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História De luz e de sombras - Prelúdio VI:Tão perto


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


Eu não sou o que aconteceu comigo; eu sou o que eu escolhi ser.
Jung

Capítulo 15 - Prelúdio VI:Tão perto


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Prelúdio VI:Tão perto

Os calçados, embora bonitos, eram muito desconfortáveis para uma grande caminhada. E a caminhada estava a ser longa... muito longa.

As sapatilhas alvas eram de fino trato e o vestido branco, tão simples e elegante, mostrava-se totalmente inadequado para percorrer longas distâncias pois possuía um corte rente ao corpo, proporcionando pouco espaço para longas passadas. Com o tempo e a distância percorrida, cansava-se as pernas nesse controle de passos curtos contínuos.

As mulheres do Corpo de Serviço haviam sido gentis e atenciosas em escolher aquele vestuário, pensou Lore, a divagar.  Desejaram lhe proporcionar  o melhor dentro das possibilidades modestas de Paideia. Ironicamente o melhor, naquele exato momento, acabara por ser um desastre.

Os passos deles rangiam na grama da clareira.

Através da visão periférica, pôde vislumbrar o rosto de Luke, a face maltratada pelo calor dos lasers, já que andava à sua esquerda. O bacta tinha seu efeito rápido: a pele se encontrava menos inchada e as bolhas da queimadura murchavam, a vermelhidão já mais suave.

Uma lembrança dele lhe veio naquele momento de forma natural, o rosto do rapaz de Tatooine. Encantara-se com ele de imediato, recordava-se bem, apesar de tantos anos já passados: uma menina a ver um rapaz já quase adulto, muito bonito, que se destacava dentre tantos seres estranhos com olhares sombrios, como uma luz brilhante, a seguir uma vida que ela desejava na época. Alguém que pudesse tirá-la da estranha existência que ela vivia. Alguém com quem pudesse descobrir uma nova vida.  Uma pequena e pura paixão pueril. Nunca imaginaria naquele tempo que suas vidas realmente se encontravam desde muito antes entrelaçadas.

E chegara a hora de separá-las.

Mudança de planos naquele primeiro olhar ao entrar na sala da sede.

O jedi jamais imaginaria que ela já o conhecia de antes. E não fora apenas naquele planeta desértico. Anos depois, ela o vislumbrara mais uma vez pessoalmente na segunda Estrela da Morte. Lá se encontrava porque Palpatine desejou vê-la para analisar sua evolução e proporcionar-lhe um tempo, de forma anônima, naquela corte sombria para dar-lhe uma perspectiva do mundo fora do planeta de seu treinamento.

Estava a preparar-se para embarcar de volta ao planeta que vivera todos aqueles anos, passando pelo hangar, quando presenciou a chegada de Luke e Vader saindo da nave recém-chegada, a passagem solene dos dois por entre as fileiras da guarda de stormtroopers. Não estava tão perto, verdade: oculta pela tropa, atrás de todos os soldados, ela o viu caminhar junto com aquele ser escuro que efetivamente era o pai dele. Vestido todo de negro, mais maduro, os cabelos mais curtos, seu olhar sério, o rapaz de Tatooine se transmutara naquele homem circunspecto, caminhando para seu destino.

Sentira um impacto, todavia diferente daquele primeiro. Muito ocorrera desde que ela saíra de Tatooine e não poderia ser diferente, muito embora aquele encantamento inicial nunca passara. Nunca. Muito pelo contrário... a cada situação que aqueles anos traziam, mais aquela recordação se confirmava e se firmava, guardada secretamente de todos. E até dela mesma, em vários momentos. Era seu sentimento mais puro em meio a toda uma gama de violência na qual se via submetida.

Determinara-se, após seu encontro com Vader, quando intuiu que Luke era seu filho, a esquecê-lo para protegê-lo. Não fora possível. Eles não permitiram... e o que pôde fazer foi encapsular aquela emoção inicial, pura, resguardada deles.

E agora ali, novamente. Pela primeira vez tão perto de Luke, a menos de cinquenta centímetros de distância, a apenas um gesto.

