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História De luz e de sombras - Ben e Rey


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


Aos que trazem muita coragem a este mundo, o mundo quebra a cada um deles e alguns ficam mais fortes nos lugares quebrados. Mas aos que não se deixam quebrar, o mundo os mata. Mata os muito bons, os muito meigos, os muito bravos – indiferentemente.
Se não pertenceis a nenhuma dessas categorias morrereis da mesma maneira, mas então não haverá pressa alguma em matá-lo. (Adeus às Armas)

Ernest Hemingway

** Capítulo editado na noite do dia 31/08/2017. Não houve alteração na história e sim um esclarecimento maior sobre os sentimentos de Ben e Rey.

Capítulo 35 - Ben e Rey


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Ben e Rey

E ela vinha atravessando o deserto escuro, levantando uma névoa de grãos a cada passada firme e determinada sua. Iluminava seu trajeto com a luz de seu sabre lilás, provocando um efeito mágico, como se ela caminhasse através de uma neblina fosforescente.

Ben vislumbrou Rey adiante, entre as pequenas dunas escurecidas. Seus passos se mostravam resolutos, consistentes ao longo do caminho, as ondulações se revelando não como montes de areia e sim arcas semienterradas, náufragos lutando para não soçobrarem naquele estático oceano granuloso.  Percebeu que ela virou uma ou duas vezes a cabeça para os lados, identificando os receptáculos. Se ficou curiosa ou indecisa em parar e verificar as caixas, não demonstrou. Seguia inexoravelmente em frente... na direção dele.

Ben a observava. Parecia que Rey viera da primeira vez há instantes atrás, quando ela o encontrara soterrado, caído, abandonado em si mesmo, e o resgatara. A conversa que haviam dito oscilava na referência de suas lembranças. Quanto tempo...? Agora? Há muito? Sua noção de tempo se esvaía em seu reino perdido.

Balançou a cabeça, enervado. Não era para ela estar ali! Precisava de todo o foco, de toda a sua energia, de todo o resto de suas forças para enfrentar Kylo, que anunciava sua chegada próxima com a têmpera fria do ar noturno. Kylo rondava... Kylo não tardaria a descobrir seu recôndito... que sentia se encolher, suas fronteiras tombando àquele frio que avançava sobre seu deserto antes cálido e iluminado pelo poente duplo eterno.  

A presença dela o inquietava. Ela o perturbava... o que sentia por Rey contrastava com seu carinho por Ellin. Os dez anos de separação entre eles formaram um abismo no tocante ao que ela fora e no que se tornara.  Ela foi sua prima, a menina que inocentemente amara naqueles dias ensolarados, que se transformara na mulher que o atraía nos tempos sombrios.  

Não estava apaixonado por Rey, tinha ciência disso, No entanto, desde que se encontraram em Starkiller, uma atração o mobilizara. Difícil definir, pois não se constituía apenas em si uma atração física, muito embora essa houvesse. Uma conexão... uma conexão que os ligava desde o nascimento dela, quando suas energias correram juntos e fizeram o coração dela, uma recém-nascida, bater o suficiente  para que vivesse. Essa conexão se tonalizara em algo diferente, produzindo emoções ainda não delineadas o suficiente para serem nomeadas. Amor....? Não... mas algo que poderia vir a ser um dia.... se tivessem esse dia.

E por isso ele buscou mulheres parecidas com ela, quando tomava poder sobre o corpo, buscando refúgio nelas e imaginando estar com Rey... antes de Kylo descobri-lo. Antes de ele, Ben, cair no seu deserto agora sem os dois sóis.

Ela também se sentia abalada com ele, Ben sabia, e imaginava que fosse da mesma forma. Devia estar muito confusa.  Rey não se lembrava dele de antes... ela não se lembrava de si mesma, dela como Ellin e sua vida com ele. Se ela se recordasse de tudo, continuaria sentindo o que ele vira? Ou o tomaria como o Ben adolescente, o amigo que vivera na sua meninice? E se ela, cônscia de toda sua história... se ele a olhasse nos olhos assim... seu coração ainda bateria por ela?  Levou a mão enluvada à testa, irritado consigo mesmo. Ridículo! Patético!  Como era capaz de pensar essas coisas naquela situação, como se tivesse uma vida normal? Como se tivesse uma vida... como se tivesse direito a uma vida.

