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História De luz e de sombras - Prelúdio XIII - De frente com o destino


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


E minha alma, sem luz nem tenda,
passa errante, na noite má,
à procura de quem me entenda
e de quem me consolará...
Cecília Meireles

Capítulo 22 - Prelúdio XIII - De frente com o destino


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Prelúdio XIII - De frente com o destino

 

                Luke se aproximava dela, enquanto Lore terminava a série de movimentos, ainda de costas para o jedi. Ela se vestia de preto, camisa de manga curta e simples, as botas a quase lhe alcançarem os joelhos, a longa trança a cair pesadamente em seu dorso, assim, desse modo, todo os dias. O único adereço que sustentava eram as braçadeiras escuras, que cobriam seus antebraços. Procurava chamar o mínimo de atenção para os outros, muito embora o escuro de suas roupas só realçasse ainda mais os olhos verdes azulados.

Skywalker preferia a moça trajada assim, simples, ela mesma, como naquela noite quando a teve sem seus braços, semicerrando os olhos à lembrança de tê-la consigo.

Embora dessa forma se mostrava, o convívio com ela não era tão pacífico: seu gênio era combativo e o desafiava toda vez que ficavam sozinhos com suas opiniões diferentes sobre boa parte das questões que discutiam. Era incansável em suas posturas quando se percebia certa em suas pressuposições.

 E naquela noite não seria diferente, ele bem sabia. Não era necessário recorrer à Força para ver essa pequena cena do futuro.

- Ainda com o quadril mal posicionado no giro e no impulso da perna. Desperdiça força e amplidão no movimento.

Ela se virou rapidamente, o bastão ao alto e baixando-o agilmente sobre o mestre jedi.

- Estaria corrigido se houvesse instrutor que lutasse comigo. – disse ela, desafiando-o, enquanto Luke se deslocava para a direita a fim de escapar do golpe.

- Se seu pretenso instrutor lutar com você, será nos preceitos da Força e terá que se tornar uma padawan. – falou ele, esquivando-se novamente do bastão em um novo ataque, agora para a esquerda.

- Uma padawan que dificilmente se submeteria às regras jedi. Vou poupá-lo desse trabalho. –  em um arco, a arma se direcionou para os calcanhares de Skywalker, que pulou antes que fosse atingido.

- Por vezes, os mais improváveis se tornam os melhores aprendizes.

 A ponta da ferramenta veio em direção ao seu peito. Ele se deslocou apenas alguns centímetros de lado, agarrou o bastão e, em hábil e ágil rodopio em volta de si mesmo, posicionou-se atrás dela, o bastão agora travando a garganta da moça e empurrando-lhe  suavemente o pescoço para cima, imobilizando-a.

- Agradeço a pequena aula, instrutor. – falou ela, um pouco arfante entre sorrisos – E você acabou lutando, mesmo como um simples mortal.

Luke a liberou, descansando o bastão na relva. Recolheu uma toalha um pouco mais adiante no chão e entregou-a para Lore.

Ela meneou a cabeça em agradecimento. Enxugava o suor em seu rosto e braços à mostra, enquanto avaliava a expressão do jedi e seu ânimo.  Ele se encontrava sério, um fio de tristeza a envolvê-lo e um sentimento de pesar mais específico. Fora um dia difícil. O mestre reunira a todos em Paideia e comunicara o fechamento da Academia em virtude de um possível ataque e violência da parte da própria Nova República, bem como de outros grupos fanáticos. Mesmo a localização de Paideia sendo desconhecida, não haveria descanso dos inimigos dos jedi em encontrar o planeta, começando, muito provavelmente, com a prisão de Leia, Han e Chewie.

Um grande abatimento baixou sobre todos: os choros dos younglings, as lágrimas silenciosas dos padawans e as expressões de melancolia dos membros do Corpo de Serviço. O mestre jedi explicou com mais detalhes o plano de exílio, ressaltando que, logo que a situação se esclarecesse e fosse possível retornarem às atividades, Skywalker os reuniria mais uma vez em uma academia jedi.

As horas diurnas foram ocupadas com as arrumações, instruções e despedidas. No dia seguinte, partiriam nas naves existentes no planeta.

Lore captava a tristeza de Luke, bem como sua disposição para não permitir que essa emoção o toldasse. Pressentia que seria uma daquelas noites onde ela deveria se conter em sua objetividade e procurar arrancar quase que literalmente as dores de Luke.

Viu-o acomodar-se junto a uma grande pedra inclinada, ficando meio sentado e meio deitado, olhando para o céu. Acompanhou-o, repousando ao seu lado, também mirando o firmamento.

- Não há registros de espécie com as características específicas de Snoke nos holocrons que guardo. Entrei em contato com seguidores da Força espalhados pela galáxia e alguns contrabandistas amigos de Han. – iniciou Luke, fechando os olhos e inclinando a cabeça para trás – O desenho de Snoke que confeccionei para Leia é a única pista que pude dar a eles. Ninguém tem conhecimento desse ser.

- E de Tau We?