Mate-o.

Não.

Piscou os olhos um pouco mais demoradamente para afastar firmemente aquela voz feminina com tom agressivo e estridente... e tão conhecida sua.

- Seu avô foi realmente o Imperador?

Era Ben, que se achava à direita de Luke e a espreitava sem muita cerimônia.

- Sim.

- Vi vários hologramas dele e estudei a época do Império. Ele era terrível.

Ela sorriu diante da sinceridade bruta de uma criança e logo seu rosto ficou sério, com um toque de menosprezo.

- Ele era patético.

Luke ergueu uma sobrancelha, surpreso, porém permaneceu em silêncio.

- Patético? – o queixo de Ben caiu

- Palpatine era um monstro e monstros são patéticos, por mais horríveis que possam parecer ou do que possam fazer.

– Ele destruiu sistemas e matou bilhões de seres! Não teve medo dele?

 - Do que ele fez, sim. Dele, não

- Não entendo.

- Monstros não passam de seres famintos, eternamente famintos. – ela ergueu o queixo, impávida -   Não existe nenhum nível de poder, de prazer ou de controle que possa saciar sua fome.  Nunca em paz, sempre insatisfeitos. Vivem por um nada. Patéticos.

- Mas eles são capazes de fazer coisas...

- Sim, eles possuem essa capacidade consciente. O que você teme, na realidade, é a dor e o sofrimento existentes, que podem vir de qualquer fonte. Uma árvore derrubada por um raio que cai em você e o machuca. Temerá a árvore e o raio ou terá medo da dor que sentirá?

- Os monstros causam desastres! A Estrela da Morte destruiu planetas inteiros.

- A Estrela da Morte causou menos destruição do que a explosão de uma estrela anã ou a atração de um buraco negro. E uma estrela anã e um buraco negro não possuem a intenção de um monstro.

- Mas o que liga a pessoa às suas ações é a intenção.  Não há como separar uma da outra.

- Como não, Ben? O Imperador poderia ter a vontade de destruir um planeta e não fazê-lo. Teria medo dele, então?  Um líder rebelde poderia errar seu alvo e destruir seus amigos. Temeria ele?

-  O Imperador escolheu o mal e o rebelde só cometeu um erro.

- Sim... uma ação sem intenção que causou o sofrimento efetivamente. E a intenção maléfica que nada provocou.

O menino ficou quieto.

- Ah... a escolha!  -  prosseguiu a moça, estalando os dedos - O que o incomoda mais: a escolha dele em fazer o mal ou as consequências de seus atos?

- Os atos. – respondeu o menino após alguns segundos.

- Tem certeza?

- E se eu tivesse falado a escolha?

- Aí diria a você duas coisas: primeiro, que a escolha é de cada ser que possui uma consciência, que deverá suportar suas consequências. – tirou uma mecha de seu cabelo negro do rosto, como a que tomar tempo para continuar – Depois pediria para que verificasse em que se parece com o monstro, face a se incomodar tanto com a escolha dele.

- Não sei se consigo ver dessa forma. – falou o menino, desviando o olhar.

- Você tem medo de algum monstro?

O menino empalideceu. Olhou rapidamente para seu tio e baixou a cabeça em silêncio.

- Ah, vejo que sim... De um monstro em especial, suponho. Tema o sofrimento que ele porventura provocar e enfrente esse temor, lutando como vi você deter os lasers mais cedo. Mas não tema o monstro, pois ele, no fim,  é um nada, um ser sem sentido. – os olhos azuis esverdeados dela cintilaram –  Não dê poder a ele, Ben.

- Se – voltou Ben, as palavras saindo concomitantes com um pensamento nascente – se ainda sim... continuar a temê-lo?

- Então – encarou o menino, os olhos apertados – talvez  seja porque ele reflita o que há de pior em seu interior. E aí, sim, um medo digno de se respeitar: tornar-se o mostro que tanto teme

 

****************************************

Fora cruel com o menino. E não se arrependia disso.

