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História De luz e de sombras - Prelúdio XIX: Uma vida para a eternidade


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...

Arthur Rimbaud

** A capa é de autoria de Fernanda Alves Graciano, uma amiga querida que fez essa arte linda dedicada à personagem Lore. Muito obrigada por seu carinho, Fernanda!

Capítulo 28 - Prelúdio XIX: Uma vida para a eternidade


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Prelúdio XIX: Uma vida para a eternidade

 A cadeira levemente inclinada era muito confortável. O apoio para os pés a auxiliavam a relaxar. Todo o seu corpo descansava, músculo por músculo, trazendo uma sensação de tranquilidade e de lassidão, o sono chegando mansamente. Os pensamentos leves a lembraram de como fora uma ótima ideia de Luke e 2-1B reformarem, há alguns meses, uma cadeira para atender às  necessidades crescentes da gravidez.

 O sol do meio da manhã era suave, turvando sua visão diante de sua luminosidade. À sua esquerda, a mesa com os bancos corridos... a jarra de chá de fygre já esvaziada pela metade.  O brilho solar na empunhadura metálica do sabre de luz na mesa. Um ramalhete de flores de campo, o branco, o lilás, o amarelo, o rosa compondo aquele pequeno presente. O chumbo da constituição de 2-1B clareado, o dróide se posicionando a uns dois metros... seu eterno guarda médico a postos, agora conversando com Luke, que se postara um pouco adiante.

Viu Luke dando as costas para o medi-dróide, ficando a olhar a paisagem silenciosa. Imaginou que ele também sentia uma certa paz naquele momento. Um pouco antes, ele a beijara e deixara aquelas pequeninas flores de várias cores  na mesa, as quais acabara de colher da relva.

  Os olhos de Lore se fechavam lentamente. Lembrava que ele dissera:

 - Pequenas e delicadas. São para Ellin.

  E ela falara, fingindo estar enciumada.

 - E para mim, nada?

-  Não há rosas aqui para eu lhe dar. – ele murmurara suavemente – Mas o perfume sempre está... em você.

Rosas... ela nunca que lhe falara que gostara de rosas... que cuidara de um roseiral na infância e que aprendera a amar as rosas desde então. Como ele poderia saber?

 Uma frase antiga de seu pai viajou até ela, como uma brisa doce. Apenas quem está apaixonado por uma Andhera pode lhe sentir o perfume.

 Ela sorriu, feliz.

Seus olhos se fecharam por completo e o mundo flutuante e etéreo a dominou naquele momento de semiconsciência. Um universo escuro e sereno... e ela se afundava nele, como se o espaço a acolhesse como uma gigantesca almofada e ela se deixava ir candidamente nele. Parecia pairar no mundo, como se houvesse saído de seu corpo físico, leve, sem o peso que carregava. O pouco de consciência que ainda latejava diminuía como um apagar lento de uma luz.

 Uma dor, um aperto abdominal a perturbou e a puxou da quase inconsciência. Lore não abriu os olhos, embora os tivesse apertado em reflexo. Aquela dor se assemelhava com as cólicas menstruais... embora, claro, não pudesse tê-las naquele estado. Intenso, mas suportável.

Sua mente já começava a despertar, à procura de uma explicação em meio à semiconsciência, quando tudo aconteceu... de forma rápida e brutal.

 O mundo escuro e acolhedor se transmutou. Em vez de envolve-la em sua maciez, grudava-se nela como ar sujo, frio e virulento em tentáculos esfumaçados.  Como uma camisa de força, sua mente foi enlaçada e paralisada em uma fuligem úmida, impedindo que seu corpo tivesse quaisquer reações visíveis e dando a impressão, a quem a observasse, que continuava a dormir.

Lore se rebelou, debatando-se internamente enquanto aquela gosma fluída penetrava em suas percepções, sensações, pensamentos. Soltava gritos irados e surdos e lutava bravamente, a raiva desperta, sua antiga e latente aliada. Ela brigava com aquela escuridão, enraivecida e estarrecida, não entendendo o que era aquilo, como aquilo acontecia! Seus monstros foram destruídos em fogo! Não escutava nenhuma voz antiga, nem sua mãe, pai, Weny ou o próprio Imperador. Era algo... impessoal, anônimo e potente. E quanto mais digladiava, aquelas trevas fumacentas tendiam a ganhar mais poder, como se enfrentasse a si mesma.

