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História De luz e de sombras - Confronto - Segundo Ato: Kylo e Rey


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


O mal nunca é fora do comum e sempre humano. Compartilha nossa cama e come à nossa mesa.
( W. H. Auden)

Capítulo 37 - Confronto - Segundo Ato: Kylo e Rey


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Confronto - Segundo Ato: Kylo e Rey

Novamente ela se encontrava diante de seu inimigo.

E o inimigo possuía o rosto de seu amigo.

O horizonte havia perdido sua vermelhidão e o gelo voltara à sua brancura, esmaecida pela pouca luminosidade. O sabre rubro, a alguns metros de distância, agora concentrava toda a sua matiz e flamejava, inquieta, através das três saídas de empunhadura. A lâmina se encandecia em frente ao rosto dele, separando seu semblante em duas faces, ambas iguais nos traços, porém apenas uma lesionada pela cicatriz.

Rey firmou os pés na neve enquanto um músculo em seu pescoço se tencionava. Fitou os olhos de Kylo Ren por entre a espada de luz. Ele abaixou a lâmina lentamente, descobrindo seu rosto. Ela respirou fundo.  As feições de seu adversário agora possuíam significado concreto, diferente de como ocorrera na primeira vez na qual ela e Kylo Ren se encontraram. Naquela ocasião, a surpresa a tomou ao encarar aquele semblante, sua mente em revoada, alertando-a que, de alguma forma, aquela face lhe era conhecida e amada, mesmo com a crueldade a congelar aqueles olhos verdes escuros. Agora, não. Ali, Kylo Ren se mostrava em sua sombria glória, senhor de si, a fisionomia tão querida totalmente tomada pelo mal.

Ela rangeu os dentes, um travo de raiva. Era um pensamento insano, mas indignou-se que aquele ser escuro ostentasse as feições de quem ela amou desde criança, como se Kylo Ren houvesse roubado de Ben, além de sua vida, sua identidade.

Ia matá-lo. Não havia opção ou dúvida. Todavia, preciso era a coragem... pois seria a primeira vez que tiraria uma vida. Mesmo em sua existência em Jakku, ameaçada a cada instante, nunca chegara a esse ponto quando enfrentou aqueles seres gananciosos, belicosos e lascivos, fosse por uma peça encontrada em um destroier soterrado nas dunas, por uma porção de ração ou por sua própria vida e integridade. Ela lutara com raiva, movida pela emergência da sobrevivência. Derrotara seus adversários de infortúnio e algozes na luxúria, podendo dar-se ao luxo de ter compaixão e poupar-lhes da morte, após vê-los caídos e vencidos.

Com Kylo Ren, era matar ou ser morta por ele. E o rosto de sua primeira morte carregaria os traços de Ben.

Ela encarava duramente o cavaleiro negro a alguns metros à sua frente. Havia algo diferente naquela ardência gélida. Normalmente o controle era tal que o ódio faiscava com precisão no escuro dos verdes olhos. Em seu lugar, uma fúria coruscante se ascendia como um sol em expansão, tal qual a lâmina rubra de seu sabre.  Rey intuiu que fosse pela descoberta dele acerca de si mesmo.  Isso o tornava ainda mais perigoso.

Ele a analisou de alto a baixo vagarosamente, queimando-a enquanto passeava por todo o corpo dela. Os ombros dela se encolheram involuntariamente, como a se proteger daquela invasão e toque invisível. Conhecia o olhar jocoso e lascivo dos facínoras do planeta desértico que a perseguiram naqueles tempos. O de Kylo Ren, no entanto, era discreto, insinuante e elegantemente sórdido. Refinado. E não era apenas e puramente o desejo carnal. Este fazia parte de um anseio e objetivos maiores que só a maldade teria tal abrangência.

O medo se remexeu dentro dela, arrepiando toda sua pele. Rey expirou com força, como a empurrar o temor para longe e a raiva tomou-lhe o lugar. Raiva daquele ser sinistro e de todo o mal que ele espalhava, do sofrimento que ele impunha a incontáveis pessoas.

Da dor que ele provocava em Ben.

Kylo fez um volteio com o pulso, girando o sabre. Seus lábios se esticarem um quase nada, um risco feroz.

- Sabe quem sou.

- Sei o que você é.

