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História De luz e de sombras - Prelúdio VII: Fim da inocência


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


Aqueles que não sabem que estão andando na escuridão nunca irão procurar a luz.
Bruce Lee


( O presente capítulo foi refeito. Muito se aproveitou do original; informações foram corrigidas e outras acrescentadas. Não retirei a cena da vida de Lore por achar que é importante ver os detalhes da personagem para compor sua história)

Capítulo 16 - Prelúdio VII: Fim da inocência


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Prelúdio VII: Fim da inocência

         

            O trono era branco como todo o ambiente, como se tudo pertencesse a uma peça só. Não só a cor unia as formas, como os objetos se ligavam em ângulos. O trono se estendia aos oito degraus reluzentes no mármore branco no fundo do ambiente. Ao redor de todo enorme salão quase desprovido de móveis, pedestais como se nascessem do chão e corressem para o alto, terminando em vasos longos e elegantes, rosas brancas a ocupar o topo. Eram tão pálidas que mais pareciam de pedra.

            Um recinto asséptico e morto. Ironicamente, o único que invocava vida era a criatura vestida de uma sotaina negra sentada no trono, o rosto enrugado de uma palidez acinzentada, as olheiras caindo até o meio do rosto em várias camadas, como se as faces estivessem se derretendo. As pálpebras avermelhadas envolviam olhos cruéis de um amarelo doentio.  

            A três degraus abaixo achava-se um ser humanoide esquio muito alto, com quase dois metros e vinte centímetros de altura, extremamente magro e longevíneo, tão alvo quanto o ambiente. O pescoço longo assentava um rosto estranho, olhos enormes e negros, as íris cinzas, como uma pequena exploração de luz na escuridão. Mantinha-se imóvel, quase como uma estátua branca integrada ao salão tal sua imobilidade.

Não era comum ver um kaminoano fora de seu planeta. Apenas a ordem do Imperador fora capaz de retirar de seu lar aquela fêmea de Kamino.

- Examinou-a?

- Sim, Majestade. Não vejo alterações significativas no espécime. O procedimento foi aplicado com sucesso à época fetal. – seu corpo magérrimo ondulou de forma languida – Porém existem muitas variáveis intervenientes. Nosso trabalho não é especializado em humanos originais. Não temos o controle genético e acompanhamento contínuo como na produção de clones.  Ainda existe a questão da utilização conjunta da matriz-onda energética da Força durante a operação: não possui precedentes em nossos arquivos, bem como o método empregado.

- Ousa dizer que eu falhei? – a voz gutural arranhou-se em tons perigosos.

Taun We se encolheu quase imperceptivelmente.

- Majestade...! Não me fiz entender de forma adequada. Teoricamente o estudo do uso conjunto da ação de nosso trabalho com a energia da Força mostrou resultados positivos.

- Explique-se, kaminoana.

- O intenso estresse a que foi submetida a progenitora durante o procedimento pode ter afetado o feto na formação de seu sistema nervoso. Um elemento que não se perfazia necessário.

- Eu quis assim. – um sorriso pérfido rasgou seu rosto – Para mim, foi extremamente necessário.

- A progenitora não reagiu bem à sua... necessidade imperial.

- A filha também possui indícios de insanidade?

- Não, Majestade. A espécime se encontra no momento em um estado comportamental melhor do que o esperado diante de sua captura. Excepcionalmente... não apresenta reações comportamentais típicas de um ser humano submetido a tal situação.

O Imperador se mexeu prazerosamente no trono.

- Bom, muito bom.

- Permita-me expressar minha preocupação com o condicionamento reniano a ser imposto... à menina.

- Envolvendo-se emocionalmente com o experimento? Devo duvidar de sua postura, Tau We?

- Não, claro que não. É nosso trabalho contratado e não existem transferências emocionais. Contudo, o condicionamento reniano em um espécime tão tenro em idade e resistente a ele... Os seres humanos in natura são imprevisíveis, Majestade. É uma carga demasiada para um humano dois condicionamentos.

- De nada adiantará um sem o outro. – a voz era gutural.

 -Não a acompanhamos em seus primeiros anos de vida; não há conhecimento do desenvolvimento de sua personalidade segundo nossas avaliações, apenas os relatórios da cuidadora. Os resultados tendem a ser inesperados.

Os olhos de Palpatine se intensificaram no amarelo de sua íris.

- Terá conhecimento de que precisa agora, pois permanecerá aqui para seguir com sua análise durante o treinamento que Weny Ren aplicará.

Os olhos negros da kaminoana se arregalaram. Seriam anos fora de Kamino e na companhia exclusiva de seres emocionalmente primitivos. Não aprovava os métodos violentos e passionais dessa espécie. A ciência não prescindia de crueldade e nem de explosões temperamentais. No entanto, infelizmente para ela e Kamino, era um ser humano que detinha no momento o poder na galáxia e a lógica ordenava a ela e ao restante de seus iguais a submissão a um ser daqueles. Kamino já sofrera demais... seus laboratórios desativados, a produção clônica estagnada... apenas o mínimo era mantido em seu planeta a fim de atender às vontades inconstantes e extravagantes do Imperador. Temia que seu povo fosse extinto por aquele espécime humano.

A audiência havia terminado pelo tom categórico de Palpatine. Tau We fez uma pequena reverência com a cabeça. O Imperador fez um gesto displicente, e a kaminoana saiu por uma pequena porta lateral. Esses clonadores o cansavam. Mantinham-nos vivos por necessidade. Nunca se sabia quando seus serviços teriam serventia, muito embora sua utilidade essencial já fora utilizada quando na criação do exército de clones e a aplicação da Ordem 66.

