiva. Avaliava-o sem revidar a grosseria, com cuidado.... muito cuidado. Ele está ali, tem que estar.

       - Ele está me treinando. – disse pausadamente – Estou sendo treinada para libertar você.

       Ben balançou a cabeça, ainda o sorriso sardônico a lhe rasgar as faces. Fez um grande esforço para ficar de pé. Tonto, apoiou-se com a mão nas rochas da parede. O sorriso morreu e ele ficou a olhar para o vazio. Aquela dureza se esmaecera momentaneamente diante das lembranças.

       - Luke é um tolo. – as palavras saíram pesadas e desgostosas – Sempre foi um tolo.

       Rey, ainda sentada, olhou para Ben, estarrecida.

       - Um mestre jedi, um tolo?

    Ele se aproximou alguns passos dela e seu tamanho descomunal a envolveu em uma sombra tonalizada pela luz arroxeada do sabre. Involuntariamente, Rey se encolheu, como se estivesse presa naquela sombra. Ele se agigantara de alguma maneira...  Olhava-a de cima e ela lhe pareceu muito pequena. Curvou ligeiramente os ombros e sua sombra encorpou-se sobre a moça.

       - Ele sempre soube o que eu era. – sua voz se tornou muito baixa e grave -  Devia ter me matado desde o início.

       A filha de Skywalker sentiu um vento gelado vir da abertura da caverna, da noite escura.

   Levantou-se vagarosamente, sem tirar os olhos dos olhos de Ben. Uma seriedade desceu seu manto sobre quaisquer explosões temperamentais que pudessem lhe roubar o equilíbrio. Um instinto de sobrevivência cultivado em Jakku a colocou em rédeas curtas, como se estivesse lidando com um animal feroz nas dunas. A coragem pela sobrevivência ressurgiu e  fitou-o, procurando não dar asas a um resquício de temor,. Havia cautela em seu espírito. Calma. Não se esqueça que é Ben que está à sua frente. Não tenha medo.

      Mesmo a moça ficando de pé, ele era muito, muito alto e teve que manter seu queixo levantado não como desafio, mas numa expressão de dignidade.

        - Ele ama você. – falou em tom baixo mas claro, como que a lidar com uma fera.

        O tremor no canto do lábio e um franzir no cenho. Por um momento, Ben estremeceu e esmoreceu.

        - E é a grande falha dele. – as mãos se fecharam em punhos, a rigidez brigando com a emoção – Sempre a falha dele, o amor. A compaixão. Ele se deixa cegar pelo amor. - baixou mais ainda o tom da voz -  Ele não quis ver o que eu era... não quis ver o que sua mãe era. E por isso eu tive que matá-la.

            Rey empalideceu, as palavras como um tapa na sua face. Não quis ver o que sua mãe era. E por isso eu tive que matá-la. Uma ira nasceu em suas entranhas e começou a subi-lhe pela garganta. Ela cerrou os dentes com força, detendo a fúria, obrigando-a a descer novamente, a se diluir em seu sangue. Ele está me provocando para me distrair. Calma. Calma. Existia muito mais ali, algo estranho, um amálgama de dor, culpa e algo a mais. Algo muito grave estava acontecendo com ele e ela precisava manter a tranquilidade para entender o que ocorria e saber agir.

            Ela abriu as palmas das mãos, alisando-as em suas coxas, tomando tempo para se manter serena, sem deixar um segundo de fitá-lo.

            - Não há nada de Vader em você. - seria esse o grande medo dele? Não, não era...

            Ben balançou a cabeça, procurando conter uma ira e uma desolação dirigidas a ele mesmo. Baixou o rosto, cingindo fortemente os lábios. Então, de repente, a agarrou pelo pulso com força. Os olhos estavam escuros, muito escuros. 

            - Você acha que eu tive medo de ter algo de Vader? – a voz era gutural – Eu já tenho a mim mesmo! Sempre fui eu... Meus pais tinham medo de mim e estavam certos, mas pelo motivo errado. – pegou-a pelo outro punho, segurando-a com força –  Que ideia faz de mim? Acha que me conhece realmente? De onde acredita que vem Kylo Ren ?  Kylo vem de mim, tirou tudo que ele é de mim!  Ele vem do meu Lado Sombrio. Eu é que sou o monstro. Se eu não tivesse criado Kylo, eu poderia ser Kylo.

            Rey estava petrificada. Seus pulsos eram esmagados pelas mãos enormes de Ben, todavia ela nada fez para detê-lo. Não iria lutar com Ben. Não, não podia lutar com Ben!

