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História De luz e de sombras - Prelúdio X: Equilíbrio


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


Sou eu próprio uma questão colocada ao mundo e devo fornecer minha resposta; caso contrário, estarei reduzido à resposta que o mundo me der.
Carl Jung

Capítulo 19 - Prelúdio X: Equilíbrio


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Prelúdio X: Equilíbrio

   A respiração lenta e profunda. Ritmada. Sem pressa. Uma saraivada de recordações voando lépidas por sua mente como um bando de pássaros o rodeando, as asas batendo acusadoras, os bicos o ameaçando, as garras o arranhando. Permitiu que as imagens inundassem sua tela mental, rápidas, consistentes, alternando-se aleatoriamente quanto à sequência real de eventos, as emoções agregadas a elas, tonalizando-as.

  Chegando ao abrigo, amparado por Lore. A paz do Lado Sombrio. A explosão de luz lhe queimando os olhos escuros. O rosto angustiado de Ben ao auxiliá-lo a deitar-se na cama. O gosto da boca dela. O lago negro e oleoso. A sensação reconfortante da sopa quente. O horizonte sombrio de possibilidades de seus desejos. A frieza dentro de seu coração. A mão dela em seu rosto.

 A torrente de imagens não se cansava de cair sobre ele. Nunca demorara tanto, pensou Luke. Já perdera a conta de quantas vezes exercitara a meditação naqueles tantos anos. Nem nas mais desastrosas tentativas no início do treino com mestre Yoda, com sua mente ainda impaciente e indisciplinada, fora tão difícil se concentrar como agora. Suspirou.  Fora um rapaz com pouca bagagem e os desejos a ziguezaguearem como abelhas sem direção e suas dificuldades provinham de sua juventude e impulsividade. Agora era um homem maduro, com mais peso do que poderia imaginar que um dia carregasse, porém com conhecimento e vivência capazes de sustentar essa nova bagagem, a disciplina jedi a comandá-lo e... quase cometera um ato que talvez não tivesse volta.

Lembrou-se de Bespin. Já ali não poderia ter agido daquela forma – quase colocara tudo a perder. Fatalmente sucumbiria ao Lado Sombrio com Vader a direcioná-lo, caso fosse capturado e todos os acontecimentos posteriores teriam se deturpado a ponto de visualizar uma linha do futuro já descartada no rol das possibilidades, ele e Vader juntos, como pai e filho, e toda a Rebelião destruída.

   Mas como não socorrer seus amigos...? Como não socorrer Lore agora? Como não agir como sua natureza o impelia, fazer o que fosse possível para o bem dos outros? Seria uma violência para o que acreditava profundamente em ser o correto a fazer. Sacrificar-se por uma causa era escolha sua;  permitir que outros se sacrificassem quando existia outra possibilidade de salvá-los...?! Conscientemente deveria deixá-los ao seu destino, como Yoda lhe falara? Depois de tanto tempo, ainda não concordava com seu antigo mestre sobre essa questão. Enquanto houvesse uma chance, por mínima que fosse, era o indício de realizar. Era um paradoxo ainda não resolvido dentro dele, a responsabilidade de sua existência como um jedi e ator importante nos acontecimentos da galáxia e sua crença em auxiliar não apenas o todo com suas ações, mas também os indivíduos com a mesma tenacidade.

 Essas reflexões também se juntaram à confusão de lembranças, sentimentos e de outros pensamentos que flutuavam a esmo.  Como pudera se deixar seduzir pelo Lado Sombrio? O que lá encontrara fora totalmente diverso do que lhe fora mostrado por Yoda e Obi Wan. Muito mais sutil, atraente e envolvente. Teria despertado das trevas se não fosse a ação de Lore? Talvez, com o tempo... ou não. Tão... completo naquele vazio, sem dúvidas, sem alternativas, só certezas.

 E se não houvesse retornado, o que teria sido de Ben, de Leia, Han, Chewie, seus aprendizes...?  Teria sido capaz de machucá-los ou até de matá-los? O que ele faria a mais?

