Lore acabara de se vestir, sempre com camisa e calças negras. Não eram, no entanto, as mesmas peças, pois os oito meses de gestação lhe trouxeram uma grande barriga e um inchaço no restante do corpo. Com a vestimenta, não havia problema. Acabara por usar algumas roupas do próprio Luke. O grande desafio se postava à sua frente, aos pés da cama.
As botas de cano alto e as meias
Lore soltou um profundo suspiro. Cada vez mais ficava mais difícil pôr as meias e calçar as botas. Naquela manhã, em particular, pressentia que o trabalho seria verdadeiramente acrobático. Encontrava-se irritadiça, pesada e de mau humor.
Sentou-se no colchão com cuidado, as pernas ligeiramente abertas e as mãos como apoio no colchão. Isso. Devagar. A barriga se fazia um obstáculo para várias atividades, na maioria dos casos não as tornando impossíveis de realizar, porém exigindo cada vez mais esforço e um certo malabarismo e equilíbrio. Por vezes se irritava em se ver forçada a se movimentar com tanta lentidão em comparação a antes; outras vezes, acabava por rir de si mesma, pois a situação se mostrava grotesca e hilária concomitantemente. Como pudera ficar tão... grande?
Pousou as mãos em sua barriga, alisando-a. Sua irritação se afastou por um instante, dando lugar ao carinho e amor em relação à filha. Em breve Ellin estaria em seus braços... veria seu rostinho, seus olhos ainda bebê. Já os enxergara naquela visão, sua filha já adulta: cabelos castanhos, os olhos verdes, sardas no rosto levemente bronzeado... Parecia haver bondade no verde claro daqueles olhos. Possuiriam, no entanto, a mansidão do pai? Bondade e mansidão não necessariamente andavam de mãos dadas.
Ellin teria uma alma parecida com a de Luke Skywalker? Lore esperava que sim, apesar de toda a teimosia e inflexibilidade do pai. Ele era um homem bom e gostaria muito que sua filha realmente fosse bondosa como ele. Ellin nasceria com os poderes da Força e também com a influência das Andhera, bem como com todo o peso do passado que essas duas origens. Precisaria da clemência de Luke para poder equilibrar suas habilidades.
Torcia, porém, que sua filha herdasse algo de si, a força da sobrevivência, o entendimento das nuances dos extremos. Talvez aqueles olhos verdes claros trouxessem essa prontidão... . Provavelmente seguiria os passos do pai na filosofia jedi, pois Luke com certeza a treinaria.
Sua filha, uma jedi... que ela carregasse a mansidão suficiente para tal.
Quedou-se para seu lado direito, retornando à realidade, as botas ao chão a provocando, como se fossem seres vivos a rirem dela. Calce-me, se for capaz!
A irritação retornou e todo o peso da gravidez.
Enquanto respirava fundo para iniciar seu trabalho acrobático, escutou um ruído e deparou-se com Luke na porta do quarto, devidamente arrumado com sua vestimenta negra e com um sorriso divertido no rosto.
- Por que insiste sempre ir pelo caminho difícil? Se não gosta de vestidos, pelo menos poderia usar os chinelos.
- Usar um ou outro é um acinte para mim, sabe muito bem. Não me provoque.
- Esse é o preço de seus princípios, já que não abre mão deles. Deixará que eu calce suas botas hoje ou ainda insistirá em fazer tudo sozinha?
Lore olhou para os calçados e depois para sua barriga. Dando o braço a torcer em um suspiro, assentiu. Luke, o sorriso no rosto, andou até ela, ajoelhou-se no chão e começou a deslizar as meias em seus pés.
- Seu bom humor de manhã é irritante, Luke.
- E sua impaciência matinal é compreensível.
- Tenho um arsenal de respostas para essa sua frase.
- Mas não usará nenhuma, pois hoje será um ótimo dia.
O jedi acabara de lhe colocar as botas, mas permaneceu ajoelhado, fitando a grande barriga à sua frente.
- Ellin lhe deu trabalho durante a noite?
- Se tentou, não percebi. Ando tão sonolenta nesses últimos meses que nem um terremoto interno me acordaria.
E Lore agradecia por isso. Os pesadelos não lhe eram mais pressentidos. Ela ficava a pensar se os sonhos obscuros foram o pressentimento da situação crítica de Luke e, por esta já ter acontecido, perderam seu objeto. Tudo indicava que sim. Franziu a testa por um segundo. Nunca lembrara de um sonho claro sequer depois do incidente dos Cavaleiros de Ren. Seria normal isso?
Skywalker lhe subiu o tecido da camisa, deixando a barriga exposta e pousou nela suas mãos, acarinhando-a, o rosto quase encostado na pele, os olhos brilhantes de amor. Ela o observava conversar baixinho com Ellin, os murmúrios inaudíveis, a intimidade e cumplicidade com a filha ainda não nascida, sua mansidão e alegria.
Sua irritação evaporou por completo ao ver Luke tão feliz, seu rosto resplandecente. Ele seria um bom pai, pensou ela com um pequeno sorriso involuntário. Era o que Luke sempre quisera, ela intuía. Adotara Ben em seu coração e o amava profundamente, porém a experiência de gerar um ser se transfigurava no semblante do jedi e não havia como ocultar aquele contentamento.
Uma paz invadiu Lore naquele instante. Não se passara nem um ano desde que chegara em Paideia e a sua vida atual lhe parecia tão natural, como se ali sempre estivesse. Os anos loucos com seus pais, o terrível tempo quase interminável no Castelo de Hok, os encontros com o Imperador, praticamente toda sua vida antes se esvoaçava em lembranças parcas e diluídas.
Tanto acontecera naqueles dez meses... toda uma existência em tão pouco tempo! E tudo que jamais imaginara poder viver... Amar e ser verdadeiramente amada por Luke, ser sua mulher e companheira de vida. Ter junto a si Ben, aquele menino que suscitava nela um amor, carinho, afeição e responsabilidade que nunca pensou ser capaz de sentir, alguém que precisava dela. Tornar-se mãe... amar aquela criatura que se abrigava e crescia dentro de seu corpo, amar tanto, tanto aquele ser que nem ainda pegara em seus braços.
Ser feliz.