Ele necessitava de um choque direto. Ben buscava ajuda, era notório, e o tio parecia tender a poupá-lo de todas as formas, ao que já pudera perceber nos gestos e posturas desde quando os vira. Havia um mal que o rondava, ela percebia pelo excesso de preocupação de Luke com o sobrinho, sempre a vigiá-lo. A confirmação de seu pressentimento veio através das perguntas do garoto e de seu olhar.

Luke amava profundamente Ben, era visível. Mas o amor em si não constituía uma proteção inabalável. O amor em si não trazia a fortaleza. O amor em si não bastava para deter um monstro... ela bem o sabia.

 O que passara para ele era o resultado do seu contato com um arsenal de monstros dos mais variados tipos durante sua vida. Se algo tivera um real valor em sua existência, foi a capacidade de lidar com monstros. E começara desde sua infância.

 Apesar de todos aqueles anos seus pais buscassem livrá-la do Imperador, sua mãe sempre se postara como uma ameaça a ela e viu-se obrigada a se endurecer por dentro, a criar coragem e a enfrentar seu medo desafiadoramente diante dos desatinos da mulher que o gerara e da conivência paterna. Sua mãe era um tipo de monstro em sua loucura. Embora Layl a amasse, machucava-a de várias formas e isso se perfazia a própria contradição na cabeça de uma menina de seis anos. Não era possível o amor estar ligado a provocar um mal. Ou sua mãe não a amava e aí haveria lógica em seu comportamento, ou sua mãe lhe queria bem e existia um hiato entre a intenção e a ação.

Entretanto, um mal que viera para o bem. Nos anos que se seguiram após o desaparecimento de seus pais, naquele covil dourado que lhe foi imposto até sua idade adulta e depois em sua última prisão nos últimos três anos, ela teve oportunidade de compreender a natureza monstruosa que muitos seres abraçavam, primeiramente com sua própria mãe, depois com suas preceptoras no covil e com o próprio Imperador, bem como com os carcereiros de seu recente cativeiro. Para sua própria sobrevivência, estudara-os com atenção, aprendendo sua lógica, percebendo as quimeras que os envolvia, sua fome insaciável por poder e inevitável autodestruição que viria mais cedo ou mais tarde.

Ben deveria aprender sobre os monstros se quisesse vencê-los... ou terminaria sucumbindo a eles.

Assim como você.

Uma voz masculina, gutural e maléfica.

Risadas e palavras se confundiam dentro de sua mente, num barulho insuportável.

Ela semicerrou os olhos por um momento em meio àquele caos interno. E concentrou-se nos passos de seu caminhar e no leve frio que o fim da tarde trazia para ignorar as vozes que lhe gritavam.

 

****************************************************

Luke observava Ben se recompor da conversa que travou com Lore.

Não interferira de propósito, embora atento caso fosse preciso. Para surpresa sua, a moça expusera um olhar diferente sobre o mal com princípios coerentes, sendo que, por vezes, convergia para os postulados jedis. E Ben explorara outra fonte diferente, fora ousado nas perguntas e suportara o embate. Ele ainda não completara os nove anos e facilmente, no convívio com ele, esquecia-se de sua tenra idade. Lore o tratara como um adulto, tanto em nível de conhecimento, retórica e cobrança, como se ela fosse uma professora disciplinando um aluno avançado, mesmo não o conhecendo intimamente e nem a situação na qual o menino se encontrava.

Tio e sobrinho se entreolharam e o jedi percebeu que agora poderia retomar aos seus próprios pensamentos ritmados pelo seu andar.

O perfume de rosas continuava constante desde a primeira vez que o sentira, muito embora Luke já conseguisse se situar nesse novo contexto e perceber seus efeitos nele. Não era nada maligno, hipnótico ou que nublasse sua mente e vontade, nem que o escravizasse. Muito pelo contrário, tocava-o profundamente tanto no corpo quanto na alma, atingindo-o no âmago de seus anseios, de suas dores, de sua solidão. Envolvia-o doce mas dolorosamente, pois realçava tudo o que ele tanto ocultara e abafara para seguir exclusivamente o caminho jedi.

