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História De luz e de sombras - Sob os desígnios da Força


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


- Você acha que um homem pode mudar seu destino?

- Eu acho que um homem faz o que pode...até que seu destino lhe seja revelado.

O Último Samurai

Capítulo 12 - Sob os desígnios da Força


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Sob os desígnios da Força

Faíscas saltaram quando os sabres se cruzaram, iluminando aquele fim de tarde à beira do precipício na ilha com chispas azuis e verdes.

            Rey pressionou o sabre verde que empunhava contra o sabre azul que Luke manejava. O azul claro da lâmina encontrou reflexo nos seus olhos verdes.

            - Makashi!

            À palavra de comando do mestre jedi, a padawan assumiu a postura de combate, um pé à frente do outro, ambos firmes na dança, avançando e recuando diante dos movimentos ritmados de Luke com o sabre, seguindo os passos-estágios de Makashi.

            Seu próprio sabre de dupla empunhadura não estava totalmente pronto. A inserção do cristal roxo em consonância com todo o aparato já construído deveria ser feito através do uso da Força, em um arremato de meditação e concentração realizados por mestre e aprendiz. Então foi-lhe dado para uso temporário o sabre de luz verde, o qual carregava toda as dúvidas, incertezas e dores do aprendizado de Luke após o fracasso em Bespin. Rey não queria o sabre de seu pai, porém não teve como rejeitá-lo. E, por fim, acabou encarando a situação como mais um teste de padawan.

            O jedi desligou a lâmina.

            - Você está distraída.

            Ela nada respondeu, apenas fitando-o seriamente. Aguardou alguns segundos antes de desligar o seu sabre de luz. Sua mente se fixara naquele poço sem fundo que Ben a jogara, caindo nele já inconsciente, para acordar nos braços de Luke na casa em  Ahch-To.

            - Foi a saída plasmada por Ben para tirá-la da mente dele e devolvê-la para esta realidade. – disse Skywalker, captando-lhe os pensamentos – Você está me permitindo lê-la facilmente e ainda baixou a guarda.

            Numa rapidez impressionante, o sabre azul brilhava perto da garganta dela, mal lhe dando tempo para ligar sua espada de luz e aparar o golpe. Os sabres se tocavam no formato em cruz, faíscas de um azul esverdeado chiando. O mestre pressionava com força sua lâmina na dela e a moça se viu dobrando as pernas para tentar aguentar aquele poder.

            - Não consegue segurar o sabre? – retornou Luke sem meias palavras em meio ao zunido dos sabres cruzados – Seus pulsos estão doendo? Acha que sua mão está quebrada? Isso é ilusão de sua mente.  Saia dessa falsa ideia ou você viverá sempre na mente dele.

            Ela se deslocou rapidamente para a direita, os olhos bem abertos, saindo do encaixe entre os sabres, o mestre perdendo momentaneamente o equilíbrio. Rey aproveitou para golpeá-lo nas costas indefesas; todavia, Skywalker foi mais rápido, virando o dorso num movimento logicamente impossível para um mortal mas executado perfeitamente por um jedi. Com um golpe na lâmina verde, fez o sabre dela voar para longe.

            - Seria ilusão morrer lá? – argumentou a padawan, ofegante pelo exercício e tensão, enquanto seu mestre respirava sem sobressaltos.

            Sem esperar a resposta, Rey deu impulso para o alto, dando cambalhotas no ar, utilizando a forma de luta Ataru, enquanto chamava o sabre para sua mão no meio da acrobacia. O sabre voou em sua direção ligando-se antes de descansar em sua mão e ela pousar atrás de seu pai para emboscá-lo. Entretanto, o jedi já dera um rodopio, posicionando-se em frente a ela, sua lâmina azul já a esperando em seu pescoço quando sua aprendiz pôs os pés no chão.