Finalmente ela sabia o que era ser feliz... as discussões com Luke sobre Ben, as pequenas irritações eventuais e prosaicas do convívio, e até situações tormentosas que passara naqueles meses não abalavam sua definição de felicidade. Felicidade não era a ausência de problemas ou dificuldades ou até perigos... e sim aquela certeza que se encontrava onde deveria estar... com as pessoas que amava. Juntos.
Sim, era feliz.
Luke se sentou ao lado dela na cama, afastando-lhe uma mecha de cabelo da testa.
- As últimas semanas de gravidez são difíceis. Lembro-me de Leia quando estava esperando Ben. É uma pena que ela não esteja aqui para lhe ajudar. Ela te compreenderia.
Lore duvidava muito que Leia desejaria ajudá-la ou entendê-la.. As duas mantinham uma polidez forçada em razão de Luke
- Está tudo bem comigo. – beijou-o levemente – Você e Ben tem sido compreensivos. Essas oscilações de humor são insuportáveis até para mim. Espero que sua paciência jedi aguente mais algumas semanas.
- Você não testou tanto assim minha paciência quanto o fez na primeira vez que nos encontramos. – brincou ele inesperadamente.
- Ah... mas naquele dia era esse o objetivo.
- Bom, agora você sabe que quase atingiu seu propósito... e em vários momentos! Se teve a impressão que eu era imune, deve ter se decepcionado quando me conheceu.
Os olhos dela se suavizaram.
- Na verdade... já havia te conhecido antes de vir para cá.
- Você me conhecia...?
- Em Tatooine... era uma criança. Meus pais e eu estávamos fugindo. Você estava lá, apenas um rapaz... saindo de uma taverna. Han e Chewbacca também lá andavam contigo... e um homem de cabelos brancos. Achei na época que podia ser seu parente.
- Obi-Wan.
-Você parecia triste e ansioso enquanto seguia aquele senhor. Vestia-se diferente... todo de branco. Cheguei a correr atrás de ti.
Os olhos azuis de Luke se arregalaram surpresos por um momento, para logo depois ficarem emocionados.
- Obi-Wan e eu saímos de Tatooine para levarmos R2D2 para Alderaan com os planos da primeira Estrela da Morte, roubados do Império pelos rebeldes.... e acabamos por resgatar Leia naquela estação bélica. Ele me entregou o sabre de meu pai naquele dia mesmo e me falou da Força pela primeira vez – ele a fitou com carinho – E você estava lá...
Lore pegou na mão dele.
- Houve uma outra vez, muitos anos depois, na segunda Estrela da Morte. O Imperador exigira minha presença... e quando embarcava de volta para Hok, vi você chegar com... Vader. Era um adulto, então... tão sério, tenso. Vestia-se de negro, como hoje.
Luke apertou a mão dela.
- Foi o dia em que meu pai morreu. E você esteve lá também...
Os dois se fitaram por um instante.
- Por que me contou isso logo hoje, Lore?
- Você faz parte da minha vida há muito tempo, antes daqui... e tudo passa rápido demais. Queria que soubesse.
Luke franziu o cenho e aproximou-se mais dela. Preparava-se para falar quando se conteve, ao perceber que Ben se achava na porta entreaberta, ressabiado.
- Entre. – falou Luke para o menino – Fique conosco.
- Venha cá, Ben. – pediu ela – Ellin está se mexendo. Veja.
O garoto baixou a cabeça, encarando seu pé direito arranhando o chão do quarto.
- O chá de fygre da minha garrafa acabou e vim saber se vocês ainda tinham um pouco.
- Temos sim. Vou lhe servir agora. – disse ela.
- Não precisa. Eu mesmo pego.
- Faço questão.
Lore se levantou com cuidado, acenando para o menino entrar, e dirigiu-se para a cômoda, onde havia uma jarra de chá de fygre e canecas. Entregou uma caneca para o garoto, enquanto segurou a mão desocupada de Ben e a colocou delicadamente em sua barriga, pegando-o desprevenido. Ele se surpreendeu, todavia não resistiu à sua investida e permaneceu parado, fitando-a, esperando que ela lhe soltasse a mão. Aquele olhar... não existia raiva, nem mágoa, nem afeto, pensou Lore enquanto o encarava. Apenas obediência... e distância. Como chegara a esse ponto...? Todavia, não se deixou intimidar pela postura dele.
- Nunca a tocou. – falou Lore baixinho – Quero que sinta sua prima dessa forma, pois não tardará para ela nascer.
A mão infantil de Ben repousava no tecido da roupa sem opôr resistência, porém também não se fazendo presente.
- Não sinto nada. – falou a criança, indiferente.
Lore levantou um pouco a camisa e levou a palma da mão dele diretamente em sua pele quente, levando um choque pela frieza daquele toque.
- Não está falando a verdade. Sei que sente Ellin... e ela te sente também.
Nesse momento, Ben estatelou os olhos, pois viu a barriga se esticar e se pressionar logo abaixo de sua mão, captando uma vibração quase visível emanar-se daquele ponto. Entre o assombro e o fascínio, uma emoção emergiu naquele rosto pálido momentaneamente, uma confusão, um hesitar.
Ele retirou a mão, recompondo-se, o semblante indiferente.
- Pronto, já toquei sua barriga. Posso ir agora?
Lore não respondeu e Ben tomou seu silêncio como um consentimento, saindo pela porta com sua caneca de chá de fygre.
Ela franziu a testa, os lábios apertados. Ao longo dos meses, assistira Ben gradativamente se tornar dócil às demandas dela e de Luke, ao mesmo tempo que se afastava deles. Nenhuma conversa, nenhuma atitude parecia atingi-lo. Ele cumpria o que lhe era solicitado, respondia o que lhe era perguntado, sem nenhum ato de malcriação ou rebelde.
E cada vez mais sua presença se fazia ausente.
- Nós conversávamos antes. Ele se abria comigo. – disse mais para si mesma – Ele não confia mais em mim.
Ela se levantou e serviu-se de duas canecas de chá de fygre, servindo uma para Luke, entregando-lhe a bebida, para depois se dispor da sua própria. O líquido era de uma cor atraente, um vermelho profundo. Apesar de fumegante, a bebida era gelada e refrescante. Não tinha gosto nenhum, mas trazia uma sensação reconfortante.
Sentou-se ao lado do jedi, tomando sua bebida, pensativa. A mão dele deslizou por suas costas, uma sensação boa, relaxante.