Quando ela passou pela porta, quando a viu pela primeira vez, foi pego de surpresa, pois encontrava-se imerso na premonição de sentidos da Força, a qual anunciava a chegada de Lore e achava-se vulnerável, aberto, tocado pelo inevitável. Uma onda avassaladora o tomou naquele instante, principalmente quando enxergou na moça a mesma emoção, reciprocidade e intensidade.

            Reconhecia que, se Lore daquela forma permanecesse, suave, emocionada, o coração aberto, ela mesma, muito provavelmente ele não questionaria tanto a presença dela e o que os unia, o que quer que fosse. Mas, não. Ela se transformara logo que se sentara à sua frente e era patente que, de forma proposital, procurava afastá-lo com aquele comportamento arrogante, cínico e premeditado.

            Lembrou-se que Han agira estranhamente ao ver Lore. Percebera que seu cunhado sentira uma profunda atração sexual por ela, tão forte que foi capaz de desnorteá-lo mentalmente. Aquilo não era normal. Sua reação foi descabida. Lore era usuária da Força, revelara-se logo quando lhe fez o convite para entrar em sua mente. E a família Andhera espalhava seu poder através da influência em relacionamentos amorosos. Um outro poder, um outro viés da Força...? Era mais do que a manipulação da mente.

            Expirou profundamente, acalmando seu espírito, expulsando de si todas possibilidades que a avalanche de indagações ameaçava soterrá-lo, reservando espaços vazios para as respostas. Olhou para a colina. Havia ainda o que caminhar... a conversar e avaliar.

Luke, então, passou a meditar sobre as palavras dela na conversa com Ben, que ainda ressoavam em sua mente.  Havia uma paixão ali naquelas ideias e posturas.. ela vivera aquilo, aprendera por experiência própria. O que o Imperador fizera com Lore? Sentiu o corpo enrijecer.

 Existia uma vastidão de vida nas entrelinhas ressoando em sua alma. Ele mesmo tivera seu próprio monstro – seu pai – e o monstro que quase despertara dentro de si mesmo na sala do trono do Imperador.  Esse monstro interno não desaparecera, mas posto em um cárcere bem lacrado, no fundo de seu coração. Conhecera-o, sentiu seu poder e natureza e o renegara com firmeza. Mas ele lá se encontrava... e vigiava a si mesmo para não mais descer naqueles porões, uma luta a cada dia, pois as tentações eram constantes, o caminho mais fácil, mais rápido, mais poderoso momentaneamente.

Yoda e Obi Wan teriam vencido em definitivo o Lado Sombrio ou também guardavam dentro de si monstros aprisionados?

Seu pai seguira outro rumo. Anakin tentara ser um bom homem. Suas intenções foram nobres. Lutara contra seu próprio Lado Sombrio; sua queda ocorrera de forma lenta, quebrando-se por dentro pouco a pouco, orquestrada por Palpatine. Entretanto, mesmo o futuro Imperador manipulando seu pai, a escolha pertencia a Anakin e o embate dentro de si deve ter sido terrível. Imaginou seu pai guerreando consigo mesmo, perdendo batalha por batalha e caindo naquele vazio sem sentido, transformando-se em uma fera faminta.

- O mal é trágico.– divagou o jedi, uma emoção a lhe arranhar a garganta.

Lore levou um choque com a tristeza intensa na voz de Luke.

- Você realmente sente por esses monstros...

- Sim. – sussurrou ele - Você mesma os descreveu: famintos, insaciáveis, vazios e sem paz. Uma existência em agonia. É trágico.

- Você possui uma mansidão... que jamais serei capaz de ter.

Luke a fitou, surpreso pelas palavras e o modo desarmado e suave com o qual as pronunciou. Ela parecia uma outra pessoa naquele pequeno instante, como se as camadas de complexidade e ironia que a envolviam houvessem se desmanchado, revelando quem realmente ela era.

Não faça isso. Afaste-se dele. Ele é um homem bom.

Uma voz masculina compreensiva e suave.