Kylo caminhou para o lado, lentamente, sem desviar seus olhos dos dela. Rey andou para a direção contrária, os dois perfazendo um círculo.

- Você sabe... –  seus olhos se estreitaram - Então não há duvidas...   e nem existirão hesitações.

- Nenhuma.  Vou derrotá-lo novamente.

- Nunca se perguntou como conseguiu daquela vez?

- Você devia saber. Era quem estava caído aos meus pés.

 - Acreditou realmente que foi capaz de me vencer... sozinha?

Os dois pararam. Agora Rey estava em posição de ver Ben a metros avante de si. Kylo se deslocou ligeiramente à direita,  a fim de que ela tivesse a visão total do ferido. Rey empalideceu. Ela suspeitava, mas não tinha certeza absoluta... até agora.

- Ben Solo me conteve. Ele. Sempre foi... ele.

Tamanho desprezo e ódio nas palavras ditas por Kylo que Rey  deu um passo para trás, como atingida por um ventaval. A ira contida naqueles olhos verdes era assustadora. Ele odiava Ben de uma forma que ela jamais poderia imaginar que fosse possível.

Um ruído. Um leve arranhar na neve que ganhou volume e potência face ao profundo silêncio após Kylo se calar. Rey voltou sua atenção para Ben, caído de bruços nas dunas de gelo. A mão dele havia se mexido, agarrando a neve, e a cabeça se levantado um pouco. De longe, ele a fitava entre os cabelos empastelados de suor na testa.

O peito de Rey se elevou, a respiração mais rápida ao vê-lo assim.

- Ele não pode fazer mais nada. – rosnou Kylo, sem se virar para ver o outro –   Só conseguiu interferir antes porque ocultava sua existência de mim. Covarde... Fraco!

- Um fraco que você não pode matar sem também morrer.

- Um fraco que me mantém preso à sua mediocridade!

Ele jogou a cabeça para trás, seu rosto voltado para o firmamento negro, a indignação furiosa a lhe tingir o semblante, como se ele bradasse aos céus a revolta diante da injustiça de sua origem.

Voltou-se para Rey, o sabre vermelho flamejando na direção dela, os olhos brilhando em ira.

- Não posso matá-lo... mas isso não quer dizer que não seja destruído. Por quanto tempo acredita que Ben Solo suportará existir no meu mundo? Por quanto tempo ele resistirá a ser absorvido e tornar-se um nada? Vivo para que eu exista... e morto a não poder mais ser alguém.

Rey estremeceu, a raiva de Kylo e o medo por Ben. De súbito, em um impulso, esticou sua mão esquerda, encolhendo a direita que empunhava seu sabre. Uma onda formigante emanou de sua palma e atingiu o sabre de Kylo, pulando de seus dedos. A espada de luz flutuou, já se sendo arremessada para longe quando Kylo Ren o atraiu novamente para si em pleno ar e, com a canhota, enfrentou o fluxo da Força vinda de Rey, os dois com os braços estirados um para o outro, o poder invisível de ambos se chocando, pressionando-se com um cabo de guerra etéreo. O rosto de Rey e de Kylo se contorceram pelo esforço, o suor brotando em suas testas, os braços tremendo pela força que exalam.

O poder de Kylo a pressionava. Ele tinha razão...! Ben o detivera no combate na floresta, pois ela nunca tinha sentido a potência da Força em seu inimigo daquela forma, tão denso, tão implacável! Lembranças a assolaram naquele instante, conversas antigas com seu pai, quando ela indagara a ele se Ben era mais poderoso que o próprio mestre e este afirmara que sim. E o poder de Ben, contido por todos aqueles anos, agora parecia estar em Kylo, pois esse usava a via do ódio sem barreiras ou culpas... e sem Ben a impedi-lo.

Uma dúvida nasceu nela. Seria capaz de deter aquele ser...? Teria poder suficiente para derrotá-lo?

O fluxo invisível oriundo de Kylo ganhou espaço e avançou contra ela, obrigando-a a se ajoelhar a fim de suportar tal magnitude. Ela abriu a boca, os dentes à mostra, o empenho em aguentar aquele poderio a arrancar gritos silenciosos de si.