            Rey arfava, a luz anil a iluminar seu rosto de cima para baixo, um pequeno sorriso de satisfação a pressionar-lhe a covinha na face. Luke a encarava com aprovação, pois sentia em seu próprio flanco o calor do sabre verde a ponto de atingi-lo.

            Os dois desligaram suas armas de luz.

            - Sim, uma ilusão. – respondeu ele – Contudo, sua mente acreditaria tanto nessa miragem que se imaginaria morta. Ficaria presa no mundo mental dele e seu corpo no mundo real abandonado. Com o tempo, seu físico desistiria sem uma mente ativa a comandá-lo e a uma alma a animá-lo.

            Rey elevou a cabeça, percebendo o brilho de algumas estrelas nascendo naquele no meio da tarde tão tranquilo em Ahch-To. Alisou os pulsos, sentindo os hematomas que não estavam em sua pele e a dor dos ossos quebrados , mas inteiros aqui. Um abismo temporal e de lógica separavam o ontem e o hoje de maneira tão contundente que ela se surpreendeu. No dia anterior, viajaram nos arquivos akáshicos de anos passados da história dos Skywalkers, passando horas incontáveis naquela época que se foi e que se fazia tão presente... e depois ela naquele tempo sem fim no deserto de Ben. E, no entanto, quando retornou à realidade física, ainda era a mesma manhã de quando haviam iniciado sua jornada.

            Uma viagem no hiperespaço percorria distâncias incalculáveis em um período exímio, lembrou. Poderia se firmar uma analogia aí, alguma semelhança... assim, ela não se sentiria tão perdida naquele admirável mundo estranho que adentrara.

            O encontro com Ben ainda a dessossegava. A imagem que possuía dele era de uma criança aterrorizada por ser assediado por um poder maligno e depois um menino valente, sério, tentando, contudo, viver alguma infância em sua vida estranha com a sombra de um ser maléfico e um potencial escuro de seu próprio Lado Sombrio. E o que encontrara no deserto de sua alma foi um homem no extremo de suas forças face a uma existência terrível e inimaginável, que não enxergava nada a mais a não ser fazer algo horrível para evitar uma situação sinistra.

            Tornar-se cruel o bastante para fazer o que tinha que ser feito. Usar o Lado Sombrio para lutar contra o Lado Sombrio.

Um paradoxo aterrorizador.

Pegou uma toalha que se achava no gramado a poucos metros com outros utensílios para o treino, enxugando-se do suor que o exercício provocara e aquecendo-se dos calafrios que os pensamentos invocavam. Apertou a toalha com força, ainda sentindo a dor e o desespero dele... com ele, por ele.

- Vamos caminhar um pouco. – convidou Luke, surgindo ao seu lado e a conduzindo para as colinas verdes à frente, longe do precipício.

A paisagem à frente trazia um pequeno bosque, iluminado pelas cores quentes e acolhedoras de um entardecer. Tudo muito tranquilo... até demais, para o gosto de Rey, sempre desconfiada. Ela estava preocupada e muito pensativa, haja vista a todos os acontecimentos, porém serena. Ou talvez ainda em choque, pensou. Mas verdade seja dita: dormira mais de vinte e quatro horas após seu retorno ao mundo real na ilha – se por cansaço ou se por indução mental de Luke, não tinha como precisar. E os exercícios de luta de sabre, com as formas de combate conhecidas lhe trouxe um bem-estar físico.

Embrenharam-se na pequena floresta densa. O cheiro das árvores, a terra úmida, o frescor... tudo parecia casar para relaxá-la mais ainda. Rey teve a impressão que o mestre jedi orquestrara tudo, desde seu sono tão profundo até o perfume do verdes e o crepitar das folhas secas ao chão quando pisadas. Poderia ser uma percepção ou o hábito já arraigado de implicar com Luke.

- Está sentindo, não? – o jedi fechou os olhos, inspirando os odores – Este é um lugar poderoso na Força.