A escuridão a oprimia, como uma versão obscura daquela cena no mundo mental de Ben, quando a redoma de Luke crescia e os protegia. As sombras se assenhoravam sobre ela, seus pensamentos perdendo o seu controle. Ainda assim forçou com toda a vontade seu corpo expressar algo, pedir ajuda, mas todos os seus músculos se achavam congelados, como se pertencessem a outro alguém.  Nem os olhos foi capaz de abrir.

Um medo brilhou naquela escuridão, o pensamento para com Ellin. Tinha que protegê-la, tinha que livrá-la daquilo, pois, de uma maneira ou outra, seria a primeira a ser atingida diretamente pelas sombras se ela, Lore, falhasse. Pensou em Luke, o que aconteceria com ele. Pensou em Ben, como seria envolvido. Clamou por Luke. Chamou por Ben. No entanto, sua mente, assim como seu corpo, se achava completamente hermética naquela escuridão.

O temor por Ellin, que se encontrava com ela, em sua barriga, aumentou. Ela não teria como se defender! Não pensava mais em si, não pensava mais em Luke ou em Ben. Sua proteção para com sua filha lhe tomou toda a atenção pela urgência e perigo iminentes.

 E quando o medo por sua filha cresceu a ponto de só sua Ellin existir para ela, as trevas ecoaram no mesmo tom, como um diapasão a lhe devolver seu temor. Vibravam no mesmo objetivo. Reforçavam-lhe o imperativo de proteger sua filha. Estavam com ela... queriam ajuda-la... sussurravam palavras silenciosas. O clamor dela com o das sombras perdia a distinção gradativamente. O mesmo anseio. A mesma voz.

As trevas baixaram sobre Lore.

Agora pairava nas sombras, lânguida... os pensamentos e lógica se esvaindo em sua racionalidade. Lore se afundava na escuridão, desintegrava-se juntamente com toda a sua história, com todo o seu amor por Luke, por Ben... Ela não possuía mais nome... ela não possuía mais identidade... ela não possuía mais nada a não ser... a não ser a proteção de sua filha.

Filha.

Abriu os olhos. A luminosidade do dia não a atingia. Suas pupilas não se contraíram. As mesmas sombras que a envolviam internamente refletiam no mundo externo. Ela enxergava literalmente tudo em penumbra, desfocado, turvado. Tudo em tons escurecidos, as formas se delineando por tons e subtons.  Um mundo de sombras.

E tudo ameaçava sua filha? Não. Alguém era ameaça, os pensamentos rígidos a alertá-la. Alguém. Um homem.

O filho de Anakin Skywalker.

Franziu a testa. Skywalker...? O nome... o nome....  conhecia o nome dele...

Não importava o nome. Era a ameaça.

Mas conhecia o nome...

- Sim, pequeno mestre. – era o dróide a falar pelo comunicador interno no seu corpo – Não há alterações com a senhora Lore. Tudo se encontra em ordem.

Lore? Era esse o seu nome...?

- Ela está bem. – e o medi-droide se dirigiu a ela, enquanto continuava a falar no comunicador – Senhora Lore, quer ajuda para se levantar?

Ela encarou a mão robótica estendida com o olhar fixo e vazio e automaticamente a segurou, pondo-se de pé. O robô cinzento no mundo escuro. As feições rígidas do dróide esvoaçadas. A mesa negra. O metal na mesa. Arma. Era uma arma. Sabia que era uma arma aquele pequeno cilindro. Como sabia?

Um vulto atrás do dróide. Um homem de costas, vestido de negro, já se virando para ela. Seu semblante desfocado e entre sombras. Um sorriso naquele rosto?

O homem deu alguns passos, praticamente atrás do medi-dróide.

O sorriso de...

O filho de Anakin Skywalker.

Pegou rapidamente o sabre e o acionou.

- Senhora Lore, o que está...

A lâmina se levantou ao alto e desceu com determinação no robô, cortando-o transversalmente,  a base do sabre  a  centímetros do corpo metálico de 2-1B, haja vista a proximidade dela com o dróide. Ao mesmo tempo que a extensão da lâmina cortava o metal do robô,  a ponta da lâmina rasgava o homem de negro da mesma forma, atravessando-o de forma diagonal o seu tronco. Um golpe apenas....  dróide e humano atingidos.