Refastelou-se no trono, muito satisfeito. Sua natureza era impaciente e sensual, imediatista e voraz. Aprendera a paciência através da antecipação dos resultados, deliciando-se com a perspectiva de seus frutos. Assim agira durante décadas, quando formulou seu plano de tornar-se o dirigente autoritário e único da galáxia, ainda como um senador e sob o comando de seu antigo mestre Plagueis. Sorrateiramente, arquitetou as estratégias com o cuidado de um artesão, a precisão de um artista. Passo a passo a linha de futuro que plantou se estendia com sucesso. O assassinato de seu mestre. A ascensão como Chanceler. A guerra clônica. A sedução lenta e inexorável de Anakin Skywalker. O expurgo dos jedis. A consolidação do Império. Vader como seu aprendiz e capataz.

E a perturbação na Força... de um mal desconhecido.

Ele sentiu esse mal uma vez apenas, um tremor no éter, sutil, sombras dentro das sombras, quase um respirar. E logo desapareceu sem deixar rastros. Todavia, Palpatine captara esse mal antigo, personificado. Ele existia e se ocultava nos bastidores de seu próprio império, em ações furtivas dos contrabandistas, das coligações escuras com líderes na orla exterior, como um câncer que se espalhava silencioso, uma névoa ainda mais negra do que seus próprios desejos.

Percebeu, então, que todo o planejamento de sua vida se achava ameaçado por essa figura obscura. Imaginava que ele ria às suas costas, gracejando do Império e sua permanência. Sentia que todo o seu domínio havia sido conquistado apenas para ser perdido, entregue para esse ser, o qual só aguardava o momento certo para o golpe.

Enfureceu-se no momento que tomou ciência dessa possibilidade. Seu ódio quase o sufocou. Obrigou-se a imergir mais ainda nas sombras para se acalmar e mais uma vez planejar estratégias e objetivos para manter o poder agora conquistado.

Aliados na Força eram essenciais. Aliados poderosos sob seu jugo. Vader era poderoso. Ele possuía um enorme poder, porém sem base de estabilidade emocional para sustentar tal magnitude. Além do mais, sua queda para o Lado Sombrio ocorrera de forma aquebrantada, forçada ao extremo e o que nasceu na escuridão fora uma alma estraçalhada e um corpo aleijado e limitado. Um deus aos pedaços. Em princípio, essa condição era favorável ao Imperador, pois seu aprendiz não atingiria o patamar para derrotá-lo e tomar-lhe o trono. Contudo, com o surgimento desse mal antigo, possuir um discípulo desse naipe só o prejudicaria.

Poucos anos após o surgimento do Império, chegou-lhe a notícia, através de um habitante de Naboo, capturado e torturado entre as primeiras rebeliões pós-império, que Padmé fora enterrada com uma barriga falsa... portanto, que havia dado à luz antes da sua morte. E com esse conhecimento prévio, as portas da percepção de abriram para essa alternativa antes nunca cogitada e ele se embrenhou nos caminhos escuros da Força, até conseguir perceber a existência física de um filho de Vader. A imagem de um menino louro, corado pelo sol, o olhar juvenil e impulsivo, porém com um coração puro, as emoções estáveis e seguindo o caminho natural de amadurecimento. Poderoso. O potencial latente de um aliado magnífico.

O fato naturalmente foi oculto de Vader.A partir desse instante, seu aprendiz tinha os dias contados.

 A Força traria esse garoto, esse novo usuário do poder mais cedo ou mais tarde para o meio dos acontecimentos. Assim a Força agia, unindo seus iniciados. Com o passar do tempo, o Imperador poderia obter outras informações, muito embora... esse garoto parecia ter uma proteção especial de alguém... talvez algum jedi vivo e perdido na galáxia, que ocultava sua localização, como se agissem para escondê-lo o máximo possível dele. Sorriu interiormente. Não haviam conseguido inteiramente...

Com essa nova peça do jogo, seu plano encorpou-se. O menino cresceria e seria seduzido para o Lado Sombrio, mataria o pai – jamais arriscaria ter os dois juntos – e tomaria seu lugar ao seu lado. Mais forte, mais equilibrado, mais poderoso... uma vantagem incômoda. Pressentia que esse garoto teria poder para vencer aquele mal antigo mas também a ele, Palpatine. Era necessário mantê-lo sobre controle, um controle alheio ao Imperador; um controle sutil e envolvente, um controle que se encontraria indiretamente manipulado pelas mãos imperiais.

Nada melhor que o amor e atração sexual para tal fim.

Ele possuía esse instrumento em sua própria casa: sua filha, Layl, uma Andhera. Contudo, ela se encontrava na idade mais para seduzir Vader do que seu filho. Talvez pudesse produzir uma neta à altura dessa missão, seduzir e controlar o jovem Skywalker. E ela o fez, sem sua permissão, com um reprodutor inadequado, mas não impróprio, um homem com índice de midhicrondrias aceitável, mas não excepcional. Não era o ideal, porém o suficiente.

Sua neta não teria essa margem de escolha. Não deveria ter opção de escolhas e estragar o planejado, como Layl fez em sua altivez e independência. Haveria de ter desde antes de seu nascimento uma imposição, um plano dentro do plano, para que não desvirtuasse do âmago do projeto. Uma saída alternativa ao planejado, caso fosse preciso... e sem espaço para erros.

O procedimento em Layl grávida não necessitava de tortura. Tau We tinha razão em seu argumento, mas o prazer em castigar a filha desobediente era maior do que razões. Ela ousara desafiá-lo! Não poderia ficar impune nem mais um minuto... sua paciência fora guardada para outros fins, não para ver o sofrimento da filha. Provocar, presenciar e satisfazer-se com sua dor valeu todos os seis anos da fuga de Layl.

Permitia-se a essas extravagâncias uma vez ou outra... afinal, sempre conseguia o que desejava, mais cedo ou mais tarde. E o preço pela demora em ter sua neta em suas mãos tinha valido a pena.