Ela também cerrou os olhos, a vibração constante em seu corpo, a dormência ficando mais intensa, a sensação de estar mais viva.

- Sim... o Lado Luminoso.

- Não apenas o Lado Luminoso. O Lado Sombrio aqui também se faz presente, pois ele é um aspecto perceptível da Força. Em todas as criaturas, de todos os reinos, da molécula à galáxia, todos se encontram imersos na Força em seus dois pólos.

- Então o que faz daqui um lugar poderoso?

- Venha comigo. – disse, pegando-a pela mão.

Rey sentiu mais uma vez o calor da mão humana de seu pai na sua, a calosidade dos anos e uma certa aspereza na pele, como se suas mãos carregassem um pouco de areia nos poros. Essa aridez não a incomodou.

Caminharam mais alguns minutos, os raios laranjas e róseos do entardecer passando pelas parcas frestas das folhas, iluminando brandamente o bosque em uma direção específica, como uma trilha de luz para o lugar desejado. Tudo tão calmo, tão irreal... que Rey suspeitou, por momentos, que ainda se encontrava sonhando ou presa em uma construção mental.

Alcançaram uma pequena clareira, onde uma enorme árvore se localizara de uma forma centrada, acompanhada por outras árvores menores, como se essas lhe fizessem a corte e Rey perdeu a respiração tamanha a magnificência da árvore central.

Aproximou-se da árvore, hipnotizada. Era enorme... a cor de suas folhas era de um verde sem precedentes e a harmonia dos galhos para compor a cúpula era artisticamente surpreendente. Ela tocou no tronco e encontrou ecos da Força vibrando conjuntamente, acelerando a energia em seu sangue como se fosse a seiva da planta.

Continuou a passar a mão no corpo da árvore e, qual não foi a surpresa!, ao encontrar nós da madeira já apodrecidos ao lado de linhas magistrais de elegância; entranhas na madeira carcomidos convivendo com flores espetaculares; vermes próprios do reino vegetal que deixavam um rastro de gosma que formava desenhos impressionantes da madeira; musgos que sugavam suas raízes e que, ao mesmo tempo, traziam mais umidade para cogumelos venenosos e coloridos enfeitarem o contorno da árvore.

Rey deu alguns passos para trás a fim de visualizar a árvore como um todo: esplêndida na harmonia de suas qualidades e defeitos, equilibrada, viva, poderosa, infinita na sua finitude, bela em sua feiúra, vida e morte entrelaçadas em cada nascer de broto e no cair de uma folha seca. Perfeita em sua imperfeição.

A moça baixou a cabeça diante da grandeza em cada humilde detalhe e a humildade da imponência.

Voltou-se para Skywalker e descobriu que ele não havia tirado os olhos dela, como se a estivesse apreciando com delicadeza. Como se a amasse. Ela piscou, desconcertada e com a eterna oculta esperança de um dia Luke realmente agir como pai.

- Como – iniciou ela, ainda atraída pela árvore – isso é possível...? Claro que existem outras plantas com virtudes e defeitos iguais a esta, mas não possuem essa... essa...

- Harmonia. – completou Luke, puxando sua sotaina para aquecê-lo – Equilíbrio.

- Sim!

- Rey – ele se chegou a árvore, passando a mão por ela, cerrando os olhos, sentindo a Força nela. – Tudo está imerso na Força. A Força é una, indivisível, completa. Mas neste plano físico e também no plano astral, ela se torna compreensível aos seres desses patamares na forma dual, pois precisamos da feiura para sabermos o que é beleza; da dor para sabermos o prazer; da falta para identificar a completude. Não temos ainda capacidade para ver o todo a não ser pelas partes. E assim tentamos compreender a Força através do Lado Luminoso e do Lado Sombrio com todas as consequências que disso advém. É o modo pelo qual tentamos entender algo da Eternidade.