- Existem alguns indícios... há esperança de ela ser encontrada. – apertou ligeiramente os olhos, mantendo-os ainda cerrados – Sinto que esse exílio será mais longo do que eu previa. Se não encontrarmos Snoke, ele provavelmente só aparecerá na hora que pretende em seus planos, quando será difícil detê-lo.

- Talvez Snoke seja apenas um humano como nós e que tenha sofrido alguma mutação ou descoberto algo que o transformasse. – refletiu ela, deixando-se hipnotizar pelo brilho intermitente das estrelas.

- Possível. – o jedi abriu os olhos, encarando as mesmas estrelas – Um usuário humano da Força. Um antigo sith. Um jedi desgarrado. Ou algo a mais. Provavelmente algo a mais... mudarei o foco de minhas pesquisas.

Lore levantou a mão e brincou com as estrelas, como se elas fossem apenas pontos de luz próximas e as tocasse como notas de um instrumento musical cintilante.

- Nessa situação toda, pelo menos algo de positivo, é que Ben terá toda a sua atenção.

Skywalker assentiu para si mesmo. Lá vinha ela com aquele assunto... de novo.

- Sei aonde pretende chegar. – virou o rosto para ela – Não.

- Ele precisa saber de todo o poder que possui, Luke. Você me disse que há séculos não existe alguém como Ben. – cingiu os lábios, fitando o jedi – E ele precisa saber de Snoke, ainda mais por isso.

- Ben não está pronto para saber o que ele é. Não tem estrutura emocional para isso.

Lore se afastou um pouco do encosto da pedra, sentando completamente e voltando-se para o mestre jedi, as feições sérias. Procurou suavizar sua voz comumente tão objetiva e seca em sua fala.

- E por esse motivo também não o ensina a se defender? Não há nada nas aulas sobre o combate com o Lado Sombrio ou quaisquer informações mais detalhadas, nem para Ben e nem para os seus aprendizes mais velhos.

Luke também se sentou em frente a ela, igualmente com a postura grave. Embora Lore fosse usuária da Força, existiam muitos desdobramentos que ela desconhecia justamente por não ser treinada como Jedi... e por não estar intimamente ligada à história de seu sobrinho. Gostaria muito que ela pudesse compreender seu ponto de vista e até que compartilhasse dele também.

- Meus padawans não desenvolveram habilidades suficientes ainda para colocá-los à prova. E quanto a Ben... – enrijeceu-se, a imagem da caverna escura em Dagobah, onde Yoda o colocara em teste a saltar diante de seus olhos – Para que ele se defenda do Lado Sombrio, é preciso que ele conheça as sombras em provações. Não há como fazê-lo passar por essas situações... correndo o risco que ele se deixe levar pelas trevas.

- Talvez esteja subestimando Ben. – ela procurou ser menos incisiva, pois vira uma agonia no olhar de Skywalker -  Você o ama... e o cerca de mais proteções do que ele precisa.

- O Lado Sombrio é sedutor demais. – cerrou a mão metálica, tenso, uma veia no pescoço pulsando – Não posso testá-lo nas sombras... ainda não. Snoke desequilibrou meu sobrinho antes de ele vir para cá. Ben parece uma criança madura e estável, mas não é. Eu vejo a luta dele consigo mesmo para parecer que está bem. Você não o conhece como eu, Lore.

Por que ele se fazia tão teimoso?, refletia a moça, irritada e preocupada, enquanto olhava diretamente para aqueles olhos azuis mansos. Por que se obrigava a tomar todas as decisões, sem ponderar com outra opinião nas questões tão cruciais? Por que se obrigar a carregar aquele peso todo sozinho?

Sempre sozinho.

Em um impulso, quebrou o acordo mudo e tácito entre os dois de não terem maiores intimidades e aproximou-se dele, tocando-lhe carinhosamente o rosto, a barba curta de Skywalker arranhando a palma de sua mão.

Ele semicerrou os olhos ao seu toque.

- Pode até conhecê-lo tanto assim. – ela falava baixinho -  Mas sei, Luke, que é importante que você conte tudo a ele. Se Ben descobrir quem ele é, do poder que tem e da ameaça de Snoke, de outra forma, perderá a confiança em você. E se ele não mais te enxergar como um porto seguro... não adiantará tê-lo protegido tanto.

Em um inesperado gesto de carinho, ele pegou a mão de Lore que o acarinhava na face e a beijou delicadamente.

- Não quero que Ben sofra pelo o que passei. Ele pode não resistir.

O olhar dele foi significativo e Lore sabia bem a que ele se referia. Ela estremeceu ao recordar aquela noite, há dois meses atrás, e a possibilidade de Skywalker não conseguir sair das sombras. Contudo, ela respirou fundo e continuou a persistir, pois sentia, em seu âmago, que estava certa. Talvez houvesse uma brecha.

- Até isso... sim, até isso é preferível a ele perder a confiança em você. Se Ben continuar acreditando em você, Luke, mesmo na escuridão ele encontrará um caminho para retornar; ele irá enxergar o mestre dele, o tio dele e você terá condições de ajudá-lo. – chegou mais perto do jedi – Ele é menino bom. Ele escolheu o Lado Luminoso e está sendo perturbado por Snoke.

