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História De luz e de sombras - Prelúdio XVI - O menino das sombras


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


Desde que alberguemos uma única vez o mal, este não volta a dar-se ao trabalho de pedir que lhe concedamos a nossa confiança.

Franz Kafka

* A foto da capa é do ator Finn Wolfhard
** Este capítulo me foi custoso de escrever porque, mesmo sendo uma obra fictícia, lida com o mal em relação a uma criança. Porém é a história de Ben Solo (na minha visão).

Capítulo 25 - Prelúdio XVI - O menino das sombras


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Prelúdio XVI - O menino das sombras

As lâminas se pressionavam, as chispas faiscantes a explodir entre os dois sabres cruzados. As luzes verde e vermelha cintilavam juntas, porém não se misturavam, conservando suas naturezas próprias. Os zunidos gritavam a cada encontro das armas luminosas.

 A luta se desenvolvia de modo ferrenho, os dois espadachins em movimentos cadenciados, um deles mascarado e o outro com o rosto à mostra, contudo ambos feridos. Arfavam. Suavam. Sangravam. 

   - Parece não ter mais direito de empunhar seu sabre, Skywalker. A Força não está mais com você.

   - Seu sabre não responde totalmente à sua vontade. Ele nunca foi seu...

  Outro se enfureceu, rugiu e avançou, o sabre vermelho seguro pelas duas mãos acima de sua cabeça, a lâmina caindo em arco descendente para Luke, deixando seu dono temporariamente vulnerável enquanto atacava.

  A lâmina verde atravessou a armadura do adversário e o varou no coração. O mascarado estacou, como uma estátua, sua espada de luz suspensa no ar. A lâmina rubra  perdeu sua potência e se recolheu quando o homem encapuzado caiu lentamente, a navalha luminosa verde saindo de seu corpo. O oponente caiu de joelhos diante do jedi, antes de tombar no chão, morto.

  Quatro outros mascarados surgiram com blasters empunhadas nas mãos.

  E todos atiraram ao mesmo tempo em Skywalker.

 

*****************************

 Lore e Ben olhavam para o céu, a nave pilotada por Luke a se perder no azul de uma manhã, até transformar-se em um ponto invisível e sumir no firmamento.

 Ela tinha o menino junto a si, abraçando-o pelo ombro com uma mão, enquanto a outra pousava na sua barriga, que começava levemente a se pronunciar pela gravidez de quatro meses. Sentiu Ellin se remexer dentro de si. Calma, minha filha. Não tenha medo.  Seu pai voltará para nós.

  O olhar de Ben agora lhe queimava e ela se voltou para ele.

  - Sei que é importante termos um dróide médico para cuidar de você e da bebê. Mas eu poderia cuidar disso. Não confia em mim? Você tem me ensinado muito bem sobre a Força curadora. E tio Luke me supervisiona nos estudos com os holocrons e nos treinos com o sabre.

  Lore pendeu a cabeça para um lado, avaliando Ben por alguns momentos. O menino, após sua recuperação física, parecia ter se restabelecido totalmente. Parecia. Os dias em companhia com Chewbacca foram essenciais para o garoto. Aquele carinho entre os dois se constituía como alavanca para a infância de Ben,  como se o menino relaxasse e se permitisse realmente ser uma criança. Contudo, o wookiee se viu obrigado a continuar o trabalho de Han à procura da kaminoana, de outros cárceres e de pistas de Snoke pela galáxia. Solo retornara para a companhia de Leia, pois passara tempo em demasia longe dela e a princesa necessitava de apoio da arena de luta que se transformara a Nova República.

  A empatia inicial pelo menino havia se transmutado em amor. Ela o amava. Todavia, diferentemente de Skywalker, Lore não possuía a confiança incondicional em Ben. As intenções do garoto eram boas, sempre foram... e ele se esforçava em ser bom, principalmente após o confronto com Snoke e a perda dos poderes de seu tio. Sua conduta desde então era irrepreensível, mansa, calma e obediente. Porém isso pôs Lore de sobreaviso, pois captava a culpa como motivador de seu comportamento e não uma estabilidade conquistada, não uma escolha sedimentada em uma transformação.

 Também o remorso aumentara a adoração de Ben por Luke em um nível que ela percebeu caminhar para um extremo, como a compensar o sacrifício de seu mestre por ele. Quando Luke decidiu ensiná-lo na Força após os acontecimentos, na medida do possível de suas atuais limitações, Lore aprovara, inclusive com os holocrons. Claro que o mestre selecionara o que ministrar e supervisionar. Desejou ela que Skywalker fosse mais fundo no aprendizado. Entretanto, ao visualizar o desenvolvimento da adoração extrema do padawan por seu mestre, ela começou a duvidar se era uma boa ideia.

  Quanto a ela mesma, orientando Ben na Força curadora, não havia como parar. Tanto ela quanto e o jedi cessarem os ensinamentos para o menino seria prejudicial na confiança que a criança depositava neles. E Luke tinha lhe afirmado que o objetivo maior para com seu sobrinho era proporcionar-lhe estabilidade.

  Agachou-se, ficando na mesma altura da criança para olhá-lo nos olhos no mesmo nível.

  - Há conhecimentos que não temos e que nem a Força curadora pode sanar em virtude de nosso despreparo. Além do mais, haverá o parto; complicações são possíveis de acontecer.

     - Parece meu tio falando. – ele franziu o cenho.

      Ela sorriu com o comentário, porém logo suas feições ficaram sérias.

    - Não gosto de ver Luke sair naquela nave para ir ao planeta mais próximo para adquirir o dróide, mas não podemos deixar brechas para o acaso. Ele quis se antecipar a quaisquer dificuldades. – suspirou - Também trará provisões e células de energia para um longo período.  Nenhum de nós se exporará ao exterior por um bom tempo.  

 - Você não costumava mentir para mim antes. – mordeu o lábio inferior e baixou os olhos – Não te culpo por não confiar em mim.

   Lore levantou o queixo dele delicadamente, fitando-o.

 - Não estou mentindo para você. Pode ocorrer algo nesta gravidez que fuja ao nosso controle. – instintivamente tocou em sua barriga.

   - Não confia mesmo em mim, não é...?

  Ela respirou fundo, calada por um instante. Não mentiria para ele. O menino confiava na sinceridade dela desde quando se encontraram pela primeira vez. Tentar poupá-lo da verdade para não machucá-lo seria ainda mais prejudicial.

  - Não confio... porque sinto que ainda não confia em si mesmo. – disse ela, as palavras fortes e objetivas – Seu encontro com Snoke fez você se olhar mais profundamente.