- Ben se afastou de nós dois. – disse Luke, entre um gole e outro do chá – Mas ele está a nos rondar. Ele quer voltar a estar conosco realmente. Ele sente a sua falta, Lore, não duvide disso.
Ela suspirou.
- Tenho certeza dos sentimentos dele para comigo e contigo, Luke. Porém não sei mesmo se o ressentimento que ele guarda de nós dois deixará que volte tão cedo quanto pensa.
- Sempre tão pessimista...
- E você sempre a ver o lado bom das situações, mesmo quando esse aspecto é menor do que uma semente de fygre.
- Teme que Ben envolva Ellin nesse ressentimento quando ela nascer? O ciúmes dele é claro.
- Ah, agora é você o pessimista... Ben pensa que irá perder você para ela. Mas sou eu a ver o lado bom que, nesse caso, não é nem um pouco pequeno. – sorriu, provocando Luke - Ben gosta de nossa filha. Vejo o modo que ele encara minha barriga quando imagina que estou dormindo. E hoje, há pouco, então... ficou mais do claro. Creio que ele já se deu conta disso e não quer admitir para si mesmo. Talvez, após Ellin nascer, ele não consiga resistir aos seus próprios sentimentos.
Luke assentiu com um menear de cabeça e pôs-se a recolher as duas canecas agora vazias, depositando-as na cômoda.
- O estoque de fygre desidratado está acabando. – falou ele, ainda olhando o resto de chá vermelho nas canecas – É uma pena que eu não possa ir a Tatooine para trazer mais.
- Acabou por nos viciar no chá. Eu e Ben terminamos com seu estoque. Não tem gosto de nada, o fygre... embora seja tão refrescante e reconfortante. Mas significa muito mais do que isso para você...
Luke se virou para ela, ainda de pé, encostado na cômoda. Um pequeno sorriso saudoso surgiu no seu rosto.
- Quando meu tio Owen, que me criou, me levava para trabalhar nas estações de minas de umidade mais afastadas, precisávamos nos hidratar rapidamente, pois Tatooine é um planeta desértico. O chá de fygre era essencial para sobrevivência em um clima tão árido, além de um alívio naquele calor. - seus olhos se enevoaram - Quando ele me refrescava por dentro, dava-me a sensação que eu não me encontrava em Tatooine. Não gostava de lá, quando jovem. Sentia-me preso, isolado, perdido no fim da galáxia... Ansiava sair do planeta, ir para as estrelas, pilotar... Hoje sinto falta das dunas... da ignorância que eu tinha naquela época sobre tantas coisas. – suspirou – Não posso mais me dar esse luxo.
- Trouxe as dunas e a inocência... dentro de um chá. Tem arrependimento da vida que escolheu seguir, ser um jedi?
- Não... não tenho. Era meu caminho na época... e continua sendo. Não consigo imaginar outro destino para mim. Mesmo agora, sem poder sentir a Força, é o que sou. – sentou-se novamente ao lado dela, pegando-lhe uma das mãos – Gostaria de um dia levar você lá... você e Ellin, para conhecer e Ben, para que relembrasse, pois ele e eu já estivemos juntos nas dunas. Existe uma certa paz, lá, no deserto. E não há nada mais belo do que ver os dois sóis se pondo atrás das dunas de Tatooine.
Ela pousou sua outra mão encima na dele.
- Ficarei feliz o dia que formos todos lá, nós quatro. Mas quando tomar o chá de fygre em Tatooine, lembrarei daqui, de Paideia. Não tive nada a me apegar quando criança ou quando mais jovem. Este planeta é minha casa. Aqui encontrei paz.
Ele alargou o sorriso.
- Então teremos duas casas, Paideia e Tatooine. Será muito bom ver Ben e Ellin correndo por aqui na relva e também escalando as dunas de areia.
Os dois sorriram um para o outro.
Luke se pôs de pé e estendeu a mão para Lore, para que ela se levantasse, como havia feito no primeiro dia que se encontraram, há meses atrás.
- Venha... o dia nos espera. Há muito o que fazer.
Lore segurou a mão de Luke e o seguiu para o dia que só estava a começar.
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Leia andava determinada para a Millenium Falcon, a qual acabara de aterrizar no hangar secundário do Senado. Sua vontade era correr em disparada para a nave, porém agir assim chamaria a atenção dos funcionários, visitantes, bem como dos espiões que a rondavam. Já bastava a Falcon ser tão conhecida, desde os tempos da Rebelião.
Chewbacca a aguardava dentro da nave. Han se encontrava a caminho, porém demoraria um pouco a chegar, pois se achava no outro lado da cidade legislativa naquele momento.
A princesa acordara angustiada naquele dia, não conseguindo discernir exatamente a razão. Luke lhe vinha à mente... contudo, confiar naquela sensação era duvidoso, pois, desde que seu irmão quase morrera há alguns meses pelo ataque dos Cavalheiros de Ren, seu pensamento sempre estava com ele. Naquele dia, em específico, uma dor a atingiu de tal forma que terminou por perder os sentidos por um bom tempo e só pôde se comunicar com Paideia quase duas horas depois, quando Luke já estava a ser colocado no tanque de bacta.
Procurava se conectar com Skywalker, sem sucesso, haja vista que o jedi não tinha mais acesso à Força para completar a ponte de contato psíquico e ela, Leia, não desenvolvera seus poderes a tal ponto para realizar uma telepatia sem auxilio.
Havia Ben. Seu filho teria poder suficiente para manter o contato telepático àquela distância? Acreditava que sim, embora nunca houvesse tentado. Não queria tentar. Nos poucos contatos dessa natureza que mantivera com ele, há anos atrás, descobriu uma mente estranha e poderosa. Ele a invadira em alguns de seus redutos mentais sem intenção e, talvez, sem se dar conta, todavia ela percebera. Como alguém que possuía o segredo da porta de sua casa sem o saber e entrara distraído por alguns momentos, olhando inocentemente pelos arredores, até se dar conta que não se achava em sua própria residência. Desde então, fechara-se completamente para seu próprio filho.
A isso juntava-se a morte dos Cavalheiros de Ren. Quando Luke se restabeleceu, ele lhe falou que fora Ben que o fizera, salvando a vida dele, de Lore e de Ellin. Seu irmão, contudo, não traçara detalhes pelo comunicador e ela não o interpelara sobre os pormenores. Na troca de olhares em suas imagens holográficas, Leia soubera que Luke só falaria sobre isso quando os dois se vissem pessoalmente. Suspeitas, temores, presságios a assolaram e ela os espantou impaciente, pois só a atormentariam sem lhe dar respostas. Teria que esperar a oportunidade de ir à Paideia e ouvir do próprio jedi toda a história.