Ela ouviu um grito de dor e de espanto perdido entre os sons de engrenagens se desfazendo e faíscas saltando por todos os lados.

O corpo do homem caiu no chão cinzento, o baque surdo.

O robô titubeou, seu tronco cortado diagonalmente em dois, precariamente ainda unido por algumas fiações débeis, chispas saltando de ligamentos coloridos rasgados, as pernas metálicas se cruzando, trôpegas, o resto da vida cibernética ainda a resistir. A mão direita do robô se apoiou na mesa com todo o seu peso e acabou por desequilibrá-la e derrubá-la, as flores cinzas a voarem pelo ar.

O dróide desabou no chão, caindo parcialmente encima do abdômen do humano.

Outro  urro de dor.

Lore visualizou os dois ao chão, os olhos fixos e sem emoção. O filho de Skywalker ainda vivia.

A ameaça.

Era preciso acabar com aquele homem de uma vez por todas.

Caminhou lentamente para terminar o que começou.

 

***************************************

Luke se encontrava caído no chão, ferido e aturdido.

O inacreditável ocorrera. A mente dele resistia a assimilar o horror de ver  Lore, de pé, o sabre acionado e em posição para atacá-lo. Procurava respirar, o peso de parte do droide encima dele e a dor do corte transversal que lhe rasgara boa parte  do tórax . O cheiro de sua carne queimada lhe chegara às narinas, juntamente com odor de equipamentos destruídos e ainda fumegantes do robô.

Seu corpo reagira antes de sua mente, em um reflexo de recuar um ou dos passos quando a luz verde de seu sabre se iluminou ao alto. Se não fosse isso, ele teria sido cortado em dois como 2-1B, em vez de lacerado profundamente no torso.

Com o peito arfante e ardente, ele mirava, um pouco ofuscado pela luz da manhã, o rosto de Lore, controlando o espanto e a inércia, buscando abrandar a dor que sentia dos ferimentos, tentando entender o que acontecia. Sua mente disciplinada de anos tomou, então, o comando naquele cenário surreal e terrível, empurrando o choque para segundo plano. Forçou-se a analisar, entre um repuxar e outro de suas feridas, entre a confusão de emoções a miná-lo, entre a tontura puxando-o à inconsciência, o que aquilo tudo significava e o que poderia fazer.

Apertou os olhos para discernir melhor as feições dela, constatando sua impressionante rigidez, chegando a parecer menos humana que 2-1B. Seus olhos verdes azulados se perdiam no nada. Em transe... ela estava em transe. Como? Tudo havia sido resolvido na colina...! Ele mesmo a avaliara à época, sob a égide da Força...  O que era aquilo? Um outro condicionamento, um outro controle oculto para ela... e para ele, mesmo quando usava seus poderes?

Estaria ela ali, dentro do vazio daquele olhar?

Via que Lore se apoiara, em reflexo, nos pés virados para cima da mesa caída, a expressão estática e sem vida. O corpo dela sentira o esforço que empregara, a tensão extrema a que se achava submetido. Alguma coisa estava ali a acontecer, pois  ela permanecia imóvel, alguns músculos faciais a se retesarem, sem, contudo, nenhuma emoção correspondente. Estaria sentindo dor?

Lore se movimentou com os pés no mesmo lugar, os olhos sem nenhuma expressão e a atenção Luke foi atraída para as pernas da calça negra, já um pouco surrada pelo uso. Verificou que o tecido das partes internas da calça  escurecera, que exalava umidade.

A bolsa havia se rompido e o liquido amniótico inundava-lhe a vestimenta.

Ele deduziu que o organismo dela, independente do comando mental, parara seu corpo diante daquele evento.

Mas não por muito tempo.

Assistiu-a a se aproximar lentamente dele, o sabre subindo em arco.

- Lore, não!

Ele a viu estacar, como se fosse possível ouvi-lo de alguma forma, embora não aparecesse visível nenhum indício de compreensão em seu semblante. Permaneceu imobilizada por um momento e voltou a se mexer.

- Lore, olhe para mim. Olhe para mim!