- Não. – segurou com firmeza as duas mãos dela entre as suas, encarando-a profundamente – Ben não escolheu por qual caminho quer andar. Compreende, Lore...? Ele ainda não escolheu. E por isso não passo a eles ensinamentos mais aprofundados sobre o Lado Sombrio; por isso procuro reforçar o Lado Luminoso nele antes de colocá-lo à prova, antes de falar toda a verdade para ele.

A cor fugiu do rosto dela. Sua respiração ficou presa na garganta por um instante.

- Então é mais importante ainda ser você a contar, mesmo com todos os riscos. Se ele ainda estar a escolher qual caminho seguir e não mais confiar em você, será um desastre. Por favor, Luke. – os olhos dela ardiam pela urgência -  Precisa confiar em Ben. Precisa dar uma chance a ele.

Skywalker a olhava, surpreso pela emoção que ela se permitia passar, um quase pânico nos subtons em sua voz. Geralmente Lore era controlada em suas emoções, mesmo quando se mostrava mais incisiva em suas colocações. Ela pressentira algo que escapara dele...? Ou era aquele sentimento um reflexo da empatia que sentia por Ben? Ela expôs argumentos lógicos na sua defesa. Ela tinha razão, mas ele, Luke, também tinha fundamento em sua recusa em revelar tudo para Ben.

Amanhã todo planeta estaria vazio, permanecendo apenas ele e Ben em Paideia. Lore ainda não tinha conhecimento, porém ele conversara com Leia e encontrara um lugar oculto, na orla exterior, para que a moça permanecesse em segurança. A existência da neta de Palpatine se espalhara pela galáxia e seu rosto também era conhecido, provavelmente descrito por um dos três cativos a alguém interessado. Qualquer um que ficasse ao lado do jedi agora corria perigo, pois nada garantia, nem o fechamento de Paideia, que o caçassem. Talvez houvesse mais chance de ela escapar dessa possível caçada se estivesse longe. E seu sobrinho permaneceria com ele porque mais perigoso seria Ben se afastar dele, dos ensinamentos do Lado Luminoso e da proteção contra a escuridão.

Talvez ela pudesse escapar do que ele vira.

Desde o ataque dos Cavaleiros de Ren àquela pequena vila, Skywalker vislumbrara uma linha do futuro possível, que acabara por se concretizar: a de ser responsabilizado pelo massacre e ser colocado como um alvo. Não era algo certo no começo, mas uma alternativa a ser considerada. Em virtude disso, eximiu-se de tocar Lore, de levar o relacionamento adiante, aguardando o desenrolar dos acontecimentos na galáxia. Ao mesmo tempo, durante aqueles dois meses, foi-lhe impossível se afastar dela. Existia uma chance, um outro futuro, onde os eventos levariam a um curso diverso, onde haveria um lugar seguro para os dois.

Não deveria ter agido dessa forma. Deveria ter ficado longe durante todo esse tempo, mas quando fitava aqueles olhos verdes azulados, quando ouvia sua voz de contralto, quando via sua testa franzir em discordância, sua postura firme, seu olhar discreto e carinhoso para com ele, seu rosto iluminado, seu cada vez mais constante sorriso; quando sentia o toque de mãos eventual e cúmplice, seu perfume de rosas a encher o ar que respirava...

Luke engoliu em seco. Uma imagem embaralhada acompanhava seus temores, algo ainda sem definição exata, mas o bastante para ele tomar conhecimento da essência do evento. Algo que poderia acontecer... e que era tão terrível, tão doloroso que o jedi não se atrevia a vislumbrar mais uma vez.

Skywalker não soube se deixou algum pensamento seu escapar de seu controle ou se simplesmente Lore já o conhecia o suficiente para lhe decifrar o semblante. O fato é que ele percebeu a mudança das feições dela, de compreensão do que ocorria e da decisão que tomara.

Ela se posicionou frente a ele, junto a ele, suas mãos envolvendo primeiro o rosto de Luke e depois enlançando-o pelo pescoço. Encarou-o sem nenhuma defesa, permitindo que todo seu sentimento  por ele ficasse visível.

- Não há nada que diga e ou que faça... eu não vou embora.

Ele afastou uma madeixa que se soltara do penteado dela, caindo-lhe no rosto. Alisou-lhe os cabelos, pensativo e pesaroso.

- Não quero que vá. É a última coisa que desejo. Mas é preciso que parta para que fique em segurança.

Ela encostou a testa dela na dele, sentindo-lhe próxima a respiração,

- Imagino todos os seus argumentos... e tenho como derrubá-los.

Luke afastou o rosto dela para encará-la, segurando-o com ternura entre suas mãos.

- Até de uma visão minha?

Lore sentiu um alerta na tristeza naquelas palavras ditas tão brandamente.

- Você mesmo já me falou que o futuro está sempre em movimento. Suas visões nem sempre estão certas ou acontecem.  

Luke engoliu em seco e a trouxe para si em um abraço.

- Nessa visão, não consegui te defender.

Lore estremeceu e Luke a cingiu mais para si, o rosto dela em seu ombro .

- E você... também...? – foi menos que um sussurro.