E agora teria também que aguardar maiores sensações e informações para descobrir o que lhe oprimia o coração.
Adentrou na nave, Chewie a abraçá-la de saudades, mas com muito cuidado para não machucá-la com seu tamanho. Apenas com ela o wookiee se atentava a essa preocupação.
Os dois travavam uma conversa, entre a linguagem humana e os urros do wookiee.
- Sim, Chewie, também senti sua falta! Onde está a kaminoana? Ótimo, leve-me a ela. Ah, sim, não quis falar com um wookiee. Não fique furioso, esses kaminoanos são estranhos. Não pense que ela me tem em consideração por eu ser humana e sim porque tenho alguma influência. Para esse povo, todos nós somos apenas espécimes, pelo o que já pesquisei. Deixe comigo, colocar essa criatura na linha. Sim, eu sei... que bom que conseguiu se controlar! Precisamos dela. Precisamos saber o que ela pode ter a ver com os Cavalheiros de Ren e com... Snoke!
Snoke. Maldito ser... Luke lhe falara o que conversara com Lore já há tempo. Informara que descobrira que fora esse monstro a perturbar seu filho desde pequeno e quase... quase... oh, Ben... Ben... por que tinha que ser tão valente... e tão imprevidente? Por que a Força era tão estranha no seu pequeno filho...? Por que... por que não podiam ser apenas mãe e filho, sem todos esses obstáculos?
Filho...
Chewbacca a conduziu pela nave, até o compartimento de carga. A porta deslizou, mostrando, dentro do recinto, uma criatura branca trajando um vestido comprido também alvo, com dois metros de altura, o corpo tão esguio que causava agonia em ver. O pescoço comprido, os braços longos e os olhos enormes e sem demonstrar emoções.
- Princesa Leia Organa. – a voz era suave e ela se curvou ligeiramente em cumprimento.
- Você é alguém difícil... de se encontrar Tau We. Parece que estava fugindo... de nós.
- De maneira alguma. Foram meus sequestradores que me repassaram a empregadores, a diversos empregadores para trabalhos... simples. Atendi a muitos interesses e, quando terminava meus préstimos, levam-me a outros labores. Meu serviço foi muito requisitado, embora, confesso, sem nenhum desafio. – fez um movimento lânguido com os longos e finos braços – Não desejo mais isso para mim. Quero voltar para Kamino... mesmo que deva ser se encontrar em total abandono.
- Você é a última kaminoana?
- Não tenho essa certeza, embora suspeite que sim. – os enormes olhos escuros, com névoas brancas no lugar de pupilas, piscaram lentamente – Tem pretensão de me levar para Kamino?
- Pode ser que sim... Posso ajudá-la, se se dispuser a me ajudar também, Tau We.
- Garantindo-me asilo no meu planeta, material e um lugar para meu ofício, responderei o que desejar.
- O asilo em Kamino me é possível e conveniente. Material para seu ofício, não. Não posso permitir que seu conhecimento se transforme em vantagens para os inimigos da República.
Chewbacca emitiu uma série de grunhidos.
- Chewie...! Isso, não. Talvez... – virou-se para aquela criatura branca e espantosamente alta – Talvez precisemos dos seus préstimos, Tau We. Mas deverá haver um acordo entre nós, aqui e agora. Deixo-a em seu planeta-lar, sem subsídios para trabalhos com humanos ou quaisquer outros seres que possam formar um exército ou ameaça a qualquer povo.
- E no que eu trabalharia, então? Um kaminoano tem como propósito seu ofício.
- Tenho certeza que encontrei algo para... produzir. Talvez uma associação com os bioplanetistas.
- Transformar globos inóspitos em planetas habitáveis?
- Em globo-celeiros. Em novos lares. Há muito o que se pode fazer, em vez de servir a canalhas que compram suas habilidades para fins bélicos e de domínio.
- Não é um viés interessante... já me empenhei em projetos mais arrojados.
- É o que posso lhe oferecer: seu planeta natal e um trabalho... que possa trazer paz a bilhões de seres. Esta é minha oferta final.
A kaminoana alongou seu braço, em cortesia.
- Não é o apropriado para uma filha de Kamino... Porém, se desejo que Kamino continue a existir através de mim, não tenho outra alternativa senão aceitar o presente acordo. Estou à sua disposição. Além do mais, o wookiee citou o castelo de Hok quando me trouxe para esta nave. Foi um dos meus trabalhos mais delicados e ficou oculto, sem apreciadores, depois que o Imperador faleceu. Ficarei feliz em descrevê-lo a alguém.
- Sobre o Imperador e Snoke que desejo falar.
- Nunca ouvi sobre esse ser, Snoke. É humano ou de qual raça?
- Não trabalhou para ele?
- Apenas para o Imperador... por muitos anos.
- Você fez experiências com os Cavalheiros de Ren?
- Os guardas do palácio de Hok? De maneira alguma. Eram interessantes, suas habilidades incomuns na Força... infelizmente não tive o privilégio de lidar com eles. Os últimos humanos do gênero masculino com os quais lidei foram o exército de clones, um pouco antes da República cair. Trabalho excepcional.
- Excepcional apenas criar clones de um homem? – o sorriso de Leia foi torto.
- Não despreze meu produto. Eram criativos, obedientes e eficazes. Cumpriram seu propósito.
- Não me parecem tão perfeitos assim. Eram o exército da República e se voltaram contra o sistema. Mataram... os jedi. E foram eliminados pelo próprio Palpatine, quando ele instalou o Império.
- Percebo que tem conhecimento de parte da verdade. Realmente o Imperador ocultou bem sua estratégia de tomada de poder quando exterminou os espécimes. Que desperdício.
Leia abriu a boca, estarrecida. Uma intuição a espetou, ordenando-lhe que continuasse nessa linha de conversa, mesmo que parecesse não ter ligação com o presente. Contra a urgência racional, persistiu no assunto.
- Os clones estavam a serviço do Imperador?