   - Sim.

   - Ainda com medo dos monstros... pois se vê neles.

   O menino trincou os dentes, contendo as lágrimas que queriam se formar nos olhos.

   - Você sabe...

    Lore o segurou pelos ombros, os olhos verdes azulados a reluzirem.

   - Nosso acordo. Eu vigio você e você me vigia. E é isso que estou fazendo.

   Ben balançou a cabeça afirmativamene. Sua expressão ficou circunspecta e seus olhos verdes escuros se sombrearam em uma seriedade maior quando se voltou para ela.

   - Também estou fazendo isso.

   - O quê?

    - Te vigiando.

    Ela piscou os olhos demoradamente.

- Você não dorme direito. – continuou o menino, a certeza em suas palavras -  Está com olheiras. Força-se a comer por causa da bebê, pois não sente fome. Procura esconder de mim e de tio Luke tudo isso. E não é por causa da gravidez. Tio Luke pode não ter mais a Força, mas ele sabe; vi isso nos olhos dele. Ele foi comprar o droide médico para deixar de sobreaviso para alguma necessidade sua, mas ele sente que é por outra razão o que está acontecendo contigo. E eu também.

 Lore se levantou, empertigando-se, a respiração suspensa.  Pesadelos. Eles haviam começado a perturbá-la duas semanas após a primeira noite de amor com Luke, quando pressentiu que engravidaria daquela relação. Pesadelos que não conseguia se lembrar, apenas um borrão escuro.

O sentimento com o qual acordava desses sonhos ocultos era de extrema angústia. Despertava sem conseguir respirar no meio da noite, inundada de suor, os gritos silenciosos presos na garganta, uma aflição a consumindo. Virava-se para Luke, adormecido ao seu lado, aliviada de vê-lo respirar e tê-lo junto a si. Levantava-se e ia no outro pequeno quarto na casa de Skywalker, onde Ben dormia, a fim de verificar se o menino estava incólume, retornando para sua cama e se aconchegando nos braços de Luke.

- Perdeu o sono de novo? - perguntava ele, sonolento, cingindo-a para si.

Ela soltava um murmúrio de assentimento e afundava seu rosto no peito liso dele, a fim de fugir da conversa.  Expor para ele os pesadelos indefinidos só reforçaria a visão que o jedi tivera anteriormente, juntando-se com a dela naquela noite que concebera Ellin. Um clima de medo e de indefinição quanto ao futuro se concretizaria na vida deles, lembrando a loucura de sua mãe e de seu pai em sua infância. E tudo isso... para nada, pois nada se poderia fazer diante de presságios indefinidos. Não desejava que aquela loucura de quando era criança viesse macular os dias de sua família de agora.

Ela percebia que, embora Luke parecesse aceitar sua resposta sem novas indagações, ele passava bom tempo lhe afagando os cabelos, como a esperar que ela falasse a verdade. Todavia, tudo ficava no universo do não dito e Lore tentava dormir nos braços dele.

Determinara-se a banir essas sombras de sua vida. Expulsava a aflição de seus pensamentos durante o dia com as tarefas e com o prazer de estar com Luke e Ben.

Skywalker retornara aos seus treinos de sabre, mesmo sem acesso à Força, adaptando-se à sua nova situação, aprendendo consigo mesmo, sobre si mesmo, redescobrindo-se, adequando seu antigo aprendizado à nova realidade. Ela o observava durante seus exercícios com a espada de luz, com profunda admiração.  Luke nunca expressou uma lamentação, um arrependimento da escolha feita. Seus olhos mansos lhe sorriam sempre com amor e carinho.

E ela não destruiria essa mansidão com os tormentos dela.

- O que está acontecendo com você?

A pergunta de Ben a trouxe de volta à realidade, piscando novamente os olhos.

- Pesadelos dos quais não consigo me lembrar. Eles não se mostram para mim. Não contei nada porque não há nada o que contar.

- São... os monstros?

Lore estacou, as mãos se fechando com força. Não... não ouvia nenhuma voz. Todas foram destruídas... não sentia nenhum poder, pensamento ou vontade alheias à sua própria. Não podia ser... e não podia mentir para si mesma sobre a possibilidade também. Por que não conseguia se lembrar dos sonhos? Talvez por ser tão terrível... um futuro terrível. Um futuro que sua mente bloqueara para protegê-la.

Ou um monstro à espreita.

Semicerrou os olhos lentamente, varrendo sua mente com cuidado em cada recanto, em cada nicho. Nada. Nada. Teria certeza...? Não havia dúvida até então, até antes da pergunta dele. Não. Não entraria na paranoia. Era uma visão que se ocultava... ou não? E o que seria pior...? Uma visão de um futuro tão horrível que se bloqueara ou de um monstro que se ocultava tão bem?

- Não sei, Ben... não sei realmente. – fitou o menino, séria – Vê alguma coisa?

- Não, não senti nada. Mas estou atento.

O timbre infantil dele carregava uma gravidade determinada.

Lore encarava os olhos verdes escuros de Ben. Não confiava nele em suas escolhas. Ele ainda não encontrara seu caminho. No entanto, quanto ao amor dele por seu tio... o menino faria tudo para proteger Luke. Tudo.

Podia contar com Ben nesse sentido.

 

            *********************

 

Já era o meio da tarde e seu tio não retornara.

Ben segurava o sabre inofensivo de treinamento dos padawans. A lâmina de luz possuía baixa frequência e quase nenhum dano provocaria se atingisse o corpo humano, a não ser pequenos hematomas e leves choques elétricos.

Traçou um arco com o sabre e olhou para o céu, aguardando que a nave de carga surgisse no meio do céu, do mesmo ponto que desaparecera no começo daquela manhã. Sem comunicação, sem notícias. Era o esperado, no entanto: seu mestre avisara que não faria nenhuma comunicação para evitar quaisquer rastreamentos.

A falta de notícias, porém, não era tão tranquila assim, pois poderia significar que algo dera muito, muito errado. A nave fora preparada por seu próprio tio com um bloqueador de comunicação em toda sua extensão, o qual seria ativado em caso de emergência ou de invasores. Ele lhe falara que tomaria todo o cuidado, indo com roupas civis e sendo o mais discreto possível para comprar o dróide médico. Disse que até a noite daquele mesmo dia voltaria para Paideia.