Seus pensamentos retornaram para Vader. A partir da descoberta da existência do filho na Batalha de Yavin, as falhas de estrutura que Anakin sempre possuíra rachavam inexoravelmente. Se Layl tivesse tido sucesso na sedução com ele... tudo poderia ter sido diferente. Layl chegara tarde demais... o amor de Anakin por Padmé já estava consolidado em seu aprendiz desde que ele era um menino e tornara-se um entrave. Além do mais, quando sua filha se tornou apta para tais seduções, na adolescência, Anakin já era um jovem adulto, já um cavaleiro jedi. Fora de seu alcance.

            Enviara-a para seduzi-lo a fim de atribular mais ainda seu futuro aprendiz, já perdido em seus conflitos.

            O filho de Anakin era o oposto do pai. Sua personalidade era estável, equilibrada em suas emoções, seguindo apenas os altos e baixos de um aprendizado de vida, sem fissuras emocionais. O brilho de suas convicções, de sua retidão era um atrativo para ele, o Imperador. O caminho jedi ironicamente auxiliava os planos do Imperador, pois o jovem Skywalker não se entregaria a paixões que poderiam dificultar o acesso a ele. Um ser humano desse nível era mais do que uma aquisição para o Lado Sombrio: era a glória. O poder do filho ultrapassava o do pai. A queda para as trevas de um homem com poder latente, puro de coração e altruísta seria total e irreversível e não aos pedaços e oscilante como Anakin.

            O jovem Skywalker se tornaria poderoso... poderoso demais. Precisava de mais artifícios para mantê-lo de rédeas curtas quando ele sucumbisse ao Lado Sombrio. Lore Layl seria esse instrumento de controle.

            Tudo convergia para sua neta. Seu plano contra o mal antigo que o espreitava dependia do sucesso de Lore Layl com o filho de Vader.

            A porta dupla do salão se abriu.

            O Imperador sorriu. Ela estava vindo. Seu futuro sombrio e glorioso marchava de acordo com seus desígnios.

       *****************************************

           

Ao olhar ao seu redor, Lore se surpreendeu por se sentir... feliz.

            Voltou a se concentrar no seu prato de comida, um mingau caseiro. Uma mesa caseira. Uma sala caseira. Um lugar para morar. Tudo invocava um lar,  um lugar onde já se encontrava há quase quatro anos. Uma vida normal... quase normal. E o quase não estragava sua sensação de paz naquele instante.

            - Já colheu as rosas, Lore?

            Balançou a cabeça afirmativamente.

            - Mas ela não tirou os espinhos ainda, mamãe. – disse Clara.

            Lore a encarou, brava.

            - Ainda não tirei. – voltou-se para Annie, já sorrindo – Farei logo que terminar de comer.

            - E Clara a ajudará. – serviu uma bebida fria nos copos das duas crianças. - Temos que levar as rosas para o castelo até o fim da manhã, meninas.

            A outra garota fez uma careta e Lore levantou uma sobrancelha, numa expressão vitoriosa.

            A bem da verdade, não havia se aborrecido realmente. As implicâncias eram um jogo entre ela e Clara, uma das muitas cumplicidades que nutriam entre si, típico de crianças de dez anos. Logo estariam rindo e conversando animadamente sobre as aulas do colégio, sobre as outras meninas, sobre meninos... e inventando histórias sobre os moradores do castelo.

            Lore se espantava consigo mesma todas as vezes em que se sentia feliz. E frequentemente se sentia assim ali, morando com Anne e Clara. Era como ser uma outra pessoa, um alter ego que crescera gradualmente ali em Hok.

            Após o encontro com Vader, fora conduzida pela guarda feminina para uma outra nave diferente da que levou seus pais. Trazida para Hok, sem nenhuma explicação de quem quer que fosse durante a viagem. A única vez que seus algozes lhe dirijam a palavra ocorreu quando Capitã Syanne a entregou para Anne, avisando-a para que se comportasse e não tentasse fugir, pois, caso o contrário, seus pais seriam mortos.

            - Tudo ficará bem. – falou Anne, ao colocar as mãos nos ombros dela, assistindo a partida das tropas imperiais.

            Lore se desvencilhou de mulher. Não queria ser tocada por uma estranha... já fora por demais dominada naquele dia. E seus pais... sentiu a garganta fechar. Sentiu os olhos se umedecerem e ela imediatamente fechou o semblante. Não.  Seja forte. Faça qualquer coisa para sobreviver. Não chore.

            Viu aquela moça trazer uma menina para seu lado, com os mesmos cabelos e olhos castanhos, uma cópia infantil da mulher.

            - Esta é minha filha Clara. Vocês podem ficar amigas... ela será sua companhia. – sorriu, compreensiva – Nem consigo imaginar o que aconteceu com você e o porquê de estar aqui. Só me falaram que seu nome é Lore... lindo nome! – o olhar se suavizou -  Cuidarei de você, se me permitir. E poderemos ser .... uma família, nós três!

            Lore não falara uma palavra sequer... durante quase um ano. A mágoa pelo o que sofrera era grande por demais e ela preferiu o silêncio para calar suas dores. Em contrapartida, estranhamente, nem Anne e nem Clara lhe cobraram que falasse ou que fizesse qualquer coisa. Tratavam-na com carinho e atenção e conversavam com ela amenidades, adivinhando-lhes as respostas, como se ela efetivamente participasse das conversas em seu silêncio.

            Uma cama de verdade. Um quarto acolhedor só seu. Comida quente. Sem gritos. Sem violências. Sem fugas. Sem sombras. Deitada em sua cama, fitando o teto, ficava a imaginar o que acontecera com seus pais, sabendo, no íntimo, que não mais os veria. Contudo, não formulava essa ideia de forma direta. Doloroso demais. Preferia acreditar neles vivos... Todavia, pensar neles também inevitavelmente levava a uma comparação de sua vida com eles com a de agora.

            E isso era ainda mais doloroso.