Continuou estático, aguardando-a. Diferente.... ela estava diferente. Mesmo à distância, era perceptível a mudança nela. Algo acontecera a ela. Seu perfume de flores silvestres, que o atingia apesar dos metros avante, agora se exalava mais consistente, mais assentado... e o envolvia mais profundamente, tonteando-o. Ela estava forte... muito forte. Poderia expulsá-la novamente de seu mundo mental, ela fortalecida e ele enfraquecido?  Mudou sua postura interna, procurando reequilibrar-se diante do que vinha dela, sem muito sucesso. Quando Rey já se encontrava a poucos metros de si, cingiu com tamanha força seu sabre desligado que as saliências da empunhadura se afundaram na palma de sua mão.

A falta de noção de tempo dentro do seu mundo mental o desnorteava. A sensação de que eles haviam se encontrado da primeira vez naquele deserto era como há pouco, mas a lógica gritava que não. Quando Rey se posicionou a poucos passos à sua frente, as patentes mudanças visíveis nela eram incontestáveis. Seu cabelo crescera e se achava solto, apenas repuxado nas têmporas para trás. Os braços nus na nova vestimenta cinza grafite delineavam-se em músculos, as braçadeiras de lã que encobriam seus antebraços até um pouco acima dos cotovelos revelavam a rigidez de sua musculatura, porém sem lhe tirar a delicadeza. Ela emagrecera e os ossos de sua face se mostravam esculturais.

Sim... e ainda mais.

Apesar de todas essas alterações identificáveis no reflexo físico plasmado dela, a maior e mais contundente confirmação da passagem temporal iluminava-se nos olhos dela. Ela amadurecera... pelo conhecimento de si. Pelo aprendizado na Força. Ela descobria seu poder.

Ela se recordava de quem era.

Sim, recuperara suas memórias. Ellin... Rey. E não fora somente as recordações. Ela sabia.

Ela sabia de tudo.

Da sua altura, ele baixara a cabeça para encará-la profundamente. Ela tinha conhecimento do que acontecera, de tudo... de tudo. Exposto. Totalmente exposto para ela. Enxergar a si mesmo nos olhos de quem o amou um dia... de quem confiou nele... de quem foi traída por ele. Ver-se naqueles olhos verdes claros era ser desvelado e trazia o eu antigo dele à tona mais uma vez. Uma vida que se fora... que quase se transformara em lenda dentro dele. E uma vida que poderia ter sido... perdida nos sonhos reprimidos dele. Ressurgia nele novamente aquela humanidade, seus anseios, o desejo de ter um futuro... de viver um futuro. Um desejo que ele abandonara desde que se ocultara no deserto de si mesmo.

Sentia-se humano novamente... vulnerável.  Isso era terrível... e irresistível, principalmente porque não tinha certeza se poderia sê-lo novamente, se teria tempo, outra oportunidade antes que tudo aquilo terminasse.

Antes que tudo terminasse... para ele.

Ela desligou o sabre e as duas lâminas lilases se recolheram, chamando a atenção de Ben para o bastão. Reconheceu-o, apesar de todas as modificações feitas nele. Rey lhe acompanhou o olhar, ainda calada, e delicadamente lhe ofereceu a arma jedi. Ele alternou seu olhar da moça para o bastão, do bastão para a moça durante um tempo interminável. Os olhos verdes claros dela se fixavam em seriedade e também... em um pedido. Ele prendeu a respiração, buscando nela a raiva, as acusações, a ira, a desolação. Se existiam, ela as ocultava muito bem sob aquele silencioso... pedido.

O bastão-sabre.

 Ben segurou a empunhadura, sem desviar o olhar do dela. Seus dedos se tocaram, os dois com a respiração suspensa, o sabre em suas mãos. A energia dela vibrava como uma música, enquanto os olhos verdes claros lhe revelavam a alternância de uma emoção para outra, de estarrecimento à tristeza, de mágoa à compaixão. Da familiaridade antiga à estranheza atual. De alguém que ela conhecera e amara para esse outro que ainda lhe era tão surpreendente e lhe atiçava emoções estranhas.

O bastão. O bastão de Lore... seguro pelos dois.

Ben engoliu em seco, captando a energia reminiscente de Lore no bastão, como um talismã que continha pedaço da vida de sua antiga dona.