Aquela pequena viagem era um risco. Era perceptível, para Ben, a preocupação de seu mestre quanto à Lore. E não era apenas a questão da gravidez, suas possíveis complicações e futuro parto; seu tio vira algo antes de perder a Força ou soubera de alguma coisa por outras vias. Uma visão? Um pressentimento? A vida dela estaria em risco? A vida da bebê? Das duas? A própria Lore não tentara impedi-lo de ir buscar o dróide, muito embora ficara apreensiva quando se despedira de seu tio. Ela disfarçava seus sentimentos, ocultava suas fraquezas... mas Ben já desenvolvera sua percepção e conhecimento sobre ela e lhe era passível os pequenos gestos que escapavam do controle da moça.

Ele a observava ainda mais de perto desde o acordo entre eles, como também tinha conhecimento das análises dela sobre ele. Era tão estranho esse aspecto da relação deles... pois eles se gostavam. Era patente o carinho dela para com ele, seu amor, seu cuidado. E ele também a admirava e passara a amá-la. Amavam-se... e vigiavam-se.

E estranhamente se entendiam.

Refletindo com mais apuro, percebeu que essa situação não lhe era tão inédita assim. Amor. Medo. Segredos. O relacionamento com seus pais também beirava no mesmo tom, muito embora ocorrera o distanciamento, a mágoa no mesmo patamar do amor. Apertou os lábios. Afastara-se deles porque eles se afastaram antes. E a cada tentativa vacilante de seu pai e, principalmente de sua mãe, a esperança brilhava dentro dele, Ben, para logo ser rechaçado para um canto novamente, com outro comportamento de rejeição da parte deles, em um ciclo sem fim, afundando-se em um espiral.

Apertou seus olhos verdes escuros diante da claridade do céu vespertino. Seria tão bom ser como seu tio... Luke Skywalker parecia se encontrar acima de todas as ofensas, de todas as traições. A capacidade de perdão dele se estendia a limites longínquos. A crença do melhor no próximo era infinita. Seu tio não desistia de ninguém, nunca.

Perdoar. Compreender. Amar sem raiva.

Não seria natural almejar chegar ao nível de brandura de seu mestre? Então por que não sentia esse anseio automaticamente? Por que tinha que se forçar a querer ser como o jedi?

A perda dos poderes de seu mestre lhe pesava de modo opressor.  Nunca lhe foi cobrado nada em troca. E isso, de certa forma, lhe caía pior, um gosto agrodoce... pois a dívida que tinha com seu mestre era aumentada exponencialmente justamente por ter sido oferecida altruisticamente, regada por um amor incondicional do jedi por ele. E, mesmo assim, ele, Ben, não conseguia devolver aquele sacrifício mudando seu modo de pensar e seguindo com gosto o modo de ser de Skywalker. Não podia decepcionar seu tio.

Estava tentando, sim. Tentava, forçando sua própria natureza, como uma nota desafinada naquela sinfonia. Devia isso a seu mestre depois de tudo, mas era como andar contra um ventaval, os passos desengonçados guiados por uma vontade originada pelo remorso.

Ainda outras questões vibravam em sua mente, de modo incômodo. Não confiava no tio pelas verdades não ditas, pelos segredos, apesar de seu mestre arriscar sua vida por ele e abrir mão da Força. Mas devia... como Lore havia lhe dito. Devia! Como ele, Ben, era ingrato... ingrato com todo o amor de seu mestre por ele. Decepcionava seu tio. Desolara seu mestre. Fora o motivo de um jedi se afastar da Força.

 Um dia, pensou, não serei mais um problema para ele. Um dia devolverei a Força para meu mestre. Um dia, ele terá orgulho de mim. Um dia serei eu a proteger meu tio.  Um dia serei forte o suficiente para isso. Tenho que seguir os ensinamentos dele. Tenho que ser forte do modo que meu mestre deseja, fazer do jeito dele. Ser como ele.

E quanto mais essas palavras cintilavam em sua mente, mais percebia que se distanciava de ser forte como deveria ser.

Balançou a cabeça com exasperação. Tentara fazer do seu jeito quando estudava os holocrons e ocorrera o desastre no encontro com Snoke... e a vulnerabilidade do jedi. Trincou os dentes, com raiva de si mesmo. Será que não fazia nada certo? Será que nunca faria nada certo? Até quando decidira... morrer... se sacrificar, fora um inepto. Do seu jeito, provocava desastre. Do jeito do seu tio, permanecia em inércia, provocando as ações dos outros por sua paralisia e concordância.

As palavras ditas por Snoke naquele encontro distante ressoavam, sedutoras. Poder...

Tanto poder borbulhando dentro dele sob todas as dúvidas... Por vezes sentia o calor e o frio que de lá vinham... o calor da Força, como a larva de um vulcão e o frio dos caminhos gelados por onde aquele poder escorria, provocando-lhe uma estranha sensação. E parecia tão ... certo!

Uma insatisfação, uma raiva de tudo, de todos, sobretudo dele mesmo adquiriu fluidez como o sangue que pulsava forte em suas têmporas.

Apertou com força o sabre como reflexo daquele sentimento intenso, aquele poder vibrando de seu corpo para a empunhadura e chegando na inofensiva lâmina de cor dourada, provocando-lhe um brilho diferente, mais intenso, quase como se o sabre fosse... fosse de verdade.

A navalha luminosa brilhava progressivamente, estrias incandescentes no decorrer da lâmina. A quentura se exalava da navalha brilhante e pequenas centelhas pularam como mariposas, queimando Ben nas mãos e no pescoço em pontinhos abrasantes. A dor da queimadura fez o sabre cair de suas mãos, pousando na relva, ainda ligado. A navalha luminosa, acesa, queimou a grama delicada e enterrou-se a alguns centímetros na terra chamuscada, enquanto seu brilho sumia.

Ben mirava o sabre de treino afundado no solo, com espanto. Por alguns momentos, em suas mãos, a lâmina era flamejante e mortal, como a de um sabre de um jedi. O que ele fizera...?? O poder dele deslizara para a espada... como? Como?

Um misto de espanto, orgulho e medo o imobilizou. As palavras tomavam peso agora... a raiva se encorpava... as ideias se engrandeciam... o poder se mostrava...

Balançou vigorosamente a cabeça. Não. Não queria saber daquilo.

E correu para a enfermaria, enquanto o sabre permaneceu perdido no meio da relva.

 

*************************

Ele adentrou na enfermaria, onde Lore se achava, verificando o armário de remédios. De perfil, a pequena barriga ondulava sutilmente a camisa negra que vestia. A filha de Luke e de Lore. Ben franziu a testa. A felicidade dos dois quanto à criança ainda não nascida os aproximara ainda mais, como um mundo apenas deles. Eles não o excluíam intencionalmente, admitia. Não o colocaram de lado em momento nenhum. No entanto, ele se via fora daquele universo de pai/mãe/filha, como um intruso ou alguém que naturalmente não pertencia àquela nova realidade.