- Desde seu planejamento e produção... contudo, os espécimes não possuíam consciência desse fato. Para eles, sua existência era servir e proteger a República. Não eram apenas ótimos clones: eram assassinos. E perfeitos. A Ordem 66, uma diretiva genética ligada aos cromossomos dos instintos, foi plenamente implantada. Essa diretiva, esse imperativo mesclava-se com os instintos de sobrevivência humana. Quando o Imperador deu o comando específico, uma frase dita a todos os clones concomitantemente, eles cumpriram o que lhe era destinado. Mataram os alvos sem questionamento, pois passaram a encará-los como inimigos mortais à sua existência.
Leia empalideceu diante de estratégia maquiavélica do Imperador. Seu pai – seu pai adotivo – Bail Organa lhe relatara, ainda quando era criança, o massacre dos jedi e a suspeita do envolvimento dos clones nesse horror, mas nunca, nunca poderia imaginar que fosse daquela forma...! A República se apoiou no exército de clones, eram seu esteio, e não passavam de bombas relógios aguardando o momento certo...
- Como... como os jedi não descobriram? Esse condicionamento seria detectável.
- Não, princesa. As instruções que recebemos em nome do mestre Zaifo-Vias, que depois tivemos conhecimento ser o próprio Imperador enquanto era um Senador, foram muito claras. Os jedi possuíam a habilidade de detectar comportamentos de cunho racional e emocional, bem como seus desdobramentos. Mesmo em nível inconsciente, tal condicionamento poderia vir a ser percebido, dependendo da habilidade do jedi. Por essa razão, era necessário uma predisposição que escapasse da percepção deles. A Ordem 66 não se constituía um condicionamento em entendimento de paradigmas. Basicamente era um instinto... artificial, profundamente intricado com o da sobrevivência e agressividade. E na estrutura de um clone, sua ação, dada o comando, funcionou como um reflexo, algo independente de qualquer racionalidade. Um usuário da Força, por mais habilidoso que fosse, não captaria o comando, pois este não era racional ou emocional e sim um componente... instintivo. Imagino que talvez algum clone tenha ainda se questionado enquanto disparava sua blaster contra um jedi... mas era impossível se deter diante da diretiva. Teria sido interessante analisar esses casos...
Leia sentiu o sangue lhe voltar ao rosto, tal indignação lhe bateu o coração. Uma atrocidade. Uma monstruosidade. Uma crueldade e maldade sem tamanho... e essa kaminoana nem possuía estrutura perceptiva para enxergar o horror!
- E o Imperador lhes pagou bem... pois exterminou seu povo.
Pela primeira vez, uma emoção quase humana surgiu naqueles olhos enormes e estranhos de Tau We.
- Nosso silêncio profissional não bastou para o Imperador.
- E manteve você viva... para continuar o trabalho sujo.
- Meu trabalho foi grandioso. – disse com dignidade e surpresa.
- O que o Imperador planejou? O que você fez? Novos clones? Outro exército?
- Oh, não... Sua Majestade desejava fazer algo similar... em humanos. Em um, em específico: sua filha.
A princesa recuou um passo, horrorizada, apoiando-se em Chewbacca, que ouvia tudo silenciosamente até então.
- Implantou a Ordem 66... na própria filha?!
- Já seria ousado em termos kaminoanos, se fosse o caso. Era algo mais... delicado e engenhoso. Realmente me pareceu improvável o que ele solicitava... mas, enfim, alcancei o êxito, embora não tenha presenciado o efeito até o fim. Não foi possível averiguar os resultado, infelizmente.
- O que... o que você fez? – Leia rangia os dentes, irada, os pressentimentos a espetando como agulhas em sua mente.
- A filha do Imperador, Layl Ghaya, engravidou indevidamente de um homem desconhecido, quando era destinada a seduzir Anakin Skywalker e produzir um espécime. Sua Majestade, percebendo ser improvável uni-la a Skywalker, não desistiu de seu plano, passando para a próxima geração seu intuito. Ele afirmou que previra a existência de um filho de Anakin Skywalker e que ele seria muito poderoso. Queria-o para si. Decidiu, portanto, enviar sua neta para o Castelo de Hok, a fim de ser condicionada para seduzir e controlar, no futuro, o filho de Skywalker. O Imperador planejava com muita antecedência seus planos. Admirável.
Lore.
Leia apertou o antebraço peludo de Chewie. Lore. Por isso, desde que a encontrara pela primeira vez, sentiu uma repugnância, uma irritação, uma raiva por aquela mulher. Luke nunca contara nada a ela, Leia... porém tinha certeza que ele tinha conhecimento do planejamento do Imperador e fizera algo para destruir seus planos. Aquele dia... aquele dia que seu irmão, Lore e Ben retornaram da colina...Lore se modificara totalmente. Luke voltara como se tivesse travado uma batalha. Ele mudara a moça... Por mais que não gostasse dela, tinha que admitir a si mesma que via o amor nos olhos de Lore para com Luke.
- Você estava no Castelo de Hok e acompanhou... a menina.
- Oh, sim. Mas entenda, princesa, que não fiz o condicionamento de sedução. Foi uma das Andhera, Weny Ren, a mentora. Nunca concordei com os métodos impostos por Weny Ren. Brutais com o espécime. Geralmente não saem resultados exatos quando existe tal nível de brutalidade. E devo acrescentar que o espécime resistiu bastante. Conheceu o espécime?
Leia franziu o cenho, pensativa. Ela tinha sofrido...
- Conheci. E devo afirmar que o condicionamento foi quebrado. Ela não segue mais a Casa de Ren e nem o Imperador.
- Interessante... o espécime realmente era resistente e altivo. Imaginei que Weny Ren não lograria êxito. – sorriu – Bom saber. Mas, por gentileza, poderia me dizer como o condicionamento foi quebrado?
- Meu irmão, Luke Skywalker, o fez. Não tenho detalhes, mas com certeza utilizou a Força para libertá-la.
- Como eu disse... condicionamentos racionais e emocionais são detectados por jedi. E o espécime se encontra são?
- Ao que me consta, sim.
- Extraordinário...! Não seria o esperado, já que suportou as técnicas renianas e kaminoanas.
- Como assim, técnicas kaminoanas?
- Oh, é muita informação. Fiz o procedimento no espécime, enquanto feto. Uma operação delicada, mas realizada com sucesso.
- Você... você implantou a Ordem 66 em Lore enquanto ela era um feto?!