Lore Layl baixou tristemente a cabeça, concordando.

- E o que você sente por eles? – perguntou Ben.

- Raiva. – ela voltou a olhar para frente, seu semblante encobrindo-se novamente com todas as suas camadas.

- Raiva? Não merecem compaixão?

- Compaixão? Compaixão por quem conscientemente se propôs a distribuir sofrimento? Não possuo a capacidade de sentir compaixão por esses seres.

- Se você sente raiva – a criança inclinou a cabeça para o lado, a fim de ver melhor a moça – não está, então, com medo? A raiva não vem do medo?                                         

- Não necessariamente. A raiva pode advir da indignação e ela é poderosa porque é justa. Dá-nos energia e força para superarmos o que devemos vencer.

- Sim, a raiva é uma poderosa fonte de energia e pode ser que também nasça da indignação frente à injustiça. – interveio Luke, enquanto caminhava – Mas não deixa de ser raiva. Existe o potencial de nublar a percepção e distorcer a razão, conduzindo ao ódio e ao sofrimento. É um elemento perigoso de se manipular.

- Por experiência própria, Skywalker?

E lá estava novamente aquele tom, aquela postura arrogante e provocativa nela, pensou Luke, sentindo na pronúncia de seu sobrenome uma agressividade.

- Sim. – disse brandamente, ignorando o tom dela – Já pus vidas em perigo em virtude da raiva, inclusive nascida da indignação. Quase cedi ao Lado Sombrio por raiva originada do medo. O que a raiva fez por você?

- Manteve-me viva.

- Na prisão?

- Sim – em todas as prisões, pensou ela.

- E também neste momento?

- Talvez. – respondeu com cuidado. Sim, até neste momento. Mas não é apenas isso que me mantém viva agora.

- Sente raiva de mim?

Não adianta tentar salvá-lo de você, garota idiota. Ele mesmo a está buscando. O quer que faça, ele não vai escapar. O jedi já está em suas mãos.

Uma outra voz, também feminina, arranhada e grave.

Cale-se, velha. Não sigo mais suas ordens.

Ah... pensa realmente que não?

- Que motivos eu poderia ter para sentir raiva de você, Skywalker?

- É o que me pergunto desde que nos encontramos, Lore.

Luke  franziu a testa apenas diante do silêncio que se seguiu. A postura dela se alternava, como uma mariposa diante da luz, cedendo e se afastando, desvelando-se para novamente cobrir-se de véus, como se encontrasse em grande conflito.

Ben também enrugou a expressão, muito embora fosse por motivo distinto. Não conseguia imaginar raiva da moça para com seu tio diretamente, mas intuía que aquela emoção tinha a ver com algo ao redor do jedi.

Continuavam sua caminhada sem interrupção durante a conversa.

- Talvez haja lugar para a compaixão. – recomeçou o menino – Tio Luke disse que Vader o salvou do Imperador.   Meu avô voltou para o Lado Luminoso antes de morrer.

- Ah, toda uma vida de atrocidades redimida em um momento. Fascinante. A vida do filho compensando todas vidas que Vader torturou e destruiu.

Luke semicerrou os olhos, os passos sem sair do ritmo. Abaixo do tom cortês levemente irônico dela, uma mágoa pessoal se pronunciou discretamente.

- Conheceu meu pai?  

- Evidentemente, Skywalker. Você percebeu. Encontrei-o uma vez apenas quando era uma criança. E foi mais do que o bastante.

- O que ele fez com você?

- O que ele desejava de mim, essa é a pergunta correta. Queria-me como sua aprendiz.

Luke travou a mandíbula, tenso.

- E você aceitou? – indagou Ben diretamente.

- Ora, Ben. Estaria eu aqui se tivesse me tornado aprendiz do Lado Sombrio? – a voz agradável... e um tremor rápido na pálpebra do olho direito.

- Talvez.

A simplicidade daquela resposta do garoto a desnorteou por um momento. Não devia se deixar pela voz infantil e as perguntas aparentemente pueris e ingênuas do menino... e ainda era muito novo para ser influenciado. Mordeu a parte interna do lábio inferior discretamente. Isso era bom, no fim das contas. Não queria manchar a relação com o Ben. Não era difícil gostar dele.