O rosto dela se voltou para ele diretamente. Olhos mortos. A cabeça se inclinou para o lado quase que imperceptivelmente. Luke estudou com cuidado suas reações, as mais sutis que houvessem. Ela parecia reconhecer a voz dele...

-  Lembre-se da colina. Você me conduziu na escuridão, Lore.

Ela pendeu um pouco mais a cabeça para o lado, como se tentasse entender, o rosto ainda inexpressivo. No entanto, após alguns segundos, o olhar vazio dela se desviou para frente e o sabre se deslocou ainda mais para o alto, quase ficando em riste.

- Escute-me... Escute-me, Lore. Você já escapou das sombras. Você  conseguiu achar o caminho...  permitiu que sua luz brilhasse e espantasse a escuridão. Tentaram te controlar a vida inteira e você resistiu...  Você lutou! Lutou contra o Imperador, lutou contra as vozes. Não se deixe dominar outra vez!

A mão dela tremeu e apertou a empunhadura do sabre com mais força, o rosto brilhando com o suor copioso que lhe enchia a testa e as faces.

- Olhe para mim!

Os olhos inexpressivos dela o encararam e Luke respirou fundo, procurando-a naquele vazio aterrorizador. Ela estava ali... tinha que estar.

- Eu e você... Eu e você, Lore... em Tatooine. Nossos planos, nossos filhos, Ben e Ellin... Nossa vida, Lore! Venha para mim... escute-me...

Sustentava o olhar para ela, não permitindo que Lore se desviasse do contato visual. Era essencial que ela o encarasse, que não perdesse o foco para que não o considerasse como apenas um alvo, que cada vez mais a fisionomia dele, Luke, ficasse reconhecível a ela.  Percebia as discretas alterações em seu semblante agora a nascerem, um leve tremor na pálpebra direita, o estremecer nas mãos, a face úmida de suor. Bom, muito bom... ela estava ali... ela estava lutando...

- Estive em toda a sua vida...

Ela continuava a fitá-lo, o tremor aumentando. As mãos se umedeceram, tornando-se escorregadias ao segurar o sabre, o corpo se remexendo, inquieto. O suor aumentou em seu rosto, escorrendo pela testa e caindo-lhe nos olhos. Ela apertou os olhos irritados... e quando voltou a abri-los, alguma luz brilhou no verde azulado.

- Eu te amo... lembre-se... lembre-se...

Ela piscou mais uma vez os olhos, apertando-os fortemente, o sabre a tremular com violência em sua mão, a lâmina verde a riscar o ar como um pêndulo. A boca dela se abriu, os dentes arreganhados, a testa profundamente franzida, um arfar descontínuo deslizando de sua garganta, a respiração entrecortada e rápida, as mãos a esmagar a empunhadura do sabre.

 - Você disse que jamais me deixaria, Lore...

Lágrimas quentes caíram dos olhos apertados dela, deslizando por suas faces e se misturando ao suor gelado de seu rosto.  Lágrimas que ela não vertia desde que era uma pequena criança.

- Lembre-se... lembre-se de mim.

Lembre-se de mim.

Ela se imobilizou por completo.

Luke prendeu a respiração quando  percebeu que o corpo dela parou de tremer, ainda paralisado naquela posição, o sabre ao alto.  Percebeu as feições dela relaxarem, a respiração se acalmar.

Ela abriu os olhos e o fitou.

O brilho retornou ao verde azulado dela, a compreensão, o espanto e alegria ... e também o seu amor. Lore ainda arfava levemente, um esticar de lábios num sorriso trêmulo e confuso, triste, alegre, estarrecido. Um sorriso umedecido de lágrimas.

Ela se mantinha na mesma posição, como se estivesse congelada, o sabre acionado e ao alto. O corpo ainda não relaxara, como se precisasse se manter dessa forma até que sua mente se tranquilizasse por completo.

Luke suspirou, esboçando um fraco sorriso. Lore... os olhos dela... ela... Ela conseguira! Ela estava de volta... ela estava bem...  ela estava...

Um poder brusco e invisível a segurou por um segundo no ar, para imediatamente arremessá-la com violência para longe, seu corpo batendo com força no tronco da grande árvore e caindo no chão, o pescoço se chocando brutalmente com as grossas raízes sobre a terra.

- NÃO!!

