1. Spirit Fanfics >
  2. De luz e de sombras >
  3. Prelúdio XIV - Sacrifício

História De luz e de sombras - Prelúdio XIV - Sacrifício


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


O que é a virtude? É, seja qual o aspecto que a encaremos, um sacrifico de nós próprios.

Denis Direrot

Capítulo 23 - Prelúdio XIV - Sacrifício


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Prelúdio XIV - Sacrifício

 

                Ele estava vivo... ainda.

Não deveria estar.

Imagens enevoadas e sensações confusas, como em um sonho.

 A mão humana quente e áspera de seu tio em seu rosto, o calor quase abrasante da Força a fluir dela para amenizar sua dor; o semblante de Skywalker aflito, porém controlado com a compaixão e a objetividade de um jedi.

A garra gelada e esquelética de Snoke sobre ele, o frio cortante dos raios azuis pálidos atravessando sua mente para trazê-lo à plena consciência; a fisionomia furiosa e frustrada do monstro, mas regida pela determinação.

Ambos o queriam vivo. Ambos o puxavam para si. Ambos, com seus interesses opostos, sentimentos opostos, horizontes opostos.

  A brisa fria da noite, úmida. O céu todo estrelado. O ar gelado da tarde estática cinza, seco. A cúpula brilhante de flores de luz se abrindo e se fechando. As duas realidades se entrelaçavam e clamavam por ele.

  E ele não atenderia ao chamado de nenhuma.

                *********************************

             

   Lore não teve como acompanhar Luke quando ele disparou em uma velocidade quase inumana em direção à colina. Ela correu no rastro do jedi e  subiu o morro pela trilha circundante até alcançar, momentos depois, o local onde Ben se achava caído, Skywalker já com o menino nos braços.

  - Deixe-me examiná-lo. – pediu ela, o consentimento de Luke imediato – Ele reagiu de alguma forma enquanto estava contigo?

   - Abriu os olhos por um instante apenas. Pareceu me reconhecer e voltou a ficar inconsciente.

 Lore olhou rapidamente para o jedi antes de focar sua total atenção na criança. Luke mantinha as feições controladas e sérias sob uma palidez gritante, os olhos atentos, procurando captar o mínimo movimento de Ben ou alguma energia diversa nele. Pelo o que já conhecia dele, a mente do mestre compartimentava as emoções em casulos isolados para não interferir no raciocínio e na disposição de agir. Quem não soubesse como Skywalker era, poderia ter a impressão até de um certo distanciamento dele, quando, na verdade, todo o seu ser se concentrava no menino agora, a compaixão pulsante e bem direcionada.

   A moça tocou o pescoço de Ben, aliviada por ver que não havia fratura naquela região. Suas mãos desceram pelo corpo do garoto, analisando cada osso e músculo sob os ferimentos,  os hematomas roxos e amarelados, os cortes. Tanto sangue, tanto... Nenhuma parte do corpo escapara de ser ferida. O estado era lamentável e triste de se ver,  um verdadeiro milagre aquele corpo ainda respirar. Era quase inacreditável ainda haver vida naquele menino.

   Lore respirou fundo, também mantendo suas emoções a rédeas curtas, a fim de ser assertiva. Três costelas quebradas, mas sem nenhuma aresta a perfurar os pulmões.   A perna direita foi partida em dois lugares. O braço esquerdo com fratura exposta. Hemorragia interna...? Possivelmente, não. Não havia transpiração excessiva e as partes internas da boca se encontravam avermelhadas. Havia calor em sua pele e a palidez condizia com uma queda e o trauma. Os pés... vidro?  O caco que retirou de um dos pés do garoto foi intrigante e ela mostrou para Skywalker, que franziu a testa, circunspecto.

 Ben teria caído por acidente ou... a expressão no rosto do menino a assustou, pois não era de dor, mas de decisão.  Prendeu a respiração. Não ousou perguntar a Luke o que ele vira, pois não desejava causar-lhe mais dor.

Lore não tinha certeza de qual gravidade em nível físico Ben se achava e ansiava para começar a trabalhar em Ben.

– Vamos levá-lo para o abrigo, onde terei condições de verificar melhor os ferimentos e iniciar algum processo de restabelecimento através da Força.

   Auxiliou Luke a pegá-lo no colo com todo o cuidado, acomodando-o cautelosamente nos braços do jedi e pedindo que caminhassem devagar, a fim de evitar quaisquer movimentos bruscos naquele circuito de aclive em torno do morro.

 Logo alcançaram o cume da colina. O olhar do Skywalker imediatamente percebeu a configuração em frente ao abrigo, os círculos formados por pedras e ele se enrijeceu, porém seguiu adentro da construção. Colocou a criança com todo o cuidado em uma das camas; observou Lore se concentrar e entrar em contato mais íntimo com a Força, a fim de fazer um diagnóstico mais profundo e iniciar o tratamento.

   Skywalker saiu da casa, a imagem de sua visão de Ben a cair pelo despenhadeiro gritava de forma contundente. Não fora um acidente, ele sabia, ele vira. A dor que o atingira ao ver seu sobrinho se deixando cair, rolando pela ribanceira o trucidou por dentro e foi preciso todo o seu controle, todo o seu treino e fé na Força para manter a objetividade. E ainda precisava desse equilíbrio para entender sua atitude e ajuda-lo.

Com firmeza, colocou seus sentimentos em ordem e encaminhou-se para fora do abrigo, mirando o chão, a mente focada. Pedras dispostas em círculos dentro de círculos em um crescente até atingir o patamar final, o declive se iniciava. Filetes de sangue coagulado nas pedras e na relva, formando um rastro vermelho até a ribanceira, onde cacos de vidros resplandeciam à luz do luar. O jedi se agachou, analisando as pegadas deixadas na terra úmida com traços rubros. Não havia marcas de tropeço ou escorregão... e muito menos de hesitação.

Eram pegadas de alguém que calmamente recuara até o precipício, tendo consciência de seus atos.

  O jedi segurava um estilhaço de vidro ensanguentado, reflexivo, os pensamentos soltos a formarem um desenho do que poderia ter acontecido. Os círculos. As pedras. Os estilhaços translúcidos. O sangue. O rasgão na malha de proteção. Cerrou pesarosamente os olhos, a mão à testa, compreendendo o que ocorrera. O caco manchado caiu de sua mão e pousou suavemente na relva pisada, enquanto Skywalker pendia a cabeça por um momento em um grande suspiro.

 Não fora um acidente. Não fora uma tentativa de suicídio. Ben escolhera uma alternativa. Porque era a única saída.

Quando o jedi levantou a cabeça, seus olhos claros eram mais do que determinação.