Antes, era ele e seu tio. Encontrara todo o amor sem medo, toda a segurança, um novo lugar – finalmente um lugar na vida! Não importava que os outros em Paideia o achassem estranho; era aceito por seu mestre e isso lhe constituía um alicerce. Era seu tio, seu mestre... e, secretamente, o pai que sempre sonhara. Isso era maravilhoso.... e doloroso. Han Solo era seu pai e nunca deixaria de sê-lo.... ele amava o pai em meio a todo aquela confusão de mágoa, decepção e esperança.

Quando Lore entrou em sua vida e na de seu mestre, foi um furacão que a nada ficou mais no lugar; todavia, muito, muito melhor, como se só com sua presença notassem o quanta falta ela fazia antes de aparecer na vida de cada um e na relação entre tio e sobrinho. Não fora excluído; fora inserido em algo ainda maior. Para ele, Ben, alguém diferente, que o entendia literalmente porque eram parecidos e que o tratava como um igual; para seu mestre, a companheira de que tanto precisava e o completava, trazendo-lhe uma felicidade a fazer seus olhos azuis brilharem; para ele e seu tio, uma nova liga, a sensação de família agora completa... muito embora não a considerasse sua mãe e sim mais uma amiga e protetora.

Sua mãe... seus lábios estremeceram e ele conteve um soluço. Não queria pensar nela.

E agora, outro tufão... aquela menina. Ellin. Diferentemente de Lore, sua presença ainda na barriga da mãe já transformara tudo...  para pior. A família agora deslocava seu eixo para aquele feto, sua zona de irradiação já não mais o incluindo. A mudança de Lore viera com aquela gravidez, os pesadelos... e o que viria com eles, Ben sentia. A emoção tão única no rosto de seu tio quando tocava a barriga. O olhar de Luke e Lore sozinhos com sua filha não nascida...

Não odiava aquela... aquela menina. Não. Não podia. Porém também não conseguia gostar dela. Como poderia? Aquilo era só o começo... o começo de muitas transformações que o conduziriam a um canto isolado, de como antes de vir morar com seu tio.

Aquilo era só o começo.

- Luke já deveria ter voltado. – disse Lore – Consegue senti-lo, Ben?

O menino levou um susto com a moça falando e já ao seu lado. Ela fora muito silenciosa... estaria ali olhando-o há quanto tempo?

- Não... Tio Luke deve estar muito longe ainda. Não alcanço.

- Tem algo errado.

De súbito, porta foi escancarada, batendo na parede em um grande estrondo. A luminosidade da tarde invadiu fortemente a enfermaria, delineando vultos escuros no umbral, sombras brilhando em silhuetas luminosas. Blasters surgiram nas mãos dois mascarados.

- Quietos! – gritou um deles.

Lore e Ben foram surpreendidos, demorando poucos segundos para entenderem a situação. Ela rapidamente se posicionou junto à criança, ficando à sua frente e encostando-se na grade da cama, a fim de esconder a pequena barriga da gravidez. Conteve seu instinto de pousar a mão no abdômen e pôs sua mente a trabalhar rapidamente no homem mascarado à sua frente, empunhando a arma, já com um segundo ser entrando no ambiente em silêncio, também com pistola apontada para ela e o menino. Atrás deles, ainda iluminados pelo sol da tarde, adentraram mais dois, os quais arrastavam um homem ferido pelos braços.

Luke!

Arremessaram Skywalker para perto da moça e do garoto e Lore abaixou-se de pronto para examiná-lo, os dentes trincados para conter a dor de vê-lo ferido e permanecer fria, a fim de melhor agir. Ele se encontrava semi desmaiado, procurando voltar à consciência. Seu rosto estava sangrando em alguns cortes e hematomas;  havia uma massa avermelhada em seus cabelos louros. Sua camisa marrom estava empapuçada de sangue escuro na altura do baço, bem como nas costas e na perna esquerda.

Ben olhava, pálido, para seu tio enquanto assistia a Lore a verificar os ferimentos dele, bem como já começar a agir com a Força curadora. Seu mestre fora espancado e levara tiros de blasters daqueles quatro homens. Sentia-se imobilizado, como em choque, a absorver e entender o que acontecera. Voltou-se lentamente para os homens, a luminosidade oriunda da porta não mais o cegando. Pôde visualizar os agressores e os reconheceu, os mesmos homens daquele holograma do massacre na vila.

Cavaleiros de Ren!

- Lore Lay, afaste-se do jedi... ou acabo com ele agora!

A voz vinha do mascarado que se postava à frente. Lore retirou vagarosamente as mãos de Luke, os olhos agora fixos, a raiva fria a invadi-la como ocorrera no confronto com Snoke. Seus músculos automaticamente se retesaram e as feições se contorceram em ira. Preparava-se para se levantar quando sentiu a mão de Skywalker no seu pulso.

- Não, Lore. – sussurrou ele – Pense... pense nela.

Ela engoliu o ódio ao ver o olhar intenso de Luke em meio aos ferimentos em seu rosto. Nossa filha. Proteja nossa filha. A mão dele pressionou mais ainda seu pulso, chegando a machucá-la tal sua intensidade, antes dos olhos de Skywalker se fecharem, seu corpo se afrouxar e sua mão tombar no chão.

Lore sentiu o sangue lhe fugir do rosto. Não... ele estava vivo. Seu peito se elevava quase imperceptivelmente. Luke respirava. Sentia a vida nele.

- Afaste-se de Skywalker! – apontou a blaster para o jedi – Agora, Lore Layl! Não vou repetir mais uma vez!

Ela se distanciou alguns passos, chegando perto de Ben, sem tirar os olhos do cavalheiro. Abafou fortemente a agonia de não poder auxiliar Luke e concentrou-se em encontrar uma saída para aquela situação. Ele era forte; ele aguentaria. Ele não morreria. Ele não deixaria nem ela, nem sua filha e nem Ben.

A proximidade de Lore agiu como um choque em Ben. Ele despertou da letargia e a avalanche de emoções o açoitou. Medo de perder seu mestre. Medo dos Cavalheiros de Ren. Raiva. Raiva de ter medo. Raiva. Raiva. Raiva.

Ódio.