- Não. - Luke ouviu o suspiro de alívio dela, seu corpo menos tenso.

- Como... quem...?

Ele afundou o rosto nos cabelos dela, o perfume de rosas a pairar.

- Você estava caída. – as palavras quase não saíram – Sem respirar. E eu não pude  chegar perto de você.

Lore estremeceu mais uma vez e a raiva que a conduzira por toda a vida retornou transformada em revolta, indignação e determinação. Não. Não se deixaria levar por uma visão, por uma possibilidade, por um talvez. Sua vida toda fora  comandada pelos outros, ela sempre lutando para sair desse domínio. E agora, logo agora, que se achava livre e com Luke... não permitiria que cair naquela cilada e retornar a fugir de fantasmas.

- Ficarei contigo. – olhou-o intensamente com seus olhos verdes azulados – Não fugirei mais de nada. Não vou me submeter a isso nunca mais. – sussurrou perto dos lábios dele - Não vou te deixar.

Luke não pôde mais se conter. Segurando-a gentilmente pela nuca com uma das mãos, beijou-a profundamente na boca, enquanto a amparava nas costas com a outra mão. Os lábios passearam pelo rosto dela, beijando sua testa, seus olhos,  suas faces; suas mãos deslizavam pelos braços da moça, a maciez de sua pele com a ligeira aspereza das mãos do jedi. Lore semicerrou os olhos, entregando-se aos carinhos dele.

De súbito, Lore percebeu que ele estacou e que dedos dele se fincaram fortemente na sua pele. Ela abriu os olhos e viu que Luke se encontrava estático, seus olhos azuis desfocados. Lentamente a consciência retornou ao seu semblante e uma expressão de horror o dominou.

- Ben!

 

******************************************

 

A noite estava toda iluminada pelo manto estelar piscando como um ondular no tecido celeste e o silêncio reinava tranquilo no topo da colina.

Ben retirara suas botas e sentia a relva úmida pelo orvalho noturno. Esfregou os pés no chão, sentindo-o em toda a sua aspereza granular, deixando que a terra se entranhasse em sua pele, reconhecendo o solo da realidade. Era preciso não se esquecer que tocava o chão, que sua mente não se enganasse onde seu corpo se mantinha.

Seu olhar passou por todo o topo do morro e reconheceu, com aprovação, as pedras afiadas espalhadas sistematicamente em círculos dentro de círculos espaçados por alguns metros, desde o local onde se encontrava – no meio do plano, o círculo menor– e crescendo em círculos gradativamente maiores até os limites do platô da colina, no círculo maior. Nesse último círculo, dispôs não pedras afiadas e sim cacos de vidro pontiagudos, a cinco passos do declive acentuado do morro. Encaminhou-se até lá, com cuidado para não se ferir. Não existia uma cerca de proteção e a ribanceira era íngreme até encontrar o trecho da trilha que circulava o monte. Cuidado era necessário. A queda poderia ser mortal dali.

As informações do holocron eram bastante claras nesse tocante. A primeira construção mental era atordoante. O iniciado plainava entre a realidade do constructo mental e o mundo, tendendo a movimentar o corpo físico na materialidade enquanto passeava no universo interno e isso configurava um perigo, já que sua atenção se focaria no plano edificado. Comumente, tal adversidade não se configurava em risco, pois a supervisão do mestre evitaria quaisquer tropeços do corpo da carne.

Ben respirou fundo. Estava sozinho. Faria tudo sozinho e a cautela urgia. As pedras afiadas indicariam onde ele se encontrava no platô e os vidros o alertariam da encosta. Como se acharia entre dois mundos, os estímulos em seu organismo não seriam ignorados, principalmente a dor.

Preparativos concluídos.

Sentou-se no círculo menor na posição de lótus, inspirando e exalando profundamente, concentrando-se na respiração, os comandos mentais aliados à Força já previamente arrumados, o caminho para dentro de si, a imagem de seu universo interior já determinado, aguardando tomar forma e plasticidade. As batidas do coração se desaceleram e, como um tambor ritmado, o menino o escutava, o som retumbante como um compasso de tempo.

Os olhos fechados só viam a escuridão que suas pálpebras cerradas lhe mostravam. Ele  penetrou nela, tornando-a mais escura, imergindo naquelas trevas cada vez mais, afundando-se dentro de si mesmo.  Uma resistência energética, uma tela etérea lhe era resistente e Ben se forçou adiante dela, esticando-a no máximo de sua elasticidade até que a ultrapassou, sem rompê-la. Seu corpo se inclinou para frente face ao grande esforço e o padawan abriu os olhos em um reflexo.

Abriu a boca, espantado. Ali se achava uma outra realidade, construída dentro de sua mente, de sua alma. O ar possuía uma densidade diferente, como se fosse um pouco mais pesado. Seu corpo era a imagem exata de seu físico, a ideia própria de si, a mesma roupa, os mesmos apetrechos, seu próprio cheiro, os pés sujos sem as botas. Tocou seus braços, pernas, peito e rosto, verificando sua textura e, decepcionado, encontrou diferenças grandes com a realidade, a pele mais áspera e um pouco esponjosa. Bom, pelo menos a forma condizia, bem delineada.