Rapidamente, Skywalker se levantou e dirigiu-se para o abrigo a passos largos. Abriu a porta, já vislumbrando Lore sentada ao lado da cama onde Ben fora colocado. Ela, contudo, não se achava voltada para o menino e sim para Luke, como se o aguardasse naquele segundo.  Suas feições eram graves e sua voz de contralto desceu a tons mais baixos.

- O corpo de Ben não reage à influência curadora da Força. As células não se restauram e nem se multiplicam. – ela se pôs em pé, séria – Ele não quer viver.

Luke voltou-se para o menino ferido na cama. Os hematomas, o sangue escuro e os cortes deformavam o rosto de seu sobrinho e o jedi travou a mandíbula. As lembranças de Bespin insistiam em distrai-lo e em se mesclarem nos sentimentos. Também se jogara em um abismo para não se entregar a uma realidade terrível.

Sentou-se na cadeira perto da cama e segurou a mão de Ben, enquanto encarava Lore com seriedade. 

- Snoke rompeu a barreira de proteção. Ele está na mente de Ben.

A cor fugiu do rosto da moça, compreendendo o que acontecera.

-  Vou entrar na mente de Ben. – prosseguiu o jedi, a voz arranhada

- Irei contigo. – disse ela, firme, pegando na outra mão de Skywalker.

A primeira disposição dele era lhe negar a ida. Não havia como prever o que aconteceria no encontro com Snoke. Contudo, o olhar dela era forte e determinado. O carinho, o companheirismo e o amor de Lore por Luke brilhavam naqueles olhos verdes.

Ela não o deixaria ir só.

Ela não o deixaria só.

 Ela estaria com ele... sempre.

 

*********************************

 

O mundo cinza de Ben era estranho. As cores desbotadas, a consistência esquisita das pedras, do próprio chão. A luminosidade indicava que era uma tarde, embora o céu também fosse acinzentado. E, ao alto, uma redoma brilhante, de uma beleza inacreditável, pulsante em forma de flores se abrindo em seu brilho.

Era Luke... a energia de Luke naquela redoma.

Lore nunca havia entrado em uma mente daquela forma. O máximo a que alcançara era olhar, como fizera com Luke naquela noite na colina. E agora caminhava em um mundo interno, imaterial, que não existia por si só, construído por Ben.

O jedi lhe avisara que as regras de um universo daquela espécie eram ditadas por quem as criava e que, geralmente, seguiam as mesmas leis da natureza. A falta de fixação das cores e da densidade dos constructos derivavam de uma inexperiência do criador. Também Skywalker lhe alertara que suas mentes reproduziam uma imagem residual de si mesmos, de seus corpos, com todas as reações de um organismo no mundo real: respiravam, sangravam.

E morriam.

Se a mente falecesse naquele universo, o corpo físico no mundo real estaria abandonado à deriva, também destinado a perecer. Um corpo não sobrevive sem uma mente.

Tocava em si mesma, sentindo-se, como se fosse real. Suas roupas, todos os detalhes, a trança nos cabelos, até uma mancha em sua blusa fora ali reproduzida. Sua mão esquerda apertava o frio metal de seu bastão elétrico e a outra era segura pela a de Luke. A aspereza da palma do jedi, seu calor.

Luke trajava a vestimenta negra, o cinto acoplado carregando seu sabre de luz. Ele a olhava, dando-lhe coragem e confiança. Ela retribuiu o olhar, mesmo internamente temerosa, cingindo mais fortemente seu bastão. Sentia seu coração bater forte, mesmo sabendo que não existia um coração ali. Um suor de tensão na raiz dos cabeços lhe era perceptível e ela procurava, o mais rápido possível, adaptar-se àquela realidade para focar sua atenção no perigo que os rondava.

Aquele mundo não era grande. Ben realizara uma façanha, construindo-o sozinho, era certo. Caminharam um pouco, olhando para o horizonte e não tardou a encontrarem o que procuravam. Ao fundo, vislumbraram uma figura alta, de dois metros de altura, um humanoide acinzentado, a cicatriz a lhe cortar o crânio sem cabelos, sua túnica negra se espalhar por aquele mundo estranho como algo vivo e rastejante. Inclinado sobre uma criança caída e desacordada, suas mãos afiadas emanavam relâmpagos azuis pálidos no menino, sacudindo-o com choques elétricos, procurando despertá-lo sem sucesso.

                Lore apertou os olhos, suas feições a se contorcerem de indignação ao assistir Ben sob o assédio de Snoke. A cena do Imperador a seduzindo para o Lado Sombrio, as torturas sob as mãos de sua tutora, a intimidação sombria de Vader se misturaram àquele fato presente e à sua empatia pelo menino. Sua antiga raiva encontrou novamente morada nela, as mãos apertando o bastão elétrico, o corpo tenso e preparado para o ataque, a ira fria.

                Luke a segurou com força pelo braço, obrigando-a a encará-lo em silêncio, incitando-a a se controlar.

Snoke parou de emitir os raios anis e colocou-se ereto, virando-se lentamente na direção do jedi e da moça. Uma expressão de profundo desprezo invadiu seu semblante ao encarar Luke, os olhos horripilantes se estreitando, a voz arrastada de desgosto.

- Skywalker.

Voltou sua atenção para a moça, esta com o bastão elétrico em sua mão direita, o corpo em posição inicial de luta, a perna esquerda à frente ligeiramente flexionada, a direita mais alongada, as feições graves, a raiva fria a lhe cingir os lábios.

Uma expressão divertida alterou a fisionomia de Snoke e um sorriso cruel rasgou suas faces.

- Lore Layl Ren. Não destruiu o jedi... ainda.

Lore franziu o cenho, fulminando Snoke com o olhar.

- Não me controlam mais, monstro.

- Como Ben Solo,  você resiste ao seu destino. – deslocou-se um pouco para a esquerda, afastando-se ligeiramente do menino -  Como ele, imagina que seus sentimentos por Skywalker a redimirão.

- Todo monstro é cego por sua arrogância. – sorriu ela em uma empáfia.

- E todo tolo se apoia em ilusões. – devolveu ele, seco, apontando-lhe o dedo.

Por um momento, a moça titubeou, a dúvida a invadir seu espírito, a sombra dos monstros a manipularem sua vontade ainda a existir. Não. Tudo havia sido destruído pela luz, aqueles monstros. Snoke a enganava para desestabilizá-la. O mal era assim, mentiroso, manipulador dos temores, jogando seu alvo em desatinos pelo medo.

Luke e Lore trocaram rapidamente um olhar e ela se movimentou para a direita cautelosamente em direção de Ben, o bastão elétrico ainda em posição de ataque. Snoke preparava-se para fazer um gesto com uma das mãos quando Luke o interrompeu.