A temperatura do deserto caiu abruptamente e sua respiração provocava uma névoa gelada. Kylo... mais próximo.

Soltou a mão de Rey e recuou um passo, enrijecendo as costas. Pouco tempo... pouco tempo.

- Minha mãe te perdoou. – disse Rey, suavemente.

- Como...?

- Em uma entre-realidade... nos encontramos, nós duas. – a voz dela se enrouqueceu – Ela me pediu para que te perdoasse também... que te compreendesse. Que, no fim, você... você apenas fez o que ela pediu, protegendo meu pai.

Ele semicerrou os olhos, o peito dolorido. Lore.

- E você... é capaz de me perdoar?

- Talvez, com o tempo. – sua testa se franziu.

- Você quer me perdoar?

Ela abriu a boca para responder e desistiu, baixando os olhos para o bastão em sua mão, pensativa. Ben a analisava, buscando resquícios de ódio em cada gesto seu, no seu silêncio. Não... não havia. Então, por que hesitou em responder? Ela desejava perdoá-lo... sim, ele podia captar sua mágoa vencida no leve menear de cabeça, nas mãos dela a alisar a empunhadura, como se tocasse em sua mãe.

Porém, Rey não respondeu à pergunta  e sim fez uma indagação.

- Você  me deixou o bastão de minha mãe... mesmo tendo nublado minhas memórias.

Os lábios dele se repuxaram para um canto, um sorriso triste e torto.

- Desde pequena, você sempre quis o bastão.  Lore teria gostado de vê-lo com você.

 - Uma lembrança... que poderia ter me despertado.

- Imprudência minha, é verdade, embora calculada. – seus olhos verdes escuros se suavizaram - Quis deixar algo que, de alguma forma, te reconfortasse.

 – Ele me trouxe algum conforto... e também inquietação. Sonhos. Sonhos de água... e de terras verdejantes.  – deu um passo à frente, apertando os lábios, tensa – E também sonhei com você.

- Comigo...?

- O rosto me fugia, por mais que eu tentasse enxergá-lo. Mas agora sei que era você.

Os olhos dela refletiram para Ben imagens de seu passado, do fim de sua infância, costurando um boneco de pano com roupas negras em meio a montes de sucata. Ela já no começo da adolescência, dormindo agarrada ao boneco. Ela, em plena mocidade, jogando o boneco para longe, irritada por não entender o que lhe acontecia, depois de riscar mais uma vez a parede da nave na sua contagem de tempo. Ela pegando o boneco do chão e limpando-o entre soluços. Ela já adulta, olhando as estrelas, o boneco junto ao seu peito, enquanto comia sua ração.

Ben ainda a fitava quando as imagens se diluíram nas águas verdes dos olhos dela. Comovido. Perturbado. Sempre estivera consciente da crueldade que lhe impusera, abandonando-a sem memórias e sem família, mesmo que fosse para resguardá-la de Snoke e de Kylo.

- Não é possível que não me odeie, Rey.

Rey. Saiu naturalmente.... confortavelmente, na verdade. Seria lógico chamá-la de Ellin, já que ela readquirira seu passado. Porém, parecia inadequado, errado.

- Não te odeio.

- Não mascare seus sentimentos com a obrigação de sentir compaixão. Se segura esse bastão, sabe muito bem tudo o que fiz... o que fui capaz de fazer.

- Não apenas sei, mas também vi o que aconteceu...! Você me deu tudo... e me tirou tudo. Tudo. – sua voz morreu, enquanto o fitava em um misto de emoções - Tenho muita... muita mágoa de você. E dói...  você, logo você, que foi tão... importante para mim! – suas mãos caíram ao longo de seu corpo, cansadas -  Mas está tudo feito, não há como reverter.   Minha mãe não vai voltar. Os anos longe de meu pai não retornarão.  Não quero me afundar nessa mágoa. Não quero isso para mim. Já perdi muito. Não quero perder mais nada... e nem mais ninguém.

- Não sou mais aquele rapaz da sua infância. E você não é mais aquela menina. Muito tempo se passou. Tudo... mudou.

- Pode ter mudado agora, mas não o que já foi. Aquele tempo... aquela vida. Fomos felizes, Ben. Você era meu amigo. – disse ela, encostando sua mão no peito dele – Meu amigo.