O ambiente ao seu redor também não se encontrava a contento. Acertara novamente na forma, embora sem os pequenos detalhes – algo muito simples, quase um vazio com uma grama, algumas pedras grandes, uma ou outra árvore, um pequeno morro, um lago escuro -, mas a textura fora sem grande consistência.  E as cores... não existiam as cores bem fixas; eram emaciadas, desbotadas e sem brilho, tendendo todas para um tom acinzentado.

Não havia a luz do sol e nem era noite, mas uma tarde cinza, estática. Olhou para o céu e percebeu, antes do firmamento acinzentado, uma película, uma redoma que circundava desde o chão bem no horizonte até acima, no espaço. Ela brilhava alternadamente em diferentes locais, como estrelas maiores, flores de luz que se abriam e fechavam em suas pétalas cintilantes. Fios finos luminosos corriam do solo até o céu, como singelos fogos de artíficio. Era lindo... a única beleza ali, a única luz calorosa naquele ambiente tão neutro e artificial.

A muralha de proteção de seu tio.

A Força fluía de Skywalker, luminosa, para protegê-lo. Ele sorriu, comovido. Já a percebia de outras formas, mas nunca daquela maneira. Vista assim, Ben sentia mais uma vez o carinho de seu mestre e sua doação.

Sorrindo ainda, virou-se lentamente, olhando para a malha etérea protetora, pouco a pouco, apreciando-a, quando, de repente, visualizou uma fenda enorme, de uns dois metros de comprimento, como um grande rasgão em um tecido. O sorriso morreu em seu rosto. Um vento frio vinha daquele buraco. Aproximou-se um pouco, temeroso, e vislumbrou apenas a escuridão através daquela fenda.

Assustado, recuou muitos passos e sentiu uma dor na planta de seu pé direito, o sangue saindo da ferida. Pedra pontiaguda. Chegara a um dos círculos no mundo real. Situou-se, lembrando do platô da colina. Afastara-se do centro. Alerta. Percebeu sua situação, porém não se importou muito, pois aquela fissura enorme, aquela violação na sua proteção ocupava toda a sua atenção... e medo. O frio penetrava em seu mundo, um frio pegajoso, desagradável e ele mirava por todos os cantos, procurando... procurando...

Sentia-se observado, uma presença terrível a se fincar, a ondular o ar com seu poder. Começou a respirar rapidamente, o suor frio a lhe molhar o rosto, uma sensação de opressão a agoniar seu coração. Próximo. Muito próximo.

- Ben Solo.

O menino se paralisou, o corpo todo a tremer diante daquela voz profunda. Pensou rapidamente em retornar para a realidade –de um modo brusco e doloroso, mas era possível. Sair dali imediatamente. Porém, pior seria, pois aquele ser já se encontrava nele, em sua mente e maior mal se faria não enfrentá-lo ali, naquele mundo mental, onde havia chance de ter mais recursos para combatê-lo.

Lembrou-se de Lore, de sua coragem, de sua raiva, de seus dizeres: não tenha medo dos monstros, eles são patéticos. Tenha medo do que podem fazer e não deles em si.

Procurou controlar o tremor, respirando fundo e reuniu coragem. Virou-se.

Aquele ser era muito alto, uma cicatriz a cortar sua cabeça sem cabelos, a boca murcha e pequena, rugas cruéis nos lábios quase inexistentes. Os olhos horripilantes encaravam a criança de modo avaliativo e as mãos, como garras, dançavam no ar enquanto ele falava de modo descontraído, como se houvesse uma familiaridade com o garoto.

- Faz muito tempo, Ben Solo. – aproximou-se de uma enorme pedra e testou-lhe a consistência, com desaprovação – Skywalker nos separou apenas por um pequeno lapso temporal.

- Você... sempre foi você a me falar aquelas coisas...

- Ah, sim. Era eu. E você escutava com muita atenção.

O tom dele não era ameaçador e sim displicente, irônico. Os tremores de Ben diminuíram, dando lugar a uma tensão nos músculos já retesados. O garoto olhava aquele humanoide de lado, desconfiado, ainda com medo, embora um pouco mais senhor de si.

- Ouvia enquanto não me dizia para machucar as pessoas. –  foi um esforço grande para manter o tom firme.

- Não seja hipócrita. – o sorriso foi malévolo – Como gostou de esganar aquele garoto... Sim, aquele garoto que ofendia a você e à sua mãe.

-  Você me forçou a fazer aquilo. – o queixo tremeu.

- Nunca o obriguei a nada. Ensinei o que tanto queria saber... e fazer. Diga-me – sussurrou, o tom rouco e insinuante – diga-me que não teve prazer quando apertou a garganta dele... quando lhe tirou a respiração; quando o garoto olhou você com medo... quando mostrou a ele o quanto você era forte, o quanto era poderoso e que ninguém poderia humilhá-lo.

Ben desviou o olhar, franzindo o cenho, relembrando daquele episódio com Key. A Força, através de sua vontade, como uma mão invisível a estrangular o pescoço do outro menino, calando sua arrogância e seu escárnio; seus olhos estatelados pela surpresa e pelo reconhecimento de que era aquele menino, o pequeno Skywalker, o fraco Skywalker que lhe tirava o ar.