Os olhos dele se horrorizaram, estatelados, não conseguindo crer, vendo o corpo dela imóvel naquela distância, o pescoço pendendo numa posição estranha sob uma grande raiz, a face voltada para cima.

  Sua mente se paralisou em puro terror momentaneamente. Não. Não! Não!!

 Um ímpeto o fez tentar se levantar, mas a fraqueza e o peso de 2-1B sobre seu tórax o impediram. Ele apertou os olhos fortemente, não querendo aceitar o que já sabia e tentou mais uma vez se erguer, procurando empurrar os destroços pesados do droide para longe de si. Arreganhou os dentes pelo esforço, as veias do pescoço saltando pelo pescoço, uma força inesperada pela descarga de adrenalina nascendo dele para acudir sua mulher e sua filha. Seu afinco teve sucesso, os pedaços do robô caíram ao lado dele, todavia  a ferida em diagonal de seu tórax, cauterizado por ser oriunda de um ataque de sabre de luz, escarçou-se, rompendo a pele, sangrando profusamente.

Luke se pôs de pé com muita dificuldade e começou a andar em direção à Lore, trôpego. A visão dela deitada debaixo da árvore, imóvel crescia, bem como o medo que ela... que ela...

A lembrança da premonição o arrebatou, a imagem etérea de Lore caída se sobrepondo à cena real de seu corpo entre as raízes...

Tinha que continuar andando. Tinha que continuar andando. Tinha que chegar a ela...

Sua vista falhou e as pernas não mais o sustentaram. Sentiu os joelhos se dobrarem. O coração batia com força e ele levou automaticamente a mão ao peito entre os rasgões da roupa, a umidade do sangue na sua palma, antes de sentir o chão amparar todo seu corpo.

 Seu rosto foi tocado, a mão macia em sua pele. Ele entreabriu os olhos.

 - Tio Luke.

  - Eu, não... ela... elas....

O rosto de Luke pousou na relva, a respiração leve e rápida, o coração descompensado, enquanto via seu sobrinho correr em direção a Lore.

Ben, o que você fez?

               

                *******************************

 Ben avançava velozmente na direção de Lore, enquanto sua mente pulsava como um tambor. O poder formigava ainda por ele, a pele arrepiada, a eletricidade a eriçar-lhe os pelos do braço.

 Ele fizera... ele fizera...

Quando correu da casa de seu tio, sabia o que podia estar acontecendo. Ela ia matá-lo... Lore ia matar seu tio!!! Ele vira na mente de sua mãe. Ela falara para ele! Não podia acreditar, não podia...! E quando a comunicação de 2-1B foi cortada, ele soube! O medo cresceu dentro dele de uma forma exorbitante, a urgência de impedir Lore ...! Ela não queria fazer aquilo, ela não queria...! Ela estava sendo controlada! E ela não iria parar até que fizesse!

 Enquanto cobria o espaço da casa para a clareira onde seu tio e Lore haviam ido, seu mundo entrou em puro caos, o raciocínio se desintegrando, o poder a lhe bater à porta insistentemente para derrubar qualquer obstáculo, o medo balizando o ódio, fazendo tremer a débil barreira que ainda o impedia de explodir.

 Suas pernas adquiriram velocidade, sua mente em frenesi. Ao longe, ele vislumbrou o que tanto temia: o vulto de Lore de pé e seu tio aos pés dela, vulnerável, a luz verde do sabre ao alto.

 E tudo escureceu.

O medo, sob o ódio, o cegou totalmente. O poder se impôs, destruindo quaisquer resistências ainda existentes e o preencheu em seu negrume. Todo seu corpo vibrava violentamente, seus olhos a se tornarem totalmente escuros. Ben esticou a mão direita e o fluxo da Força percorreu todo o trajeto até seus dedos. Uma potência invisível emanou dele e voou no sentido daquela mulher que empunhava o sabre ao alto, pronto para descer sobre seu tio e mestre.

Ben sentiu o pescoço de Lore em seu poder estendido até ela, segurando-o por um fugaz e intenso segundo e arremessou-a com todo o seu poder para longe de seu tio.

 Ben chegou à árvore grande, o tronco que sustentava as cicatrizes dos lasers. A árvore cintilava pelo sol da manhã, a densa copa produzindo as sombras, alguns raios de sol ultrapassando as folhas em profusão e iluminando parcialmente o rosto pálido de Lore.