            Não demorou muito e ela passou a auxiliar aquelas pessoas em suas tarefas domésticas voluntariamente, como mudo agradecimento e para ocupar seus pensamentos. Tudo era muito simples, regrado. Não existia um dróide de serviço e sua ajuda muito facilitou a vida rotineira daquela casa. Aprendeu a cozinhar, limpar e cuidar do roseiral, sua tarefa preferida.

Andava pelas fileiras intermináveis de rosas vermelhas no campo, deslizando as mãos pelas flores durante o percurso. Plantava-as, cuidava delas e as colhia. Acompanhava-as quando em sementes, brotos, abertas em seu esplendor e em seu murchar no espaço livre, aberto, libertador.

As noites eram, no entanto, terríveis. Os pesadelos a assombravam. As fugas. Sua mãe a ameaçando. Sua mãe sendo dominada por Vader. Seu pai impotente diante daquele horror. Seus pais desaparecendo. Vader. Vader desejando levá-la para o Lado Sombrio. Acordava molhada de suor, arfante. Porém o amanhecer os diluía e ela os guardava na noite que se ia, junto com a saudade e dor pelos pais.

Dia após dia, a rotina se repetia e ela não pôde resistir por mais tempo a todo o carinho e cuidado que recebia e terminou por ceder a toda àquela atenção gradativamente, começando a responder às perguntas e depois travando longos diálogos. Descobriu-se a sorrir em várias vezes. Surpreendeu-se em rir. Ela sabia rir...! E existiam motivos para rir...! Nunca cogitou que houvesse razão para rir.

Uma dor em seu dedo e o sangue veio rápido em uma grande e consistente gota vermelha escura.

- Novamente, Lore! Não cansa de tirar os espinhos com as próprias mãos?

Clara segurava a rosa com a mão esquerda e, com a direita envolta em uma luva enorme e grossa, deslizava pelo caule da flor, trazendo consigo os espinhos nesse movimento. Na estufa, sentadas no chão e rodeadas por dúzias de rosas, as meninas realizavam sua tarefa.

- Fiz a minha cota quase toda com a luva. Só faltam dez rosas. – levou o dedo à boca, chupando o sangue.

- Se não conhecesse você, diria que sempre esquece de tirar os espinhos das rosas. Mas nunca se esquece de nada... apenas disso.

- Ah... descobriu meu segredo!

- É bom saber que não é perfeita. Mamãe te elogia mais do que merece.

As duas fizeram caretas uma para a outra e riram.

- Sério, Lore... Por que sempre foge de fazer isso?

- Os espinhos são as únicas armas que as rosas possuem. Tirar seus espinhos... elas ficam indefesas.

- Indefesas? Mas quem faz mal a rosas?

- Nós. – respondeu, distraída.

- E acaba por usar as próprias mãos sem as luvas, machucando-se. Isso não tem lógica.

- Não quero esquecer o quanto é dolorido ver alguém perder suas defesas. – disse ainda com os olhos fixos nos espinhos.

- Definitivamente você é estranha. Ah, sim, definitivamente.

Lore olhou para a rosa da qual fizera a limpeza no caule. Tão nua agora... tão vulnerável. Franziu o cenho. Ninguém deveria ficar vulnerável assim.

- O que seria sua vida sem minha estranheza? – brincou, a expressão agora aberta .

- Há tanto que gostaria de saber de você... – suspirou – Mas não devemos falar disso.

- Não. Não podemos falar disso.

As meninas se entreolharam. Nada foi explicitamente dito desde que ela chegara a Hok, porém era tácito que o passado de Lore perfazia um assunto proibido e perigoso.  As duas assentiram e permaneceram em silêncio durante alguns instantes, até Lore quebrar o constrangimento.

- Sabe o que é realmente estranho? Levamos rosas todos os dias para o castelo e vemos dúzias de rosas mortas ali no portão. Como as rosas só duram um dia lá?

- Verdade... você sabe que há muito tempo atrás aquele castelo era cheio de gente...? Ouvi os mercadores comentando um dia. Cheio de meninas, como uma escola só para elas. E agora... nada!

- Nunca gostei daquele castelo. Existe... algo de errado lá.

- Deixe de ser exagerada! Está apenas... quase abandonado

- Esse quase é que me preocupa.

- Bom – falou Clara tirando as luvas grossas – é esse quase que nos salva. Se estivesse abandonado, esta lua estaria deserta. São eles quem compram tudo o que a cidade produz.

- E não acha isso estranho demais...?

- Você pensa demais.

- Tenho que pensar por nós duas, não?

Clara deu um tapa na perna da outra garota.

- Você é cruel! Mas tudo bem... por isso não te contarei as novidades de fora de Hok.

Lore se agitou.

- A crueldade verdadeira será sua em não me contar. Vamos.. você é uma boa menina.

- Ouvir de mim, alguém que não pensa tanto como você...?

- Ah... já entendi. Chantagem. Seu preço!

- Uma semana tirando os espinhos com as luvas calçadas... e sozinha!

- A novidade tem que ser muito boa para custar tudo isso – ameaçou com um balançar de dedo, quase não contendo o riso – Pagarei o preço se a informação for à altura. Sabe que cumpro os acordos.

-  O preço é alto porque não é apenas informação que tenho... – tirou do bolso da calça um pequeno aparelho de hologramas, o qual cabia na palma da mão – Veja!

A luz azul se projetou do aparelho e apareceu uma figura de sessenta centímetros: um rapaz louro com um uniforme de piloto pardo e surrado, uma pistola à mão, o olhar focado, encostado na parede alva de um corredor todo branco, vigiando algo. O holograma emitia uma imagem congelada.

- Esse holograma está sendo distribuído por toda a galáxia, foi o que me falaram quando fui na cidade ontem com mamãe. – falou Clara, toda alvoroçada – Você quis ficar no roseiral... então veja o que ganhei de um caçador de recompensas.

Luke!