- Sim. Não exatamente a Ordem 66, pois o espécime é um humano original. Existiam muitas variáveis intervenientes envolvidas... porém alcancei o sucesso na implantação. Uma variação da diretriz adaptada à mente e fisiologia de um humano original.
- Você... você transformou Lore em uma assassina?!!
- O Imperador assim desejou.
- Quem.. quem... ela ...?
- O filho de Anakin Skywalker.
Chewie soltou um urro horrível.
Leia avançou em direção de Tau Wen, ignorando-lhe a altura de dois metros. A kaminoana, diante da fúria quase não contida nos olhos castanhos da humana, escolheu-se frente àquela pequena mulher e chegou a cair no chão.
Leia sentiu o sangue lhe ferver nas veias e respirou profundamente, controlando-se.
-– Disse que o Imperador queria que Lore seduzisse e controlasse Luke e agora afirma que ela foi feita para mata-lo? O Imperador desejava Luke ao seu lado, você afirmou. Como, então, Lore foi programada para assassiná-lo? Explique-se!
- O Imperador teve, segundo ele, uma visão de... de seu irmão matando Anakin Skywalker e tomando-lhe o lugar, foi o que Vossa Alteza me contou uma vez. Ele desejava alguém próximo do filho de Anakin Skywalker, que pudesse manejá-lo, já que seria poderoso. Elegeu sua neta para esse fim. Mandou-a para Hok para que fosse condicionada a seduzi-lo e controlá-lo quando o filho de Skywalker estivesse sob as ordens de Sua Majestade.
- Continue...
- Porém o que mais o Imperador almejava era um filho de seu irmão... uma terceira geração dos Skywalkers, criado junto a ele desde o nascimento.
Os lábios de Leia estremeceram de raiva.
- Usar Luke e descartá-lo, como fez com Vader. Criar um Skywalker com seu próprio sangue...
- Sim.
- Para que a técnica kaminoana, tão arriscada, se Lore foi levada ao Castelo de Hok para ser condicionada a seduzir meu irmão? Não bastaria ela ser condicionada nesse castelo também para se... se transformar na assassina de Luke?
- O Imperador não queria falhas, ele me confidenciou. Sua filha, Laly Ghaya, também fora treinada no Castelo de Hok, sob a tutela de Weny Ren e conseguiu escapar das ordens dele. Vossa Majestade desejava um processo de sucesso, como o foi com os clones e a Ordem 66. Por isso, para que seus planos tivessem êxito, uma terceira geração de Skywalker e a eliminação do filho de Anakin Skywalker, uma variação da Ordem 66 foi introduzida nos genes de instintos de Lore Layl.
- Então... Lore teria que ter um filho de Luke antes de eliminá-lo.
- Exato.
- E por quê? Não seria mais vantajoso dois Skywalkers , pai e filho, ao seu comando?
- Sua Majestade afirmava que nunca dois Skywalkers deveriam estar juntos.
Porque poderiam ser mais forte que ele, concluiu Leia, E tomar-lhe o trono.
Leia respirou fundo. Suas têmporas pulsavam, uma dor de cabeça intensa se formando. Urgência... urgência...
Tau We meneou a grande cabeça, observando a humana com cuidado.
- O espécime está em gestação? O progenitor é o filho de Skywalker?
Leia semicerrou os olhos.
- Sim. Lore está grávida... de oito meses.
- Para evitar o cumprimento da diretriz, faz-se necessário que o feto seja abortado ou retirado imediatamente através de uma cesária.
Leia abriu os olhos, alerta.
- O Imperador está morto. Ele não pode dar mais o comando.
- O comando não será vocalizado. O comando que ativará a diretriz é a primeira contração do parto.
- O quê?
- O espécime não é um clone. Humanos originais são imprevisíveis... se a diretriz fosse ligada à genética dos instintos de sobrevivência, haveria possibilidade do espécime burlar o comando, buscando outra alternativa, haja vista a complexidade de sua espécie. Porém, a diretriz intrincada com o instinto de maternidade, de proteção da prole, é tão forte, tão mais arraigado, que foi utilizado no presente caso. A probabilidade de erro diminui consideravelmente.
- Sim... e qual homem mataria a mulher na qual confia e que carrega seu filho prestes a nascer? – disse, a voz rouca
Leia sentia uma tontura, uma agonia a lhe apertar o coração e a estourar seu cérebro. Calma. Havia tempo. Havia tempo ainda...
Havia?
A angústia que sentia desde que amanhecera...
- Chewie, vamos para Paideia agora. Han está chegando? Ótimo. R2D2 se encontra na manutenção e não pode fazer uma linha segura de comunicação com planeta para que falemos com Luke agora. Partiremos sem ele. Não se preocupe, R2D2 arrumará uma maneira de nos encontrar. Sim, sim, trará C3PO também. Ele não esquecerá dele. Eu sei, eu sei, não podemos usar o comunicador nem na velocidade da luz enquanto estivermos indo para encontrar Luke.
Outros grunhidos de Chewbacca fez Leia endurecer sua expressão.
- Chewie... não poderemos mais voltar. Nossa viagem será só de ida. Considerarão uma traição nossa fuga, o que tanto evitamos até o momento. É hora de resistirmos à toda confusão que Snoke espalha ocultamente pela galáxia.
O wookiee assentiu com urros.
- Rebeldes de novo, Chewie? Não... resistentes. É preciso juntarmos os que pensam como nós e resistirmos ao nascimento de um novo império.
Chewbacca balançou a cabeça afirmativamente.
- Tentarei fazer contato com Ben através da Força quando estivermos em viagem, para verificar em que condições Lore se encontra. – expirou pesadamente – Tau We, existe possibilidade de Lore resistir à diretriz? Ela é uma usuária da Força. Existe alguma chance de ela perceber a que está submetida antes de sucumbir?
- Dificilmente. O instinto materno é o dos mais fortes existentes em sua espécie. E, ao que parece, até o momento o espécime viveu na ignorância de seu condicionamento. Estará o espécime sujeito à premissa imposta.
- Lore matará meu irmão.
- Sim. Ela não tem como resistir.
- Você disse que os humanos são imprevisíveis.
- Uma característica indesejada.
- Então talvez haja uma chance.
Tau We se pôs em pé lentamente.
- Respondi satisfatoriamente suas perguntas. Sua parte do acordo será cumprida?