“ A Força se expressa em tudo e em todos. Entretanto, em algumas ocasiões, sua expressão se faz desse modo, como a árvore – em magnitude, em poder, um degrau a mais para nossa compreensão. Não existe uma flor que já tenha visto, uma singela flor que é perfeita com todas as suas imperfeições? Não existe conchas na praia que nos fascinam não por sua exatidão das formas e sim pela conjugação de defeitos que, juntos produzem nossa admiração face à beleza? A beleza construída de imperfeições. Um rochedo com suas entranças irregulares e sombrias que nos tiram uma batida no coração face sua elegância e sua grandiosidade?”

Rey franziu a testa, procurando alcançar o entendimento racional e percebeu que parte da compreensão seria assimilada pelo seu intelecto, mas a completude do significado podia ser atingida através da própria Força, sentindo-a sussurrar palavras incompreensíveis aos ouvidos e profundas em sua alma.

Luke continuava de olhos fechados, a mão humana tocando o tronco, respirando o perfume do bosque.

- E assim a Força se revela em determinadas ocasiões nos seres viventes: o Lado Luminoso e o Lado Sombrio em proporções extraordinárias... que nascem equilibradas e precisam se manter equilibradas... para não se transformarem catástrofes.

Ele abriu os olhos azuis claros e um brilho extraordinário neles se mostrou, como o cintilar das estrelas. Quando ele falou, sua voz mansa foi de uma doçura incomensurável.

- Você compreende o que quero dizer, não é?

Rey conteve um soluço involuntário, procurando controlar toda a emoção da compreensão. Alisou os hematomas invisíveis nos pulsos, nervosa, lembrando daqueles olhos verdes escuros, muito escuros.

 Pois ela já sabia. Ela sabia. Ela sentia. E a catástrofe já começara.

- Ele está perdido para nós.

 

************************************

 

As chispas da fogueira se elevavam ao céu, centelhas douradas se juntando ao brilho branco azulado das estrelas. O crepitar das chamas e o som das ondas batendo no penhasco eram os únicos sons que se faziam escutar naquela noite em Ahch-To.

Luke observava as chispas flutuarem na sua frente, como se fossem suas lembranças a dançarem para ele.

- Quando Ben nasceu, algum tempo depois da Batalha de Endor – iniciou ele – eu era o único jedi que se tinha conhecimento. Existiam muitos sensíveis à Força, mas, que eu soubesse, nenhum com algum treinamento ou com poder suficiente para perceber o que ele era. Leia intuía um grande poder nele, mas não sabia exatamente o que era e ficou temerosa.

- Não falou com ela? – perguntou Rey, enrolando-se em sua sotaina cinza por causa do frio, apesar do calor da fogueira.

- Não. Ela nunca lidou bem com a Força. Utiliza um pouco da leitura da mente, de intuições, mas não ultrapassa esses limites e nem deseja. Ela não consegue perdoar nosso pai e creio que transferiu seu ressentimento por Vader para o uso da Força, além de não possuir temperamento para o tipo de treinamento e vocação. – Luke suspirou – E quando Ben nasceu e ela percebeu que ele tinha poderes... sempre temeu que seu filho seguisse o caminho do avô. Falar a verdade para ela ... não adiantaria. Só ficaria com mais medo.

Rey olhava para Luke e se deu conta que ele não conversava realmente com alguém há muitos anos, mesmo antes de seu auto-exilar. Nisso ela poderia compreendê-lo... colocar em palavras o que se sentia era libertador e também muito doloroso, pois revivia-se todos os acontecimentos. Ela também passara anos no silêncio de suas reflexões, atormentando-a. 