Vislumbrou Ben, atrás do duplo, em um esforço, também ele a esticar o braço em direção do cavaleiro, um inesperado e derradeiro poder saindo dele, distorcendo o próprio ar. Kylo rangeu os dentes, sentindo o ataque de seu criador. Sem tirar os olhos de Rey, lançou seu próprio sabre ao alto, a lâmina incandescente a brilhar e, com essa mão, agora desocupada, deu um tapa no vácuo, antes do sabre retornar e encaixar-se novamente em seus dedos. Ben foi esbofeteado pela força invisível e lançado na neve vários metros para longe, o baque surdo de seu corpo no solo gelado.

Rey viu Ben ser vencido mais uma vez... e, em nenhum momento, a atenção de Kylo direcionada para Ben enfraqueceu o poder dele para com ela. Ele enfrentava os dois!

Ela apertou os olhos com força, arrancando de seu interior toda a luz etérea que pôde clamar, irradiando-se por todos os seus nervos, seu sangue, a luz se materializando, emergindo dela e explodindo em magnitude por sua mão.

A explosão atirou Kylo para trás. Ela também voou metros em recuo.

Ela caiu de costas, seu sabre recolhendo a lâmina. Ela arfava, como Kylo a metros de distância, os dois se encarando. Kylo estreitou os olhos escuros, um sorriso feroz no esticar dos lábios. Pôs-se de pé, atraindo seu sabre para seu punho se fechando. Com a outra mão, trouxe Ben em um repuxão da Força, jogando o outro no chão e pisando no pescoço de Ben, prendendo-o sob sua bota negra, enquanto este se sufocava.

- Diga-me... Ellin. – pronunciou o nome dela devagar e apontou, com o sabre, as arcas congeladas e soterradas na neve ao longe – Onde está? Vasculhei as lembranças que meu criador ocultou de mim e não encontrei. Ele ainda esconde de mim! Que poder que você possui e que Snoke tanto deseja? Pois você não se mostrou oponente a mim. Não justifica que o Líder Supremo lhe dê tanto valor.

Chamá-la por seu nome de criança era como se quisesse diminui-la, pensou Rey, enquanto se levantava. Isso revelava uma insegurança dele. E Kylo não tinha conhecimento de tudo... ele não se dera conta que muito lhe escapava. Ela também não atinava realmente qual seria sua utilidade para Snoke, a não ser que o que seu pai levantara como hipótese: a manipulação das midi-cholrians e sua facilidade em penetrar os entre-mundos. Não chegara a uma conclusão de como Snoke utilizaria suas capacidades, capacidades estas ainda longe de seu auge.

Ela piscou, sensações e pressentimentos a espinhá-la. Seus poderes... seus poderes junto com os de Ben.

Olhou para Ben, aos pés de Kylo. Ele lutava para se manter consciente e também a fitava. Ele. Ele. Ele e... ela. Os dois. O que os ligava. Não apenas o amor de infância, o amor companheiro e fraterno durante aqueles anos bons.Imagens se impuserem em sua mente. Filetes róseos dourados. Feixes negros. O rosa se escurecendo. O escuro adquirindo tons luminosos dourados. Trançados, correndo juntos, alternando-se, interpenetrando-se. O coração dela. O coração dele. O mesmo ritmo, o mesmo pulsar. A vida nela... a vida nela que se esvaía quando era uma recém-nascida... a vida que Ben não deixara que partisse dela, doando-se para ela... puxando-a da morte.

Rey engoliu em seco, comovida. Ela havia assistido Ben tirá-la do ventre de sua mãe já morta naquela incursão ao passado, porém não tinha consciência do nível do empenho dele em não deixar a ela, Rey, partir. Não conhecia realmente, até então, a profundidade que os unia, acima de quaisquer amores humanos em suas mais diversas expressões. Ele lhe dera um pouco de si e ela oferecera parte de si para ele. Indivíduos únicos e independentes... mas interligados.

E, juntos, com aquela conexão... com seus poderes... o que Snoke desejava... para qual intuito, ainda não sabia.

Com a bota de Kylo sobre seu pescoço, asfixiando-o, Ben ainda pôde semicerrar os olhos para ela, captando-lhe os pensamentos e confirmando suas conclusões.  