 Aquela paz sombria ainda acenava para ele, como uma amante a marcar o próximo encontro

 As frases se faziam pesadas com as dúvidas e angústias. Não impediu que nenhum pensamento ou emoção ou recordação se represasse. Consentiu que fluíssem sem obstáculos. Eles deslizaram numa corrente sem fim por um tempo interminável até que... tudo se escoou.   Ele nada mais pensou ou sentiu, a não ser deixá-los piscando em suas formas-pensamentos. Concedeu a todo o caleidoscópio de emoções o cintilar por si mesmo e  afastou-se gradativamente de toda a confusão, desvencilhando-se, tornando-se, pouco a pouco, um observador de si mesmo

 Ainda no mesmo ritmo da respiração, elevou a mão esquerda, a humana, junto ao seu peito e em posição vertical; a direita, a metálica, a palma para cima e em posição horizontal, deslocada um pouco mais abaixo. As mãos irradiavam um calor, uma energia. O dar e o receber respectivamente. O ciclo. A Força circulando dentro dele suavemente como a água na roda de um moinho, o rumorejar do fogo líquido serenando seu interior a cada volta completa dentro de seu ser. Os músculos de seu corpo relaxaram paulatinamente, parte por parte, não mais refletindo a tensão dos acontecimentos. Tornaram-se tão relaxados que a consciência deles se esvaiu. A consciência do corpo se obliterou e o jedi agora estava livre de quaisquer interferências de si mesmo.

 Sua tela mental agora estava organizada, todos os fatos, pensamentos e sentimentos alinhados e claros, prontos para serem analisados com serenidade, lucidez e objetividade.

 Teria se equivocado ao ter realizado o que se propôs com Lore? Não. Era alguém que precisava e queria ajuda. O que os ligava tinha influenciado sobre essa decisão? Sim. Como fora para Bespin, com a pretensão de salvar Han, Leia e Chewie. Como havia resgatado seu cunhado em uma empreitada difícil e arriscada no antro de Jabba, o Hutt. Como tinha se entregue a Vader, para trazer seu pai para o Lado Luminoso. Faria caso fosse outra pessoa que não tivesse algum vínculo e que estivesse na mesma situação, procurando auxílio? Sim. A diferença era a satisfação final, a emoção pessoal a engrandecer por ver quem lhe era caro estar bem.

Fora irresponsável naquelas ações? Não. Arriscado? Sim. Porém todas as situações foram devidamente analisadas e planejadas, com as possíveis consequências... para o bem ou para o mal. A imprevisibilidade constituía no universo, bem o sabia. Ninguém possuía o controle sobre tudo. Entretanto, dentro do que lhe era conhecido, honestamente a olhos vistos sobre si mesmo, preparado.

 Sua irresponsabilidade se revelou não na escolha de socorrer alguém, mas em si mesmo, por achar-se capaz de resistir ao Lado Sombrio por uma vez já de lá escapado.

Arrogância.

 Arrogância... oculta sob intenções boas, nascida de sua vigilância não eficaz, uma sutil vaidade insinuante como uma erva daninha embrenhada num campo de flores. Há anos em Paideia, sem se testar, sem ser testado, sem referências. Todos a depender dele, todos sempre a recorrerem a ele. Nenhum outro ser próximo com o poder que lhe era inerente. Mesmo não tendo a intenção, acabara por relaxar. Perigosa a arrogância... cegava como o ódio, porém com o ardil lugar comum, sem alterações maiores emocionais, sem alardes. Se tivesse sido mais diligente e tenaz consigo mesmo, uma avaliação da situação e a procura de outras alternativas para a questão de Lore seriam levadas em consideração.

Arrogância encoberta por intenções nobres.

  Essa constatação o remetia a outras considerações: ele era o norte para todos que ali estavam. Dali sairiam outros jedis. Parte do fracasso de um padawan era devido ao mestre. Obi Wan falhara com seu pai, ele mesmo confessara a Luke em Dagobah. Ele falharia com seus aprendizes...? Falharia com Ben? Ele era o espelho deles. Ninguém era perfeito, bem o sabia e a outra parte da responsabilidade do fracasso pertencia ao aprendiz. Porém um mestre deveria ter a visão, a trajetória de seu padawan e tudo realizar a seu alcance. E ele não assim se comportava, iludido pela arrogância disfarçada.