  Ele a trouxe para perto de si, suas mãos esmagando os pulsos dela. Teria força suficiente para ser cruel com Rey? Falara para ela agora a sua grande verdade, seu segredo que guardava até de si mesmo por ser terrível e ela não reagira mal. Por que não ficou com medo ou com ódio? Seria tão mais fácil afastá-la de si se ela ao menos o odiasse... Poderia escapar da possibilidade de ser cruel com ela se Rey sumisse de suas vistas.

Entretanto... as ideias foram se ajustando em sua mente, possibilidades de futuro se formando, ainda enevoadas, trilhas de futuros possíveis para derrotar Snoke e Kylo...  existia chance de vencê-los se ele fosse cruel, se ele usasse o Lado Sombrio como mão de ferro através da crueldade. E isso implicaria em ser cruel com ela!

Seu rosto estava muito perto do dela. A possibilidade de expô-la ao perigo fez seus lábios estremecerem. Teria coragem o suficiente para isso? Teria força suficiente para isso?

 Os olhos dele correram pela boca dela e houve um pequeno momento onde ele suavizou o olhar... seu coração ponderou, as batidas ficaram mais lentas. Flores silvestres. O perfume. Ben semicerrou os olhos, a emoção ameaçando subir-lhe pela garganta e ele se contorceu por dentro, lutando consigo mesmo.

 Soltou-a abruptamente. 

 - Luke sabia... sempre soube mas não quis enxergar. - prosseguiu, implacável, invocando sua força de vontade e soldando sua decisão -  O amor dele por mim o cegou e eu tive que escolher. Kylo não foi um acidente. Não foi porque eu não o aguentava mais dentro de mim. Eu o criei de propósito para me salvar do Lado Sombrio em mim. Entende isso? Entende o que ceder aos sentimentos acarreta? Entende isso agora? Entende o que é ficar refém de um sentimento e deixar de fazer o que deve ser feito? Entende que Luke não devia ter me poupado? Que, se ele tivesse feito o que era para ser feito, nada disso estaria ocorrendo?

     Deu-lhe as costas. Seu vulto escuro se mesclou com a escuridão da noite.

 Rey estava estática, os pulsos roxos e latejando de dor, enquanto observava Ben na escuridão, como se às sombras se incorporasse voluntariamente, conscientemente. Uma dor atingiu a moça no peito de tal forma que sua vista se turvou e ela fez um esforço enorme para não cair. 

            - Ben, não faça isso! Não faça isso!

          Mesmo cambaleante, correu em sua direção e, antes que o tocasse, ele se virou para ela.  Rey estancou, pálida. O semblante dele estava muito escuro.  Ben caminhou até ela, parecendo se transformar. Ele estava muito sombrio, o olhar determinado, a decisão tomada. Pegou-a pelo braço e a arrastou para fora da caverna, para a noite escura, ela quase tropeçando ao tentar acompanhar seus passos largos e rápidos.

            Eles se dirigiram até os escombros do castelo de areia, onde ela cavara um grande buraco à procura dele, Ben. Pararam em frente à depressão e, a um olhar de Ben, a fissura se abriu mais, formando um grande poço sem fundo.

            Ele a segurou fortemente, obrigando-a a olhar para ele. Desejava que ela entendesse realmente o que acontecia, que ficasse marcado na mente dela, que não houvesse nenhuma dúvida do que ele seria capaz de fazer daquele momento em diante.

            - A única forma de eu impedir Kylo é sendo finalmente o que sou e tanto evitei ser. E não cometerei o mesmo erro de Luke. – apertou mais ainda o pulso dela – Não me deixarei cegar pelo o que sinto por você. Não deixarei de fazer o que deve ser feito.

            Rey o encarou firmemente, apesar da dor. Não podia acreditar! Não era possível que ele...

            - Você vai me matar?

            Os olhos dele escureceram como a noite.

            - Se preciso for.

            E empurrou-a no poço sem fundo.


Notas Finais


A expressão "mar acastanhado" é de autoria de André (Zephirat), escritor de A Criação da Luz. Gentilmente ele me permitiu usar suas palavras na minha história em mais de um capítulo.

Apaguei o antigo capítulo 11 porque destoava da história. Aqui está o capítulo que realmente eu queria escrever.

Fiz alguns ajustes para procurar deixar claro que Kylo Ren se originou do Lado Sombrio de Ben Solo.

Pretendo explicar , sob a ótica de Luke para Rey, o que aconteceu com Ben nessa cena no capítulo 11.

Sei que houve alguma comoção da parte de alguns leitores sobre este capítulo em específico e de capítulos anteriores também. Gostaria de explicar que Ben continua no Lado Luminoso e que tudo faz parte do enredo da história.


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