O sorriso de Lore se desfez no espanto, enquanto seus olhos brilhavam. Controlou-se quase que imediatamente. Luke fazia parte do seu passado que não deveria ser mencionado. Intimamente sorriu em poder ver uma imagem holográfica depois de todos esses anos alimentando sua figura mentalmente para que não se perdesse.

- Você disse ... caçador de recompensas, Clara?

- Sim! Estão atrás desse rebelde. Um rebelde, imagine só! E deve ser muito importante, porque a recompensa que estão oferecendo é uma fortuna!

- Rebelde... – sim, um rebelde. Ele não poderia ser outra coisa diante do Império...  - Devem estar desesperados para que até aqui o procurem...

- Verdade! Estão no encalço dele! Mas parece que ele consegue sempre escapar. Não duvido que ele tenha estado em Hoth... e isso não tem nem um ano-padrão!

Lore examinava a imagem tridimensional de Luke com atenção. Os cabelos, um pouco mais curtos, haviam escurecido levemente. Era um adulto agora. Focado... ansioso... temeroso por algo ou por alguém, com a determinação a guiá-lo.

Pegou outra flor e quebrou-lhe os espinhos devagar, enquanto divagava que anos se passaram desde Tatooine. Pensava nele todos os dias, enquanto colhia as rosas. Por vezes se impacientava consigo mesma ao manter essa recordação; em outras, uma sensação de conforto a envolvia. Estranhamente, ele parecia mais real do que a vida que ali agora se encontrava.

- Gostou dele, Lore.... Nem adianta negar! Ele é muito lindo... mas esqueça. O Império não deve demorar a pegar esse bandido.

- Bandido?  Você não sabe quem são os reais bandidos!

Lore levou a mão à boca, estarrecida pelo o que tinha falado... e pela forma que pronunciou as palavras. Toda essa raiva pertencia à sua outra vida e  ressurgira de imediato, só aguardando uma provocação. Em nenhum momento naqueles quatro anos ela alterara a voz e isso assustara Clara.

Contrariada consigo mesma, ela se levantou.

- Vamos juntar as rosas e carregá-las para o planador. Sua mãe deve estar nos aguardando para irmos ao castelo.

 

************************

 

Montes de pétalas murchas e escuras nos caules secos ao lado do portão gradeado do castelo. Lore as colhia para colocar no reboque atrelado ao planador, enquanto Anne e Clara entregavam as flores vivas para dois homens fardados de vermelho escuro, os mesmos de todos os dias, calados e de expressão assustadora. Nunca houve uma troca de palavras, apenas de flores e dinheiro.

Ela nunca gostara de ir ao castelo. Sentia arrepios correndo por todo o seu corpo toda vez que lá se encontrava, principalmente quando colhia as rosas sem vida. A cabeça latejava pela urgência de se afastar dali e naquele dia, em especial, não sabia como ou o porquê exato, uma agonia que a fazia estremecer; talvez pela conversa travada com Clara anteriormente, a qual havia desenterrado à luz do dia aquelas sombras de sua outra vida.

Não quisera se explicar com Clara. Preferiu se afastar dela desde o evento na estufa. Encontrava-se agitada por dentro e a outra menina ainda assustada pela sua reação de ira. Mais tarde tentaria acalmar as coisas com ela.

- Garota!

Lore sentiu um frio no coração ao escutar aquela voz arranhada e grave, as rosas mortas caindo-lhe das mãos. Lentamente virou-se e encontrou, entre os dois guardas, uma senhora alta e esguia vestida com uma túnica de vermelho tão escuro que beirava o marrom, a gola a se fechar em seu pescoço flácido, as mangas compridas a lhe esconderem os braços. O coque no alto da cabeça, os cabelos totalmente brancos, o rosto lívido enrugado, o desenho da boca fina tendendo para baixo, numa expressão de desprezo. Mantinha-se em uma postura ereta, contrastando com o avançar dos anos.

- É surda, garota idiota? Venha aqui, agora!

Lore caminhou em sua direção, olhando rapidamente para a expressão estarrecida de Clara e detendo-se na vergonha no semblante de Anne. O entendimento lhe caiu pesadamente em um demorado piscar de olhos.

 Respirou fundo e voltou sua atenção para a senhora, o seu interior se modificando, sentindo-se mais uma vez com seis anos de idade, a sensação da ameaça, a raiva latente a protegê-la, toda a leveza e risos dos últimos quatro anos caindo ao chão junto com as derradeiras pétalas em suas mãos.

A mulher a dissecou dos pés à cabeça com um olhar avaliativo.

- Dez anos. Muito nova ainda. Mas terá que ser assim mesmo.

Os guardas seguraram Lore, um de cada lado.

- Manteve a menina viva e saudável. – jogou os créditos em cartão aos pés de Anne – Seu trabalho termina aqui.

Lore fitava os créditos ao chão, as pétalas murchas voando na brisa.

- Não... senhora, por favor. – murmurou Anne.

- Pareceu muito ansiosa há alguns anos atrás quando lhe fiz a proposta.

- Não era para ser agora...!

- Uma mudança de planos. – a voz se derramava em frio desdém - Ganhou sua bonificação antes do esperado. Devia estar satisfeita.

– Não tive tempo de explicar para ela... – desviou o olhar de Lore, constrangida, abaixando-se e apanhando os cartões manchados de vermelho pelas pétalas murchas.

- Mãe... não! – a menina estava horrorizada – Como pôde?!

- Eles me deram o roseiral, filha... e mais esse dinheiro de agora. Nós... nós estávamos sem seu pai, sem ninguém... eu...

O semblante de Lore escureceu.

- Sua mãe me vendeu por rosas, Clara.

- Eu não sabia, Lore. Eu não sabia! Juro!

- Eu sei.

Fitou a outra menina. Ela havia sido sua amiga, sua única amiga. As lágrimas se acumulavam em seus olhos, contudo ela não piscou, a fim que não  escorressem em seu rosto.