- Key mereceu. – murmurou para si mesmo em tom lúgubre. Encarou Snoke, dando-se conta da satisfação que fizera aquilo e abandonou de imediato aquela sensação – Mas eu errei. Não deveria ter feito. Era errado.

- Errado...? Como pode ter sido errado se ele mereceu?

O menino ficou confuso, mas logo contra-argumentou.

- Mesmo que ele merecesse,  não tinha o direito de ferir Key.

- Como lhe falta convicção, Ben Solo. – encarou o garoto intensamente – O que fizeram com você enquanto estive longe? Transformaram você, logo você, em um fraco?  Skywalker nem consegue lhe ensinar direito a construir um mundo interno. – complementou, arrancando facilmente um pedaço da grande pedra e esfarelou-o entre os dedos.

- Não fale mal de meu mestre. – uma raiva indignada sobrepôs o temor -  Ele faz o melhor para mim. Fui eu que aprendi e fiz sozinho. Eu que falhei. Meu tio não tem nada a ver com isso.

Snoke juntou as mãos, satisfeito.

- Aprendeu sozinho... e escondido do jedi. E de onde conseguiu as informações? Holocrons? Sim, vejo que sim. Então, visto por esse ângulo, realmente fez um belo trabalho aqui. Muito bem... enganou seu próprio mestre para aprender o que ele se recusou a lhe ensinar. E ainda diz que seu tio faz o melhor por você?

A expressão de Ben se contorceu novamente, confuso. Os argumentos que havia dado a si mesmo para estudar os holocrons furtivamente pareciam perder o sentido que fizera o errado em nome do certo. Instintivamente, deu alguns passos para trás, mais pedras pontiagudas lhe cortando as solas dos pés. Balançou a cabeça, ignorando a dor, buscando uma resposta adequada que não expusesse a fraqueza de seu tio.

- Ele é o único jedi e precisa de alguém à sua altura. – disse em uma bravata vacilante – Vou provar que sou digno de ser um jedi como ele. Vou ajudá-lo contra pessoas como você! Pare de tentar me confundir!

- Não sou eu a jogar com as palavras. É você, pobre padawan, que se perde nelas porque não é honesto consigo mesmo para ver o que está à sua frente.  Se Skywalker o quisesse ao seu lado como um jedi, não teria ocultado todo esse conhecimento que você mesmo se viu obrigado a buscar. – avançou alguns passos em direção à criança, inclinando-se, toda a sombra de seu manto negro envolvendo o ambiente – Ele esconde de você o conhecimento. Ele tem medo que você se torne poderoso como pode e deve ser.

Um arrepio eriçou os pelos dos braços de Ben e ele se afastou da proximidade daquele ser, daquela escuridão que crescia, o manto negro a ondular para os lados como asas de morcego. Seus pés sangravam ainda mais, o fio das pedras o alertando do espaço que percorria, atravessando os círculos demarcados na colina.

- Se meu tio me esconde algo é para o meu bem! – o menino se encontrava em desespero, pois o que era lhe colocado gritava lógica... e uma lógica que ele não queria saber.

- E mesmo assim você o desobedece porque sabe que ele não quer que você se torne poderoso.

- Isso não é verdade!

-  Skywalker o tolhe, mantém você fraco com a desculpa que o protege... de mim. – soltou uma pequena risada –. Por acaso ele disse o que você realmente é? Ele já falou do poder que você possui? Seu mestre – um desprezo toldou sua voz ao se referir ao jedi  -  lhe disse que você é mais poderoso que ele mesmo, que é mais poderoso do que o próprio Vader?

Ben empalideceu. Mais forte do que seu tio Luke? Mais forte que Vader? Não, não imaginava a tanto. Tinha consciência que a Força era poderosa nele – era um Skywalker, afinal. As taxas de midi chlorians eram altas em sua família. Maiores até do que a do mestre Yoda, como indicara os holocrons. Seu mestre fizera o teste com todos ali, contudo não revelara ao interessado e a ninguém esses números. Afirmara que não desejava uma disputa de poder dentro de Paideia e nem que o orgulho dominasse seus aprendizes. Acrescentara, inclusive, que de nada adiantava um número exorbitante de midi chlorians se o ser que as possuía não as utilizasse através da disciplina e discernimento.

Seu mestre lhe falara que era poderoso... mas não àquele ponto.

E nunca lhe revelou sua contagem de midi chlorian.

 Mas ele sabia, no entanto. Ele sabia... no fundo, sempre soube que era muito poderoso. Entretanto, jamais deu asas àquelas ideias; nunca se permitira analisá-las realmente, pois implicava em uma série de desdobramentos. As palavras daquele ser desprezível ecoavam verdade dentro de Ben. Um vulcão morava em sua alma, um vulcão com larva borbulhando, saindo a pequenos riachos enfervescentes por frestas abertas pelo treinamento, todavia devidamente controladas pelo conhecimento que recebia. Nunca se detivera nesses pensamentos ou impressões, pois soavam como traição ao seu mestre.