Dois padawans, já no fim da adolescência, vinham em sentido contrário, retornando de sua meditação e passaram pelo trio, cumprimentando-os com um menear da cabeça e já iam prosseguir para seu destino quando estacaram por um momento, como que atingidos por um raio. Fitaram a moça com espanto, os rostos enrubesceram, uma confusão no olhar deles. E, num repente, pareceram voltar a si. De forma precária, recompuseram-se e seguiram seu trajeto mais rapidamente, como se estivessem fugindo, constrangidos.

Luke franziu os lábios após os padawans irem embora e verificou que Lore caminhava, ereta, impassível.

As nuvens se juntavam com mais rapidez à frente, na direção da colina, acelerando a noite que chegava.

As sapatilhas definitivamente eram a pior opção para andar em um terreno natural e já durante o lusco-fusco, pensou Lore. Começava a ficar mais difícil enxergar a grama aos seus pés.

- Está quase noite. – começou ela realmente preocupada – E há indício de que uma chuva cairá em breve. Conseguiremos subir a colina?

- A trilha circunda a colina em aclive, mas é possível subir sem muitos problemas. – disse Luke – Temos lâmpadas espalhadas em todo o percurso, iluminando-a. No topo – apontou para o cume do pequeno monte – há uma pequena construção. Podemos nos abrigar lá, caso chova.

 - Por que lá na colina, Skywalker? Já não estamos conversando aqui?

-  A colina é um dos pontos energéticos da Força neste planeta. – o jedi foi seco.

- Por vezes tio Luke passa dias lá isolado. – completou Ben.

Ela olhava intrigada para o pico da colina.

Ele tentará dominá-la lá. Você estará em desvantagem. Não foi treinada como um jedi. Não sabe manipular a Força como o Skywalker. Não pode vencê-lo no território dele.

A voz era de um homem velho, maléfica e gutural mais uma vez.

Por isso mesmo eu subirei a colina.

Pensa que se livrará de mim?

Havia um monte de terra encoberta pela grama e Lore não o enxergara  face à penumbra que envolvia já todo o céu. Ela tropeçou, a sapatilha escorregadia não lhe dando firmeza e o vestido justo impedindo que fizesse maiores movimentos com as pernas para se equilibrar, sendo arremessada para frente e ao chão.

O jedi, em um reflexo, enlaçou-a pela cintura a meio caminho de sua queda. Nessa posição, meio curvada para a frente, os longos cabelos negros saíram do lugar, revelando as costas no decote do vestido que mostrava mais que as omoplatas, praticamente todo meio de suas costas.

E as marcas.

Mesmo com pouca iluminação, ele identificou aquelas cicatrizes, estarrecido. Das mais variadas formas e tamanhos, texturas e tonalidades, sobrepondo-se umas nas outras. Chicotadas. Queimaduras. Cortes.  Marcas antigas... que se alongavam em sua pele e se perdiam por debaixo do tecido do vestido.

Luke a pôs de pé e puxou-a delicadamente para junto de si, a moça ficando de costas para ele. Sua mão robótica deslizou pela cintura dela, enlaçando-a levemente.  Ela fez um pequeno movimento para sair e ele, na mesma intensidade, a conteve. Ela prendeu a respiração.

 Consternado, sentiu uma profunda compaixão pela moça. Captava ecos daquelas marcas, uma e outra cena que Lore deixou escapar da mente e flutuava ao léu sem dono e outras que ele mesmo inferia, cingindo-a contra si mais fortemente a cada percepção, como se ele mesmo tivesse sentido o que ela sentiu.

- O que fizeram com você? – murmurou perto no ouvido dela.

- O que só os monstros sabem fazer.

