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História De luz e de sombras - Rachaduras nas sombras


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


Eu pretendia fazer logo agora um capítulo sobre Mestres e Aprendizes, onde mostraria o treinamento de Rey com Luke, paralelamente com uma conversa essencial de Kylo Ren com Snoke. Contudo, senti que precisava de uma transformação em Kylo e esta pequena sequencia mostra essa reviravolta da personagem, o que será essencial para seu desempenho nos próximos capítulos.
Espero que gostem.

Capítulo 4 - Rachaduras nas sombras


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Rachaduras nas sombras

As luzes vermelhas oscilantes tornaram-se em um azul estático.

                Quando a porta deslizou, Ayla prendeu a respiração de emoção. A grande bandeja que segurava oscilou e ela se viu obrigada a contorcer o corpo a fim de recuperar o equilíbrio, para que os copos e pratos não caíssem no chão. O suor do nervosismo escorria copiosamente por seus cabelos castanhos. Seu rosto com pequenas e graciosas sardas corou diante da perspectiva.

                As luzes rubras do enorme quarto eram fracas, refletindo-se parcamente nos móveis negros espalhados pelo recinto. Não havia muito mobiliário, o que ampliava ainda mais o local. Mas isso Ayla já sabia, pois lá já havia estado antes.

                Adentrou no quarto lentamente, acostumando a visão às sombras. Ao fundo, a grande cama com lençóis escuros desarrumados e um vulto masculino em pé. A moça apertou os olhos verdes e distinguiu que ele se encontrava com o dorso nu, as calças folgadas negras, descalço.

                A porta se fechou com um zunido.

                - Meu senhor...?

                - Deixe a bandeja no balcão. – a voz saiu grave.

                O mais ligeiro que pôde, depositou a bandeja no móvel, conferindo e arrumando as bebidas e comidas com esmero. Quando terminou, seu olhar caiu para o lado da bancada e ela enxergou uma sombra no chão. Abaixou-se para verificar. Era uma mulher deitada de costas, os olhos verdes muito abertos e a garganta rasgada e cauterizada.

                Estava morta.

                Ayla soltou um grito, levantando-se rapidamente e recuando, horrorizada. A moça sem mais vida tinha um rosto muito parecido com o seu. Mariah. Não, não... ela, não! E, antes que pudesse pensar em mais alguma coisa,  subitamente uma força a elevou ao alto, apertando seu pescoço e lançando-a violentamente para o extremo do quarto, batendo seu corpo na parede num ruído surdo.

                Kylo Ren saiu das sombras e caminhou displicentemente em sua direção ao som do sabre sendo ligado, a vermelhidão da luz revelando melhor suas cicatrizes na face direita e no peitoral.

                - Ora, ora... você não foi nada inteligente em vir aqui.

                A moça – quase uma menina – tremia tanto que as palavras saíram cortadas.

                -  Meu senhor... vim porque me ... me chamou. O que fiz...  para .... para lhe aborrecer?

                Kylo levantou a mão e a moça foi brutalmente atraída para ele, flutuando à sua frente. Seus pés se debatiam, as mãos no pescoço, sufocada, enquanto Ren a analisava friamente.

                - Andou espalhando boatos sobre mim. Não me incomodo realmente com as ofensas, mas com mentiras... ah, garota estúpida, isso não admito.

                Liberou-a com um gesto e ela desabou no piso de mármore negro, tossindo, procurando respirar novamente, o corpo dolorido. Um calor intenso se fez perto dela e Ayla elevou o rosto, percebendo a ponta flamejante do sabre a poucos centímetros de seu rosto e a voz de Kylo ressoando como um trovão.

                - Consigo tudo o que quero... Porém desejo ouvir de você a mentira sobre que contou para aquela outra – inclinou, em referência, a cabeça na direção do corpo sem vida – Fale!

                -  Meu senhor! – ela soluçava, sincera, encolhida de medo. Todavia, o desespero lhe deu forças para continuar e as palavras saíram agudas e rápidas – Não fiz nada de errado. Eu não menti! Mariah estava aterrorizada quando foi escolhida para lhe servir e quis confortá-la. – a luz rubra do sabre pintava o verde de seus olhos, como pequenas chamas em uma mata – O... o senhor não é como os outros pensam que seja.