O ódio que crescia em Ben se amenizava em Lore. Ela controlou sua ira. Sua raiva não a auxiliara no embate com Snoke e lhe tirara o foco e rapidez em decisões. Não que eliminasse aqueles sentimentos; não possuía a brandura de Luke. Contudo, naquele momento, era necessário baixar a fúria que pulsava dentro dela para ter uma visão mais clara da situação. Haveria tempo depois para a raiva... e a satisfação de ver todos aqueles homens sombrios derrotados... e mortos.

- Foram precisos quatro para capturá-lo. – dirigiu-se ao líder, pois reconhecera a voz de seu passado naquele palácio maldito. Fez uma menção ao jedi desmaiado – E não o mataram... por quê, Alec?

O menino abriu a boca, espantado. O que ela estava fazendo?? Ela conhecia os bandidos?

- Ele foi corajoso e habilidoso. – disse o mascarado que lhe falara antes – Matou o Mestre dos Cavalheiros de Ren sem a Força. Não merecia morrer como um bantha abatido.

- E vejo que ainda conseguiu ferir vocês.

   Alec olhou rapidamente para seu ferimento no braço e para o restante dos cavalheiros também com sinais de luta

   - Skywalker ricochetou com seu sabre alguns tiros nossos... mas não todos.

   Ben fitava o Cavalheiro de Ren com ódio mesclado com alguma surpresa e admiração. Código de honra naqueles bandidos? Aquelas palavras lembravam o que um jedi diria. Baixou ligeiramente sua visão e identificou, no largo cinto negro do Cavalheiro, dois sabres pendurados. Reconheceu imediatamente a empunhadura do sabre de seu mestre. O outro sabre... o outro sabre deveria ser aquele que ele vira no holograma, o da lâmina vermelha.

    Alec mirou o menino, pensativo.

   - Ah, o jovem Solo. Não me parece tão poderoso quanto o Líder Supremo nos informou. Tem algo de Han Solo no seu rosto... Já vi seu pai nas viagens dele. Fraco. E você... como ele. Fraco como o pai.

 Os olhos de Ben escureceram. Uma vibração começou a correr por todo o seu corpo, a raiva borbulhando em seu sangue.

   - Não fale de meu pai. – a voz infantil se enrouqueceu.

    - Não, menino? Fraco o seu pai. Não é como seu tio, que ele lutou como um bravo contra todos nós quando pousamos aqui. O Líder Supremo nos avisou que Skywalker seria um entrave, mesmo sem seus poderes. Mas seu pai viria com sua conversa ridícula e truques baratos.

   Lore segurou o ombro do menino com firmeza.

   - Alec, matemos o jedi e levemos o garoto e a mulher logo. – disse outro Cavalheiro chamado Devan, impacientemente – Veja: ela está grávida...! Snoke nos recompensará ainda mais! O filho de um jedi com uma Andhera. E mais esse ... – o desprezo lhe inundou as palavras – esse garoto chorão.

   Um brilho perigoso nasceu nos olhos escuros. As camas da enfermaria começaram a vibrar levemente, produzindo um som metálico baixo e quase contínuo.

   - Acalme o menino, Lore Layl. – falou Alec, autoritário – Ele não sabe que não pode nos atingir? Não contou a ele que somos imunes à Força? – sacou o sabre de luz vermelha e o ligou, a navalha rubra a reluzir – Está tentando pegar isso, jovem Solo? Ah, não consegue... Fique quieto, pois sou paciente, mas Devan não é. 

 - Alec. – Lore deu um passo à frente, o semblante grave, ocultando Ben atrás de si – Você serviu à Casa de Ren durante toda a sua vida. Agora se submete a Snoke, que não faz nada de diferente do que você já passou. Foi um escravo a vida toda como eu e continua sendo com esse monstro. Você... eu enxergava em você um dos poucos que tinham conhecimento da loucura daquele palácio, da insanidade dos propósitos dos Ren. Não precisa seguir Snoke para ter um propósito na vida.

   A máscara escondia a expressão de Alec, mas não sua hesitação.

   - Tentando me seduzir para escapar, bruxa? – a voz saiu rouca – Não pode me atingir. Já esqueceu do que lhe aconteceu quando tentou antes?

   As marcas nas costas dela arderam à lembrança e ela jogou a raiva mais uma vez de lado. Tinha que pensar em Luke. Em sua filha. Em Ben.

     - Estou apelando à sua inteligência. – olhou para todos os quatro – Para a inteligência de todos vocês. Podem ser livres. Não precisam de nada a não ser vocês mesmos. Não entreguem suas vidas a Snoke. Ele só usa vocês... como a Casa de Ren usou.

  Uma risada abafada saiu da máscara de Alec.

 - Perdeu a fibra, Lore Layl? Skywalker a domesticou? A gravidez tornou você em uma fraca.... Adestrada pelo jedi e contida por um feto.

   Ela apertou os olhos verdes azulados e cerrou as mãos, contendo-se para permanecer calada. Sua real vontade era se lançar sobre eles e atacá-los com toda a raiva que sentia, mas não havia como se dar esse luxo por causa de Ellin.

  - O Líder Supremo nos mostrou o verdadeiro propósito...! – aproximou a lâmina vermelha do rosto dela. Lore não recuou -  Colocaremos a Primeira Ordem no poder porque a galáxia é uma bagunça de interesses... que acabará por destruir a todos ! Se não houver a Ordem, haverá a destruição. A galáxia não resistirá à própria ambição de seus habitantes.

   Lore o olhou de cima abaixo, com desprezo.

  - Sempre o mesmo discurso... e ainda existirão pessoas de mente fraca que  precisam ser consideradas especiais e acreditarão nessas ideias vazias.. Pensei que você fosse melhor do que isso, Alec.

 Ele recolheu a lâmina e endireitou a coluna. As camas se imobilizaram. Ben, atrás da moça, inclinou-se para o lado para poder enxergar o líder dos Cavalheiros de Ren. Só o som discreto da respiração sob as quatro máscaras quebrava o silêncio. Lore não tirava os olhos daquela máscara, aguardando.

 Ela mal viu o punho vir ao seu rosto tal a rapidez e imprevisibilidade que ocorreu. O soco a atingiu com tamanha força que a jogou no chão, só dando tempo para, em um reflexo, proteger a barriga da queda. A dor era tão grande que mal se mantinha consciente. Sua visão contornou-se em névoa, enquanto se arrastava para o lado de Luke desacordado. Tombou perto dele, agarrando a mão humana dele e perdeu os sentidos.

 Ben gritou furioso e se lançou contra Alec, que o agarrou e o empurrou fortemente à frente, para o chão.