Não chore.

Sobreviva.

 Lore mordeu os lábios e correu o olhar por todos os cantos, procurando uma rota de fuga. Os dois guardas a seguravam ainda. Uma mulher idosa. Mais nada além disso. Poderia haver uma chance...

Num rompante corajoso, mordeu com toda a força a mão de um dos guardas e pisou com igual intensidade o pé do outro, conseguindo se soltar deles e pôs-se em disparada.

Clara se desvencilhou de Anne e correu na direção da outra menina, uma ao encontro da outra. As duas estenderam as mãos, tocando-se com elas em um aperto. Lore sentiu um objeto sendo passado em sua mão, antes que os guardas a puxassem para trás e Anne agarrasse a filha.

Lore rapidamente guardou o objeto no bolso da calça.

A mulher velha se aproximou.

- Você vai dar mais trabalho do que esperava, garota.

A senhora transferiu um tapa no rosto de Lore com tamanha força que arrancou sangue dos lábios da menina. Tirou um lenço do punho de sua roupa e limpou as mãos, enquanto mirava os montes de rosas murchas ao lado do portão.

Voltou-se para Anne e Clara, com um olhar superior.

- Limpem essa sujeira. E tragam as rosas amanhã.

 

*********************************************************

Seu rosto inchou quase que instantaneamente com o tapa. Ele latejava como um pulsar intermitente.

            Lore limpou o sangue nos lábios, enquanto atravessava o salão enorme, branco e decorado com gosto feminino. Em vários móveis e nas paredes, um símbolo se fazia constante, formado com três riscos: um em vertical no meio e dois curvados para fora nas pontas. Por amar tanto as flores, sabia que aquele símbolo representava uma delicada planta, a flor-de-lis.

            Os guardas não a seguravam mais pelos braços, escoltando-a um pouco atrás dela. À sua frente, a senhora andava elegantemente e com altivez, sem temer nenhuma atitude dela pelas costas.

            Lore ordenava seus pensamentos, compreendendo que os anos que permanecera com Anne e Clara não passara de um período de estufa, para que ela crescesse e chegasse ao ponto de um botão para ser colhida. Fora bem tratada e intuía que Anne fora escolhida para a função com cuidado. Contudo, algo apressara os planos deles, ficara patente.

            Apesar do recinto ser todo claro e de tom leve, ela sentia um peso impregnado em todos os poucos e distintos móveis, nas paredes, no chão que pisava, como se uma densidade invisível houvesse se agregado ao ambiente. Todo o palácio claro e arejado mais sombrio que o próprio hangar no qual se encontrara com Vader, uma contradição que fazia que ela se pusesse mais em alerta.

            Havia algo a mais... algo mais obscuro ainda que se insinuava e se robustecia a cada passo que dava, chegando mais perto, mais perto... Forçava suas pernas trabalharem avante contra sua vontade, pois não existia outra opção. Era repulsivo e forçoso ir em sua direção.

            Ultrapassaram uma enorme porta dupla que se abria, aquele símbolo dos riscos no umbral, dando acesso ao último salão. E, nesse instante, ela tomou consciência do motivo pelo qual a trouxeram até ali.

            Ao fundo, em um patamar um pouco mais alto com oito degraus, um trono se fincava junto à parede, igualmente branco, abrigando um ser envolto em uma sotaina negra, o capuz ocultando parcialmente seu rosto. Ao seu lado, dois guardas mascarados, vestidos com túnicas vermelho vivo, portanto lanças.

            Lore recebeu um empurrão dos guardas que a acompanhavam e ela se posicionou perto do primeiro degrau, com a senhora ao seu lado.

            - Finalmente, minha neta...

            O Imperador.

            Os recém-chegados se curvaram. Lore se manteve em pé, olhando diretamente para ele, procurando seus olhos dentre as sombras do capuz. Logo sentiu uma mão pesada de um dos guardas em seu pescoço, obrigando-a se prestar reverência.

            Palpatine fez um sinal e seus soldados, bem como a guarda que a acompanhou, se retiraram do local.

            - Uma reunião de família. – seu sorriso horrível se mostrou – Esperei muito por esse momento.

            - Onde estão meus pais? – perguntou ela de forma brutal.

            - Eles não são mais necessários há muito tempo. Já a tenho aqui. É você quem eu desejava.

            Lore estremeceu diante da confirmação do que concluía há muito tempo.

            - Perde seu tempo comigo. – disse baixa e lentamente, procurando ocultar o tremor na voz - Não servirei de nada para você.

            - Sua combatividade é admirável, mas sua estupidez não o é. Tem consciência do que sou...? Do que posso fazer ... em você?

            - Gastou muito tempo comigo. Imagino que sou muito importante para o que quer que queira. Não vai me matar.

            - Não acredite tanto nisso. – disse num tom soturno – Nada e ninguém me é insubstituível... nem você. Tracei-lhe um destino magnífico... porém posso prescindir dele também.

            - Então faça... e faça agora! Não servirei a você!

            A senhora lhe deu um tapa ainda mais forte, fazendo Lore se esparramar no chão,  inconsciente.

            - Esse comportamento se mostra imprevisível, Vossa Majestade. – disse a senhora, limpando mais uma vez as mãos com o lenço guardado no punho – Os relatórios constantes da cuidadora afirmavam que sua neta demonstrava comportamento afável e adaptável. E não creio que a camponesa tenha falseado as informações.

            - Weny Ren, essa imprevisibilidade comprometerá o treinamento como uma Andhera? – o Imperador dava mostras de impaciência, cerrando um punho

            - Absolutamente, Vossa Majestade. – falou a senhora de vermelho – Há décadas treino as meninas da Casa de Ren. A imprevisibilidade humana faz parte de meu trabalho. As taxas midhicondrias elevadas, o temperamento resistente e seu traço combativo e determinado podem ser voltados para o empreendimento. Ainda acrescento, Majestade, que todos os dados fora da curva que essa menina possui são necessários para o que se deseja realizar. Talvez fosse mais produtivo aguardar mais uns dois anos e...