Pôde, também, captar as mensagens nas entrelinhas: Leia, apesar de amar seu filho, nunca conseguiu uma aproximação maior com ele justamente por Ben ser tão poderoso na Força. Han também não foi capaz de manter uma intimidade com o filho pelo simples fato de os dois pertencerem a universos diversos, mesmo havendo amor entre ambos. E Luke adotou Ben como filho e herdeiro da Ordem Jedi. O filho perfeito em suas imperfeições. O filho que tanto Luke, em sua solidão e celibato, até então, sempre ansiara. E uma continuação para a Nova Ordem Jedi garantida, uma nova geração com um ser que era extraordinariamente poderoso na Força que firmaria os jedi novamente na galáxia como guardiães.

Imaginava - ou era a sua percepção...? - Leia frustrada e ansiosa, amando o irmão com um tom de ressentimento por ele ter com o filho o relacionamento que ela nunca teria. Angustiada pelo filho, que crescia como um estranho para ela que possuía a sombra da tragédia dos Skywalkers. Han guardaria a tristeza de não ter o filho como parceiro por detrás de seu sorriso charmoso, compreendendo, porém, muito melhor a situação que sua esposa, não nutrindo nenhum ciúme ou amargura em relação a Luke. 

E Luke, realizado com o filho que tanto intimamente desejava... com uma responsabilidade sem precedentes em relação a um ser extraordinário e sem ter a ninguém recorrer nas suas dúvidas e incertezas quanto ao proceder, assumindo totalmente o risco de suas decisões solitárias.

- Não consegui sentir Snoke... – Luke jogou um graveto na fogueira – antes que fosse tarde demais.  Não sabia que ele existia... escondeu-se durante décadas na Força. Ele deve ter percebido a perturbação na Força no nascimento de Ben... e o caçou desde pequeno.  – baixou a cabeça, a testa profundamente franzida - Já seria extremamente difícil para um adulto resistir ao assédio de Snoke e Ben, mesmo uma criança, fez de tudo para lutar e resistir.

Skywalker se perdeu em seus pensamentos na fogueira e ela começou a crepitar com mais intensidade, estalando a madeira como pequenas explosões de culpa, de remorso, de solidão.

Rey também encarava as chamas, franzindo os lábios. recordando a angústia de Ben, não sabendo como auxilá-lo, tirar-lhe aquela dor, quando ela era um dos motivos daquele sofrimento.

Kylo vem de mim, tirou tudo que ele é de mim!  Ele vem do meu Lado Sombrio. Eu é que sou o monstro. Se eu não tivesse criado Kylo, eu poderia ser Kylo.

- Ele está perdido para nós. – murmurou ela.

Luke lentamente tirou os olhos das centelhas e fitou a moça.

- Não. - havia um ar nobre em Luke quando ele pronunciou as palavras - Ele está lutando bravamente... da maneira que é possível.

Rey balançou a cabeça negativamente. As sombras que envolviam Ben eram densas demais, o olhar duro, a secura em sua voz. Ela tinha ciência do que o motivava e isso tornava tudo pior, tudo pior... a não um em um momento, um segundo destoante onde seus olhos pousaram nela com uma infinita doçura, fitando sua boca. Ali, sim... aquele instante que carregava toda uma vida. 

- Você não sabe... você não estava .

Skywalker se aproximou de sua filha e pegou-lhe as mãos nas suas, o calor da areia na sua mão humana e a frieza do metal de sua mão robótica.

- Mas vi através dos seus olhos... você me mostrou na sua mente quando despertou em meus braços. – a brandura dele chegou a ela tão suavemente que a pegou de surpresa diante da intensidade – Ele teme tanto o Lado Sombrio em si que deu vida a Kylo, imaginando que poderia lidar melhor com a escuridão se ela pertencesse a alguém externo a ele. Poderia combatê-la, sem se transformar nela. E foi isso que ele fez durante todos esses anos...

Rey largou as mãos do mestre jedi e levantou-se, dando-lhe as costas, envolvendo-se dentro da sotaina cinza. Uma revolta borbulhava em seu peito. Por que, pai, por que você não evitou tudo isso? Por que não nos levou para longe? Por que não renunciou ao manto jedi e fugiu conosco para termos uma vida normal, feliz...?