 As camas da enfermaria trepidavam com força, o barulho se tornando ensurdecedor, o metal socando o assoalho desordenadamente.

 - Pare com isso, menino! – Alec ligou o sabre e o apontou-lhe a ponta flamejante para o pescoço da criança -  Mato você, mesmo que Snoke me destrua por isso!

  Ben o olhava com ódio e o som das camas saltando do chão aumentaram.

     - Alec! – gritou Devan – O Líder Supremo quer o garoto! Se ousar fazer alguma coisa, serei eu a te matar! Você fala demais e age de menos! Deveríamos ter destruído o jedi quando saímos da nave mas não... não queria dar uma morte sem sentido a Skywalker. Que importa se ele foi corajoso? Ele matou nosso Mestre e deve morrer. Se não o fizer, faço eu!

 Alec encarava Ben, o sabre a quase queimar o queixo da criança. Chegou mais perto do menino, a menos de um metro entre os dois e as camas caíram em seus lugares, imóveis, o último som do metal no assoalho como um retumbante fim.

  Ben olhava ao seu redor, estarrecido. O que tinha acontecido? O quê? Concentrou-se novamente e os móveis ignoraram seu esforço. Tentou atrair o sabre no cinto do Cavalheiro e nem um milímetro ele se deslocou. Procurou arrancar a blaster das mãos do inimigo e mais uma vez a frustração.

 - Não adianta, menino. Não conseguirá fazer nada. – Alec retirou sua máscara, os olhos castanhos pequenos a rirem da criança. – Nada. Você é um nada...  Fraco. Fraco como o pai. Nunca será forte, nunca será como um dia Skywalker foi! Veja meu rosto, menino. O rosto do homem que matará seu mestre... agora!

  Nem terminou de pronunciar a última palavra e disparou rapidamente, atingindo o peito de Skywalker. O corpo do jedi estremeceu com o tiro laser por um instante... a cabeça de Luke pendeu para o lado e ele não mais se mexeu.

 Ben viu o chamuscado na camisa do jedi, o cheiro da carne queimada, seu semblante sem expressão, a mão frouxa segura por Lore, também inconsciente. Por um momento, todo o silêncio do universo se condensou dentro do menino, o tempo suspenso, o nada a reinar, a não-existência. O olhar dele espelhou o vazio que lhe enchia o peito, como se a alma dele tivesse abandonado aquele corpo infantil.

 Então ele gritou, um urro que espantou os Cavalheiros de Ren diante da dor quase palpável naquele som. O eco daquele sofrimento plainava no ar como ondas a distorcerem o próprio ar, explodindo os vidros das janelas, estourando todos os recipientes da enfermaria, os cacos a flutuar como poeira. O brado também soou dentro de Ben na mesma intensidade, explodindo aquele nada em estilhaços e o poder estourando em uma explosão surda, a larva correndo solta pelos caminhos gelados, as centelhas vermelhas e azuis, a raiva, o ódio, o medo, a perda, tudo misturado e rasgando-o por dentro.

As várias camas da enfermaria pularam de seus lugares e se atiraram na direção dos Cavalheiros de Ren como uma avalanche, atingindo os homens mascarados de surpresa, ferindo-os, mas não mortalmente. O teto encima deles estremeceu em um estrondo único e várias rachaduras correram por ele, como cobras rastejando rapidamente pelo concreto, estrias que quebraram o teto, desfazendo-se em grandes blocos e caindo encima dos homens sombrios, enterrando-os ainda vivos.

 

*********************

Alec ainda tossia quando conseguiu sair da enfermaria, agora com o teto parcialmente desabado. Engatinhando, a dor em todo o seu corpo machucado, ainda tentava entender o que havia acontecido.

Quando as camas voaram em sua direção, ele as partiu com o sabre, enquanto via os outros Cavalheiros atirando nos móveis encima deles, todos surpresos e assustados. Mal se posicionavam na situação, o teto desabou sobre eles. Ele, Alec, foi o único que teve presença de espírito suficiente para correr para porta debaixo daquela chuva de pedra, sendo atingido por dois blocos de raspão.

Caminhava com dificuldade em direção à nave que Skywalker pilotara, onde ele e os outros Cavalheiros haviam se ocultado no compartimento de carga enquanto o jedi comprava o droide. Fora um golpe de sorte encontrar Skywalker, já que nem Snoke tinha conhecimento de seu paradeiro. O máximo que o Líder Supremo indicara fora um sistema solar... e desde então os Cavalheiros rondavam por aquelas pairagens à busca do jedi ou de alguma pista que fosse. Há muitos meses essa busca se fazia e acabaram por encontrá-lo quase sem querer. Era uma oportunidade única invadir a nave. Todos estavam animados com a missão, aguardando chegar em Paideia para atacá-lo e matá-lo; para encontrar o menino que tanto o Líder Supremo desejava e levar a mulher como suporte para os planos de Snoke. Tudo planejado. Não haveria erro. Não havia como ter erro.

E tudo dera errado.

Seu rosto se fazia em caretas de dor a cada passada. Quebrara algumas costelas, com certeza. A dor pulsava em suas costas e sentia o sangue coagulado por dentro de sua pele. A cabeça também latejava, o sangue a empapuçar seus cabelos castanhos escuros.

Snoke havia avisado que o garoto podia ser perigoso. A bem da verdade, instruíra a ele, Alec, em especial, para que provocasse o menino e matasse o jedi na frente dele. Preparava-se para uma reação da Força, que seria anulada por sua condição de ser um Andhera. Confiava nisso. Mas, não. Aquele garoto... aquele garoto não fora detido por sua imunidade à Força!! Aquele menino era mais poderoso do que imaginara... e agora suspeitara que Snoke pressentia o que acontecera.

Talvez a real missão não fosse levar o menino e a mulher e sim despertar o garoto.

E ele e seus cavalheiros só serviram de isca e catalisador para a explosão de poder de Ben Solo.

Sorriu em um esgar. Lore Layl tinha razão, no fim. E agora ele se encontrava ao destino de sua liberdade forçada... pois sabia que, se voltasse para Snoke, seria morto. No fim, esse era o seu destino desde que se iludira em servir à Primeira Ordem: usado, descartado e morto.

Passos atrás dele.

Virou-se.

O menino vinha ao longe, sem pressa mas com determinação. Os cabelos negros ondulavam ao vento e a luz vespertina batia neles. Estranhamente, os raios luminosos não clareavam as madeixas, perdendo-se na escuridão de suas mechas. Mesmo à distância, a palidez daquele rosto brilhava. Os cílios longos e negros lhe sombreavam o olhar. As pequenas e alvas mãos se fechavam lentamente em punhos.