                Kylo empertigou-se. Seus olhos se apertaram, não mais de indignação, mas de curiosidade. A lâmina vermelha se recolheu, deixando resquícios coloridos na penumbra. Conhecia, de antemão, o que a escrava viva falara para a morta – havia invadido a mente da outra pouco antes de passar o sabre em sua garganta. Entretanto, preferia escutar as palavras de suas vítimas antes de confrontá-las com as imagens em suas mentes, não apenas para descobrir mentiras e armadilhas, o que, de fato, ocorrera em várias oportunidades. Muitas vezes, contudo, a verdade dependia do momento na qual era estudada: as emoções e percepções diferiam de quando se vivenciava – as cenas guardadas na mente – e de quando eram recordadas – já contaminadas com eventos e análises posteriores feitas pela própria pessoa. A verdade se transvestia em várias nuances a cada minuto. E todas detinham o valor do absoluto em sua relatividade.

                E todas as relatividades lhe proporcionavam o conjunto absoluto sobre a verdade.

                Controle. Ao fim de todos caminhos sangrentos, essa tão ansiada sensação de domínio. De total manipulação da realidade. Da mais clara previsibilidade. Da destruição do medo.

                Ali emergia uma situação ainda indomada.

                O senhor não é como os outros pensam que seja.

                Voltou sua atenção para aquela jovem mulher caída, vislumbrando-a como um animalzinho que começava a ter esperanças de sobreviver.

                - Continue. – disse, seco.

                - Contei para Mariah – sussurrou, um pingo de confiança inundando seu semblante – que o meu senhor sempre foi muito gentil comigo, desde o primeiro dia que o servi – seu olhar pousou na cama de forma carinhosa – Eu estava com medo, mas o senhor fez que esse receio se dissipasse quando me tocou.

                Imagens brotavam sem resistência da mente de Ayla quando Ren invadiu sua alma. Invadir nem foi preciso, pois as portas se encontravam escancaradas, convidando-o para entrar. E lá estavam os dois se tocando levemente, beijos apaixonados, mas delicados. Lágrimas se derramando dos olhos verdes da garota. Lágrimas de alívio. Lágrimas de gratidão. Mais do que prazer, havia uma aura de felicidade ali. De pureza. E também de leve tristeza no rosto do homem que abraçava aquela quase menina.

                Kylo recuou um passo, entrando mais nas sombras.

                - O senhor se lembra da primeira vez que me viu e falou comigo? – perguntou ela suavemente, enquanto se levantava timidamente.

                Disso ele se recordava bem. A cena mental dela do primeiro encontro dos dois lhe chegou com o perfume da lembrança da menina. Sua própria recordação se mesclou à dela. Ele a distinguira em meio a várias escravas domésticas fazendo seu trabalho e pôs-se a apreciá-la. Não sentia nenhum desejo sexual naquele momento, pois acabara de se satisfazer com uma serva ruiva (do modo brutal que lhe era hábito). Seus instintos recém-apaziguados lhe proporcionaram a oportunidade de apenas contemplar a beleza de seu corpo esguio, a singeleza de seus gestos até nos atos que mais demandavam força.  E quando ela, sentindo-se observada, voltou-se temerosa para fita-lo, seu receio se fragmentou em um pequeno sorriso doce.

                Ele se retirou das reminiscências delas e das suas.

                Respirou profundamente. Lembrava-se muito bem daquele instante e do que pensara: que nada daquilo lhe pertencia e nem que desejava que pertencesse, jogando aquela cena nos porões das lembranças esquecidas.

                Kylo fora displicente. Deveria ter analisado sua postura e reação na época, abusado da garota e depois tê-la matado. Assim o assunto estaria resolvido e não o assombrando, como fazia agora.

                Mais preocupante era o segundo encontro. Ele não dormira com ela. Ele não tocara naquele corpo. Ele não a beijara. Ele não sentira aquela tristeza.

                Ele não se lembrava.

                Todavia, tão grave quanto a mais aquela ausência, fora a sua ação em plena consciência. Pois sua consciência no momento anterior interligava-se com o instante da ausência, em um fio condutor perigoso de inexplicáveis emoções diferentes.

                Terá sido por isso que, inconscientemente, chamara a outra escrava pela semelhança com ela e tira-lhe a vida à menor referência do que havia feito antes?

                Terá sido porque inevitavelmente as duas servas eram simples cópias de Rey?

                Mais uma vez aquela catadora de lixo. Ela estava em seu caminho desde sempre.

                O sangue lhe corria quente nas veias e isso era demonstração de fraqueza, de sua indisciplina. Cerrou os olhos verdes escuros e sentiu o frio correr pelo seu corpo, penetrar cada célula sua, cada nervo, cada calor que de si derivava. Isso. Assim. A frieza cortante do Lado Sombrio mais uma vez lhe acalmando para enxergar o que deveria ser visto. Era claro que se cercava de mulheres parecidas com a catadora. Havia algo nela que o atraía e não adiantava negar. A ignorância das próprias falhas oculto por um sombrio orgulho e a falta de devido autoconhecimento já levaram vários Sith para a morte e destruição.