Rey jamais imaginaria que o que sentia por Ben ultrapassasse o amor cultivado desde criança. Era algo tão íntimo, tão profundo que ela não conseguia descrever para si, apenas sentir. Era natural para ela, pois sempre estivera lá e nunca refletira sobre sua origem e razão. Essa conexão, exponenciada pelo convívio e amor que nutriam um pelo outro na infância dela, adquirira moldes compreensíveis humanos, mas era muito, muito mais.

Ela se emocionou por um momento. Compreendia outras coisas, agora. Entendia a mudança do olhar de Ben para com ela, já ambos adultos. A ânsia dele por ela, tonalizada por sua intensa solidão nos anos preso no mundo mental, transformara sua afeição em algo diferente, enquanto a profunda compaixão que ela passou a sentir por ele fincava raízes.  Trincou os dentes. O sentimento que os ligava se expressava em eixos diferentes, embora a consistência não fosse abalada. Não sentia essa paixão por Ben. Amava-o intensamente, mas não daquela forma.

Os olhos de Ben se fecharam, a profunda ruga entre os cenhos.

Ela fechou o punho, consternada.

Tudo ocorreu em um fúlgido instante. Ela balançou a cabeça e retornou a encarar Kylo. O desejo dele. A obsessão dele por ela. Sim... agora compreendia o reflexo distorcido dos sentimentos de Ben em Kylo, sua aversão por ele. Ela e Kylo também se encontravam conectados... de uma maneira bruta, visceral.

- Está com medo, Kylo Ren. – disse o nome dele também lentamente, acionando novamente seu sabre – Teme o que não compreende. O que nunca poderá compreender! O que Snoke procura está em mim e em Ben, jamais em você. Destrua Ben e o seu Líder Supremo perceberá quem você realmente é... que você não é o que ele deseja... que você é dispensável. Sempre foi, não é? Um fantoche de Ben. Um fantoche de Snoke. Só um nada a servir.

Kylo Ren se enrijeceu. Seus olhos se sombrearam perigosamente. Ele pareceu engrandecer-se, o ódio gélido a tomar-lhe todo o corpo. Retirou a bota de cima do pescoço de Ben e chutou-o no tronco, fazendo-o rolar pelo chão, sangue salpicando da boca dele, um rastro vermelho na brancura da neve.

- Hipócrita! A aversão que sente de mim vem dele. Verdade que superei meu criador... meu patético criador. Mas não feche os olhos para o que ele é. Eu sou o que ele era para ser! E o que ele tiver, eu possuo muito mais! Você é que é a fantoche... a que é jogada de um lado para o outro, manipulada pelo amor do jedi e pela paixão ridícula de Ben Solo. Você, como eu, viveu sob as mentiras deles!

- Você ousa a me comparar a você?!

- Sim... Você. Você, servindo aos mandos dos dois. Sua vida colocada como um joguete dos interesses deles. Eu, que fui criado para ser escravo daquele, libertei-me! Eu agora sou o senhor dele.

- E escravo de Snoke. Você nunca deixará de ser um escravo.

- Não... O tempo de Snoke também está contado. Você será a chave da minha libertação total. Pode ser a sua também...

- Propondo-me um acordo, monstro? Não é capaz de vencer sozinho?

- Deixe de me provocar com infantilidades. Não estou propondo um acordo. Você será meu ingresso para o poder, de uma forma ou outra. É a oportunidade de você finalmente tomar a vida em suas mãos, sem a influência do jedi ou a chantagem emocional do meu criador. Você nunca teve escolhas, não? Nunca parou para enxergar as escolhas que se apresentam para você agora que sabe quem é. Venha comigo. Veja a verdade além das ilusões que te conduziram.

- Querendo o meu... bem? – franziu a testa, confusa – O que ganha em troca?

- Satisfação. Satisfação de ver o jedi perceber que não tem o controle sobre tudo, que suas premissas tão puras não passam de um embuste, tendo sua filha lhe dando as costas. Prazer em ver meu criador tomar consciência da glória que renegou por um nada. Que perdeu você porque se prendeu a ideias toscas.

- Vingança. Usar a mim como vingança.