- Não sou mais. Não posso... ser mais. Você sabe que não posso.

Ele havia pousado sua mão na dela, apertando-a contra seu peito, enquanto a olhava com carinho. Será que Rey compreendia...? Além de todos os acontecimentos que, por si só, já tornavam impossível eles voltarem a serem o que eram, os sentimentos haviam se transformado, apesar de terem compartilhado um passado. Ainda não tinham atingido uma clareza do que agora eram, mas, com toda certeza, jamais retornariam ao que um dia foram.

A inexperiência dela nesses assuntos se revelou na confusão de seu olhar e contrastava com a maturidade em outros vieses. Ele confirmou a impressão que tivera quando se encontraram na fase adulta pela primeira vez, em Starkiller. A busca pela sobrevivência, juntamente com a perda de sua vida pregressa, a transformaram em uma pessoa reclusa e desconfiada perante aquele mundo desértico e ameaçador. Ela não conhecia... aqueles sentimentos que se expressavam em seu semblante. Devia estar assustada consigo mesma, principalmente por aquelas novas emoções serem dirigidas para ele.

Rey retirou sua mão da dele e recuou dois passos. Ben a assistiu lutar consigo mesma, suas feições se contorcendo na busca de entender o que ele dizia com o que sentia. Pareceu ter chegado a uma conclusão. Seu rosto se enrubesceu. Apesar do constrangimento, ela foi firme.

 - Sendo o que puder ser, volte comigo.

- Não é possível. Tenho que terminar o que comecei.

- Seu plano perdeu o sentido. Kylo já sabe de sua existência. Não pode mais se aproximar de Snoke através dele. Tome seu corpo novamente e retorne para mim... e para meu pai. Volte para nós.

- Não tenho mais controle sobre meu corpo. Kylo se tornou forte demais. – suas palavras secas se condensaram no ar pelo frio, a névoa a flutuar entre ele e Rey.

Ela passou a mão na neblina, dissolvendo-a, os olhos determinados.

- Vamos enfrentá-lo, Ben... juntos.

- Não. Kylo é minha responsabilidade. Ele é minha criação.

-  Se não consegue tomar seu corpo de volta, não será capaz de derrotá-lo sozinho. O que está pensando?  Quer se sacrificar, quer... morrer?

Ele não respondeu. Não podia falar para ela o que planejava. Seu estratagema possuía diversos desdobramentos, a depender dos acontecimentos.

- Ben! Não cometa os mesmos erros que cometeu antes. Não assuma tudo sozinho.

- Tenho que assumir, Rey. Eu comecei isso. Se errei no começo, cabe a mim consertar. Meu plano original falhou. E é por isso que não devo parar.

- A culpa do que fez está te cegando!

- A culpa que tenho me impulsiona a agir! E estou sozinho nisso... sempre estive. Você... você não deveria estar aqui. Não deveria interferir!

- Tenho que me envolver, quando você só se afunda mais. Pare! Fale comigo! Peça ajuda ao meu pai!  Nós três juntos!

- Não!

 Avançou em direção de Rey. Ela recuou, acionando seu sabre-bastão e assumindo a postura de defesa, a luz lilás a clarear a noite como uma fogueira. Ele parou a meio do caminho, enervado, a mão segurando seu próprio sabre, apertando-o com força, decidindo-se se o ligaria ou não.

- Não vai me tirar daqui novamente. Eu não irei voltar e deixar você sozinho! Está fraco... eu sinto. Está muito fraco. Vai gastar suas forças lutando comigo em vez de se poupar para aquele monstro? Pois terá que lutar comigo se insistir nessa insanidade.

- Você nunca deveria ter saído de Jakku. – rosnou, irritado – Não era para você ter saído de Jakku!

Fique aqui. Eu voltarei, querida. Eu prometo.

- Não pretendia me buscar... Ben! Fiquei em Jakku, esperando...  esperando por você, mesmo sem saber! Eu pensei... pensei que você não havia me buscado porque não pôde, mas... mas você nunca iria me buscar!

- Fiz para o seu bem. E não me arrependo. Isso... agora a raiva veio, não é? A raiva que pensava não ter de mim!