 Os olhos dele a fitaram, a escuridão diluída quase que instantaneamente ao vislumbrar a mulher em desalento na relva, imóvel.

Lore. Era Lore. Lore...

 Ele parara a alguns passos de onde ela se achava, deitada de costas na relva, os braços em abandono entre as folhas secas ao chão.  Os olhos dela se encontravam abertos, a luz do sol a iluminar aquele verde azulado com o espanto de seu último momento congelado para sempre. Ele se abaixou, a compreensão lhe chegando, o choque lhe arregalando os olhos quando tocou a face de Lore já perdendo o calor.

O resto do ódio mingou e se evaporou.

Tudo se tornou irreal para ele. O tempo se distorceu, como se passasse em câmara lenta. Voltou seu rosto para trás, olhando seu tio caído a alguns metros dele. Os olhos azuis de seu mestre perderam o brilho e seu rosto se contorceu em dor, em uma expressão tão sofrida que Ben foi atingido por aquela aflição tamanha, perdendo o equilíbrio, ajoelhando-se na relva.

 Os olhos de seu tio se fecharam.

 

                **********************************

               

Ben se encontrava em total choque. Não houve lágrimas. Não houve gritos. Não houve mais raiva. Só aquele momento... terrível. Toda a sua vida se cristalizara naquele instante, o horror consigo mesmo. Não existia justificativa para o que tinha feito. Não, tinha sim... ela ia matar seu tio... Não.. Ela não era má. Ela não sabia o que estava fazendo.

Ele a amava...

Ela o amou.

Uma voz  dentro dele afirmava que tudo fora uma tragédia, que ele não tinha culpa, que Lore acabaria por assassinar seu tio se ele não fizesse o que havia feito.

- Eu poderia ter feito de outro jeito. – respondeu ele para si mesmo num murmúrio.

Não. Não. Fizera o certo... era trágico, mas o certo... Não. O argumento brilhava como ouro dos tolos diante dos seus olhos, a ferrugem aparecendo debaixo do dourado cintilante. Fizera o certo... fizera o errado... Poderia ter sido diferente...? Poderia ter... poderia ... poderia...

Seu tio estava vivo... não estava?

Não quero isso. Não quero que se entregue ao Lado Sombrio para me salvar.

Voltou-se para Lore. A expressão dela de espanto... ela soubera que ele... ela soubera antes de...

Não havia perdão para ele.

Desde que nascera, só isso que causava para todos ao seu redor, medo e horror, mesmo e, principalmente, quando tentava fazer o seu melhor. Levou as mãos à cabeça, esmagando seus próprios cabelos. Devia ter morrido. Devia ter morrido quando se decidira morrer! Isso era o certo a fazer, a única coisa certa que ele teria feito e evitaria o horror para todos.

 E Lore o salvara...  ela acreditara nele. Ela o amara o bastante para resgatá-lo. Ela o trouxera de volta com aquele acordo.

E ela não mais respirava.

Ben passou as mãos nos olhos de Lore, fechando-os. Existiam lágrimas ainda a brilharem em suas faces, manchando o rosto dela para sempre.

Desceu os dedos pelo braço branco dela. A pele já estava quase sem calor. A frieza da morte agora naquele braço que o envolvera em tantas situações, confortando-o em abraços quentes.

Seus olhos seguiram pelo corpo dela, chegando naquela barriga tão grande.

- Eu te fiz mal também... Ellin.

Ellin. Era a primeira vez que pronunciava o nome da bebê. Ela também se fora... por causa dele. E ela nunca lhe fizera mal... só queria ficar perto dele.

As lágrimas, enfim, lhe encheram os olhos e caíam silenciosamente por seu rosto, enquanto Ben pousava a mão na barriga de Lore. Sua mão quente na fria pele...

De súbito, um ardor.

Uma vibração.

Um chamado.

Ellin!

Ben segurou a barriga com as duas mãos, o coração disparado. Sentira... sentira! Ali! Sim, ali!

Ela estava viva!

O tempo voltou ao seu fluxo normal, a velocidade de seus gestos a olhos vistos. Como poderia estar viva?! Ben ofegava. Tinha que tirá-la dali!! Como? Como? Cortando a barriga. Sim, tinha que fazer isso. Não sabia como, mas faria de qualquer jeito. Olhou para os lados e não visualizou nada com que pudesse usar.