Mas eles estavam lá, esses pensamentos. Sempre estiveram. E eram ruins, muito ruins. Não. Ser poderoso dessa forma conduzia a possibilidades estranhas e escuras...

- Sou mais forte até mais do que você? – desafiou subitamente o menino de forma imprudente.

Snoke sorriu com maldade.

- Realmente deseja saber sobre o seu poder? Venha comigo para o Lado Sombrio ...

Ben se encolheu diante daquela perspectiva. Apenas pelas sombras teria acesso a si mesmo?

 O mal daquela entidade era enorme, quase palpável. Ralhou consigo mesmo, pois tinha medo de sentir medo, porém ainda mais raiva por temer. Uma raiva emergente mesclada com o temor, algo tão estranho, tão incontrolável. Seria isso que Lore sentia? Seria essa raiva que lhe dava coragem?

As palavras de Snoke retumbavam dentro dele. Seu tio o enganava? Seu mestre o mantinha fraco e sob controle? Ele tinha medo do que seu aprendiz poderia fazer? Não, não era possível. Seu mestre, seu tio não o enganaria. Ele lhe diria a verdade... ou não? Será que ele agiu como ele, Ben? Fazendo o errado para chegar ao certo?

Por que seu mestre não lhe ensinou o que deveria?

- Você só quer me enganar. – soltou rapidamente, antes que as palavras perdessem a força em sua boca – Eu agi mal fazendo tudo isso, desobedecendo meu tio, mesmo pensando que estava fazendo o certo. Eu confio nele.

- Confia em alguém que oculta o poder de você? Confia em alguém que mente para você? Skywalker me descobriu recentemente. – apontou o dedo para o garoto – Ele sabe quem eu sou e está claro que não revelou isso para você. Ele não confia em você nem para isso.

Bem arregalou os olhos, magoado. Como, como seu tio não lhe dissera sobre esse monstro? Por quê? Por que seu mestre o mantinha na ignorância de tanta coisa até nisso? Por que seu mestre não podia confiar nele? Por que seu tio contou para ele? Por quê?

- Ele pode até esconder algo de mim. Mas ele não é como você. – cerrou os punhos, trêmulo, pois tinha que continuar acreditando em seu mestre – Ele não machucaria ninguém.

- Como você já feriu.

 - Ele nunca iria para o Lado Sombrio.

- Como você pode ir... pois as trevas estão em você, como também vivem em Skywalker.

- Não!

Snoke olhou o menino, alisando as palmas das mãos.

- Seu mestre já imergiu no Lado Sombrio. Ele esteve lá, eu vi... Eu o senti entrar na escuridão por livre vontade. – sua voz se tornou sombriamente delicada – Mas isso ele também não lhe contou... Foi para salvar uma mulher. Fez isso por ela.

Ben franziu os lábios, apertando os olhos. Lore. Fazer o errado pelo certo. Seu mestre havia feito o errado para atingir o certo. Ele a salvara, era óbvio. Lore retornara daquela noite totalmente diferente. Seu tio se arriscara por ela e poderia ter se perdido nas sombras, mas conseguira retornar.

Certo e errado. Errado e certo. Os dois opostos se misturavam em sua mente. Existiria algo certo sem um toque do errado? O errado era necessariamente ruim? Poderia confiar e amar alguém ao mesmo tempo sem deixar de desconfiar e se ressentir? Poderia ferir alguém em nome da justiça? Poderia enganar alguém, imaginando que o poupava e na verdade o desamparava? A raiva, pertencente às sombras, tinha a capacidade de lutar com a escuridão? A luz realmente iluminava a tudo? As sombras existiam sem haver luz? Seu mestre iluminado, em um momento, fora para as sombras; Vader, imerso nas trevas, se encaminhara para a luz.

Estava confuso, muito confuso. O amor por seu mestre se mesclava com ressentimento e desconfiança, ao mesmo tempo que procurava justificativas para suas omissões para com ele, Ben.

Ele era apenas humano.

O menino olhou para aquele ser maléfico, que aguardava em silêncio. Suas dúvidas estranhamente o acalmaram e ele se viu capaz de, mesmo a tremer de medo, encarar diretamente aquela criatura sombria.

- O que você quer de mim?

- Quero que você venha a ser o que deve ser, Ben Solo. Sem mentiras, sem ilusões.

- No Lado Sombrio.

- Sinta as sombras... as sombras dentro de si. Eu não poderia tê-lo visto na Força se não houvesse a escuridão em você. Ah,  elas são grandiosas...  trevas brilhantes. Eu as senti quando você nasceu, uma perturbação jamais pressentida na Força.

- Sinto a atração da luz. Eu também tenho a luz em mim. – seu tom deixou de ser infantil – Eu não sou feito só de sombras.

Snoke se inclinou para a criança, um gigante escuro a se impor. Ben recuou instintivamente e percebeu o vidro penetrar em seus pés. Travou a mandíbula para suportar a dor, sua atenção momentaneamente voltada para seu corpo físico. A brisa da noite da colina lhe acariciou a nuca por um momento.