Alec sentiu um calafrio correr por sua espinha, um frio a envolve-lo. Era um menino de nove ou dez anos... apenas um garoto e, no entanto, havia algo aterrorizador naquele seu caminhar, no seu semblante sério e soturno, nos seus olhos ocultos pelos cílios escuros e espessos.

 O grito daquela criança ainda ecoava em seus ouvidos, um brado de dor e fúria.

O Cavalheiro de Ren começou a tremer involuntariamente. A Força não lhe dava sensibilidade como o fazia com os jedi, todavia, naquele momento, um frio gelado lhe chegava e nem o calor do sol pôde dissipar aquela frieza pegajosa. Era um poder que nunca havia captado, algo tão sombrio que o desnorteava, avivava seus mais profundos medos.  Sua mente racional tentava se impor, afirmando que o jovem Solo era poderoso, mas não era invencível. O que ele poderia fazer ali, ao ar livre e desarmado? E ele, Alec, era um adulto, muito maior do que uma criança, muito mais experiente em lutas. Começou a se sentir ridículo em temer o filho de Han Solo.

O menino estava próximo, cada vez mais próximo, a relva pisada a cada passada... a relva morta à passagem de sua sombra.

Alec sacou a blaster velozmente e disparou várias vezes em direção a Ben.

Os feixes de lasers rasgavam o ar, uma chuva horizontal de luz a atingir Ben, que prosseguia sem temor algum. Então, no último momento, já a quase queimar o rosto e corpo da criança, se desviam para os lados, como um véu de filetes luminosos abrindo passagem para o menino, que continuava a caminhar em frente inexoravelmente, o olhar fixo e frio.

As feições do adulto se contorceram, estarrecidas. A mão que empunhava a arma tremia cada vez mais. O horror personalizado em uma criança era mais do assustador; era quase insuportável de se ver e sentir. Alec, furioso consigo mesmo, procurava manter o braço firme e voltou a disparar desesperadamente uma saraivada de tiros seguidamente, sem parar, enquanto Ben prosseguia em sua direção, sem vacilar, sem piscar, os olhos verdes escurecidos.

Um pavor tomou Alec e ele largou a blaster no chão e pôs-se a tentar correr, mesmo com a dor nas costas e no peito, sentindo as costelas quebradas se movimentarem dentro de sua caixa toráxica e ferindo-o por dentro. Trôpego, atemorizado, ele se forçava a avançar, a racionalidade a se perder no meio do terror. Ele sentia o frio aumentar, a congelar seu sangue, uma sombra a persegui-lo, a morte nos seus calcanhares.

O estilhaçar da relva daqueles passos infantis. A respiração mais funda da criança. O olhar gelado. A fúria.

Uma forte dor atingiu o Cavalheiro, o som dos ossos se quebrando, esmigalhados em sua perna e ele caiu em meio da terra, arfante. O suor frio escorria por sua testa, pingando em seus olhos, tornando sua visão turva. Arrastou-se, procurando se levantar, a dor da perna quebrada a lhe açoitar. Andava com uma perna, puxando a outra ferida com desespero, sem ousar olhar para trás, mas sabendo que ele estava próximo, muito próximo.

Ele urrou quando os ossos da perna ainda sã foram estraçalhados de dentro para fora, como se uma mão invisível os moesse. Suas pernas agora se desfaziam, entortavam-se, sem nenhuma força para mantê-lo de pé.  Desabou na relva, mal conseguindo respirar, a boca sentindo a terra a lhe arranhar os dentes, a dor como um oceano onde se perdia junto com o medo.

 Os pensamentos voavam desordenadamente em sua mente em pânico, mas uma voz lhe chegava acima de toda aquela atribulação.

Você vai morrer.

Alec arregalou os olhos.

Você vai morrer.

Os dentes dele começaram a bater violentamente uns nos outros. As mãos se enfiaram fortemente na terra, sangrando, procurando darem impulso para ele se arrastar, ainda a fugir de alguma forma, quando a sombra gelada do menino bloqueou a luz do sol.

Alec estacou. Ele ia morrer. Ia morrer de uma forma aterrorizadora. Tinha consciência que um dia aquilo aconteceria – morrer. A vida de um guerreiro levava quase sempre a esse fim e isso ele podia aceitar, perder a vida em uma luta de homem para homem, a força física e as habilidades bélicas em confronto. Uma morte com honra, como o Mestre dos Cavalheiros de Ren tivera nas mãos de Skywalker. 

Mas não aquela morte... nas mãos de um menino sombrio que o aterrorizou mais do que Snoke, quando o encontrou pela primeira vez. Até ser destruído pelo Líder Supremo tinha sentido, com seus poderes transcendentais. Porém, não conseguia compreender a escuridão em uma criança, não conseguia... isso era o mais terrível paradoxo que mesmo ele, um guerreiro que já cometera as mais diversas atrocidades, não podia conceber.

Ele iria morrer nas mãos de uma criança sombria.

Talvez fosse o justo, afinal, padecer daquela forma depois de tudo que fizera em sua vida. Não que ele se arrependesse... não. Assumia todos os seus atos e teria os feito novamente. Sua existência torta começara imposta pelo destino – nascera um Andhera. Todavia, ele abraçara de livre vontade seu destino tanto na Casa de Ren quanto na Primeira Ordem. Não se arrependia. Não se condoía em remorso.

Que fosse, então, dessa forma sua morte. Para honrar sua escolha, sua vida e agora sua morte, que ele olhasse para seu algoz de frente, em vez de cair no esquecimento tremendo de medo como um bantha agonizante.

Com esforço e dor, rolou seu corpo, ficando deitado de costas e encarando o menino das sombras.

O sol batia às costas do garoto, iluminando-lhe o contorno, embora seu vulto continuasse escuro. Os olhos verdes haviam enegrecido e ali brilhava sombriamente uma chama de vingança, a fúria contida a tremular... e também um entendimento. Era como se aquela criança soubesse de seus últimos pensamentos e até... compreendesse sua lógica.

As pequenas e brancas mãos de Ben se esticaram e os sabres pendurados no cinto de Alec voaram para seu domínio. Alec viu que o menino, sem deixar de fitá-lo, guardou em sua vestimenta um dos sabres e acionou o outro, o da lâmina ligeiramente irregular, a navalha rubra, o feixe vermelho a crepitar com mais vigor no poder do garoto, tornando-se uma literal lâmina flamejante.