- Ben está morrendo.

O sorriso de Snoke se desfez e ele recolheu a luz dos feixes iniciais na palma de sua mão, cerrando suas garras.

- O corpo físico dele está ferido e não sobreviverá por muito tempo sem sua mente. – prosseguiu Skywalker, o sabre ainda desligado em sua mão direita -  Deixe que ela tente acordá-lo.

Snoke deslizou os olhos de Luke para Lore e retornou sua atenção para o jedi, encarando-o. Por um momento ficou em total silêncio, considerando a proposta de Skywalker e afastando-se ainda mais do menino desmaiado ao chão. Luke acompanhava o andar daquele ser, sem piscar, caminhando de lado, uma perna cruzando a outra a cada passada. O jedi e o monstro, separados por uma distância considerável, captavam a energia um do outro, cada movimento, cada músculo tensionado, suas mentes fechadas para o outro, o poder de cada um a cintilar em seus olhos, o reconhecimento do outro como oponente à altura.

Lore continuou a se mover com cuidado, observando Luke e Snoke se avaliando e se enfrentando no silêncio. Ajoelhou-se ao lado de Ben, ainda observando os inimigos em seu embate. Respirou fundo e focou-se no garoto. Seu corpo no mundo mental se mostrava alquebrado e  sangrando, como seu físico realmente se achava. Aquilo não era bom, nada bom, pensou a moça, enquanto colocava a cabeça do menino em seu colo. Demonstrava a equiparação da mente em relação ao corpo físico, reforçando o que ela percebera quando o examinou no mundo real. Ele se recusava a viver. A mente se encontrava nublada, como em coma, recolhida no mais profundo reduto de si mesmo. A manutenção do mundo interior era o único indício que sua mente ainda se encontrava viva, de algum modo.

Aquele menino... trincou os dentes. Afeiçoara-se a ele em demasia. Via-se um pouco nele e compreendia suas dificuldades, sem reforçar suas deficiências. Era dura com ele, admitia. Praguejou mentalmente. Como não notara a mudança nele, como...? Todavia, não era o que interessava no momento. Preciso se fazia entendê-lo a ponto de conseguir trazê-lo de volta.

Olhou para o lado, Luke e Snoke estáticos, prontos para lutarem, aguardando que ela despertasse o menino e procurou se colocar no lugar de Ben. Era um peso gigantesco encima dele...  e ele era apenas uma criança! O bem e o mal clamando por ele, simbolizados pelo jedi e  pelo monstro. O bem e o mal dentro dele... não tão distintos como se figurava nos dois seres ali à espera. Ele ainda não escolhera... e teria que escolher naqueles moldes? Teria que ser um dos extremos como Luke e Snoke?

Será que Ben receava tanto assim o Lado Sombrio e por isso se jogara de cima da colina? Sim, ele temia a escuridão, porém não conseguia enxergar Ben se jogando para o nada a fim de escapar dela em si. Luke, sim. Luke seria capaz de fazer isso. Conseguia enxergar algo no menino diferente do que Skywalker via – ou queria ver – em seu sobrinho.

Ben era diferente de Luke, embora admirasse o tio, embora procurasse seguir seu mestre... para agradá-lo. O garoto lembrava a ela mesma em alguns aspectos. Ela não queria imergir nas sombras mas também não tinha a pretensão de ascender à luz. Lore desejara sempre a paz à sua maneira, sendo humana com todos os seus erros e acertos. O que sempre temera fora ser capaz de ferir Luke.

Fixou seu olhar no jedi e depois voltou sua atenção para o menino. Será que ele assim pensava...?

- Sei que pode me escutar, mesmo que não queira.  – aproximou-se mais da criança, sussurrando - Eles lutam por você, mas não só por você.  Não pararão de lutar, mesmo que você morra. Seu tio não deixará de combater nunca... e um dia ele poderá perder. – respirou fundo, pois a realidade daquelas palavras também a machucava - Talvez até aconteça hoje. Luke não é invencível.  E ele está disposto a morrer pelo o que acredita.

Um leve tremor no canto da boca de Ben.

- Eu sei o que é ter medo de machucar Luke. Eu também tive monstros à espreita. – prosseguiu Lore, animada por ter acertado o rumo para atingi-lo  – Eu sei o medo que você sente... sim, posso sentir. Por isso você fez o que fez... Mas Ben, você se deixar morrer ferirá Luke mais do que imagina.

Um franzir na testa do menino.

Lore alisou as faces machucadas do garoto. Não podia esquecer que ele nem nove anos tinha. Ele pensava como uma criança porque era uma criança, mesmo sendo maduro em tantos momentos. Deveria alcançá-lo nesse mesmo patamar... e com a verdade.

- Sabe que eu nunca permitiria que alguém fizesse mal a Luke... nem mesmo você. Pensa da mesma forma. Também defenderia seu tio de qualquer um, até de mim.  – abaixou-se, murmurando no ouvido do menino - Prometo que vigiarei você. E você me vigiará. Entende, Ben? Você confia em mim e eu confio em você.

A expressão do menino se suavizou.

Lore segurou com força a mão do menino, a cabeça baixa e fitou de longe o jedi entre as mechas que se caíam em seus olhos.

Luke levantou o queixo e o abaixou, seu corpo todo se remodelando na postura de forma autônoma, o conhecimento entranhado nos músculos, nos nervos, a Força fluindo e correndo junto com seu sangue em todas as células de seu corpo. O semblante grave não exalava quaisquer emoções ou perturbações.

Snoke acompanhou a mudança ocorrida em seu adversário, mirando-o de suas alturas. Os dedos das mãos se recolheram lentamente, um a um e em sequência, como se aprisionassem algo e o esmagassem.

- Eu o vi no Lado Sombrio, Skywalker... quando estava com Vader derrotado aos seus pés... quando se voluntariou para as sombras para salvar a mulher. Por duas vezes, tudo esteve em suas mãos. – fechou as garras – E agora não terá nada. Ben Solo logo estará comigo, com todo o seu poder sob meu comando. E Lore Layl – o sorriso foi horrível – sempre tive planos para ela. A sua família estará comigo.

Luke apertava a empunhadura do sabre desligado, encarando aquele ser sem piscar.  Em seu coração, abraçara Ben como filho. E Lore... Lore era a mulher que amava. Até aquele instante, não havia formulado essa ideia racionalmente, que realmente a amava, embora já sentisse dentro de si.  Concretizar esse sentimento em palavras era como consolidá-lo em sua vida, aceitar Lore totalmente como sua companheira e mulher.

Lore e Ben.

Sua família.