- Para seu poder ser totalmente desperto, para você ser o que é, essa luz terá que ser apagada, Ben Solo. – sussurrou soturnamente.

Ben recuou mais um passo. O manto do monstro se expandia, enegrecendo todo o ambiente, como a noite sem estrelas a envolvê-lo, o frio gelado a nublar o ar com uma névoa cortante.

- Quer que eu seja o que devo ser para me usar. – o menino apertou os olhos – Foi sempre para isso, não é? Entrou na minha mente apenas para isso.

- Por mais o que seria? Eu e você temos muito a ganhar reunindo nossas forças. – aproximou-se mais, enlançando o garoto em seu manto, névoas negras – Não teria permitido que vivesse se não enxergasse uma utilidade para o seu poder. Não minto para você, Ben Solo. Não o engano com minhas intenções como Skywalker faz.

- O que eu ganho em ser poderoso?

Snoke sorriu mais uma vez. Aquela pergunta era muito madura para um garoto de nove anos.

- Liberdade. Liberdade de todas as dúvidas, de todas as ilusões, de todas as dores, de todas as decepções. Completude em si mesmo, sem depender do afeto dos outros ou da vontade alheia.

-  Liberdade seguindo às suas ordens.

- Um pequeno preço por tudo que poderá usufruir.

Ben estreitou mais ainda os olhos verdes escuros.

- E se eu me recusar?

- Você não tem escolha. Não pode recusar. – Snoke fechou os punhos, o mal gélido emanando dele – Você me pertence, Ben Solo. Cedo ou tarde aceitará essa verdade. Melhor que seja agora, pois me poupará tempo e evitará muita dor desnecessária para você. – agarrou o braço do menino – Nunca se livrará de mim. Eu já estou na sua mente... para sempre.

Ben baixou o olhar para aquela garra em seu braço, a mão envelhecida, enrugada, acinzentada. O toque trazia consigo todo peso do Lado Sombrio, lânguido, asqueroso, viscoso, como se o mal fosse algo vivo que rastejava na pele do menino, procurando emaranhá-lo com sua natureza, clamando pelas sombras internas de Ben.

O menino  arreganhou os dentes. Temia Snoke. Tentava enxergá-lo como um monstro patético como Lore lhe dissera, para não lhe dar poder; visualizar o vazio no qual ele se constituía, porém não conseguia, não conseguia... pois via nele como um eco distorcido seu, um reflexo. Temia aquele ser porque temia a si mesmo, a escuridão dentro de si próprio.

Eu não sou feito só de sombras. Eu não sou feito só de luz.

 O que eu sou?

Snoke largou o garoto e enrijeceu-se, crescendo mais do que os seus dois metros de altura. Fitava a criança com gravidade e reprovação.

- Imaginei que já estivesse maduro suficiente para compreender.

Não, não compreendia. Não compreendia a si mesmo. De uma coisa, contudo, tinha certeza: não desejava aquelas trevas de Snoke, não as dele. E tampouco possuía luz suficiente para seguir completamente seu mestre, embora houvesse tentando durante o tempo que estivera ao seu lado.

A atração da luz.

O clamor das sombras.

Ele nunca seria bom o suficiente. Ele nunca seria mau o bastante.

Seu tio não lhe era mais aquele ser perfeito, íntegro em todas as ações. Ele o enganara. Ele não confiava nele, seu sobrinho. Ele o manipulava, mesmo que suas intenções fossem para o benefício dele, Ben. Ou que seu mestre pensasse que eram para protege-lo. Havia confiado em Skywalker desde aquele encontro em Tatooine. Não questionara suas ações e o seguia cegamente, mesmo quando não concordava. Procurara seguir todos os seus ensinamentos... e esses ensinamentos só o conduziam em círculos, sem chegar aos questionamentos que sempre gritavam dentro dele.

Jamais quis feri-lo. Jamais. Porém seria capaz de impedir a si mesmo...? Snoke estava ali. Estava em sua mente. Independente de qual lado da Força estivesse – ou até em nenhum lado – nunca machucaria seu tio, por mais que ele o enganara.

Se Snoke o dominasse, Luke Skywalker seria morto... por ele, Ben.

Esfregou os pés feridos no chão de seu constructo mental até romper com as realidades e sentir a terra da colina, a o verde fino da relva, a umidade do orvalho, o vento vindo do alto do morro em suas costas.

Ben devolveu o olhar a Snoke na mesma intensidade, todo o seu medo sendo dominado por uma determinação que lhe marcaria pelos anos vindouros.

O semblante daquele ser maléfico se transfigurou de forma horripilante diante da firmeza silenciosa da criança e ele avançou, gritando furiosamente, quase que flutuando em seu manto negro em meio à sua ira em direção ao menino, a fim de agarrá-lo com suas mãos esqueléticas e envolvê-lo definitivamente nas trevas.

Ben apenas deu dois passos para trás.

Seu mundo mental desapareceu instantaneamente.

O chão terroso da colina sumiu debaixo de seus pés.

E ele caiu na ribanceira, rolando pelo declive, seu corpo batendo nas pedras da encosta até que atingiu a trilha que rodeava a colina, sem sentidos.

 



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