Sem deixar de olhar dentro dos olhos ardentemente gélidos do menino, Alec sentiu a ponta de fogo encostar lentamente na sua armadura, à altura de seu peito, penetrando sua roupa, atingindo sua pele, varando sua carne camada por camada, até alcançar seu coração, transpassando-o.

A visão de Alec se tornava imprecisa enquanto ainda olhava para a criança sombria e sua satisfação com a qual conduzia a lâmina morosamente, a fim de que causasse mais sofrimento. Em uma imagem sobreposta, veio a figura de Skywalker no momento que ele matava o Mestre dos Cavalheiros de Ren de forma rápida e quase indolor, o olhar cheio de compaixão e desolado por ser obrigado a eliminar uma vida.

A frase proferida pelo jedi durante o embate com o Mestre dos Cavalheiros de Ren lhe chegou ao mesmo tempo que sentia a vida minguar de seu corpo: Seu sabre não responde totalmente à sua vontade. Ele nunca foi seu...

Alec se afundava na escuridão do esquecimento, mas não antes de formular seu último pensamento antes do suspiro final.

O verdadeiro dono do sabre rubro finalmente o tinha em suas mãos.

 

********************************

Ben ergueu o sabre de lâmina vermelha à altura de seu olhos. A navalha de luz mal se continha, fogo de luz quase a explodir a empunhadura. Recolheu a lâmina. Uma só saída da empunhadura não era capaz de conter a luz que o sabre e ele, juntos, emanavam.

O poder vibrava dentro dele, como se ele fosse um diapasão que tremia em harmonia com aquela força estranha... força estranha que sempre esteve nele e que só a vislumbrara em gotas através do treino jedi. Como a espada de luz, ele mesmo não era suficientemente capaz de suportar tamanha magnitude. Ele e o sabre deveriam se transformar, se expandir...

Mirou o corpo do Cavalheiro de Ren, alvo de sua fúria. Morto. Fizera o que tinha que fazer... e agora parecia não ter mais sentido. Toda sua ira escoara conjuntamente com a vida daquele homem. O poder gritava dentro dele mas sem destino, sem propósito. E no vazio que a fúria que se fora deixou, veio a dor novamente da morte de seu tio.

Todo aquele poder não traria seu mestre de volta. E aquele homem caído que acabara de ser morto tão facilmente por ele, Ben, havia sido, momentos atrás, tão poderoso que roubara a vida do jedi.

Um anticlímax o tomou, a dor retornando e a confusão a assolá-lo. Matara para quê? Mas também não podia ter deixado o bandido impune. O momento no qual tudo se completara, que possuía um para quê fora no momento em que matava aquele homem, o instante que o vira sofrendo, atingindo o auge de assistir a vida se esvair daqueles olhos castanhos.  Só aquele momento e naquele instante.

Agora, o vazio. Agora, só a constatação de que perdera seu mestre.

Seus sentidos voltavam ao normal gradativamente, saindo do inebriante poder de antes. A vibração se amenizou, tornando-se um formigamento distante, os olhos retornando ao verde escuro, as feições adquirindo o calor e o sofrimento da realidade para a qual se fazia presente. E o frio da solidão o feria... sem seu tio... sem seu mestre...

A calma da melancolia lhe veio e ele sentou-se ao lado do corpo morto, desolado. Seu tio teria poupado aquele homem. Seu mestre o teria perdoado. O jedi teria protegido seu próprio assassino da fúria dele, Ben.

Sentia seu mestre tão próximo, agora que o ódio se dissipara... tão perto... quase tocando sua alma... protegendo-o de Snoke... protegendo-o de todo mal externo...

Seu rosto se iluminou de repente. A redoma de proteção ainda estava ali!!

Seu mestre ainda estava vivo!!!

Literalmente saltou em uma disparada em direção à enfermaria, correndo como nunca correra antes, enquanto sua mente fervilhava. A dor de pensar que havia perdido seu tio quando este levou o disparo no peito o transtornara a ponto de ficar cego e surdo a qualquer coisa que não fosse a dor e a ira nascida dela. Cego, cego...!

A malha energética permanecia a envolvê-lo por uma força de vontade de Luke Skywalker. Contudo, Ben, enquanto percorria o trajeto para a construção com escombros, se focara na energia de seu mestre. Embora estivesse ali, tornava-se gradativamente mais fraca, como se a cúpula perdesse lentamente a sua opacidade.

Ele não estava morto... mas estava morrendo.

Não! Não! Se não tivesse ficado cego pela ira, se tivesse se controlado antes, poderia ter percebido que seu mestre não morrera! Estaria com ele, curando-o! E agora, por causa de sua imprevidência, de sua fraqueza quanto aos seus sentimentos, matara um homem e seu tio poderia morrer por falta de sua ajuda, enquanto ele, seu sobrinho, perseguia o Cavalheiro de Ren por pura vingança.

Não! Não!

Chegou na enfermaria e pulou os escombros de pedra, mal sentindo que as pedras afiadas o cortavam. E, então, atrás dos destroços, encontrou seu tio ainda desfalecido com Lore ao seu lado, uma sua mão no peito dele e a outra em sua própria barriga, os olhos cerrados e machucados envolvidos em um rosto extremamente inchado e ferido, enquanto ela, unida à Força, ajudava a Skywalker permanecer vivo.

Postou-se ao lado dela e viu que Lore abriu os olhos, encarando-o em silêncio. Ela pegou a mão esquerda do menino e a direcionou para o peito de Luke, enquanto pousou sua direita junto da dela, na barriga da gravidez.

- Mas...

- Ela está conosco. – falou Lore – Ela também está conosco nisso.

Ben sentiu a energia do feto correr através de seus dedos, espantado. Encarou Lore estarrecido, porém nada questionou.

- Diga-me o que fazer. – disse ele, ansioso.

- Deixe a Força nela fluir através de você. – os olhos mágicos dela brilharam em fortaleza -  Sinta seu poder. Sinta o meu poder. Juntos, vamos conseguir. Juntos, Ben... estaremos todos juntos. Luke não nos deixará.

Ben sentiu as lágrimas escorrendo em seu rosto, entre o alívio e culpa. Por sua responsabilidade, seu tio quase morrera. Por sua responsabilidade, seu mestre não morreria.  Jogou esses pensamentos para fora. Aquela confusão não tinha lugar ali... naquele momento.

Respirou fundo e deixou-se fluir na Força, a energia de Lore  e de Ellin a conduzi-lo na cura de Luke Skywalker.

 



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