Ela fitou Chewbacca e voltou-se para a kaminoana. Aquela alienígena criara uma assassina para matar Luke... mas havia feito um acordo com Tau We. O que estava feito, estava feito.
- Eu sou uma senadora. E uma mulher de palavra.
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Os exercícios matutinos com o sabre de treino chegaram ao seu fim e Ben se recolheu em seu quarto. Até o começo da tarde, quando se iniciaria outras atividades com seu mestre, possuía um tempo só para si.
Seu tio se juntara à Lore e se dirigiram à área livre um pouco mais afastada, perto da árvore ferida pelos lasers, onde havia a mesa e os bancos próprios para ela se sentar. Fora convidado a ficar com eles e fazer um lanche ao fim da manhã, mas ele se esquivara, afirmando que meditaria nesse horário.
Sentou-se na cadeira em frente de uma pequena mesa, perto da janela e fechou a cortina, o ambiente ensolarado se transformando em penumbra. Não queria ficar perto de seu tio e de Lore. Queria ficar em seu mundo.
E começou a meditar... mas não como seu mestre esperava que fosse.
Tattoine. Era bonito lá... lembrava-se bem do planeta, muito embora tenha estado lá há alguns anos, quando seus pais o entregaram para Luke Skywalker. Recordava-se da sua ansiedade e medo diante do que fizera com Key, do desamparo do abandono dos pais e da alegria quando se sentiu aceito por seu tio. Chegara em Tatooine infeliz e saíra de lá com esperanças de poder ser feliz, de ser ele mesmo e ser aceito pelo o que era.
Não durara muito. A bem da verdade, o que existira nos primeiros dois anos em Paideia fora uma ilusão. Seu tio o acolhera, porém o mestre não o aceitava como ele era; desejava modificá-lo, ignorando sua essência. Os dez meses recentes revelaram isso. Nunca foi realmente reconhecido. Seu poder fora oculto e, quando se fez visível, rejeitado, proibido.
Ele fora rejeitado pelo o que era.
Seu tio o envolvera com amor... e usara esse amor para conseguir o que desejava: que ele, Ben, se predispusesse a se tornar uma réplica de seu mestre... que brilhasse como um diamante, quando sua natureza era tão diferente... Poderia brilhar, também!!, mas do seu jeito, com seu tom. Jamais seria cintilante com a luminosidade da Força. Sentia seu brilhar diferente... trevas brilhantes, dissera Snoke... como uma ônix.
E agora não havia brilho cintilante ou escuro. Ele não brilhava. Seu mestre o encarcerara na ignorância e os colocava em risco por isso. Ben não se arriscaria, por si mesmo, a outras investidas com seu poder... quase morrera...matara e torturara um homem... beirara o Lado Sombrio. Abafara a tentação de usar o ódio, seu poder por todos aqueles meses. Resistia a apreciá-lo. Ignorava a pulsação dentro de si que lhe percorria todo o corpo e alma, o poder correndo por suas veias, a um átimo de ser alcançado... pelo ódio. Não... não podia sentir sem ter ajuda! Precisava de orientação para usar seu poder sem se perder e ser o que devia ser!
O treinamento nesses últimos meses fora insípido. Seu mestre, sem poder, não tinha condições de fazer muito, além de lhe ensinar o manejo do sabre, a meditação, a levitação de objetos, ministrar-lhe a filosofia jedi. Ele não permitia que Ben fosse por caminhos que ele, Luke, não possuía mais habilidade de ir... nem se aprofundar realmente no Lado Luminoso era possível naquele momento!
Seu mestre teria condições de lhe ensinar a controlar o ódio e, consequentemente, seu poder...? Sim... vira nos olhos de seu tio. Existia um modo, mesmo sem seu mestre acessar a Força, pois, se não fosse assim, não teria o horror e repúdio no seu rosto quando Ben pedira para ajudá-lo com a raiva! Seu mestre negava mais uma vez seu caminho!
Lore o decepcionara também... logo ela, tão parecida com ele! Ela o entendia, ela sabia! Ela, mais do que ninguém, compreendia o que ele era...! E, mesmo assim, não conseguira convencer seu tio! Ela, tão forte, não o fizera ver o que era preciso! Lore acabara por fazer o que seu mestre fizera! Amara a ele, Ben, conquistara-lhe seu amor e terminara desistido dele... e por amor ao seu tio! Ela desistira dele, Ben, em nome do amor de seu tio! Como ela pudera fazer isso? De que adiantava todo o seu discurso, sua compreensão, suas palavras se ela não mudara a opinião de seu mestre?! Era ela o caminho para ele, Ben, conseguir que seu mestre finalmente o ensinasse de verdade! E Lore lhe dera as costas em favor do seu mestre!
Ben cerrou os punhos com força. Não podia fazer nada... nada! Estava trancafiado, preso num limbo, onde o tempo passava, o perigo a rondar, e aquela barriga a crescer... aquela barriga.
Aquela... bebê.
Aquela... bebê unira mais ainda seu tio e Lore. Eles viviam para ela e ainda nem nascera! Claro... ela era filha deles. Filha. O que ele era? Um sobrinho, um garoto que os próprios pais nutriam medo e haviam entregue para o tio.
Aquela... bebê... quando estivesse nos braços de seu tio e de Lore, o que mais aconteceria? Ah, claro... ela nasceria com todo o poder de seu tio e o de Lore! Seria a aprendiz que seu mestre sempre buscara! Seria tão... tão maravilhosa que até Lore cederia aos seus encantos... faria tudo por ela, inclusive desafiar seu tio se fosse necessário! Por ele, Ben, ela não ousara enfrentar o mestre, mas pela filha... ah, ela enfrentaria, tinha certeza! A filha... tão... doce. Tão... brilhante. Tão o que .... o que esperavam dele! Ela seria o que seu tio sempre quisera e não conseguira com ele, Ben! Ela seria a companheira de Lore!
Ela o tocara, quando curavam seu tio. A vibração daquela energia.. viera tão mansa e inocente... encostara nele, com a suavidade de pétalas das flores do campo... buscara-o. Encolhera-se diante da escuridão dele quando o ódio lhe deu o poder para salvar seu tio. Porém... porém retornou, apesar das trevas! Desejava correr ao lado dele... junto... estar com ele, mesmo ele imerso em seu poder obscuro... sua luz não o feria. Sentira sua energia cintilante... rosa-dourada... tão poderosa e... delicada... tão... tão...