- E por que não? Você também guarda seus ressentimentos, não minta para si mesma. Estão abafados dentro de você por justificativas e complacência. Foi colocada na ignorância. Foi-lhe imposto um lado da versão dos fatos, sem espaço para reflexão por si mesma. Toda a dor que sentiu foi provocada por aqueles que te amam, mascarada por boas intenções, quando, na verdade, era por culpa e interesse próprios. Eles te usaram. E continuam te usando. Só existe realmente o poder, independente das motivações. O poder sobre os outros. O poder sobre si. Não se deixe cegar por eles que te controlaram.

- Você não compreende... não tem capacidade de compreender. – olhou para as arcas com as lembranças de felicidade de Ben.

- Não, é você que não entende. Eu vi as recordações... e nelas, percebi a verdade da ilusão que prendem meu criador e que te aprisionam. Você se torna uma tola como eles se permanecer assim. Torna-se débil em se pôr nas mãos de quem só lhe faz mal e enganando-a. Sempre cedendo, sempre submissa à vontade alheia. Nunca realizando o que realmente deseja.

 - E com você... - as palavras foram cuspidas com asco - Você escolheu as sombras.

- Deixe de lado essas teorias de bem e mal. São inócuas. São para medíocres que querem se agarrar a preceitos. O verdadeiro mal para você são eles, que te enganam em suas mentiras nobres. Eu não minto. Eu não engano. Eu sou o que sou.

-  Você está mentindo para mim.  – ela respirou fundo - Você esconde... esconde o que quer de mim realmente...

O sorriso dele se fez, provocativo.

- Não ocultei isso. Você sabe... você sentiu desde que nos encontramos. Não é ingênua a esse ponto. Ter você ao meu lado será um prazer... que posso muito bem descartar, se se mantiver iludida pela luz. Você não me é essencial. Não me custará nada eliminar você.

Rey fitou Kylo nos olhos. Um ser sem nenhuma compreensão. Um ser feito de pura maldade. Um ser constituído apenas de sombras... constituído assim por Ben. Kylo afirmava que ela não tivera escolhas, quando era ele que fora criado sem alternativas. Teria Kylo Ren consciência disso? Ele vira as lembranças felizes de Ben e em nada o afetaram. Se ele foi criado sem alternativas, agora as tivera... e, mesmo assim, as renegara.

Ele foi criado para o mal. E escolhera agora o mal.

Ele não deixava de ter certa razão no que falara. Sim, ela fora manipulada por aqueles que a amavam. A maior felicidade e a maior dor foram proporcionadas por quem amava. Entretanto, existiam tantas nuances... culpa, sim. Crenças, sim. Erros. Imperfeição. Mas, sobretudo, amor por ela... algo que jamais Kylo Ren poderia um dia entender. Não existia nenhuma retórica intelectual que poderia alcançar a natureza do amor. Ele era incapaz de perceber isso e essa era a sua maior deficiência. Era o que o tornava o que era.

Rey ergueu o sabre púrpura, sua luz a pulsar.

- Eu escolho por mim mesma. Não serei usada por ninguém, muito menos por você para fazer quem amo sofrer. Venha... terminemos isso de uma vez por todas.

Kylo estreitou os olhos, não pelas palavras dela e sim pelo tom de misericórdia imerso na determinação e bravura.

- Tenha pena de si mesma, catadora... pois escolheu o pior caminho para si.

Ele avançou para ela, implacável.

Os sabres se encontraram, o chirriado dos lasers, as fagulhas roxas e rubras no ar.

Kylo a atacou pela direita, baixando o sabre sobre o pescoço dela. Rey contorceu o sabre para sua esquerda, aparando o golpe. Grudou a lâmina na dele, forçando-o a descrever um arco para baixo. Kylo arremeteu pela esquerda e ela aplacou sua ação, seu sabre no dele. Ele forçou a lâmina e ela se curvou para trás diante do poder dele, mas para pegar impulso. Com os pés, escalou o corpo de Kylo, contorcendo-se em uma cambalhota e voou para trás.

Ele não lhe deu descanso. O sabre vermelho passou por seu rosto logo que ela atingiu o chão, antes que ela se protegesse, quase riscando-lhe as faces. O calor da lâmina vermelha, a centímetros de seu rosto, queimou-lhe a pele e cegou-a por um instante. Ela gritou e balançou a cabeça, a visão turva pelo calor,  enquanto elevava instintivamente seu sabre à nova arremetida dele, travando o golpe. Kylo chutou sua perna, causando-lhe a queda. Ela tombou de costas. O sabre flamejante veio em sua direção e ela rolou para o lado, a lâmina atingindo o vácuo de seu corpo, derretendo a neve, a fumaça branca a cobrir Kylo.