Sentia-se aquecido por dentro, mais forte, mais motivado para lutar.

- Está enganado. Lore e Ben voltarão comigo.

Snoke se curvou ligeiramente, crescendo sua sombra sobre o jedi.

- Ainda pode ter tudo, Skywalker. A mulher... o menino... todo o poder dentro de si que nega constantemente. Você o sentiu nas sombras. Soube o que poderia realizar e nunca o fez por se prender à fraqueza do Lado Luminoso. – abriu as garras, as palmas viradas para cima, em sinal de paz – Pela terceira vez, tudo o que quiser... tudo o que deseja fazer... em suas mãos. Venha comigo.

Luke fitava Snoke, focado no perigo, entretanto dentro da serenidade que lhe permitia discernir, sem se afundar no desespero do medo.  Não se via tentado desta vez, embora temesse pela vida de Lore e Ben. Aceitar as trevas garantiria que eles permanecessem vivos... mas em que condições? Sob o manto escuro de Snoke, em uma existência terrível, em desdobramentos catastróficos para eles e para toda a galáxia. Lore e Ben jamais aceitariam aquela realidade.

Quanto a ele mesmo, já experimentara a agonia de a tudo perder e o que as sombras lhe prometiam. Elas ainda acenavam para ele, disponíveis e desejosas dele. Já  estivera dentro delas, conhecia-lhes as artimanhas. E elas sussurram para Luke, que os que amava estariam perdidos para ele se não as abraçasse mais uma vez.

A serenidade, no entanto, permitia que ele visse como as coisas eram e o preço a se pagar. E a escolhas. Sempre as escolhas.

Vislumbrou momentaneamente Lore e Ben à sua direita. Um dia, eles se iriam... pois nada na vida era para sempre.

Mas hoje, não.

A lâmina nasceu da empunhadura do sabre, a luz verde a clarear o rosto determinado de Luke.

Snoke cingiu os lábios finos.

- Isso, jedi... aja como um tolo, como todos os outros que já enfrentei. – os olhos se apertaram – Você vai morrer, Skywalker... sabendo que tudo o que você ama agora é meu!

Snoke contorceu suas feições e raios anis cortaram o ar, emanados de suas garras na direção de Skywalker. O jedi aparou os feixes luminosos com sua lâmina, a luz verde do sabre envolta pelos relâmpagos, os filetes azuis a circundar a luz esverdeada, sufocando a luminosidade. Luke sustentava aquele enorme poder, resistindo bravamente, mas seu corpo começou a inclinar-se para trás diante de todo aquele mal.

Com muito esforço, num súbito movimento, ele traçou um arco descendente com seu sabre, os relâmpagos a se contorcerem e se despregarem momentaneamente da lâmina de luz, dando-lhe um espaço de tempo para que empreendesse um salto triplo mortal para trás, pousando em uma elevação de terreno. Contudo, as formas do mundo interno possuíam consistência frágil e o solo sobre seus pés, com o impacto de seu corpo, pulverizou-se, sua perna direita sendo engolida pelos destroços de terra, provocando-lhe uma torção dolorosa nos músculos, prendendo-o naquele buraco, atordoando-o. O sabre de luz rolou pelos destroços, desligando-se.

Snoke avançou lentamente de seu posto, totalmente concentrado na queda do jedi, as garras cintilando para emitir novas rajadas luminosas, as trevas se formando atrás de si em uma extensão de sua sotaina escura. Achava-se tão focado em Skywalker que não percebeu que Lore, naquele momento, corria para seu sentido, o bastão elétrico ligado, e, em um salto, enfiou a lança metálica em seu coração.

Aquele instante se congelou, Lore e Snoke a se encararem, os olhos verdes azulados naqueles olhos desbotados e horripilantes. Após o segundo de surpresa, aquele ser a mirou, o olhar divertido e sarcástico, como se ela fosse uma criança a dar um tapa inofensivo em um adulto. Ela se surpreendeu com a reação dele e, arreganhando os dentes em um esgar, torceu o bastão, aprofundando-o no peito de Snoke, rasgando-lhe mais a carne.

Lore teve um momento de satisfação, a ter prazer em matar aquele ser desprezível que assediava Ben, que implicara vidas sem fim em um banho de sangue e em confrontos sem sentido. Ela não escondia o regozijo de si, a emoção tingida sombriamente. Não possuía toda a luz de Luke, o seu objetivo totalmente cintilante, sua honra e compaixão. A moça, após o evento na colina há meses atrás, conhecia-se muito bem. O mal que lhe fora imposto e os sentimentos a ele entrelaçados desintegraram-se. No entanto, ela reconhecia em si ainda a raiva, mas agora controlada e acoplada a determinadas situações e dosagens; a injustiça e indignação eram seus motores e a moça não rejeitava a agressividade que poderia dar-lhes voz e ação. Aceitava alguma escuridão dentro de si, lidando com os opostos de maneira natural, uma sombra a tonalizá-la sem obscurecê-la em seu discernimento. Por isso, acreditava poder compreender Ben em seu dilema frente ao manequísmo de seu mestre.

Um instante de reflexão, enquanto sentia o bastão perfurar mais Snoke, a antecipação da paz que derivaria daquela atitude, da eliminação daquele ser maléfico.

Observando o peitoral perfurado de Snoke, percebeu que dali não saía nenhum fluido, nenhum sangue...!! E a expressão dele era até de certo enfado e contentamento sombrio. Estarrecida, assistiu aquela criatura retirar completamente o bastão de seu corpo com suas garras, sem nenhuma dor, sem nenhuma contração de músculos... apenas o sarcasmo nos movimentos.

O som surdo do bastão ao despencar no chão ecoou como um alerta para Lore durante aquele período rápido no qual tudo ocorrera. Ela já elaborava outro ataque quando sentiu sua garganta sufocada por uma mão invisível, os pés a deixarem de pisar no chão, a balançarem-se no ar, procurando apoio.

Snoke a elevou a uma altura considerável, estrangulando seu pescoço em uma serenidade desconcertante, assistindo a moça se debater em pleno ar, lutando para conseguir respirar. Liberou a força que lhe cingia a respiração e viu o alívio no rosto dela, antes de elevar uma de suas garras envelhecidas e enlaçar Lore em uma torrente de raios azulados. Os filetes anis penetravam na pele dela, atravessando-a dolorosamente, fazendo-a contorcer-se, os gemidos a se perderem em sua garganta machucada.