  Muitas falhas em si. Muito o que se melhorar. Muito o que vigiar dentro de sua alma.

 Conhecera outra face do Lado Sombrio, uma outra forma de sedução muito mais perigosa do que a explosão da raiva, o arder do ódio e o tremor do medo, tão acintosos e identificáveis. Poderia ter ocorrido sem ele ter se voluntariado para as sombras... poderia ter acontecido de forma insinuante e gradativa, afundando-se em areia movediça sem se dar conta. O orgulho e a vaidade, segundo os holocrons, que encontrava em suas viagens logo após a Batalha de Endor, denotavam esses sentimentos na Ordem Jedi em seus últimos tempos e que contribuíram para que ficassem cegos para o Lado Sombrio, representado por Palpatine.

      E agora com ele, na arrogância.

     Lição aprendida e constantemente a ser revista.

  As consequências em sua alma, o que lhe provocara também eram de sua alçada. Arranhara-o profundamente sua queda e ele podia ainda sentir as sombras das quais escapara e seu chamado suave, como o silvo de uma cobra.  Não havia como lidar com as trevas sem se deixar contaminar por elas. Esse aprendizado seria passado firmemente para seus aprendizes e especialmente para Ben. Não haveria experiências em um caminho mediador entre a luz e as trevas. Seu coração se encontrava pesado com a experiência. Eles não precisavam passar por isso.

    Exalou fortemente, fechando essa questão. Sua mente continuava serena e ele prosseguiria nas suas reflexões.

    Lore.  Ele a enxergara através das vozes, conhecera-a por dentro, seu presente e todo seu passado por um instante. Não fora sua intenção violá-la dessa forma, porém terminara por ser um efeito colateral momentâneo quando ele entrou em contato com aqueles monstros. Era estranho ver alguém de forma tão clara e ampla... e encantar-se mesmo assim. Não se escondia de si ali, na meditação, principalmente sob a égide do ponto da Força. Encontrava-se atraído pela moça em diversos níveis, algo que há muitos, muitos anos não lhe acontecia, desde que iniciara seu treinamento jedi com Yoda.  Mesmo quando experimentara forte atração sexual e o próprio sexo em sua juventude com algumas mulheres, mesmo quando até se apaixonara  (duas vezes, quando piloto da Rebelião), nada se igualava. Era ilógico e até insano, pois a conhecera naquele mesmo dia. E, então, a revelação do vínculo astral construído.

    Uma decepção quando ela lhe contara. Ele a sentira sua chegada através da Força. Estaria enganado quanto à veracidade da emoção? Algo tão... singelo e forte, tão completo, tão inusitado. Será que sua solidão era tão grande que distorcia sua capacidade de percepção?

     Preciso era investigar esse elo.

   A ponte psíquica. Sim, agora lhe era possível enxergá-la. Construída antes de se tornar um jedi,  mal a percebera, fazendo parte dele naturalmente justamente por não possuir à época a clarividência de senti-la. Visível naquele momento... como uma grande e larga corda de luz a se perder no horizonte, cheia de nós, entrelaçada, firme. Ela brilhava, centelhas luminosas a dançarem por seus feixes. Reconheceu a artificialidade dos segmentos, o incremento da intenção, o tempo investido na edificação daquela ligação, o poder da mão que a teceu, ano após ano. Cada feixe mostrava sua idade e a energia empregada.

  Apurou sua percepção. Sua visão entrou pelos nós, pelos segmentos, patamar por patamar; viajou por aquela pequena grande incursão, como se atravessasse o hiperespaço por aqueles feixes luminosos até chegar a um filete cintilante no âmago daquela corda luminosa. Deteve-se. Delicado, brilhante em tons róseos, ele vibrava como uma corda de instrumento musical. Totalmente diverso dos feixes que o encobriam, era natural, espontâneo, autêntico, vivo por si, pulsante. Puro.