Junto com a compaixão, outras emoções e sensações se insinuaram dentro Luke. Estar perto dela, tão perto, suscitava todos os seus anos sem uma companheira, sem o toque e cumplicidade de outro alguém. Furtou-se dessa possibilidade durante todo aquele tempo, desde que partira para Dagobah, quando encarou o seu destino. Atarefou-se de sobremaneira desde então, embora soubesse, no íntimo, que não era essa a razão que o levava a não se permitir sentir algo.

Soltou-a lentamente e recuou alguns passos. Tudo ocorrera numa fração de minuto.

Lore apertou as mãos no vestido. Falhara novamente. E a cada falha sua, o encantamento de Luke por ela se consolidava e ele seria seu, só uma questão de tempo. As correntes em sua mente se apertavam diante das gargalhadas que ressoavam dentro de si.

            Abriu a boca para contar a ele tudo, mas os músculos de seu maxilar travaram contra sua vontade. Um suor frio correu por sua testa. Tentou novamente, mas seus lábios continuaram cerrados. Respirou fundo, sentindo a raiva fria a fortalecê-la. 

            - Você ainda sente compaixão por monstros depois do que viu? – foi o máximo que conseguiu dizer.

            Luke se aproximou dela.

            - Deixe-me ajudá-la, Lore.

            Ela recuou um passo.

            - Não sou eu quem precisa de ajuda, Skywalker.

            O jedi a encarou por um instante e tomou uma decisão.

- Ben, vá na frente e nos espere no alto da colina. – pediu Luke, a voz branda –  Já nos encontraremos lá.

- Não, é melhor eu ficar. – disse Ben, firme ao olhar para Lore.

- Escute o menino, Skywalker. Ele quer protegê-lo de mim. Não foi por isso que o trouxe conosco?

Mate a criança também.

Novamente a voz feminina estridente e agressiva.

Eu a desafiava enquanto viva e quanto mais agora. Eu não farei isso! É apenas um menino!

E é um Skywalker. Nada de bom vem de um Skywalker.

- Ben, vá. Não se preocupe. Sei o que estou fazendo.

- Mas...

O jedi o olhou firme.

- Vá, padawan. Confie em mim.

Ben apertou os lábios, contrariado, pois se via obrigado a obedecer ao seu mestre. A seu tio, existia uma liberdade maior em questões de comandos, mas quando Luke se pronunciava como mestre jedi, o aprendiz compreendia que não havia alternativa em desobedecê-lo, mesmo agora, que estava realmente tentado a não cumprir a ordem.

- Por que age assim?  – perguntou Ben a Lore –  Não entendo. Você não é uma pessoa ruim. Eu sei que não é.

- Não se deixe enganar por mim.

- Não me enganei sobre você.

O menino se encaminhou para colina, que já se achava perto, olhando para trás uma vez ou outra.

Luke esperou que Ben se afastasse a uma distância razoável e então voltou-se para Lore.

- Não sei o que Palpatine fez com você. Mas é óbvio que está lutando contra isso, seja o que for. E também é claro que é relacionado comigo.

A moça tentou novamente contar a Luke, porém novamente ficou imobilizada. Procurou transmitir algo através dos olhos ou de algum pensamento, mas sua vontade se achava acorrentada. Por dentro lutava como uma leoa contra aquelas vozes, enquanto seu rosto não expressava nada.

- Mandei Ben ir embora – prosseguiu ele – porque agora seremos só nós dois a tratar disso.

Luke a pegou pela mão e voltaram a caminhar em direção à colina.

Lore seguia em silêncio, enquanto escutava as vozes berrarem dentro dela, tentando enlouquecê-la com suas acusações e pressões. Contudo, isso não a intimidava mais.

Apenas uma voz se manteve calada e estranhamente satisfeita. E Lore sabia muito bem o porquê.

 


Notas Finais


Olá!
Aqui é apresentado um pouco mais de Lore e sua personalidade. Algumas pistas de suas motivações e intenções são mostradas, mas só nos próximos capítulos sua toda sua história pregressa será terminada.
Algumas coisas apenas foram sugeridas e talvez causem estranheza. Mas esperem!
Também aqui coloco a música tema de Luke e Lore

https://www.youtube.com/watch?v=3hAO8qYjsoQ


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