- Você disse que o Lado Luminoso e o Lado Sombrio eram poderosos nele e que havia equilíbrio. - disse, entre os dentes.

Luke também se pôs de pé. Chegou perto de Rey, às suas costas. Desejava tanto, tanto abraça-la, tê-la junto dele... todos aqueles anos, todos aqueles anos ele a ansiou, desde que Ben a levou de Paideia e a ocultou de todos. Mas o ensinamento de jedi martelava em sua mente como o som ritmado de um tambor: Treine a si mesmo a deixar partir tudo que teme perder.

Virou-se para outra direção mergulhando em seu manto jedi, pai e filha de costas um para o outro.

- E existia o equilíbrio. – respondeu Luke, controlando ainda a emoção – Mesmo que nada houvesse, mesmo que a vida de Ben não sofresse alguma corrupção, já seria muito difícil para um humano suportar a magnitude da Força que ele recebera. Porém tenho certeza que meu sobrinho suportaria a carga para manter a harmonia. Mas Snoke interferiu... todo aquele tempo, dia a após dia na mente de Ben desde que era um bebê. – apertou os olhos fortemente – Quando Ben veio para mim, a desarmonia já se instalara. A muralha de proteção conteve o assédio de Snoke por um tempo, mas ele estava ali, sempre à espreita... A criação de uma persona para disfarce, Kylo, foi a única solução encontrada na ocasião e protegeu Ben durante um período. Mas ele percebeu que tinha que fazer uma escolha diante da pressão de Snoke: ou ceder ao Lado Sombrio ou oferecer uma parte de si, dando vida a esse outro eu, para a escuridão. Eu fiz o que podia... mas falhei desastrosamente.

Eu o criei de propósito para me salvar do Lado Sombrio em mim.

Rey também cerrou os olhos, sentindo toda a dor do pai. Gostaria de consolá-lo, de lhe dizer que fizera o possível, porém não via lugar para si na vida de Luke. Ele ocupara todo o espaço de seu coração para Ben.

A velha mágoa lhe endureceu o coração. Raiva do pai. Compaixão pelo pai. Balançou a cabeça para si mesma.

- E agora ele está cedendo ao Lado Sombrio. – a voz dela enrouqueceu-se – Você viu.

- Não. O que eu vi foi justamente Ben enfrentar as trevas dentro de si mesmo, sem nenhum artificio, com todas as dúvidas e escolhas. E ele escolheu um caminho duro e cruel, onde usará o que for preciso, onde poderá abrir mão de tudo o que ama, principalmente de você, para destruir Snoke e Kylo.

Rey se virou para Luke, com raiva.

- Você ficou cego. Você o ama demais.

Luke se voltou para Rey, firme.

- E você teme por ele a ponto de não enxergar. Você também o ama demais.

Os dois se encaravam duramente.

Skywalker respirou profundamente. Tinha ciência das mágoas ali envolvidas e não tirava a razão de Rey lhe ter tanto ressentimento. Entretanto, esse assunto deveria ser tratado em outra ocasião.

Seus olhos azuis se desfocaram, uma vibração intensa da Força o tomando e sendo bem-vinda, abrindo-lhe tecidos da realidade.

- Imagine-se no lugar dele. – pediu Luke– Imagine-se vivendo uma meia vida, vigiando a quem criou, assistindo-lhe as atrocidades e fazendo o possível para evitá-las. Imagine o que é passar mais de dez anos numa prisão na qual possui a chave de saída mas sabe que nunca poderá abrir e ser livre. Imagine que construiu o próprio encarceramento para não apenas evitar ser um instrumento do Lado Sombrio, mas também para combate-lo. Imagine a espera, a solidão, as dúvidas, o medo de fracassar, a resiliência, a esperança, a determinação. Imagine o senso de retidão e de responsabilidade, a ponto de trazer para si culpas que não lhe pertencem, pois sua criatura, apesar de ter se originado de uma parte de si, é um ser independente e autônomo e tem suas próprias escolhas e atitudes. Imagine-se entrando nesse inferno, determinando-se que não sairia vivo. Imagine-se não tendo escolha nem de acabar com a própria vida porque você, Rey, ficaria à mercê de Snoke.