      Luke se comoveu diante da singeleza daquele fio tão fino e tão forte. Era ele que efetivamente mantinha o elo. Os outros gomos e nós acabavam por apenas acobertá-lo. Engrossavam a linha psíquica, a robusteciam, contudo se submetiam à natureza inofensiva daquele filete róseo.. Aquela linha de luz já existia muito antes de ela ser capturada pela Casa de Ren. Atravessara o espaço e o tempo e buscara a ele, Luke, não para escravizá-lo ou dominá-lo. Apenas... para tocá-lo, como um raio de sol que se perde no oceano, não mudando sua estrutura e sem desejar nada, só iluminando as águas. E sendo algo tão belo, sua alma não o rejeitara e aceitara o vínculo, mesmo sem ele ter conhecimento em nível consciente.

     A ponte psíquica, artificial e intencional só se acoplara ao que já existia, seguindo a ordem de atração do universo, de otimização de energia, aproveitando um caminho já construído.  Se Lore, entretanto, quisesse seduzi-lo da forma pela qual fora treinada para dominá-lo, talvez aquele vínculo viesse a ser uma base mais eficaz do que o planejado pois, sendo de natureza pura, poderia vir a iludi-lo. E Lore tivera a oportunidade perfeita de assim agir ali mesmo, na subida da trilha, quando ele se encontrava nas sombras. Teria cumprido sua missão. Mas, não. Ela escolhera outro caminho.

   Com um átimo de vontade, diluiu o quadro ordenado

  Luke abriu os olhos lentamente, seu corpo se fazendo presente. Mirou o céu e verificou, pela posição das estrelas, que era madrugada alta, o vale à sua frente com todos os seus recortes. Muitas horas se passaram desde que ele começara o processo de meditação.

Voltara para si em todos os sentidos. Sentia-se sereno, equilibrado, uno com a Força.

Alongou a coluna e levantou-se. Encontrava-se quase na beirada da base da colina, a cerca de setenta metros do abrigo. Pôs-se a retornar para lá.

  Ao se aproximar da construção, visualizou Lore e Ben sentados na soleira da porta, dormindo, ela apoiada no umbral e ele deitado em seu colo. Os dois, parecendo sentir a presença de Skywalker, remexeram-se, ainda imersos no sono. O jedi fez um pequeno gesto com a mão:  a moça e o menino retornaram à quietude, tranquilos.

Luke pegou Ben em seu colo, entrou no abrigo e colocou-o em uma das duas camas que existiam em um quarto e cobriu-o com a manta. Fitou o garoto com carinho, afastando algumas madeixas que insistiam em cair-lhe na testa. Farei o que me for possível, Ben, por você. Serei um melhor exemplo, para que você não caia nas sombras.

 Voltou para a porta e quedou-se a contemplar Lore. Ela tomara banho e trocara de roupa,  calça e camisa negras  do próprio Luke guardadas na cabana, o longo cabelo ainda úmido. Estava tão simples, sem nenhum aparato,  apenas ela.

Apenas ... ela.

Perto, jogada no chão, encontrava-se uma corrente dourada fina com pingente da flor de lis. O fecho do colar se mostrava quebrado, como se o colar houvesse sido arrancado do pescoço.

  Luke carregou Lore com delicadeza nos braços, apoiando a cabeça dela em seu peito, o perfume de rosas suave, o calor de seu corpo apesar da fria madrugada, a maciez de sua pele, o rosto relaxado pelo sono. Usufruiu daquele momento de paz com ela junto a si. Não existia pressa para colocá-la na outra cama junto a de Ben. 


Notas Finais


Olá!
Este capítulo foi desenvolvido em virtude da grande queda que Luke sofreu no Lado Sombrio. Fazia-se necessário seu retorno ao equilíbrio, a si mesmo como jedi e às suas convicções.
Agradeço ao meu amigo André o toque nesse assunto.

O próximo capítulo já está em andamento.


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