O sabre. O sabre. Onde estava? Não tinha tempo para sair para procurá-lo. Concentrou-se firmemente, afastando quaisquer dúvidas se teria êxito ou não. O zunido, o cortar do ar logo se fez ouvir, a princípio vago, para logo depois aumentar de potência, riscando a distância da mesa derrubada para a árvore, encaixando-se na mão direita de Ben. Ele o acionou imediatamente e fez uma fenda na barriga de Lore, tomando cuidado para não ir tão fundo no corte. A fissura se fez imediatamente e nem chegou a sangrar, pois se cauterizou imediatamente.

Desligou o sabre.

Ben ficou confuso por um momento. Como iria fazer? Ele sabia .... e, ignorando o medo ou qualquer hesitação, com as mãos abriu aquela fissura, esgarçando-a, e buscou a bebê entre todo aquele sangue e fluidos, segurando-a com cuidado, para que não escorregasse de suas mãos.

 Era um ser pequenino, encharcado de sangue, a cabeça com cabelos escuros e úmidos pedaços de placenta e líquidos grudentos por todo seu pequenino corpo. Os olhos fechados. Ele a tocou, apertou levemente nos braços e Ellin não reagia. Colocou sua mão no tórax dela e não sentiu nenhum bater no coração. Colocou o ouvido do peito dela e... nada.

- Você tem que estar viva! Você me chamou, Ellin!

Tocou involuntariamente no cordão umbilical e sentiu um choque. Aquele cordão enviava vida para Ellin enquanto Lore respirava. Agora... agora... sentia a morte correr por ali, na forma de toxinas e de outras substâncias.

Rapidamente cortou o cordão umbilical com o sabre.

Ela não estava morta... não... ainda tinha vida nela. Os lábios da bebê possuíam um pouco de cor. O coração devia estar fraco.

Abraçou cuidadosamente Ellin, colocando o corpinho dela junto ao seu peito e cerrou os olhos, concentrando-se nas suas próprias batidas de coração como um mantra. Afundou-se em si mesmo gradativamente, passo a passo, lembrando-se de como fizera para auxiliar na cura de seu tio, como Lore lhe ensinara. Havia, porém, uma grande diferença ali: ele não usava o poder através do ódio e apenas o que já possuía acesso, reforçado pela urgência. Se fosse necessário... se fosse necessário... invocaria o poder através do ódio para salvá-la.

Sua consciência se deslocou para dentro de seu próprio corpo. Ele era o seu próprio coração a bater, o retumbar líquido. A sua pele e a pele de Ellin se tocavam, os corações na mesma altura. O bater de seu coração ecoava para o dela, chamando-a... e teve o retorno, fraco, baixo, lento. Viva... mas não por muito tempo.

Ben caiu ainda mais para dentro de si, clamando pela Força, a navegar naquele rio de energia. Ele precisava ser mais rápido... mais forte... e conscientemente invocou o poder através da raiva, da raiva de si mesmo, a única raiva autêntica que poderia sentir diante de tudo que aconteceu.

Com uma velocidade e força impressionante, seu feixe escuro e forte invadiu o coração de Ellin, envolvendo-o, forçando-o a bater com mais vigor, no mesmo compasso que o seu. O filete rósea e dourado dela o recebeu e o acompanhou, lado a lado, como duas correntes elétricas paralelas que se tocavam em alguns instantes. Ele sentiu a vibração dela, sua luz, sua força e não se afastou. Ela suportava a escuridão dele, que chegava a feri-la, porém não se distanciou.

Como dois instrumentos ainda a encontrarem o ponto de afinação entre si, os batimentos do coração de Ben puxavam o ritmo do de Ellin. Mais forte. Mais intenso. Mais vívido.

Venha, Ellin.. Venha comigo... Fique comigo!

Sim... os dois batiam agora como um só, no mesmo compasso. Todavia, era necessário mais para um bebê recém-nascido. Sua frequência cardíaca era alta em comparação com uma criança ou com um adulto. Ben acelerou seu próprio coração a patamares altos e Ellin o acompanhou, os dois corações a pulsarem ligeiros e intensos.