Rey empalideceu. A cada frase, um tapa. A cada palavra, toda a emoção e história que ela carregava, um flash da vida de Ben. E ela estava lá... entrelaçada de alguma forma. Ela. Ela. Ela.

Um pressentimento a assolou como o bater de asas de dezenas de pássaros, revelando e escondendo a verdade, açoitando-a com algo que ela já sabia há algum tempo... e que ocultara de si mesma, empurrando essa informação para o esquecimento. Não dera muita atenção na época, pois não queria ver, não queria saber, não estava preparada para enfrentar.

- Sou eu, não é? – perguntou Rey, tremendo. – Sou eu que Snoke quer. Por quê?

Imediatamente a lembrança da visão que tivera com Ben e Luke, em Tatooine lhe estampou na mente, a voz da criança de cinco anos a ressoar em seus ouvidos

Ele me falou que nunca ficaria só... Alguém parecido comigo estaria ao meu lado para sempre. Estaria comigo no domínio da galáxia. Eu e ela. Uma menina de olhos verdes claros. Você.

Rey sentiu o mundo rodar. Imagens lhe vieram de instantes ainda não vividos, horripilantes. Seus olhos amarelados. A boca curvada com crueldade. E Kylo Ren ao seu lado.

 Não, não, não...

Luke a amparou em seus braços

Sentiu que o mestre jedi a deitava na grama, a cabeça no colo de seu pai. Pensamentos insistiam em atormentá-la, não permitindo que perdesse a consciência completamente. A rispidez de Ben... a urgência em tirá-la de perto de si...  sempre a protegendo, sempre.... não pretendia sair vivo daquela prisão... ninguém retornaria para busca-la em Jakku... uma vida inteira anônima e em segurança... os riscos de contagem de dias nas paredes metálicas tomando toda a nave, todo o planeta... a ignorância de si....

Forçou-se a abrir os olhos e encontrou os de seu pai, fitando-a com profunda compaixão.

- Sinto muito. Ben e eu fizemos de tudo para poupá-la.

Ela fechou os olhos com força. Ninguém poderia poupá-la de sua vida.

Mesmo ainda tonta, sentou-se, Luke a segurando para não cair.

- Preciso saber de tudo. Não posso mais viver assim. – os olhos verdes claros estavam marejados, mas determinados.

Luke assentiu com a cabeça, sério.

- Sim. Voltaremos a Paideia. Nada será oculto a você.

Semicerrou os olhos, ainda se recuperando do desmaio.

- Minha mãe... ela está envolvida em tudo isso. – era uma afirmação.

A voz de Skywalker era quase inaudível.

- Sim.

Rey abriu os olhos. A fogueira estava quase no fim, apenas o calor das brasas lhes chegava.

- Qual era o nome dela? – conseguiu sussurrar

Pareceu uma pequena eternidade até que Luke respondesse. E, quando o fez, Rey nunca ouvira a voz dele tão triste e saudosa.

- Lore Layl Ren.


Notas Finais


A visão que Rey se lembrou se refere ao capítulo 3 desta história.

As formas de luta foram inspiradas no livro O Caminho Jedi

Encontrei uma música linda que serviu de trilha sonora para escrever esse capítulo: The Way - Zack Hemsey. Para quem gosta de música instrumental épica.

O próximo capítulo, o qual será apresentada Lore Layl Ren, mãe de Rey e amor de Luke demorará um pouco a ser publicado face às demandas que tenho agora no fim do ano. Pretendo publicar o capítulo na semana do dia 19 de dezembro, se der tudo certo.


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