            - Não! – rugiu Palpatine - O distúrbio na Força se amplia. O jovem Skywalker está aumentando seus poderes... principalmente depois de Bespin. Faz-se necessário que a ponte psíquica entre minha neta e o Skywalker se inicie desde já... Em breve, ele se tornará meu aprendiz e seu poder aumentará de sobremaneira. Ele ficará imune aos encantos de Andhera. A ponte deve ser introduzida já!

            - Para ação tão rápida, meus métodos deverão ser mais... intensos. E com o temperamento e rejeição de sua neta, serei obrigada a usar técnicas mais...incisivas – sorriu – Talvez até psicotrópicos.

            O Imperador retribuiu o sorriso sinistro.

            - Faça o que for necessário, Weny Ren, contando que não a deforme...

             

            Weny Ren levantou o queixo, altiva, sentindo-se confiante em avançar.

            - Estou honrada por sua confiança, Majestade. O trabalho total não se implica apenas na ponte psíquica. A formação intelectual, as técnicas de envolvimento emocional e sensual, o aprimoramento da influência de Andhera e a constituição da personagem para agradar o Skywalker demandam um tempo considerável. Quanto mais informação sobre a vida do alvo, melhor.

            - Seus espiões já não lhe trouxeram material suficiente? – os olhos amarelos de Palpatine brilhavam insatisfeitos – Devo duvidar de sua eficiência?

            A Ren engoliu em seco.

            - Majestade, são mais de vinte anos de vida do Skywalker... dentro dos quais nos últimos quatro anos o alvo se manteve oculto na Rebelião, dificultando a coleta de dados. Mas garanto-lhe que são possíveis, apenas com um atraso de tempo... Meus espiões são muito hábeis e há muitos rebeldes perdidos de sua central que poderão nos fornecer dados da vida de Skywalker.

            O Imperador observava a instrutora Ren, ocultando sua expressão de prazer. Estava a se divertir na oscilação de êxtase e medo de Weny. Era óbvio que tudo se achava dentro do cronograma. Sua neta só contava com dez anos e estaria apta para ser uma sedutora ren em termos físicos, emocionais e de treinamento dentro de cinco ou seis anos. Não havia urgência no treinamento e sim na instituição da ponte psíquica entre o jovem Skywalker e Lore Layl antes que o filho de Vader se fortalecesse ao ponto de sentir essa invasão e opôr-se a ela.

 Após a fixação dessa ligação, fazia-se preciso a alimentação desta, tornando-a densa, forte e inquebrantável. Um trabalho delicado, árduo e contínuo de anos naquele viés de manipulação da Força.  

            Weny Ren ainda o esperava se pronunciar, o rosto sério, sua ansiedade se revelando no suor que escorria pela testa.

            - Inicie seu trabalho, Weny Ren. Eu acompanharei de perto... não quero falhas, não quero atrasos. – falou ameaçadoramente, enquanto se divertia por dentro.

            - Sim, Majestade.

            - Agora ponha minha neta de pé. Há muito ela já despertou.

            Lore apertou os olhos, o queixo tremendo de indignação, revolta e impotência. Mantivera-se quieta, fingindo-se desacordada, ouvindo todo o plano sombrio que a envolvia, enquanto se contorcia por dentro, procurando entender as minúcias das informações. Não conseguiu captar todas, mas o essencial ela bem entendera.

            Ela se ergueu sozinha, antes que a senhora a tocasse, as pernas trêmulas de raiva e medo. Mal conseguia abrir os olhos devido ao inchaço no rosto, abrangendo agora as duas faces, o gosto de sangue na boca. Empertigou-se com dificuldade, procurando abafar o temor e buscar na raiva a força de não capitular.

            O sorriso do Imperador se desfez e um manto de seriedade baixou em seu semblante. Ele se levantou do trono e desceu a escada, degrau a degrau, ressoando como um tambor dentro Lore, o mal se aproximando como uma nuvem a envolvê-la a cada centímetro que aquele ser se chegava a ela. Seu coração disparou. Enfrentara Vader... porém percebera naquele instante que antes era uma criança pequena e a ignorância compunha também a matriz da coragem. Agora, mais velha, apreendia melhor os perigos, as consequências, a noção dos atos. E aquele mal... nunca sentira aquele mal. Lutava contra um pânico que ameaça crescer e fazê-la recuar um passo diante da malevolência que o Imperador emanava.

            - Sinto o medo em você, minha neta.

            Lore fechou os punhos, procurando deter o tremor que lhe sacudia o corpo.

            - Eu... eu não farei mal a ninguém. – conseguiu murmurar, ocultando a figura de Luke em sua mente.

            - Fará sim. – a voz dele era gutural – E apreciará fazer.

            - Não... não vou.

            Ele se aproximou mais e se curvou, seu rosto deformado e corrupto ficando à mostra, os olhos amarelos intensos. A lascívia emoldurava suas palavras de modo envolvente.

            - Estou providenciando um noivo para você, um homem poderoso no qual você exercerá poder. Um futuro de poder ao lado dele.

            - Não quero nenhum poder. Não quero nada de você.

            - Para que resistir? Para que sofrer? Você, que fugiu a vida inteira, não precisará mais fugir. Não precisará mais se esconder de nada e de ninguém...

            - Você é que me obrigou a fugir. – buscou forças dentro de si – Você fez todo o mal em minha vida. Você matou meus pais! E quer agora me oferecer um futuro?

            O Imperador pousou sua mão na cabeça dela. Lore se esquivou.

            - Sim, eu fiz você. Eu a fiz forte. Eu lhe mostrei a verdade da vida! Não importa o que você passou. Foi somente para estar pronta para agora, pronta para o que posso lhe oferecer. – semicerrou os olhos com prazer - Sinto sua raiva... ela é imensa... ela é poderosa! Você é digna do poder que  desejo que exerça.