Tudo ocorria em grande velocidade. Luke finalmente conseguiu se recompor e se desembaraçar do buraco e, ignorando a dor de sua perna ferida, chamou para si o sabre de luz entre os pedaços de terra mais adiante, ligando-o imediatamente. Correndo, a perna machucada a tentar retardá-lo, em um grande impulso no meio da disparada, saltou à altura de onde Lore se encontrava flutuando no espaço, colocando o sabre de luz, a lâmina verde a reluzir, solto no ar como para-raio da corrente elétrica azul que advinha de Snoke, barrando o acesso dos relâmpagos para a moça. Concomitantemente, ainda em pleno ar, girou em si mesmo, agarrando Lore, que agora despencava das alturas e caíram no chão os dois juntos, abraçados, rolando na relva.

A moça se encontrava meio desacordada entre gemidos que sussurram o nome do jedi. Luke alisou sua face, preocupado, e os olhos dela se entreabriram por um momento. Aliviado, constatou que ela não se encontrava seriamente ferida e mais uma vez atraiu seu sabre de luz, que se achava a poucos metros repousando entre pedras, após conter os raios de Snoke. Ao se virar um pouco para sua direita, detectou que  se encontravam a uma distância curta de onde Ben continuava desfalecido.

Snoke se aproximava.

Luke se pôs de pé, os joelhos ligeiramente dobrados, a perna ferida latejando, mas bem posicionada, o sabre em riste à altura de seu ombro direito, segurando-o com as duas mãos. Snoke lançou uma saraivada de raios desconectados, como se fossem tiros de blasters. O jedi aparou um a um com o sabre de luz assertivamente.

O monstro chegava mais perto.

Snoke juntou as duas mãos, as palmas separadas e próximas entre si. Daquele pequeno espaço, uma luz azul intensa e concentrada se formou como uma estrela a cintilar,  um número incontável de feixes luminosos  condensados. O brilho cresceu, intensificando-se até que ele separou alguns centímetros as mãos e uma rajada de luz, como um rio leitoso, emanou, buscando o jedi. A luz era tão intensa que cegou momentaneamente Luke. Contudo, o jedi levantara seu sabre no ângulo correto para se proteger, sentindo a energia voltada contra ele através da Força.

A veemência daquele poder era tremenda. Luke sustentava o sabre, aquele guincho luminoso infestando a luz verde de seu sabre, empurrando o corte para o próprio jedi. Ele nunca sentira poder igual, nunca... nem mesmo os raios do Imperador, quando quase morreu com aquela energia transpassando seu corpo e sua alma.

As mãos tremiam ao segurar seu sabre, o qual detia toda aquela energia, vendo-se obrigado a se ajoelhar para manter o sabre como defesa. Snoke continuava a emitir initerruptamente aquele raio intenso, também já mostrando marcas de cansaço pelo esforço contínuo. 

Os efeitos dos raios de Snoke ainda corriam através de Lore, agora menos intensos, embora ainda a debilitassem. Ela entreabriu os olhos, as imagens desfocadas. O céu brilhava em pontos cintilantes, as pétalas estelares abrindo e fechando. Luke. Aquele céu era Luke também... seu poder reluzindo naquele céu côncavo, sendo quebrado apenas por uma fissura de dois metros de altura, como se houvessem transpassado uma faca na cúpula luminosa. Os sons também ecoavam distorcidos, o zunido vibrante grave de uma lâmina de luz e o chiar agudo estalado de um fluxo de energia preenchendo o recinto e mesclando-se.

Virou o rosto e buscou suas forças.  Vislumbrou, em uma névoa luminosa, um homem com um joelho apoiado no chão e um ser alto em pé, ambos vestidos de negro, uma ponte fluida cintilante no espaço entre os dois. Aquelas forças se chocavam em equilíbrio, aguardando que um dos dois oponentes sofresse um colapso. Naquele embate, qualquer um dos dois poderia sucumbir.

Lore visualizou seu bastão elétrico próximo a ela. Arrastou-se com dificuldade para ele, alcançando-o. Conseguiu colocar-se sentada, as mãos envolvendo o bastão,  o metal a preencher suas palmas, os dedos sentindo sua densidade e acostumando-se ao seu peso. Reunindo energia e respirando profundamente, percebendo que os relâmpagos que ainda a circundavam perdiam sua luz, ela foi capaz de se levantar. Segurando o bastão na mão direita, em um esforço, lançou a vara metálica naquela ponte de luz entre o jedi e o monstro, cortando momentaneamente a fluidez dos raios anis.

Uma explosão luminosa se fez, jogando Luke e Snoke para lados opostos.

- A redoma, Luke! A redoma! – exclamou ela.

Skywalker compreendeu e levantou a mão para o céu brilhante e encontrou o rasgão na cúpula. Concentrando-se naquela fissura, puxou-a com a Força, como um tecido brilhante, envolvendo Snoke nela, circundando-o e apertando-o, uma camisa de força o imobilizando temporariamente. O ser gritava e se remexia, as fibras luminosas o detendo precariamente, já se esgaçando.

Aproveitando que Snoke se achava temporariamente indefeso, com um impulso da Força Luke arremessou aquele ser para fora da cúpula de proteção através da brecha para a escuridão exterior. O monstro caiu nas sombras, já rasgando a malha energética que o enlaçava e furiosamente retornou, quase a entrar novamente no mundo interno de Ben.

Com as duas mãos dirigidas à muralha de luz, o jedi direcionou o fluxo da Força que fluía de si para a barreira, sentindo a Força emanar dele como um jato de energia, o muro aumentando sua espessura e brilho, engrossando-se para dentro daquele mundo. Snoke foi impedido de adentrar. Irado, ele soltava raios na muralha, trincando a cúpula.

Luke intensificou a corrente da Força, a grossura do campo de proteção aumentando como um vidro espesso. Os relâmpagos do monstro ainda feriam a malha energética.

- Ben Solo nunca se livrará de mim!

Skywalker continuava a fortalecer a cúpula com mais poder, a densidade de luz aumentando a ponto de ir perdendo sua transparência, crescendo para dentro, invadindo o mundo interno, diminuindo-o velozmente em toda sua circunferência.

Os raios azuis lutavam para penetrar o campo, irradiando-se dentro da espessura do muro. O jedi invocava todo o seu poder e encorpava a redoma, a Força correndo de seu íntimo para o exterior, a doação.

- Ele é meu, Skywalker! Meu!

A redoma se alargava, invadindo cada vez mais o mundo cinza do garoto.

Lore pegou Ben desfalecido no colo e juntou-se a Luke, a redoma a persegui-la, o espaço para permanecer no mundo interno encolhendo.

Skywalker continuava a expandir seu poder, esvaindo-se dele.

A redoma cada vez mais espessa. O espaço cada vez menor.

O jedi abraçou a moça e o menino, envolvendo-os em seus braços.

O domo opaco se fechava sobre os três.

-  Ele pertence a mim!