Os dois corações batiam juntos, em sincronia. A energia rosa dourada se misturava com seus feixes escuros, pulsando unidos, vibrando no mesmo acorde, mesclando-se e brilhando, entre a luz rosa dourada e a escuridão, o rosa se escurecendo e o escuro a cintilar em dourado.

Ben quase se perdeu na luz dela, quase se deixou levar por aquela docilidade e inocência, à beira de seu controle se esvair. Ele não desejava mais sair dali. Ele era aceito... mansamente aceito por ela... sem perguntas... sem críticas... sem julgamentos... e ela continuava a brilhar dentro da escuridão dele.

Ele, de repente, despertou, ao perceber que, se ele brilhava por causa dela, ela se escurecia por causa dele.

Tomou total noção e rédeas da situação e, ao ver que o coração dela se achava mais firme, desvencilhou-se, recolheu-se e retornou a si mesmo, sua consciência voltando à sua mente. Abriu os olhos, o corpo formigando. Mas não entendia... não houve descontrole ali, quando estava com ela, tão envolvido com ela... teria sido ela ou ele usara a raiva de modo diferente? Ou porque se encontrava tão triste com o sofrimento que causara em Lore e em seu tio?

A bebê engasgou e ficou toda vermelha. Ben deu umas batidas leves em suas costas. Verificou que saía algo dos lábios dela e ele pôs seu dedo mindinho dentro da boca dela, retirando uma secreção densa do seu interior.

Ellin abriu os olhos. E os olhos eram de um verde claro, como águas límpidas de um rio.

O coração de Ben se apertou diante daqueles olhos. Uma emoção o tomou e ele lhe beijou os cabelos úmidos acima da testa. Sentiu um aroma diferente do sangue e dos fluidos, um cheiro discreto e suave, levemente doce... diferente... imerso naqueles odores tão característicos.

Tirou sua camisa externa com cuidado, ela ainda em seus braços, e envolveu-a  no tecido, limpando delicadamente sua cabeça e seu corpinho e estreitou-a em seus braços.

Ellin viva... seu tio teria um consolo, alguém para amar... já que ele, Ben, não podia mais esperar nenhum afeto de seu mestre depois do que fizera. Não, sabia que seu tio não poderia mais amá-lo após tudo aquilo... Mesmo tendo salvado a filha dele, tirara a mulher que seu tio amara. E isso... isso nem ele, seu mestre, com toda a sua bondade, teria condições de superar.

Mas seu tio poderia ainda ter felicidade com a filha.

Com uma das mãos, tocou o rosto de Lore com profunda tristeza e culpa., enquanto sustentava Ellin na outra.

 -  Não posso te pedir perdão. Não mereço...  Eu tirei de você tudo o que amava. E tirei você do tio Luke... de Ellin... de mim. Devia ter encontrado outra forma de te deter... mas tive tanto, tanto medo... e raiva de mim por não saber fazer direito...  não  pude controlar o ódio. Queria... queria poder desfazer o que fiz, mas não posso... não posso... Eu sou um monstro.

Eu sou um monstro.

A bebê se remexeu, inquieta, em seu colo e começou a chorar baixinho.

Ben aconchegou Ellin com as duas mãos, cingindo-a junto ao seu peito. Ela o fitava com seus olhos verdes claros, as pequeninas mãos se levantando e tentando tocá-lo no rosto. Ele sorriu tristemente para a menininha e levantou a cabeça, os olhos fechados, a garganta travada de desolação.

O zunido de uma nave quebrou o silêncio e Ben abriu os olhos, vendo  a Falcon Millenium riscando os céus azuis de Paideia.

 

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Notas Finais


Olá!
Hoje é a comemoração dos 40 anos da estréia de New Hope! 40 anos de Star Wars! Fui dormir bem mais tarde do que o habitual e resolvi esperar as doze badaladas tocarem, anunciando este dia maravilhoso e publicar o presente capítulo.

Como este capítulo é crucial, a morte de Lore, resolvi publicá-lo hoje, como uma pequena contribuição para o 40º aniversário dessa saga emocionante, que atravessou décadas e conquistou gerações.

Os próximos capítulos devem ter um intervalo de quinze a vinte dias para publicação em virtude do tempo limitado que disponho atualmente. Caso consiga confeccionar os capítulos antes desse prazo, postarei.

Agradeço o carinho, paciência e gentileza de vocês que acompanham esta história.


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