                E para a redenção.

                Assim ocorrera com Darth Vader. Ele se deparou com sua maior fraqueza – seu filho – e deu as costas aos seus sentimentos, sentimentos que o corroeram pouco a pouco, ocultos pelo orgulho das sombras. Porém... a bem da verdade, refletindo com agudeza, Luke não era a fraqueza e sim o objeto utilizado fraqueza. A fraqueza se encontrava mais profundamente, uma rachadura nos princípios sombrios. Talvez até pela maneira que Vader havia sucumbido à escuridão.

 Não cometeria o mesmo erro. Não ignoraria suas fraquezas; já o fizera por tempo demais em relação às ausências. Algo, agora, emergia sorrateiramente para a consciência, contaminando suas convicções, decorrente de sua indisciplina e displicência. Não se iludiria que Rey era a origem de sua fraqueza; era o problema causado por sua rachadura interna, bem como as ausências achavam-se como expressão de sua impureza sombria. A ligação da catadora com o aumento e intensidade das ausências deveria ser cuidadosamente analisado.

O grande apreço pelos prazeres também se fazia como variável de distração. Torturas, sexo, humilhações, gosto por matar... tudo distração que alimentava o orgulho traidor. Não podia se dar ao luxo desse apego. Usar e descartar. Sem ligações. Sem vícios. Frio como gelo. Frio como o Lado Sombrio.

Providencial que seu encontro com o  Líder Supremo tivesse sido adiado em virtude de sua ronda por alguns sistemas potencialmente problemáticos. Snoke deseja ver tudo pessoalmente, fazer-se presente, implantar o medo e domínio diretamente nos subordinados. Tão diferente de Palpatine que, em sua soberba, desprezou tantos detalhes que o levaram à ruína e morte.

Sim, providencial que tudo isso tenha acontecido. Providencial que ele obtivera a chance de perceber suas falhas. Providencial fora o encontro de seu caminho sem se expor ao Líder Supremo. E providencial tenha sido que aquele algo tenha cometido o grande erro de tanto se expor, pois agora andaria inexoravelmente ao seu encontro para defrontá-lo.

Dentre toda aquela análise, o único elemento concreto e palpável era Rey. Através dela, a trilha para a rachadura interna poderia ser feita. Sim. Capturá-la. Seria um grande perigo, pois a catadora era o catalisador daquele algo, das ausências, mas o único modo de ele resolver de uma vez por todas o problema. Tinha que tê-la viva, ao seu lado. Contudo, ela se encontrava com Luke, claro, em algum planeta escondido, talvez no próprio Primeiro Templo Jedi.

Ele sorriu. Não iria busca-la. Ela viria até ele.

Léia.

- Meu senhor?

Kylo abriu os olhos. A escrava havia se aproximado mais dele. Não tinha ideia de quanto tempo se perdera – e se encontrara – em seus pensamentos.

- Meu senhor compreendeu o que aconteceu? – a doçura da voz vacilava com os olhos temerosos.

- Ah, sim.... – ele sorriu entre as sombras -  Eu compreendi tudo, finalmente.

O rosto de Ayla se iluminou.

- Fico tão feliz....! Perdoe-me, mas estou muito feliz em estar com o senhor agora.

Ele a pegou delicadamente pelo queixo.

- Você falou de mim para mais alguém?

- Não, meu senhor! Juro que não. – exclamou, alarmada.

- Eu acredito em você. – trouxe-a mais para perto, enlaçando-a em seus braços, sentindo seu perfume de flor em seus cabelos castanhos – Devo te agradecer por ter aberto meus olhos.

Ela soltou uma pequena risada de felicidade, encostando o rosto no peito de Kylo Ren.

- Meu senhor está de volta... meu gentil senhor...

Ele deu alguns passos para trás graciosamente, ficando a dois metros da moça, um pequeno sorriso esticando sua cicatriz. Olhou-a de cima abaixo, guardando bem aquele momento na memória.

- Você me mostrou as minhas falhas. Sou eternamente agradecido. E, justamente por isso, serei extremamente gentil com você.

- Como? – ela também sorriu.

- Matando você ... sem dor.

Os olhos dela se arregalaram, seu semblante aterrorizado e confuso

- Não, não... eu só te amei. – murmurou, entre lágrimas, recuando – Eu só queria te amar.

O luz do sabre iluminou com cores rubras o rosto de Kylo Ren.

- Eu sei. – a voz saiu profunda e rouca – E é por isso que vai morrer. 



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