Luke enlaçou Lore e Ben ainda mais contra si, cingindo-os fortemente, seus cabelos negros tão parecidos entre si encostados em seu peito.  A cúpula de luz já a centímetros deles, a voz de Snoke a se perder no exterior. O jedi levantou a cabeça, a opacidade e espessura da cúpula a protegê-los. Também sentia o universo real a puxá-los, a frieza da noite na colina a arrepiar sua pele, a transição entre os dois mundos.

Luke fechou os olhos. A Força prosseguia em se inteirar da redoma, deixando o jedi vazio e sem seu calor, mas não antes de mostrar uma última visão de Snoke, surpreendentemente a sorrir.

 

****************************

 

A primeira sensação que lhe chegou foi a maciez dos lençóis. O cheiro de lavanda na cama ... porém não abriu ainda os olhos. Seu corpo despertava mais rápido que sua mente e permitiu-se, então,  que as sensações físicas primeiro o confortassem e o trouxessem lentamente para a realidade.

Realidade?

Suas mãos agarraram os lençóis. Sim, o mundo real. Um alívio se insinuou para lhe relaxar os músculos, mas as lembranças do que houvera os tencionaram mais uma vez. Snoke. Captara seu nome no encontro dos dois. Snoke... Onde estava Snoke?  Esgaçou os lençóis nos punhos fechados. Apertou os olhos, procurando, procurando.... e nada. Nenhuma voz. Nenhuma presença. Um vazio... confortador. Deveria imergir no mundo interior e... não. Não. Ainda não.

As mãos se abriram devagar, soltando o tecido da cama.

Estava morrendo – era o que havia se proposto ao se fechar em si mesmo após a queda. Não desejava morrer, porém não havia saída... naquele momento. Snoke dominaria sua mente e óbvio que seu primeiro ato seria matar seu tio através dele, Ben. E isso jamais, jamais poderia acontecer... jamais.

Naquele vazio onde se escondera para... se deixar ir, nada viu ou ouviu até que a voz grave e inesperadamente suave de Lore o preencheu. Suas palavras contundentes, verdadeiras tilintaram nele, resgatando-o daquele nada no qual se afundava, como uma sereia a trazê-lo à tona em vez de leva-lo para as profundezas.  E, então, a proposta.  Talvez só Lore alcançasse o significado daquele acordo feito com ele, da paz de finalmente não estar mais sozinho naqueles medos. Ela sabia dos temores dele. Ela o compreendia. Ela enxergava o que nem seu tio poderia ver dentro dele. Podia confiar nela.

Um alívio o invadiu. Não se encontrava mais só para cuidar de tudo.

Sua mente agora ascendia, a percepção de si. Havia algo diferente. Um calor o rodeava, uma energia quente e benéfica, uma paz enorme o envolvia. E tão, tão... forte! Nunca a sentira assim. Não era mais o formigamento que arrepia sua pele... ela parecia brilhar, pulsar. Sim... seu mestre fechara a malha de proteção, refizera-a. Provavelmente a reforçara e, consequentemente, enfraquecera-se ainda mais ao encorpá-la e... Empalideceu. Assustado,  constatou que, para seu tio reconstruir a redoma, ele deveria ter entrado em seu mundo interior e enfrentado Snoke.

Abriu os olhos imediatamente e sentou-se na cama, procurando por Skywalker.

Uma garra o puxou de repente e seu mundo se resumiu em pêlos castanhos diante de seu rosto, o cheiro tão familiar, sufocando-o em um abraço apertado.

- Chewie!

Os grunhidos encheram o silêncio daquele quarto, os braços peludos a quase quebrarem mais costelas no menino. Ben se engasgava, engolindo os pêlos, respirando pêlos, vendo pêlos. A saraivada de urros em vários tons se traduziam em felicidade do wookieee por vê-lo acordar, misturado com broncas e perguntas de como se deixara machucar tanto assim. Havia tanto amor, preocupação e carinho espontâneos e autênticos que Ben esquecera por alguns momentos das sombras, de Snoke, da preocupação e ressentimento em relação ao seu mestre, da confusão dentro de si sobre o fazer errado para alcançar o certo, sobre o bem e o mal.

Com Chewie, Ben era apenas um menino... apenas um menino.

- Estou bem, amigo, estou bem... mas, se continuar me esmagando assim, vai acabar de me quebrar todo! – dizia, ainda sem forças, o riso saindo mais como um sussurro.

O wookiee o soltou do abraço e o colocou meio sentado, meio deitado na cama, ajeitando a altura do encosto. Enquanto Chewbacca cuidava dele, Ben se deu conta que se achava na enfermaria de Paideia, ele a ocupar um dos dez leitos daquele recinto grande. À sua frente, a janela iluminada, mostrando as luzes do começo da manhã, o cheiro das árvores, das flores silvestres...  e o silêncio, a intensa ausência dos sons cotidianos do dia a dia dos younglings e padawans e do Corpo de Serviço.  Também reparou no tanque de bacta instalado à sua frente, na parede ao lado da janela. Voltou-se para Chewbacca. Ele soltou um grunhido melancólico, pendeu a cabeça para direita, dando a entender que fora ele quem trouxera o equipamento para auxiliar o menino.

- Há quanto tempo você chegou, Chewie? – a resposta veio na linguagem própria, os ruídos característicos – Quatro dias?? Estou dormindo há quatro dias? E meus pais, vieram? Onde estão?

O wookiee explicou para o garoto que há quatro dias ele se encontrava desacordado, sendo tratado por Lore com a Força restauradora e utilizando, em conjunto, o tanque de bacta. Expôs que sua mãe era constantemente vigiada e constituía um perigo ela vir para Paideia, além de sua ausência do Governo poder ser considerada um ato de culpabilidade e cumplicidade às acusações feitas a Luke. Han Solo se encontrava em viagem, procurando pela kaminoana e também sendo monitorado em seus destinos. Ele, Chewbacca, despistara os espiões em um estratagema junto com Solo, deixando o pai de Ben como isca mais atrativa para os observadores. Estes aparentemente pareciam ter mais atenção a Han do que ao wookiee.

Chewbacca grunhiu que Han e Leia ficaram abalados com a queda do filho, que se encontravam muito preocupados, porém impedidos de irem ao seu encontro.

Ben virou o rosto, magoado e decepcionado. Tinha conhecimento dos riscos que envolviam a vinda de seus pais à Paideia, de serem seguidos. Era a lógica dentro da situação difícil que todos passavam, mas o menino, mesmo assim, ficou ferido. Imaginava que eles fariam de tudo para vê-lo após o incidente. Novamente... tudo igual, sempre. Sempre. Ele quase morrera e eles não vieram ao seu encontro.