Em um pulo, Rey ficou de pé, já enxergando melhor, o vulto negro do cavaleiro se firmando à sua frente em novos golpes. Ele esticou o braço, o sabre a atingir-lhe o abdômen. Ela recuou o suficiente para que a lâmina não atingisse, deslocando-se para a esquerda, ao mesmo tempo que transferira um soco cheio de raiva no rosto de Kylo Ren.

Ela deu alguns passos para trás, refazendo-se, arfante, o suor a escorrer por suas faces e deixando o gosto salgado em sua boca. Kylo também estacou, passando a mão enluvada pelos lábios sangrentos.

- Sua misericórdia contém seu ódio! – disse, sorrindo – Você realmente não se conhece. Venha... venha para mim. Venha com todo o seu ódio!

Rey fez um esgar com a boca, os sentimentos contraditórios borbulhando. Misericórdia por aquele ser trevoso feito apenas de sombras. Ódio pelos atos que ele praticara e que viria a praticar se não fosse detido. Raiva por se permitir envolver emocionalmente com aquela... coisa! Ele não merecia nem um átimo de sua ira e, no entanto, lá estava ela, avançando para ele movida agora por raiva no frenesi da luta.

Baixou nele seu sabre em assaltos contínuos. Direita. Esquerda. Abaixo. Acima. Ali se encontrava toda sua raiva, toda sua ira pelo sofrimento que Kylo Ren infringira em Ben, em seu pai, nela mesma, em todas as vidas pela galáxia. Sua revolta. Seu senso de justiça descontrolado.  Kylo os aparou, defendendo-se, agora entre sorrisos diante do descontrole dela.

- Impeça-me! Impeça-me... pois farei seu pai e Ben Solo sofrerem se não me detiver. O que te detém ainda?

Ele foi à frente, o sabre vermelho a deixar rastros de chispas abrasantes do ar, enquanto ela andava para trás. Rey fez uma careta e deu um salto mortal acima de Kylo, cambalhotas no ar, caindo de frente com as costas dele, o sabre roxo pronto a atravessá-lo nas costelas. Ele se virou velozmente, detendo-lhe a lâmina com a sua. Ela rodopiou em si mesma para a direita, enquanto ele girava para a esquerda, os sabres se batendo no fim das voltas. Ela girou para a esquerda; ele, para direita, mais uma vez as lâminas se confrontando no término do circuito.

Pela terceira vez, ela rodopiou, agora para a direita. Kylo girou em direção contrária. No meio da giro, Rey saltou, ainda se voltando, agora ela acima dele, o sabre roxo em direção ao coração do cavaleiro negro. O sabre rubro veio em direção às coxas dela. A lâmina púrpura penetrou na armadura de cortesis de Kylo, encontrando resistência, perfurando lentamente o metal até atingir a pele dele e invadindo parcialmente seu corpo, enquanto o sabre vermelho rasgava a superfície das coxas dela, em um corte transversal.

Rey tombou na neve, o grito de dor, as coxas em carne viva, cauterizadas.

Kylo recuou e caiu de costas no chão, a mão no coração, o urro atravessando o mundo.

Ben gritou ao longe.

O deserto gelado estremeceu, um terremoto que serpenteou o chão em fissuras e o céu trincou-se,   todas as poucas estrelas a piscarem em morte, o mundo a pulsar em um momento, como a se destruir. Contudo, logo se acalmou, deixando as marcas de seu quase fim.

Ela gemia, suas coxas em brasa. O sabre não as havia amputado, mas produzido um corte profundo que a imobilizava e impedia que ela sentisse suas pernas.  A dor a consumia e o suor copioso lhe tomou todo o corpo. Mesmo em agonia, ela escutou o berro de Ben e não compreendeu o motivo. Com dificuldade, inclinou-se para o lado, ainda deitada e enxergou Ben ao longe, com a mão no coração. Ela arregalou os olhos. Voltou-se para Kylo, na outra direção e ele também apoiava a mão no peito.  