- Quando vai parar com isso? Quando? – expirou com força, o ar se condensando ao seu redor, saindo dela juntamente com a raiva. Engoliu em seco e desligou o sabre, relaxando os ombros, a voz magoada –Matou minha mãe para salvar meu pai. Salvou minha vida quando nasci para depois roubá-la de mim. Fez nascer em mim amor por você... para depois me abandonar naquele inferno. Criou um monstro para destruir Snoke e salvar a galáxia, ao custo de milhões de vidas. E está aqui, perseguido pelo próprio monstro que criou.  Como alguém pode fazer tanto mal desejando fazer o bem??

- Finalmente você enxerga. – cerrou os punhos, virando o rosto para o lado, travando a mandíbula - Era o fim esperado, não?   Quis fazer o melhor, mas não era o suficiente.  Tentar ser bom não é o bastante, Rey... não para mim. Porque nunca fui como Luke. Não sou como você.

- Porque envereda por caminhos que fogem do controle.  Você sempre quis fazer o melhor... quis tanto que não mediu as consequências.

- Ah, sempre quis fazer o melhor... mas não se engane. Eu sabia das consequências. A diferença entre nós três é que pago um preço que vocês jamais aceitariam pagar.

- O preço de produzir o mal para lutar contra o mal. Isso é insano! Acaba por perder todo o parâmetro... de perceber o que está fazendo... de, mesmo querendo fazer o bem, se afundar nas sombras.

Ben estremeceu. Semicerrou os olhos, a garganta travada.

- Não deixarei de fazer o que é preciso para deter Snoke e Kylo, mesmo que me custe beirar o Lado Sombrio... ou até me voltar para ele, se não houver alternativa.

- Esse sacrifico é loucura. Destruir o mal e acabar se tornando o mal! De que adiantará tudo o que fez até aqui?

- Não pretendo falhar.

- Você já falhou antes. Pode falhar novamente.

- Então... haverá você para me deter.

Rey empalideceu, os olhos arregalados.

- Não.

Ele se chegou mansamente à Rey, parando a poucos centímetros dela. Ela não recuou dessa vez.  Ben levou sua mão ao rosto dela, alisando-o, contando as inúmeras sardas que lhe pintavam as faces. Não eram tantas quando ela era criança, pensou, enquanto relaxava. A verdade era uma amante traiçoeira. Aliviava-o da tensão de um segredo, porém não o isentava de seus efeitos. Contara a ela, finalmente, uma das linhas do futuro que ele antevira. Um futuro possível entre tantos que se estendiam à sua frente... ela o matando, enfiando o bastão-sabre em seu coração.

Prosseguiu no carinho, deslizando lentamente os dedos para seu pescoço, passando por detrás da orelha e envolvendo sua nuca por debaixo de seus cabelos castanhos, enquanto os olhos de Rey se arregalavam ainda mais, tanto por suas palavras quanto pela ternura em seu gesto. Se aquele seria o futuro a vingar, não era o pior. Ele não escaparia de todos os acontecimentos... sabia disso há muito tempo.  E nem deveria.  Era o preço a pagar. As mortes e o sofrimento causados por Kylo Ren eram sua responsabilidade. Ele o criara. Ele o soltara. Ele permitira que Ren existisse. Mesmo por uma causa justa, os efeitos devastadores não ficariam sem eco. Sua decisão ricochetearia de volta. Inevitável... independente de sua intenção ter sido... boa.

Recordou-se de uma conversa com Lore, quando ele era apenas um garoto. Escolhas e intenções. Não necessariamente ambas se interligavam logicamente em resultados diretamente proporcionais. Ter boa intenção não garantia bons resultados. Desastres advinham de boas intenções.

Alisava-lhe a nuca suavemente, enquanto seu olhar passeava por todo o rosto dela, captando-lhe os mínimos detalhes. Valente... forte... linda. Uma pena... poderia tê-la amado. E ela o amaria. Tão fácil amá-la... se tivesse tempo, se fosse em outras circunstâncias.

Os olhos dela piscaram, surpresa e incapaz de se mover. Ben percebeu que alguns pensamentos dele flutuaram até ela, imobilizando-a. Será que ela vira o que ele pensava naquele momento?

- Sim.  Fará, se for necessário. Sabe que fará.