Junto com a mágoa, uma raiva borbulhou em seu coração. E culpa. Como sentir raiva de seus pais? Eles eram seus pais. Cingiu os lábios. Sua revolta gritava por justiça e sua consciência o acusava de não entendê-los. Raiva. Raiva. Raiva de seus pais o temerem e não vencerem o medo. Eles eram adultos!! Por que ele, Ben, deveria compreendê-los? Por que deveria ser ele a perdoá-los?

Um pote de vidro na cabeceira começou a se balançar.

Chewbacca soltou rugidos, procurando consolá-lo. Passou sua grande pata nos cabelos negros do menino, balançando a cabeça em grunhidos mais baixos.

- Não. Não quero ligar o comunicador e falar com eles, Chewie. Não insista!! Pare de tentar me convencer, você não sabe o que eu... – calou-se, em um suspiro.

O pote se movimentava mais lentamente.

- Está tudo bem, Chewie. Você não tem culpa. Me perdoe. Não queria gritar com você. Mas não quero falar com eles. Não agora.

- E comigo, falará?

O menino virou seu rosto para a esquerda, para a porta e lá Skywalker se mantinha encostado no umbral, todo vestido de negro, as mãos às costas, observando-o. Seu olhar manso continha outras emoções mescladas, Ben enxergava: preocupação, seriedade e... a compaixão. Sempre a compaixão, pensou o menino, irritando-se um pouco. Não desejava a compaixão dele; queria poder confiar novamente em seu tio!

Chewbacca soltou outros rugidos baixos para a criança, pedindo que ele ouvisse o jedi e encaminhou-se para a saída, pousando rapidamente a grande pata no ombro de Luke. Skywalker sorriu para o wookiee, tocando em seu braço, agradecendo.

Ben acompanhou os passos de seu tio até perto dele. Franziu a testa. Seu mestre se mostrava diferente... uma falta daquela presença que enchia o ambiente quando o jedi adentrava em qualquer lugar.

O menino baixou os olhos para não mostrar seu ressentimento. Entretanto, não resistiu por muito tempo. O amor pelo tio, o carinho pelo mestre, a culpa do que havia feito, a raiva por sentir essa mesma culpa o impulsionaram a encarar o jedi.

- Você lutou contra ele, não foi?

- Sim. Eu e Lore.

Ben arregalou os olhos.

- Ela também?

- Lore gosta muito de você, Ben. E ela te trouxe de volta, também.

- Eu sei. – um constrangimento o abalou e a criança perdeu parte de sua raiva – Vocês correram perigo por minha causa. – suspirou – Ele está...?

- Não. Snoke foi expulso de sua mente. Você está em segurança.

- Sim. Posso sentir. – falou, referindo-se à muralha de proteção da Força.

Luke baixou a cabeça por um momento, pensativo e depositou suavemente um holocron  na mesinha de cabeceira ao lado da cama do menino.

- Por quê, Ben?

O garoto contorceu o rosto ao olhar para o artefato verde dourado, como se sentisse dor. Não queria falar com seu tio... não desejava expor todo pandemônio na qual se afundava. Porém, as palavras saíram como se fossem vomitadas, em um torrencial de mágoa, amor e decepção.

- Você precisava de ajuda! – seus olhos se encheram de lágrimas.

- Ben...

- Não! Eu vi como você ficou naquela noite na colina. – as lágrimas escorriam abundantemente nas faces, os soluços a sacudirem seu corpo de criança – Eu senti o mal te envolvendo lá! E você não me ensinou nada, nada para eu te ajudar! O que queria que eu fizesse? Podia acontecer de novo! Por que não me ensinou, por quê?

Luke se sentou na cadeira, pesaroso.

- Porque você não estava preparado.

- Porque não confia em mim! Porque também sente medo de mim, como meus pais!

- Não sinto medo de você. – tocou o braço do menino –  É necessário maior equilíbrio e idade para lidar com as sombras. Preparei seu treinamento no Lado Luminoso justamente por essa razão, para que crescesse, amadurecesse e chegasse o momento adequado para lhe ensinar sobre as sombras. Expor-se prematuramente às trevas e ainda sem um mestre ao seu lado é desastroso... como aconteceu.

- Não me entreguei para o Lado Sombrio.

- Mas poderia ter custado a sua vida. Eu não poderia colocá-lo à prova correndo um risco tão grande. – os olhos azuis se tornaram ternos – Como eu poderia colocar você em tamanho perigo sabendo que havia chance de você morrer ou sucumbir às sombras?

A raiva de Ben se dissipou diante do olhar de seu tio, os resquícios de ira ainda a brilhar em seu semblante confuso.

- Então eu deveria deixar você correr perigo? Deveria deixar você... até morrer?

- Sim. – disse, suavemente – Porque fiz minhas escolhas conscientemente e sou responsável por elas. Passei pelo treinamento e me tornei um jedi. Encontro-me em condições de arcar com minhas decisões.  Tentar me ajudar sem o devido preparo não só poderia me prejudicar como também ferir você.

Ben balançou a cabeça, atordoado. Seus olhos corriam pelos cantos, sem entender. Fizera o errado para cuidar de seu mestre. E ele falava que o correto seria deixá-lo até para a morte. Ele se jogara do topo da colina para Snoke não dominar sua mente, para que seu tio não fosse morto...

- Mas fiz tudo por você... para te proteger... Não! Não! Isso é errado! Não sabe o que é ficar vendo alguém que você ama ser machucado e fazer o que acha errado para salvá-lo!

- Sim, eu sei. Fiz o mesmo que você. – segurou firme a mão do menino usando a sua mão metálica – Desobedeci meu mestre. Fui salvar seus pais em Bespin e acabei enfrentando Vader antes de terminar meu treinamento. Perder minha mão – olhou para ela, semicerrando os olhos – foi o menor dano que lá sofri. Joguei-me no vazio como você para escapar de meu próprio pai... para fugir das trevas.  E Leia, enquanto escapava sem meu auxílio, se viu obrigada a retornar para o perigo para me buscar. No fim, fiz mais mal do que bem.

Ben sentiu seu mundo desmoronar, um vazio a corroer seu interior. Enganara seu mestre, estudando escondido, construíra o mundo interior, enfrentara Snoke, caíra para a morte e ainda seu tio e Lore foram a seu socorro, enfrentando aquele ser sombrio.

Uma culpa surgia no recanto de sua mente, pronta para envolvê-lo quando um pensamento insinuante e persistente se firmou: continuava pensando que fizera o certo. Errado seria não socorrer a quem amava, mesmo sem ter pouca ou nenhuma chance de conseguir! Errado seria não usar de todos os meios que pudesse para salvar seu mestre!