Não, não era possível! Era Kylo que dependia de Ben para viver. Como... como...?

A dor a fez cair novamente, as costas na neve, sem entender o que acontecia. Procurou com os olhos o sabre roxo e o encontrou a uma certa distância dela. Esticou o braço. Não conseguia alcançá-lo. Parou, a dor a envolvendo, os gemidos involuntários, os olhos só vendo a escuridão do firmamento acima.

Um barulho. O arranhar da neve pisada.

Kylo Ren.

Ele se levantara, trôpego, a mão no peito, os cabelos caídos a lhe esconderem a expressão.

Rey esticou novamente a mão em direção ao sabre. Ele tremeu, mas não se movimentou.

Kylo empertigou-se, retirando a palma do dorso e vendo o furo na armadura, o cheiro da carne queimada, mas sem a profundidade suficiente para lhe lacerar o coração. Jogou a cabeça para trás, os cabelos se alinhando, obedientes.

Ela contraiu as feições dolorosamente e arrastou as costas pela neve, tentando se aproximar do sabre.

O cavaleiro negro caminhou lentamente em sua direção.

Rey se virou, ficando de lado com o chão, as pernas sem vida, arrastando-se para pegar a arma, cada movimento lhe arrancando um gemido.

Os passos de Kylo Ren ressoando cada vez mais perto

Em um derradeiro esforço, seu braço esticado, os dedos quase a tocarem a empunhadura do sabre. Quase... quase... mais um pouco... já sentindo o frio metal na ponta das falanges...

A bota negra de Kylo Ren esmagou sua mão. Ela urrou.

Kylo se abaixou e pegou o sabre roxo e arremessou-o para longe. Retirou a bota da mão dela e apoiou um dos joelhos na barriga de Rey, tirando-lhe o ar, ficando por cima dela. Pegou-a pelo pescoço, bastando uma só mão para envolvê-lo completamente, enquanto os braços dela tentavam atingi-lo, sem sucesso. Ele rangia os dentes, exasperado.

- Quem é você...? Quem é você que consegue me atingir?

Rey sufocava, as mãos desesperadas a arranhar o rosto de Kylo. Ela entrou em pânico. Fracassara! Fracassara!

Com a mão livre, ele pegou as de Rey num gesto só, juntando-as à sua e prendendo-as. Aproximou sua face na dela. Ela lhe sentiu a respiração gelada perto de si, a boca dele perto da sua, os olhos verde escuros próximos aos seus. Ele a encarava, relances de sentimentos escapando-lhe na fisionomia. Ódio. Impaciência. Porém, sobretudo, surpresa. Surpresa de como ela o enfrentara. E algo a mais.

Ele cerrou os olhos por um momento, os lábios dele quase encostando nos dela, inspirando fortemente, como se estivesse sentindo alguma coisa, como se identificasse um perfume.

Soltou um suspiro exasperado.

- Maldita. – sussurrou.

Em um arroubo, pôs de pé, trazendo-a junto pelo pescoço. Segurou-a com uma das mãos pela cintura, colada a ele, enquanto a outra continuava a esganá-la.

- Eu vou te matar... mas não hoje, não aqui. Aqui, você não me serve. – balançou-a pelo pescoço para que ela prestasse atenção – Leia Organa e o wookiee estão sob meu poder, em Naboo. Você e o jedi devem se entregar a mim se não quiserem ter em sua consciência a morte deles. Você foi derrotada, catadora.

Rey tentou falar, mas as vistas já escureciam. O mundo mental se diluía, a pressão das mãos de Kylo sobre ela se dissipando, a dor também lhe fugindo. Porém, antes de sua consciência perder-se, ela sentiu os lábios gelados de Kylo Ren nos seus.

 


Notas Finais


Olá!
Tive um bloqueio para escrever este capítulo. Havia deletado o capítulo 37 por o mesmo se desfocar da história e realmente me deu um branco para reescrevê-lo
Este ficará. A essência do que quis passar aqui se encontra. Não será deletado, embora eu provavelmente dê um verniz nele em outra ocasião para fazê-lo brilhar mais.
Como é uma obra aberta (escrevo e publico concomitantemente), por vezes acaba-se sair do prumo o enredo. Peço desculpas e agradeço a compreensão de quem acompanha a história.

Capa:
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