Rey piscou mais uma vez e suas feições se endureceram. Segurou-o pelo pulso da mão que ainda a tocava, encarando-o com firmeza. Ben se surpreendeu. Aquele olhar fixo e intenso cintilante lhe recordou os de Lore, mesmo com os tons distintos.

- Não farei. Não aceito isso. Esse futuro só acontecerá se permitirmos que ocorra.

Ben balançou a cabeça em negativa. Ela não sabia... ela não vira os futuros se desenrolando e convergindo para um mesmo fim. Estava pronto para dissuadi-la de sua postura quando o céu escuro da noite se riscou com raios intermitentes e trovões retumbaram naquele mundo sem vida.

- Ben Solo!  Eu sei que você existe! Eu sei quem você é! Estou com sua mãe. Vou fazer ela sofrer. Vou matá-la agora se não aparecer para me enfrentar!

Os trovões ressoavam pela noite, a voz de Kylo Ren pairando no ar, eternamente congelada no ar frio, cada palavra se repetindo interminavelmente, grudando-se na pele de Ben, ferindo-o, enraivecendo-o, sombreando seus olhos verdes escuros. Ao longe, quase imperceptível, o grito de sua mãe como um uivo do vento.

Seu semblante, antes tão suave, contorceu-se em ira nascente, as rugas se fincando em uma máscara de ódio. Elevou o rosto para aquele firmamento negro e sua voz estrondou no ar denso.

- Deixe minha mãe fora disso, covarde! Venha, desgraçado. Venha lutar comigo!!

Os relâmpagos se esvaneceram e os trovões se calaram. O silêncio... o silêncio sinistro, viscoso, cortante. Lentamente, Ben se enrijeceu, os lábios apertados e curvados para baixo, a lâmina púrpura surgindo vagarosamente, tal qual o ódio congelado dentro dele há tanto tempo agora reavivando-se. Sim... isso... mais uma vez... outra vez... como antes... como antes, em sua infância. O poder, contudo, não se encontrava lá como fora. Não se surpreendeu. Estava consciente que Kylo estendera seus domínios após a queda dele, Ben. Que usava o poder que era seu. Kylo abraçara quase toda a sua mente, seu corpo, sua vida como um parasita, sugando-o, enfraquecendo-o. E aquele deserto de areias frias se fazia seu derradeiro refúgio, seu último e vacilante território.

Mesmo não acessando seu poder plenamente, o ódio por si só o fortaleceu. O ódio derrubou quaisquer dúvidas. E que fosse o bastante para fazer o que pretendia.

Rey se posicionou ao seu lado, a perna direita ligeiramente para trás e esticada, o joelho esquerdo flexionado, o bastão-sabre a reluzir nas duas lâminas lilases na sua mão. Sua expressão se fechara seriamente, concentrada, focada.

Um vento congelante os açoitou, o frio penetrando em seus ossos. Do horizonte, uma onda branca surgiu sobre as dunas como veneno a se espalhar. A neve gradativamente invadiu o deserto, absorvendo a areia, engolindo-a, dominando-a em direção de Ben e Rey. Ela avançava paulatinamente, devorando as arcas das recordações de Ben, estalando-as, abrindo seus fechos, penetrando no interior dos báus, petrificando-os, encapsulando as reminiscências quentes em mortal frio.

Ben soltou um grito abafado e seu rosto se crispou em dor ao som dos estalos em suas lembranças, no frio cortante que as dilacerava, que lhes extinguia o calor. O sabre caiu de sua mão. Ele se contorceu, como que atingido no peito, procurando ainda se manter em pé entre passos trôpegos.

Em meio à aflição, viu que Rey desligou seu bastão-sabre. Sua visão se turvou e sentiu suas mãos o amparando para que não caísse.

- Ben! Ben!

Ele respirava com dificuldade, o peito a queimar com o frio que envolvia seu coração.

O zunido de uma lâmina infestou todo o deserto e o brilho rubro ao longe iluminou o horizonte.

 


Notas Finais


Olá!

Desculpem a demora. O tempo escorre pelas mãos...!
Pretendia fazer este capítulo já com o enfrentamento com Kylo mas demoraria muito mais em publicar.
O capítulo 36 já está em minha mente e creio que não demorará o mesmo tempo que este demorou.
Perdi o endereço do site onde encontrei a capa. Logo que o encontrar, coloco aqui nas notas finais.


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