E retornou a uma questão inicial: ele poderia ter tido mais chance com Snoke se seu tio o treinasse adequadamente. Ele, Ben, era poderoso. Ele tinha poder! Há tempo, com os ensinamentos e práticas de conhecimento, teria mais condições de se defender sozinho, de enfrentar Snoke  e ... até vencê-lo! Não precisaria passar todo aquele tempo com medo, a expor seu mestre ao perigo. Seu tio não estaria mais tão ameaçado, pois ele, Ben, seria seu padawan poderoso, a lhe guardar.  Estaria a caminho de descobrir todo o seu potencial.

Nada daquilo no mundo interno teria ocorrido.

Encarou Skywalker duramente, as feições de menino se recrudescendo. As lágrimas haviam parado de escorrer e as marcas do choro produziram desbotamento na pele por onde passaram. A expressão de um adulto ressentido na face de uma criança

- Eu estaria pronto se tivesse me preparado. Não sou como os outros padawans. Tenho mais poder do que você ou do que Vader, Snoke falou. Ele mentiu ou você que me enganou esse tempo todo?

Luke se enrijeceu, o rosto pálido frente àquela transformação de Ben, aquela fala que não pertencia a um menino.  Retirou sua mão do braço do garoto.

- Um encontro com Snoke e está a se deixar seduzir. Você realmente não estava preparado... não percebe?

- Fale a verdade para mim.

- Snoke não mentiu e eu não o enganei. – o jedi fitava profundamente o menino, sem temor e sem piscar, a voz muito grave – Você é mais poderoso, sim. Muito poderoso. Tão poderoso que Snoke quis aliciá-lo desde um bebê. Tão poderoso que sua mãe o trouxe para mim, a fim de que ficasse longe do assédio dele. Tão poderoso que eu deliberadamente adiei seu treinamento quanto às sombras a fim que você amadurecesse o suficiente, protegendo você de você mesmo.

- Eu não confio mais em você. Meu próprio mestre escondeu de mim o que eu sou. Escondeu que sabia quem era o monstro que me perseguia. Escondeu de mim o conhecimento para eu lutar contra o monstro. Escondeu meu próprio poder de mim!

Luke travou a mandíbula, a dor no coração como se houvesse sido esfaqueado. Seu sobrinho.... seu filho.  Respirou profundamente, procurando o equilíbrio, a fim de enxergar a situação como ela era e não nublada com a tristeza e amargura que se insinuavam.

- Eu confio em você, Ben, mesmo que você tenha perdido a confiança em mim. Por isso está ao meu lado e aqui permanecerá.  Ensinar você na medida de seu amadurecimento não é ocultar seu poder e sim lhe dar capacidade de desenvolvê-lo com segurança.

Ben virou o rosto para o canto, o cenho franzido, o semblante endurecido.

Luke suspirou e prosseguiu.

-  Não falarei mais nada por enquanto porque não está a me escutar verdadeiramente. Voltaremos a conversar quando você tiver refletido.

A porta se fechou atrás de Skywalker.

A saída de seu tio pela porta bateu fundo em seu coração. As lágrimas arderam novamente em seus olhos. Estava certo, não estava? Claro que estava. Então por que doía tanto, tanto...?

O som da porta mais uma vez. Seu tio voltara?

Ben se virou e viu que era Lore que adentrava na enfermaria, trazendo nas mãos uma bandeja com bandagens para fazer a troca nos ferimentos dele e depositando-a na mesinha de cabeceira. Sempre de preto, igual ao seu mestre, pensou o menino. Mas ela era diferente. Ela entenderia. Ela concordaria.

Pelo seu olhar severo, o menino percebeu que ela escutara a conversa do lado de fora.

- Ele escondeu tudo de mim.

- Sim, ele escondeu.

- Não posso mais confiar nele. Não posso. – doía tanto, tanto...

- Não pode, mas deve. – Lore o encarou, os olhos verdes azulados a se aprofundarem nos do garoto –  Ele fez o que acredita ser o melhor para você, Ben. Luke daria a vida dele por você, sem hesitar.

- Snoke falou a verdade.

- Apenas para te usar. E lhe dirá todas as verdades até quando lhe for conveniente.

- Você apoia a mentira? – ele estava perplexo.

- Não. E nem a omissão. Porém estou ao lado de quem dá o melhor de si pelo outro, como Luke fez por você. E faz. Pode não concordar com o que ele pensa, mas tenha a certeza, sempre, que seu tio nunca faltará contigo. Nunca. E isso vale por todas as verdades não ditas.

O menino franziu profundamente a testa, triste.

- Ele e eu pensamos muito diferente.

- Como Luke e eu. – sorriu ela por um instante, logo ficando séria novamente – Você não se lembra de nada do que aconteceu no mundo interno enquanto estivemos lá, não é?

- Não. Apenas da sua voz... e de nosso acordo.

Ela balançou a cabeça afirmativamente.

- Sim, nosso acordo... que cumpriremos.

A criança assentiu.

- Isso. Mas Ben, há mais que precisa saber do que ocorreu enquanto você estava desacordado, enquanto Luke lutava com Snoke, para lhe mostrar que seu mestre realmente pode dar a vida dele por você, para que você confie nele, apesar de tudo.

Ben ajeitou-se na cama, ficando com as costas retas, preocupado.

- O que ele fez?

- Você está protegido de Snoke.

- Sim, o muro de proteção foi refeito.

- Não foi apenas refeito. – Lore continuava a encará-lo – Snoke não desistia de você. Foi preciso que Luke redirecionasse todos os poderes dele para a redoma.

Ben empalideceu.

- Como assim, todo o ... poder dele?

-  Luke deu todo o poder dele para proteger você.

O menino levou a mão à boca, contendo um soluço. E, quando sua voz saiu, era menos que um murmúrio.

- Ele não é mais um jedi.

 

 

 

 


Notas Finais


Olá!!

Originalmente, este capítulo teria, como cena final, o encontro romântico de Luke e Lore, firmando sua união. Resolvi fazer dessa cena um hentai, onde haverá a primeira noite de amor entre ambos. Será um hentai delicado, romântico e sensual, na medida dos personagens. Pretendo publicá-lo até a semana que vem.

O hentai será em separado, como um sidestory, em estilo capítulo único.

O capítulo 24 será o encerramento da série prelúdio, com a já anunciada morte de Lore, nascimento de Rey e a criação de Kylo Ren. Talvez eu o desdobre em dois capítulos. Se o fizer, pretendo publicá-los concomitantemente.

Em virtude de compromissos e da complexidade desse último episódio, talvez o próximo capítulo seja publicado daqui a quinze dias.


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...