Tão linda.
Não!!
Gravou os dedos na empunhada do sabre de treino e a lâmina dourada nasceu, rebelde, flamejante, incontrolável. Mortal. Como aquele dia... como aquele dia, pouco antes dos Cavaleiros de Ren aparecerem. Ele transformara algo inofensivo em uma arma letal. O ódio borbulhava, quase na superfície, atiçando-o, trazendo consigo a sombra do poder que dormia dentro dele. Não. Não.
Não.
Desligou o sabre num arroubo de força de vontade. Suas mãos tremiam com o poder que vibrara em si por alguns segundos. Ele. Ele estava ali. Ele era ele ali.
E não podia sê-lo.
Respirou fundo, procurando controlar o peito ofegante. A bebê... tinha que ficar longe da bebê!
De repente, ficou tonto, como se recebesse um tapa em sua cabeça. Alguém... alguém o chamava de uma forma... desajeitada... um ruído... uma pressão... Seu mestre? Não, ele não tinha a Força e não seria tão... inepto, se a pudesse usar.
“Ben.”
“Mãe?”
Sua mãe? Falando com ele através da Força?!
“Mãe, o que está acontecendo? Por que me está me falando desta forma? Você não usa a Força. Alguma coisa grave?
Hesitação. Um vibração de medo, que logo foi ocultada, não antes que Ben a tivesse notado.
“Estou sendo vigiada, como sabe. E R2D2 não está aqui comigo para construir uma ligação segura para nos comunicarmos. Preciso falar com seu tio.”
Verdade... enlaçada por algo oculto, pensou o menino. Não era toda a verdade.
“O que está acontecendo?”
Tremor. Medo.
“É um assunto exclusivamente com Luke.”
“Mãe, somente eu nessa ilha pode falar contigo desse jeito. Terá que me falar para passar para tio Luke”
Mais medo... beirando o pânico.
“ Quero saber se Lore entrou em trabalho de parto? Está sentindo as contrações?”
“ O que Lore tem a ver com isso?”
Muito temor. Autoridade. Desespero.
“Obedeça-me agora! Reponda.”
“Até hoje de manhã, ela não falou nada. Parecia bem.”
“Onde Lore está nesse momento?”
“Com meu mestre, na clareira, perto da grande árvore. Estou em casa.”
Silêncio dela. Uma tensão das palavras não ditas. O medo de sua mãe em sua mente, tão pesado.
“Escute-me... escute-me, Ben. Fale para 2-1B tirar Luke agora de lá. Agora.”
“Explique o que está acontecendo, mãe! Eu posso ajudar!”
Terror.
“ Faça o que te mandei, agora!!”
“Não!! Diga-me o que está havendo! Não farei nada até que diga!”
O pânico de sua mãe o atingiu como um ventaval.
“Faça o que mandei!”
Ben apertou os olhos, levando as mãos à cabeça e adentrou no medo da mãe quase como se fosse atraído pelo desespero dela, o caminho parcialmente bloqueado. Ele não teve piedade em derrubar as proteções que Leia levantava para ocultar seus pensamentos. Ben atravessava os recantos da alma dela como quem atravessa uma floresta densa, arranhando-se nos espinhos e galhos que insistiam em se colocar à sua frente para lhe impedir o caminhar.
Ele forçou sua mente na dela com mais força, empurrando todas as barreiras levantadas e as imagens, os sons, as palavras, as ideias que tanto Leia escondeu lhe ficaram visíveis parcialmente. A compreensão daqueles retalhos lhe veio aos poucos, o temor de sua mãe se tornando o seu, o desespero dela alavancando sua agonia, o espanto se tornando pânico. O horror. A confusão. Medo. Medo. Medo.
Não, não, não! Aquilo não era verdade!
“Você está mentindo! Lore não matará meu tio! Ela ama meu mestre!”
“Você... como ousou entrar minha mente...!”
“Sou capaz de muito mais, mãe... E você mente, mente! Tem inveja de Lore, tem ciúmes! Não gosta dela e está inventando tudo isso!”
Silêncio. As vibrações de Leia lhe chegavam agora tensas, mas controladas.
“ Você sabe que eu não menti. Você entrou em minha mente e viu! E agora que viu, contra a minha vontade, terá que acreditar em mim, me ouvir e me obedecer! Eu jamais inventaria uma crueldade dessas. “
“Lore nunca machucaria meu tio. Ela me disse.”
“Ela estará fora de si... ela não saberá o que estará fazendo. Sim, eu não gosto dela, admito! Sei que ela ama Luke... Ben... meu filho... talvez tenhamos tempo. Faça... “
“Vou lá, então. Falarei com meu mestre.”
“Comunique-se com o dróide. É mais rápido. É mais seguro. Pergunte ao droide se Lore está sentindo as contrações e fale para 2-1B dizer a Luke reservadamente que vá sozinho para a colina e permaneça lá até eu chegar. Eu, seu pai e Chewie estamos a caminho de Paideia neste instante. Estaremos logo aí.”
Ben hesitou. A vibração de sua mãe era de quase súplica. Ele começou a ficar com medo. Será realmente que Lore... Levou as mãos à cabeça.
“Ben...!”
“Estou ligando o comunicador, mãe”
As mãos pequenas e brancas do menino buscaram o comunicador na cômoda e acionou o dispositivo, trêmulas. A voz metálica de 2-1B logo se fez ouvir.
- Pequeno mestre? Em que posso servi-lo?
- Meu tio...
- Está a poucos metros de mim. Quer que o chame?
- Não... não agora. E Lore, está bem?
- Ela está bem. – a voz mudou de tom, dirigindo-se à moça – Senhora Lore, quer ajuda para se levantar?
Ben escutou o movimento metálico, um arfar humano, o esmigalhar da relva.
- Senhora Lore, o que está...
O zunido do sabre. O quebrar do metal. O chiado de eletrodos.
Um grito humano.
O silêncio.
Ben olhou terrificado para o comunicador... até que gritou.
Ele correu em desespero, o medo borbulhando dentro dele, a raiva se insinuando, rasteira, como cobras debaixo do temor. Se seu mestre o tivesse treinado no controle do ódio, se ele tivesse acesso ao poder, nada daquilo aconteceria. Ele perceberia. Ele saberia. Ele evitaria.
E depois daqueles quatro meses, Ben permitiu que o poder viesse.
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