            - A que preço? A de fazer outros sofrerem?

            - A que preço, minha neta...? Que preço pode ser maior do que a vida que viveu até agora? Sua mãe louca... sem um lar. Ah, e um pai fraco, tão fraco... que não a protegeu de nada. E quando teve algo para chamar de lar, a traição veio de quem a alimentou. – a voz se aveludou sombriamente - Ninguém lhe deu nada, nada sem cobrar algo muito doloroso para você. Por que se importar com alguém?

            - Você também quer me dar algo cobrando que eu... eu faça a outro o que fez comigo!

            Palpatine a pegou pelo queixo. Lore se forçou a encará-lo, tentando conter o asco ao sentir aquela garra a tocá-la.

            - Sim... é isso! E lhe falo diretamente a troca. Não a estou enganando com as ditas bondades... Não se deixe enganar por essa falsa noção de bondade. – prosseguiu ele suavemente – A bondade é para os fracos, que precisam uns dos outros para se apoiarem, pois não ficam de pé por si só.

            O manto negro do Imperador a enlaçou pelos ombros. Um arrepio correu pela espinha da menina. Ela sentia a densidade do mal, uma viscosidade brilhando sombriamente. Poder. Poder. Sem amarras, sem prisões. Liberdade.

            - Por que tenta me convencer se pode impor o que quer de mim?

            - Porque você já passou pelas provas da vida e está aqui, ao meu lado. Você não sucumbiu às dificuldades. Quero que conheça sua verdadeira natureza... É um desperdício de tempo você resistir ao que lhe é destinado. Porque a quero inteira para seu futuro.

            Apesar de todo o seu ser gritar contra as palavras do Imperador, Lore encontrava a lógica nelas. Ninguém lhe dera nada sem sugá-la. Ela sempre soube que era forte. O único exemplo de decência que tivera fora seu pai em toda a sua fraqueza... fraco. Fraco. O Imperador também desejava algo dela e muito importante para ele, mas ele mostrara a permuta sem rodeios. Será que seus pensamentos estavam errados...? Será que agira pensando nos outros por uma quimera? Será que ele tinha razão no que dizia?

- Eu sinto a raiva em você... sim... a raiva que a mantém, que lhe dá forças até para me enfrentar! Você é forte. Não se alie aos fracos. Entregue-se ao seu destino e seja o que você nasceu para ser!

            A voz do Imperador era hipnótica, seu manto a envolvendo por completo. A densidade de seu mal a tocava com delicadeza, como água a deslizar por sua pele, aguardando ser absorvida. Lore sentia-se como que se estivesse drogada e fechou os olhos, os sentidos lânguidos, como se flutuasse, tudo ao seu redor muito lento, as dores no seu corpo se amortiçando, todos os seus músculos relaxando.

            Seus braços quedaram-se rente ao seu corpo e ela sentiu um volume em seu bolso, apalpando-o em um reflexo. O dispositivo de holograma. Luke.

            Num rompante, ela abriu os olhos o máximo que pôde e encontrou o rosto de Palpatine a centímetros do seu. Ele salivava como uma besta, aguardando a entrega dela. Piscou os olhos rapidamente, como se espanasse a névoa que a circundava e encarou aqueles olhos amarelos diretamente, sem sombras a distorcerem sua visão, enxergando pela primeira vez aquele monstro realmente. Ele tinha medo. Toda a sua empáfia ressoava a temor. E atrás daquele medo... nada. Não havia... nada.

            - Você tem medo... tem medo de Luke Skywalker. Tem medo que ele seja mais poderoso que você. Tem medo de não conseguir controlá-lo...

            O Imperador a empurrou e ela caiu sentada, sem tirar os olhos dos dele.

            - Por isso precisa de mim. – continuou ela, surpresa com a verdade, quase sorrindo – Precisa de mim para fazer algo que não tem poder de fazer.

            Palpatine arreganhou os dentes, a fúria eletrificando suas mãos.

            Lore sentiu o perigo e apreendeu que poderia morrer naquele momento. Um medo instintivo a tomou, contudo a satisfação de finalmente ser livre manteve sua dignidade e ela ainda conseguiu sorrir.

            O Imperador, ao ver aquele sorriso, baixou as mãos, o ódio esfriando sua raiva, a lucidez retornando aos seus olhos antes enlouquecidos de ira. Lentamente o rosto furioso dele relaxou e agora era ele quem sorria.

            - Vou gostar de ver você sofrer, minha neta. E acabará por realizar exatamente o que desejo.

            Ele deu as costas para subir os degraus da escada.

            - Weny Ren, garanta que o condicionamento não nuble a mente dela completamente. Quero que ela esteja consciente do que fará.

            - Majestade, isso é perigoso. Deixará uma porta para...

            - Faça! – gritou voltando-se – Quero que ela esteja consciente das atrocidades que fará, sem poder se deter. Quero vê-la sofrer.

            A senhora de vermelho agarrou o braço da menina.

            - Terei o imenso prazer em cumprir suas ordens, Majestade.

            Lore ainda sorria. Havia uma chance ainda de evitar fazer mal a Luke. Estaria consciente... e com toda a raiva para mantê-la viva.

 

 

 

   


Notas Finais


Olá! Aqui termina a história da infância de Lore. Outras informações, inclusive sobre a última prisão dela serão fornecidas em outros capítulos, por diálogos ou reflexões.

O próximo capítulo será a conversa de Luke com Lore na subida da colina.

Esclareço que alterei a linha de tempo de Star Wars nesta fanfic. A diferença temporal da Batalha de Yavin para o Confronto em Bespin, três anos. O mesmo ocorre entre Bespin e a Batalha de Endor.

Informo que talvez espace os capítulos em dez em dez dias ou em quinze em quinze em virtude do trabalho e do estudo.


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